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   Acórdão do Tribunal de Última Instância
   da Região Administrativa Especial de Macau
   
   
   
Recurso civil
N.N 15 / 2001

Recorrente: A aliás A1 aliás A2
Recorrida: B
   
   
   
   
   
   
   1. Relatório
   A intentou no então Tribunal de Competência Genérica uma acção declarativa com processo ordinário n.° 105/94-1° contra B e a sentença foi proferida em 7 de Dezembro de 1994 que julgou a acção procedente, declarando que a autora A é a proprietária do prédio urbano [Endereço], em Macau, sem numeração policial na altura, descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o n.° XXXXX, folhas 2 do Livro B-39 e condenando a ré B a restituir o imóvel à autora e lhe pagar a quantia mensal de duzentas mil patacas por mês desde 4 de Março de 1994 até efectiva desocupação do prédio, a menos que, entretanto, haja emissão da licença de construção, data a partir da qual os danos ficarão para liquidação em execução de sentença.
   B recorreu desta sentença para o então Tribunal Superior de Justiça. Por acórdão de 13 de Dezembro de 1995 proferido no processo n.° 321, foi negado provimento ao recurso e confirmada a sentença da primeira instância.
   Em 20 de Março de 2000, B interpôs o recurso extraordinário de revisão. O Tribunal de Segunda Instância julgou procedente o recurso e revogou a decisão da segunda instância proferida em 13 de Dezembro de 1995.
   Contra o acórdão do Tribunal de Segunda Instância vem agora A interpor recurso ordinário ao Tribunal de Última Instância, formulando as seguintes conclusões:
   “1. São três as questões que no presente recurso são colocadas à consideração de V. Exa.s e consistem em determinar :
   a) Qual o Tribunal competente para conhecer do Recurso Extraordinário de Revisão, nos casos em que a matéria de facto acolhida pela decisão a rever, proferida pela primeira instância, é confirmada na íntegra pelas instâncias superiores;
   b) Se são ou não taxativos os fundamentos enunciados no art.º 653.º do CPC;
   c) E se o fundamento da alínea c) do art.º 653.º do CPC se reporta à matéria de facto ou tem a ver, antes, com um qualquer pressuposto processual.
   2. O Recurso de Revisão deveria ter sido apreciado e decidido não pelo Tribunal da Segunda Instância, mas pelo Tribunal que decretou a decisão a rever.
   3. O que nuclearmente se questiona num Recurso Extraordinário de Revisão – para além dos casos específicos contemplados nas alíneas a), d) a g) do art.º 653.º do CPC – são as bases de facto tidas como inverídicas, nas quais se funda a sentença a rever.
   4. É, pois, à luz desta ideia mestra que o art.º 658.º do CPC – que estabelece que o Recurso de Revisão seja dirigido ao Tribunal que proferiu a decisão a rever mas interposto no Tribunal onde se encontra o respectivo processo – deve ser interpretado.
   5. Aos recursos de revisão interpostos com base em documento de que a parte não tivesse conhecimento ou que não dispusesse e que, por si só, fosse suficiente para destruir a prova em que a sentença se fundou, modificando a decisão em sentido mais favorável à parte vencida, a revisão terá de ser requerida na 1.ª instância: O fundamento da revisão é uma questão de facto; se a matéria de facto ficar arrumada na 1.ª instância e as instâncias superiores só conhecem das questões de direito, o que se pretende rever é a sentença da 1.ª instância.
   6. A competência para conhecer do Recurso de Revisão há-de, pois, caber ao Tribunal que tiver fixado, sem posteriores alterações, a matéria de facto, fundamento da acção.
   7. Na caso que nos ocupa, a matéria de facto dada como provada pelo 1.º Juízo do, hoje, Tribunal Judicial de Base, na Acção Ordinária de Reivindicação registada com o n.º 105/94, foi integralmente aceite e confirmada pelo, então, Tribunal Superior de Justiça, como claramente decorre da leitura do seu Acórdão de 13 de Dezembro de 1995.
   8. O Recurso Extraordinário de Revisão interposto pela ora recorrida B deveria assim ter sido conhecido pela Primeira Instância e não pelo douto Tribunal Recorrido.
   9. Conclui-se, assim, pela incompetência do Tribunal Recorrido, a qual, ao abrigo dos art.ºs 413.º, alínea a) e 414.º do CPC, constitui uma excepção dilatória do conhecimento oficioso.
   10. Deve, portanto, esse douto Tribunal da Última Instância conhecer da questão ora suscitada, por força do disposto no ponto 14 do n.º 2 do art.º 44.º da Lei de Bases da Organização Judiciária (Lei n.º 9/1999 de 20 de Dezembro) e, julgando procedente aquela excepção, revogar o acórdão recorrido e ordenar a remessa dos autos do Recurso de Revisão para o tribunal de primeira instância, por ser este o competente para conhecer do mesmo (art.º 412.º, n.º 2 do CPC).
