打印全文
   
   
   
   Acórdão do Tribunal de Última Instância
   da Região Administrativa Especial de Macau
   
   
   
Recurso em processo penal
N.N 1 / 2002

Recorrente: A
   
   
   
   
   
   1. Relatório
   O arguido A, ora recorrente, foi condenado, juntamente com outro arguido, por acórdão do Tribunal Judicial de Base proferido em 6 de Abril de 2001 no processo comum colectivo n.° PCC-006-01-3, por co-autoria material de um crime de tráfico de produtos estupefacientes previsto e punido pelo art.° 8.°, n.° 1 do Decreto-Lei n.° 5/91/M, com as circunstâncias agravantes previstas no art.° 10.°, al. g) do mesmo diploma, na pena de onze anos de prisão e multa de dez mil patacas, com a prisão alternativa de sessenta e seis dias.
   Em 24 de Outubro de 2000, ainda na fase do inquérito dos presentes autos, o arguido interpôs recurso do despacho do Juiz de Instrução Criminal a fls. 65 a 68 na parte relativa à validação da busca domiciliária efectuada na sua residência.
   Depois da remessa dos autos para o Tribunal Judicial de Base, isto é, já na fase de julgamento, o mesmo arguido interpôs, em 28 de Fevereiro de 2001, outro recurso do despacho a fls. 232 e 233 relacionado com a validade das declarações para memória futura da declarante B.
   Por fim, apresentou também recurso do acórdão final condenatório proferido pelo Tribunal Judicial de Base.
   Por acórdão do Tribunal de Segunda Instância, foi julgada extinta a instância do segundo recurso e improcedentes os dois restantes.
   Vem agora o arguido recorrer para este Tribunal formulando as seguintes conclusões:
   “1. As formalidades a cumprir para efectuar uma busca domiciliária estão previstas no art.º 162.º do CPP, aí se prescrevendo que só podem ser ordenadas pelo Juiz, a não ser nos casos excepcionais previstos no mesmo artigo e em que podem ser ordenadas pelo MP ou efectuadas por órgãos de polícia criminal.
   2. Nestes últimos casos (excepcionais) a busca efectuada deve ser comunicada imediatamente ao Mmº Juiz de Instrução, sob pena de nulidade, nos termos do n.º 5.º do art.º 159.º do CPP aqui aplicado por força do n.º 2 do art.º 162.º (in fine) do mesmo código.
   3. O que não aconteceu no presente caso, visto que o Mmº Juiz de Instrução só teve conhecimento da busca domiciliária em causa, cerca de 32 horas depois da sua efectivação e apenas porque lhe foi distribuído o processo e só se pronunciou pela validade dessa busca domiciliária, depois de ter sido requerida a nulidade da mesma, pelo arguido A ora recorrente.
   4. Razões porque se entende que houve incumprimento de formalidades legais imprescindíveis para a realização, de modo válido, da busca domiciliária em questão. Incumprimento que a própria lei processual penal, nomeadamente no n.º 2 do art.º 162 do CPP, sanciona com a nulidade.
   5. E não como decidido pelo Mmº Juiz de Instrução Criminal fundamentado a validação da busca porque fora autorizada pelo co-arguido que vivia no mesmo apartamento e que essa busca fora efectuada pela PJ sem a prévia autorização judicial porque havia razões para crer que a sua demora representava grave perigo para a recolha e conservação de provas, validando a busca nos termos dos art.ºs 162.º, n.º 2 e 159.º, n.º 4 al. a) do CPPM.
   6. Não pudendo também, pelas razões supra referidas, concordar-se com o decidido quanto a esta matéria no Douto Acórdão recorrido, pois ai se afirma, a nosso ver sem que encontre “eco” legal, “Nas situações excepcionais do disposto no art.º 162.º, a lei permite que a polícia criminal ou, a ordenado pelo Ministério Público efectue a busca domiciliária sem a autorização do Mmº Juiz de Instrução Criminal, e, só no caso de al. a) do n.º 4.º do art.º 159.º é que deve ser a diligência comunicada ao Mmº Juiz de Instrução Criminal, nos termos do n.º 5 do mesmo art.º 159.º ”
   7. Acrescentando-se, nesse mesmo Acórdão recorrido, que “Quer dizer nos casos previstos nas al.s b) e c) do mesmo n.º 4 não sujeita à referida comunicação nem validação do Mmº Juiz de Instrução Criminal.”, interpretação que, pelo exposto, também não pode concordar-se.
   8. Verificando-se, desse modo, que não foram cumpridos os requisitos legais para a efectivação da busca domiciliária, previstos no art.º 162.º do CPPM.
   9. Por outro lado, o arguido requereu ao Meritíssimo Juiz do Instrução Criminal a nulidade das declarações para memória futura da declarante Patsura Olga por as considerar nulas.
   10. Tal questão, no entanto, não chegou a ser decidida, nem pelo Mmº Juiz de Instrução Criminal, nem pelo Mmº Juiz titular do processo na fase de saneamento do processo, nos termos do art.º 293 do CPPM. Tendo, por isso, o arguido, interposto recurso desse despacho de saneamento, requerendo a apreciação do requerido, e, caso se entenda, a declaração de nulidade daquelas declarações para memória futura. Recurso que foi admitido, a subir diferidamente.
   11. O Mmº Juiz Presidente do Tribunal Colectivo, durante a audiência de discussão e julgamento também não decidiu sobre o requerimento, tendo no entanto lavrado um despacho em que considerava o depoimento para memória futura prestado de forma legal de acordo com o disposto nos art.ºs 253.º e 276.º do CPP, sem que, no entanto, se fizesse menção do requerimento em questão ou decidisse sobre o requerido.
   12. Com a subida do recurso entendeu o Mmº Juiz do Tribunal de Segunda Instância que a instância do recurso estava extinta por inutilidade superveniente, tendo em conta aquele despacho proferido durante o julgamento e o facto de não ter havido recurso do mesmo.
   13. Ora, o facto de o arguido não ter impugnado o despacho proferido durante a audiência de discussão e julgamento quanto às declarações para memória futura, não pode ser interpretada como sanação da nulidade, nem como desistência do recurso (já admitido), nem como cessação do interesse em agir.
   14. A nulidade resultante da produção da prova proibida é de conhecimento oficioso até ao trânsito em julgado da decisão final.
   15. Logo, o Tribunal, colocado perante uma prova nula, ou colocada em crise pelo arguido, sem que houvesse qualquer decisão sobre as razões e os fundamentos invocados, não a devia utilizar enquanto não a apreciasse.
   16. Até porque as declarações para memória futura são livremente apreciadas pelo Juiz, não relevando se a testemunha declarou que não foi coagida, forçada ou levada a prestar declarações por promessa de encobrimento de crime que cometera.
   17. Não poderiam, por isso, ser utilizadas as declarações para memória futura em questão, para formação da convicção e fundamentação do Tribunal, sem que primeiramente houvesse uma decisão sobre a questão da nulidade resultante da utilização de prova proibida.
   18. Tendo, pelo contrário, sido utilizadas tais declarações para formação da convicção e fundamentação do Tribunal estamos perante uma violação do art.º 113.º do CPPM.”
   Pedindo que seja julgado procedente o recurso e, em consequência:
   “Seja anulado o acórdão do Tribunal de Segunda Instância ora recorrido;
   Seja declarada a nulidade da busca efectuada e de todas as provas que dela dependerem ou com ela conexas, desentranhando-se dos autos e destruindo-se;
   Seja apreciado o requerimento do arguido datado de 1 de Dezembro de 2000 e, caso se entenda, declarada a nulidade das declarações para memória futura da declarante B, nos termos e com os fundamentos invocados naquele requerimento.”
   Consequentemente, mais requerendo que seja anulado o julgamento e ordenado o reenvio do processo para novo julgamento.
   