   11. No caso em apreço, foi proferido o despacho de admissão do recurso, ulteriormente ratificado pelo Exm.º Sr. Juiz Relator do Tribunal da Segunda Instância, quando se impunha que pura e simplesmente tal requerimento fosse indeferido, por força do disposto no art.º 660.º, n.º 2 do CPC.
   12. Com efeito, a ora recorrida absteve-se de cumprir o ónus imposto pelo art.º 659.º do CPC uma vez que não especificou nenhum dos fundamentos que constituem objecto do recurso de revisão, nem tão pouco instruiu o seu requerimento com qualquer documento.
   13. A mera invocação da alínea c) do art.º 653.º do CPC não corresponde à especificação do fundamento; e se a lei se contenta com essa simples invocação, a recorrida não cumpriu o outro ónus que lhe cabia: apresentar o documento em que o pedido se funda.
   14. Conclui-se ainda ser manifesto que não há fundamento para o presente recurso de revisão.
   15. Não pode a recorrida permitir-se renovar agora uma questão amplamente debatida e cabalmente decidida – invocação por parte daquela da titularidade de um contrato de arrendamento que teria sido celebrado em 5 de Agosto de 1965 e que lhe permitiria ocupar o prédio reivindicado na acção, contrato esse que, não obstante ser conhecida por B, teria subscrito com o nome de B1 – porque a isso se opõe o caso julgado.
   16. Além disso, a questão suscitada não se enquadra em nenhum dos fundamentos enunciados no art.º 653.º do CPC, sendo taxativa a enumeração dos fundamentos constantes deste artigo.
   17. Quanto à apregoada ilegitimidade da ora recorrente, importa sublinhar que a circunstância de ter efectuado a transmissão não tira ao transmitente legitimidade para a causa; posto que tenha demitido de si o direito que estava fazendo valer no processo; posto que o tenha transmitido para outrem, nem por isso deixou de ser parte legítima: conserva a legitimidade que tinha até ao momento da transmissão.
   18. É certo que no caso em apreço a transmissão ocorreu – a falada doação – cerca de um mês antes da propositura da acção, mas a solução a adoptar não pode ser diversa da atrás referida, uma vez que a falada doação só foi levada a registo em 1999 e, como é sabido, “os factos sujeitos a registo só produzem efeitos contra terceiros depois da data do respectivo registo” (art.º 7.º do C.R. Predial então em vigor).
   19. Em qualquer caso, a ilegitimidade das partes – e já se viu que as partes são legítimas – não constitui fundamento do recurso interposto uma vez que, como atrás já se explicou, a enumeração do art.º 653.º é taxativa.
   20. O documento que consubstancia a falada e invocada doação – isto dando de barato que a recorrida teve em vista tal documento – não tem, por si só, força suficiente para destruir a prova em que se baseou a sentença a rever, não alterando assim o estado de facto do qual dependeu a formação do juízo definitivo do julgador.
   21. Em face deste entendimento, será fácil concluir que o valor da prova fornecida pelo referido documento em nada afecta ou altera o tema de facto, o mérito da causa, na referida acção de reivindicação, por outras palavras, a matéria de facto em que assentou a sentença.
   22. Para que assim sucedesse seria necessário que criasse um estado de facto diverso ao ponto de comprovar que o prédio teria efectivamente sido arrendado à ora recorrida, demonstrando-se assim que esta, afinal, tinha um título que lhe permitia, de modo legítimo, ocupar o imóvel em causa.
   23. Mas não. O documento não interfere com o mérito da causa, mantendo-se inalterável a premissa de que a ora recorrida não detém efectivamente qualquer título que legitime a ocupação do prédio reivindicado.
   24. Conclui-se assim que o fundamento da alínea c) do art.º 653.º do CPC tem a ver com a matéria fáctica – que, no caso dos autos da acção ordinária registada com o n.º 105/94, permanece inalterável – e não com os pressupostos processuais.
   25. Ora a ré, aqui recorrida, invoca em última análise, como fundamento do Recurso que interpôs, a ilegitimidade da ora recorrente, a qual, como atrás se disse, não integra as previsões das diversas alíneas daquele preceito, não constituindo fundamento para recurso de revisão de decisão transitada em julgado.”
   E apresentou os seguintes pedidos:
   a) Em provimento do presente recurso, deve declarar-se que o Tribunal competente para conhecer do Recurso Extraordinário de Revisão é o da Primeira Instância, sendo incompetente para o efeito o Tribunal Recorrido;
   b) Consequentemente, deve ser revogado o acórdão recorrido, ordenando-se a remessa dos autos do Recurso Extraordinário de Revisão para a Primeira Instância para conhecer do mesmo;
   c) Se assim não for entendido deve revogar-se o acórdão recorrido, decidindo-se pela improcedência do presente Recurso de Revisão, tendo em atenção que o requerimento interposto não foi deduzido nem instruído conforme prescreve a lei e que não existem fundamentos legais para a interposição do mesmo.
   