   A magistrada do Ministério Público junto do Tribunal de Segunda Instância apresentou as seguintes conclusões na sua resposta:
   “1. Nos termos do art.º 162.º do CPPM, a busca domiciliária é, em regra, ordenada ou autorizada pelo juiz.
   2. Em casos excepcionais previstos nas alíneas a) e b) do n.º 4 do art.º 159.º, pode ser ordenada pelo MP ou efectuada por órgão de polícia criminal.
   3. No entanto, a busca assim efectuada “é, sob pena de nulidade, comunicada imediatamente ao juiz de instrução e por este apreciada em ordem à sua validação”.
   4. Entendemos que a comunicação imediata exigida por lei pode ser feita num prazo mais ou menos razoável para que a polícia possa preparar e apresentar expedientes necessários com vista à apreciação e validação da busca pelo juiz. Por outras palavras, o legislador exige a comunicação num espaço de tempo mais curto possível e logo depois de poder apresentar ao juiz os elementos necessários para a validação da busca.
   5. De facto, o legislador não indica concretamente quando se tem de fazer a comunicação.
   6. No entanto, não deixamos de encontrar nos ternos da lei a orientação, que é o prazo (de 48 horas após a detenção) fixado para apresentação do detido ao juiz a fim de ser julgado ou interrogado (art.º 128.º, n.º 1 do CPPM), pois neste caso o que se visa é também garantir o direito fundamental de liberdade dos cidadãos, que é considerado mais importante do que o direito à inviolabilidade do domicílio.
   7. Considera-se de imediato comunicada ao Juiz de Instrução Criminal a busca efectuada no dia 11-10-2000 (cerca das 6H25) e com a prévia anuência de um dos moradores, quando o órgão de polícia criminal apresentou no dia seguinte (12-10-2000) os arguidos detidos e as provas recolhidas, mormente com a busca e a consequente apreensão. E o Juiz de Instrução Criminal validou expressamente tal busca domiciliária.
   8. Com o recurso interposto do despacho de fls. 232, o que pretende o recorrente é, no fundo, o tribunal tomar decisão sobre a alegada nulidade das declarações para memória futura da testemunha B.
   9. No entanto, verificamos que em sede de audiência de julgamento, o Mmo. Juiz Presidente do Colectivo autorizou e mandou proceder à leitura das declarações para memória futura da testemunha B.
   10. Salvo devido respeito e melhor opinião em contrário, entendemos que, embora não incida directamente sobre o requerimento do recorrente de 1-12-2000, certo é que com tal autorização, nitidamente o juiz está a validar as declarações prestadas pela testemunha, no entendimento de não considerar nula tal prova, o que é no fundo uma decisão sobre a validade da prova em causa.
   11. Uma vez que não houve impugnação de tal despacho, até o próprio recorrente concordou com a leitura das declarações para memória futura da testemunha, é de considerar constituir caso julgado formal a mesma decisão.
   12. As nulidades, qualquer que seja a sua natureza, ficam sanadas logo que se forme caso julgado, não podendo mais ser arguidas ou conhecidas oficiosamente.”
   Entende, por fim, que se deve negar provimento ao recurso.
   
   Nesta instância, o Ministério Público acrescentou ainda, no seu parecer, que:
   “Com o despacho proferido em sede de julgamento que autorizou e mandou proceder à leitura das declarações para memória futura da testemunha, o Exmº. Senhor Presidente do Colectivo validou, no fundo, as mesmas declarações, no entendimento de não considerar nula tal prova e esta decisão constitui caso julgado formal.
   No entanto, se não for acolhido tal entendimento, achamos que o tribunal pode apreciar e pronunciar, no âmbito do recurso, sobre a validade da prova, uma vez que consta dos autos elementos necessários para o efeito.
   Ora, as declarações da testemunha B lidas na audiência de julgamento foram prestadas, após o juramento, perante a Mma. Juiz de Instrução Criminal.
   Na altura, a testemunha confirmou as suas declarações prestadas na PJ, pelo que tais declarações passaram a integrar nas prestadas no JIC nos termos do art.º 253.º do CPPM. E depois a testemunha prestou ainda depoimento que complementou as mesmas declarações. E não se vê nenhum vício nessa diligência.
   É de notar que, à instância do defensor do recorrente, a testemunha negou ter sido coagida ou ameaçada a prestar declarações na PJ, mas sim, por sua livre vontade, e negou também ter sido instigada pela polícia a prestar declarações desfavoráveis ao recorrente.
   Verificamos que o Hotel, onde a testemunha foi detectada, foi indicado pelo arguido C (fls. 3 dos autos). E consta da informação de fls. 120 e do auto de diligência de fls. 125 que não foi encontrado nesse quarto nenhum objecto relacionado com o caso que a PJ estava a investigar.
   Daí que não se vê a verificação do vício referido pelo recorrente no seu requerimento de fls. 153 que possa implicar a nulidade das declarações da testemunha.
   Nestes termos, é de negar provimento ao recurso interposto.”
   