   A recorrida B apresentou a resposta com as seguintes conclusões:
   “1. Não colhem os argumentos invocados pela recorrente quanto à pretendida incompetência do Tribunal que apreciou e decidiu o presente Recurso Extraordinário de Revisão.
   2. O presente Recurso de Revisão Extraordinário foi interposto no Tribunal competente para o efeito, isto é, o Tribunal Judicial de Base de Macau, que o encaminhou para as instâncias próprias, para a sua apreciação e decisão, isto é, o Venerando Tribunal de Segunda Instância, cumprindo-se assim o art.º 658.º do CPC.
   3. O Recurso de Revisão foi efectivamente decidido em sede própria.
   4. Os fundamentos invocados pela recorrida são perfeitamente válidos e justificativos do Recurso de Revisão, nos termos da alínea c) do art.º 653.º do CPC.
   5. Considerar competente o Venerando Tribunal de Segunda Instância para apreciar e decidir o presente Recurso e a não aplicação dos art.ºs 413.º, alínea a) e 414.º do CPC, invocados pela recorrente.
   6. Deve o Venerando Tribunal de Última Instância considerar que foram cumpridos os requisitos processuais em matéria de Recurso de Revisão, quer quanto aos aspectos da competência do Tribunal, quer quanto aos fundamentos invocados pela ora recorrida.
   7. Que a recorrida cumpriu efectivamente o art.º 659.º, n.º 2 do CPC, e que é suficiente o documento por si entregue, para efeitos de instrução de recurso.
   8. Que considerando a natureza mista do Recurso Extraordinário de Revisão, a questão da existência e validade do Contrato de Arrendamento se encontra prejudicada face à ocultação grave da doação.
   9. Que pelo facto de ter sido ocultada essa Doação, a recorrida ficou impedida de questionar a sua validade e o Venerando Tribunal impedido de fazer a livre apreciação da prova, tendo a lide sido prejudicada.
   10. Que por estes motivos há fundamentos fortes e relevantes para o presente Recurso de Revisão.
   11. O fundamento invocado pela ora recorrida tem enquadramento legal na alínea c) do art.º 653.º do CPC.
   12. O facto de ter havido ocultação da Doação e de a recorrida não ter podido invocar a sua falsidade, constitui matéria suficiente para destruir a prova em que se baseou a sentença a rever.
   13. Se a recorrida tivesse tido oportunidade de questionar a referida Doação, a lide processual teria sido bem diferente da que foi, e certamente poderia ter feito valer o Contrato de Arrendamento que efectivamente possui em seu poder.
   14. A matéria relacionada com a possibilidade de averiguação da veracidade da referida Doação, em sede própria, é relevante para apreciação da ilegitimidade da recorrente.”
   Entende, por fim, que:
   “a) Deve o Venerando Tribunal de Última Instância decidir que o presente Recurso foi apreciado e julgado pelo Tribunal competente para o efeito.
   b) Deve considerar que os fundamentos invocados pela recorrida são válidos e relevantes, nos termos da alínea c) do art.º 653.º do CPC.
   c) Deve ser mantido o Acórdão recorrido, em toda a sua extensão e conteúdo, decidindo-se pela procedência do recurso de revisão e total acolhimento do Douto Acórdão proferido pelo Venerando Tribunal de Segunda Instância.”
   
   Foram apostos vistos pelos juízes-adjuntos.
   
   
   
   2. Fundamentos
   A recorrente suscitou fundamentalmente três questões:
   1. Tribunal competente para conhecer do recurso extraordinário de revisão.
   2. Se são taxativos os fundamentos enunciados no art.° 653.° do Código de Processo Civil (CPC).
   3. Se o fundamento previsto na al. c) do art.° 653.° do CPC se relaciona com a matéria de facto ou antes com um qualquer pressuposto processual.
   
   A matéria de facto é a constante das decisões das instâncias.
   
   Por ter sido suscitada a questão da incompetência do tribunal recorrido, o presente recurso é sempre admissível nos termos do art.° 583.°, n.° 2, al. a) do CPC.
   
   Quanto ao primeiro problema relativo à competência do tribunal, a recorrente entende que, segundo o art.° 658.° do CPC, a competência para conhecer do recurso de revisão há de caber ao tribunal que tiver fixado, sem posteriores alterações, a matéria de facto. Se o fundamento da revisão é uma questão de facto fixada na primeira instância que não sofreu alteração em via de recurso, o que se pretende rever é a sentença da primeira instância.
   No presente caso, a revisão fundamenta-se em documento de que a ré não tivesse conhecimento. A matéria de facto dada como provada pelo então Tribunal de Competência Genérica foi integralmente aceite e confirmada pelo antigo Tribunal Superior de Justiça. Assim, o recurso de revisão interposto pela ora recorrida deveria ter sido conhecido pelo tribunal de primeira instância e não pelo Tribunal de Segunda Instância ora recorrido. Conclui-se a incompetência deste nos termos dos art.°s 413.°, al. a) e 414.° do CPC.
   
   O recurso de revisão vem regulado na lei processual como uma das modalidades de recurso extraordinário (art.° 581.°, n.° 2 do CPC) que visa a rescisão duma sentença transitada. Trata-se de último remédio contra os erros que atingem uma decisão judicial, já insusceptível de impugnação pela via dos recursos ordinários.1
   Nos termos do art.° 658.° do CPC, o recurso de revisão é interposto no tribunal onde se encontrar o processo em que foi proferida a decisão a rever, mas é dirigido ao tribunal que a proferiu, ou seja, o tribunal competente para conhecer do recurso de revisão é o tribunal que proferiu a decisão objecto do recurso de revisão. O problema surge quando uma decisão judicial já foi apreciada em sede de recurso ordinário. Para este aspecto, as letras do artigo não são suficientemente explícitas. Face à pluralidade de decisões judiciais de diversas instâncias sobre a mesma causa, torna-se necessário apurar o sentido do disposto no referido art.° 658.° de modo a determinar se é o tribunal que decidiu em primeira instância o competente para conhecer do recurso de revisão ou antes os tribunais superiores que julgaram o recurso da decisão de primeira instância.
   
   Pode-se abordar a questão a partir da análise da natureza do recurso de revisão.
   Como já ficou exposto, o recurso de revisão visa a revogação de uma decisão judicial já transitada em julgado com base nos fundamentos previstos nas diversas alíneas do art.° 653.° do CPC, com vista ao novo exame da mesma causa. Para o efeito, o recurso de revisão é desdobrado em duas fases. Na primeira, a chamada fase rescindente, o tribunal conhece do fundamento do recurso da revisão (art.° 661.°, n.° 1 do CPC) no sentido de averiguar se procede o fundamento invocado para o recurso poder prosseguir. No caso afirmativo, a decisão posta em causa é revogada (art.° 662.° do CPC). Entra, assim, na segunda fase, a fase rescisória, passando o recurso de revisão a revestir o aspecto de uma acção declarativa, com as fases da instrução, discussão e julgamento próprias de qualquer causa, com a excepção do caso previsto na al. g) do art.° 653.° do CPC.
   Assim, o recurso de revisão apresenta-se como um misto de recurso e de acção. A primeira fase aproxima-se dum recurso e a segunda assume a natureza de acção propriamente dita.2
   