   
   Foram apostos vistos pelos juízes-adjuntos.
   
   
   
   2. Fundamentos
   1. Foram dados pelas instâncias como provados os seguintes factos:
   “A partir da data indeterminada, os arguidos A e C começaram a praticar o tráfico de produtos estupefacientes em Macau.
   Os produtos estupefacientes obtidos pelos arguidos provêm, na sua maior parte, de Hong Kong e destinam-se à venda a prostitutas dos estabelecimentos de divertimento de Macau, nomeadamente às prostitutas russas, a fim de obter para si vantagens patrimoniais.
   Normalmente os arguidos A e C contactam os abastecedores de produtos estupefacientes através do telemóvel do arguido C, com o número XXXXXXX, para depois proceder a transacção.
   Antes da detenção, os arguidos viviam juntamente no [Endereço], Taipa.
   Normalmente os arguidos guardavam os produtos estupefacientes por si adquiridos no apartamento acima mencionado, para depois vendê-los a outrem.
   Em 11 de Outubro de 2000, pelas 2H15 horas, os arguidos A e C, que mal chegaram de Hong Kong, foram interceptados por agentes da P.M.F. junto do Posto de Examinação do Terminal Marítimo do Porto Exterior, tendo sido encontrados, na altura, nos bolsos das calças do arguido C três sacos plásticos que suspeitavam conter produtos estupefacientes.
   Submetidas a exame laboratorial, foi confirmado que as substâncias contidas nos referidos sacos plásticos se tratam de metanfetamina, constante da Tabela II-B, anexada ao Decreto-Lei n.º 5/91/M, com o peso líquido de 80.056g.
   Os dois arguido adquiriam a referida droga em Hong Kong, no dia em que foram detidos, para depois vendê-la a outrem.
   Como não foi encontrado nenhum produto proibido na posse do arguido A, assim os agentes da P.M.F. deixaram-no passar.
   Após a detenção do arguido C, os agentes policiais levaram este arguido ao [Endereço], Taipa, onde viviam este e o arguido A, a fim de efectuar a busca.
   O arguido A encontrava-se no dito apartamento na altura em que chegaram os agentes policiais.
   Foram encontrados na varanda do quarto do arguido A 182 comprimidos, um produto da cor preta e seis sacos plásticos que suspeitavam de conter produtos estupefacientes.
   Submetidos a exame laboratorial, foi confirmado que as substâncias contidas nos referidos sacos plásticos se tratam de metanfetamina, constante da Tabela II-B, anexada ao Decreto-Lei n.º 5/91/M, de peso líquido de 6.439g, e que os referidos comprimidos se tratam de MDMA, constante da Tabela II-A, anexada ao referido Decreto-Lei. Quanto ao produto da cor preta, verificaram-se que o mesmo se trata de resina de canabis, contendo substância de canabis, listada na Tabela I-C do mesmo Decreto-Lei, de peso líquido de 35.078g.
   Os arguidos A e C adquiriram e possuíram em conjunto os referidos produtos estupefacientes, a fim de vendê-los a outrem.
   Os arguidos A e C bem conheciam da natureza e características dos referidos produtos estupefacientes.
   Agiram consciente e livremente.
   Sabiam perfeitamente que as suas condutas eram proibidas e punidas por Lei.
   O 1.º arguido A não confessa os factos.
   Encontra-se desempregado e tem a seu cargo um filho menor.
   Possui como habilitações o curso secundário.
   O 2.º arguido C apenas confessa os factos por si praticados.
   Encontra-se desempregado e não tem ninguém a seu cargo.
   Possui como habilitações o curso secundário incompleto.
   Nada consta em desabono do 2° arguido do seu CRC junto aos autos.
   Em relação ao 1° arguido, do seu CRC consta o seguinte:
   - Por sentença de 3 de Dezembro de 1998, no processo contravencional n.° 366/98 do 1° juízo, o arguido foi condenado como autor material de uma contravenção prevista e punida pelo art.° 67.°, n.° 1 do Código da Estrada.”
   Nenhum facto ficou por provar.
   
   O recorrente suscitou, no presente recurso, duas questões: a da nulidade da busca domiciliária por falta de comunicação imediata ao juiz e a do pedido de apreciação do requerimento de 1 de Dezembro de 2000.
   