   No entanto, é de notar que a primeira fase do recurso de revisão é algo diferente dos recursos ordinários. Nestes, uma decisão judicial é apreciada por outro tribunal de categoria superior, configurando assim como recursos devolutivos. Ao passo que no recurso de revisão, a decisão judicial impugnada é reapreciada pelo mesmo tribunal que a proferiu, por isso, não há qualquer efeito devolutivo, não se revogando a decisão de outro tribunal. Trata-se apenas de um controlo horizontal.3 É bastante esclarecedor o caso de que a decisão da primeira instância transita em julgado sem qualquer recurso e, consequentemente, é o mesmo tribunal de primeira instância que a proferiu o competente para conhecer do recurso de revisão nos precisos termos do art.° 658.° do CPC. Assim, não é necessariamente os tribunais superiores competentes para conhecer do recurso de revisão.
   Por outro lado, a disposição sobre os fundamentos do recurso de revisão previstos no art.° 653.° do CPC deve ser considerada decisiva na interpretação do disposto no art.° 658.° do CPC sobre o tribunal competente para conhecer do recuso de revisão. Este tribunal deve ser o que proferiu a decisão transitada em julgado com que se relacionam directamente os vícios fundamentos do recurso de revisão.4 Assim, é fundamental situar com precisão tais vícios num determinado momento processual de modo a fixar o tribunal competente para conhecer do recurso de revisão.
   
   Atendendo aos fundamentos do recurso de revisão, o tribunal competente para o conhecer pode ser qualquer um dos tribunais das diversas instâncias, seja os de primeira instância, seja os superiores. O fundamento previsto na al. a) do art.° 653.° do CPC sobre prevaricação, concussão ou corrupção do juiz que intervém na decisão impugnada já é bem explícito. Corolário disso é também o disposto no art.° 661.°, n.° 2 do CPC.
   Assim, entendida bem a natureza da primeira fase do recurso de revisão, quando o vício fundamento da revisão se encontra já na decisão da primeira instância, não deve o tribunal superior que conheceu do recurso ordinário desta decisão a julgar o recurso de revisão.
   
   Em todos os casos, o tribunal que conhece do recurso de revisão nas suas duas fases é sempre o mesmo, isto é, o tribunal que revoga a sentença anterior, objecto da revisão, deve continuar a proceder às diligências necessárias, julgar de novo a mesma causa e proferir uma nova decisão, conforme os casos.
   Assim, no caso de falta da citação ou nulidade da citação efectuada (art.° 653.°, al. f) do CPC), os termos do processo posteriores à citação do réu ou ao momento em que a citação devia ter sido efectuada serão anulados. Depois, o tribunal competente ordena a citação do réu para a causa, voltando a correr novamente o processo a partir da citação (art.° 662.°, al. a) do CPC), o que deve ocorrer no tribunal de primeira instância.
   O mesmo acontece com os casos de existência de documento desconhecido ou privado do uso da parte que é suficiente para modificar a decisão judicial em sentido mais favorável à parte vencida (art.° 653.°, al. c) e 662.°, al. b) do CPC), uma vez que os documentos destinados a provar os fundamentos de pedido ou da defesa devem ser apresentados, em regra, em tribunal de primeira instância. Assim, na segunda fase do recurso de revisão, o documento agora apresentado deve ser valorado neste tribunal e será novamente proferida uma sentença de primeira instância.
   Nestes casos até aqui referidos, a fase rescisória deve correr sempre em tribunal que julga a causa em primeira instância.
   Além destes casos, quando se verifica o caso julgado formado anteriormente para as partes (art.° 653.°, al. g) do CPC), o tribunal competente do recurso de revisão é também o de primeira instância por ser este que se deve apreciar a excepção de caso julgado em primeira mão (art.°s 414.°, 429.°, n.° 1, al. a) e 563.°, n.° 1 do CPC).
   
   Já em relação aos casos de a decisão transitada ter sido proferida por prevaricação, concussão ou corrupção do juiz que intervier naquela (art.° 653.°, al. a) do CPC), de falsidade de documento ou acto judicial (al. b) do referido artigo) e de nulidade ou anulação da confissão, desistência ou transacção (al.s d) e e) do mesmo artigo), a causa é novamente instruída e julgada pelo tribunal a que pertencia o juiz autor da actividade ilícita, onde se tiver sido apresentado o documento falso ou praticado o acto judicial falso, ou que recebeu ou homologou a confissão, desistência ou transacção (art.° 662.°, al. c) do CPC), que pode ser qualquer um dos tribunais das diversas instâncias.
   
   Finalmente, para os casos de falsidade de depoimento ou de declaração de perito (art.° 653.°, al. b) do CPC), o tribunal competente é também o em que foram apreciadas as provas referidas, embora só acontece com tribunais de primeira e segunda instância (art.° 629.°, n.° 3 do CPC).
   
   Da análise feita pode-se concluir que no recurso de revisão, depois de considerar procedente o fundamento da revisão e revogar a decisão judicial transitada, o tribunal ordena que seja reiniciado o processo a partir do momento em que se verificou o vício conducente à revisão e profere nova decisão em substituição da outra já revogada. Por isso, o tribunal competente para conhecer do recurso de revisão é também o mesmo competente para reiniciar o processo a partir da fase processual em que se situava o vício.
   
   Para o nosso caso em discussão, a apreciação do documento desconhecido pela parte e agora apresentado deve ser feita pelo tribunal de primeira instância por caber a este apreciar esta prova em primeiro lugar e a matéria de facto apurada não ter sido alterada no recurso decidido pelo então Tribunal Superior de Justiça. De facto, o tribunal de segunda instância não pode substituir o tribunal de primeira instância a apreciar, pela primeira vez, as provas e proferir a sentença final. A lei não confere competência ao tribunal superior para iniciar de novo o procedimento que devia correr perante tribunal de primeira instância. Tudo deve correr como o processo voltasse à fase de discussão e julgamento da causa.
   O mesmo acontece, por exemplo, com a falta ou nulidade da citação. Neste caso, não faz sentido que o tribunal superior se substitua o tribunal de primeira instância para proceder à citação do réu, ao saneamento do processo, à instrução e depois à discussão e julgamento da causa.
   Por outro lado, é de aplicar o regime de recurso ordinário a que a decisão revogada estaria originariamente sujeita no decurso da acção (art.° 661.°, n.° 3 do CPC). Neste contexto, a nova decisão proferida pelo tribunal de primeira instância é recorrível, se legalmente permitido, perante tribunais superiores. Se for o Tribunal de Segunda Instância a julgar o presente recurso de revisão, então o recurso seria interposto perante o Tribunal de Última Instância, mas no processo primitivo seria perante aquele, o que contraria evidentemente o regime do recurso originariamente aplicável ao processo.
   
   O competente para julgar o recurso de revisão é sempre o tribunal onde foi cometido o vício que suporta o fundamento daquela. No presente caso, a requerente do recurso de revisão alega a existência de uma transmissão da propriedade do imóvel documentada por escritura pública de que desconhecia. Por ser relacionado com a matéria de facto objecto da discussão e audiência de julgamento no então Tribunal de Competência Genérica de Macau, o presente recurso de revisão deve ser dirigido ao hoje Tribunal Judicial de Base nos termos do art.° 658.° do CPC. Assim, o Tribunal de Segunda Instância é incompetente para conhecer do presente recurso de revisão e o processo deve ser remetido para o tribunal competente, ou seja, o Tribunal Judicial de Base (art.° 33.°, n.° 1 do CPC).
   Assim, deve conceder provimento ao recurso e torna-se, deste modo, prejudicado o conhecimento dos restantes fundamentos do recurso ora em apreço.
   
   
   
   3. Decisão
   Face ao exposto, acordam em julgar procedente o recurso, revogando o acórdão recorrido e declarando competente para o conhecimento do recurso de revisão o Tribunal Judicial de Base.
   Baixam os autos para o Tribunal de Segunda Instância a fim de os remeter para o tribunal competente.
   Custas pela recorrida.
   
   
   Aos 20 de Março de 2002.
   
   
    Juízes:Chu Kin (relator)
    Viriato Manuel Pinheiro de Lima
              Sam Hou Fai
1 Cfr. Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 2ª ed., Almedina, 2001, p. 315 e 316.
2 Cfr. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado, vol. VI, Coimbra Editora, 1985, p. 375 e 376. No mesmo sentido, Fernando Amâncio Ferreira, ob. cit. p. 327 e 328.
3 Cfr. Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, 2ª ed., LEX, Lisboa, 1997, p. 371 e 372.
4 Cfr. Fernando Amâncio Ferreira, ob. cit., p. 330. No mesmo sentido, Alberto dos Reis, ob. cit., p. 378 e 379; José dos Santos Silveira, Impugnação das Decisões em Processo Civil, Coimbra Editora, 1970, p. 477.
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Recurso n.° 15 / 2001 17