   2. Em relação à primeira questão, o recorrente entende que a busca domiciliária efectuada à sua residência pela Polícia Judiciária às 06:25 de 11 de Dezembro de 2000 é nula por não ter sido comunicada imediatamente ao juiz da instrução nos termos dos art.°s 162.°, n.° 2 e 159.°, n.° 5 do Código de Processo Penal (CPP).
   
   A questão que o recorrente levanta agora é a falta da comunicação imediata da busca domiciliária efectuada pela Polícia Judiciária (PJ) ao juiz de instrução segundo o art.° 162.°, n.° 2 do CPP que gera nulidade cominada pelo art.° 159.°, n.° 5 do mesmo Código.
   Em relação à busca em casa habitada, a lei dispõe especialmente nos n.°s 1 e 2 do art.° 162.° do CPP:
   “1. A busca em casa habitada ou numa sua dependência fechada só pode ser ordenada ou autorizada pelo juiz, não podendo, salvo no caso previsto na alínea b) do n.° 4 do artigo 159.°, ser efectuada antes do nascer nem depois do pôr-do-sol.
   2. Nos casos referidos nas alíneas a) e b) do n.° 4 do artigo 159.°, as buscas domiciliárias podem também ser ordenadas pelo Ministério Público ou ser efectuadas por órgãos de polícia criminal, sendo correspondentemente aplicável o disposto no n.° 5 do artigo 159.°.”
   Nos termos do n.° 5 do art.° 159.° do CPP, a realização da diligência é, sob pena de nulidade, imediatamente comunicada ao juiz de instrução e por este apreciada em ordem à sua validação.
   
   Ora, a nulidade prevista no art.° 159.°, n.° 5 do CPP não é uma nulidade insanável (art.° 106.° do CPP) mas antes dependente de arguição. E por se tratar de nulidade respeitante ao inquérito, deve ser arguida no prazo fixado na al. c) do n.° 3 do art.° 107.° do CPP perante o juiz de instrução e não logo por via de recurso.
   Como fundamento, a falta de comunicação imediata ao juiz de instrução não foi invocada pelo recorrente no seu requerimento da declaração de nulidade da busca apresentado em 12 de Outubro de 2000 logo depois do primeiro interrogatório judicial, nem voltou a suscitá-la no prazo acima referido perante o juiz de instrução. Assim, a nulidade invocada, a existir, por falta de comunicação imediata ao juiz sobre a realização da busca domiciliária pela PJ sanou-se no termo do prazo da arguição.
   
   Se assim não se entendesse, os fundamentos do recorrente também não procedem.
   A comunicação imediata ao juiz de instrução prevista no art.° 159.°, n.° 5 do CPP é entendida no sentido de que a comunicação deve ser feita no mais curto tempo possível ao juiz de instrução.
   No presente caso, a busca efectuada na residência do recorrente pela PJ foi em 11 de Outubro de 2000, às 06:25. Após diligências e exame de urgência aos estupefacientes apreendidos realizados pela PJ, o recorrente e outro co-arguido foram apresentados ao Ministério Público no dia seguinte. E o primeiro interrogatório do recorrente pelo juiz de instrução começou às 17:00 desse dia, tendo seguidamente apreciado a busca.
   Ora, não constitui nulidade quando o órgão de polícia criminal comunique a busca ao juiz de instrução no dia seguinte, ao apresentar o arguido detido juntamente com o expediente, que inclui, neste caso, o relatório do exame de urgência dos estupefacientes apreendidos. Não existem aqui valores ou bens jurídicos a proteger que impusessem uma mais célere comunicação. Por outro lado, é também preciso apresentar elementos minimamente preparados e necessários para o juiz de instrução poder apreciar a legalidade da realização da busca.
   Por outro lado, nos termos do art.° 128.°, n.° 1 do CPP, o arguido detido que não deva ser de imediato julgado é interrogado pelo juiz de instrução no prazo máximo de 48 horas após a detenção.
   Entende-se que a comunicação da realização da busca domiciliária ao juiz de instrução deve ser feita no mais curto tempo possível, logo depois de preparar os elementos minimamente preparados e necessários para o juiz de instrução poder apreciar a validade da busca, mas nunca após a apresentação do arguido detido ao juiz.
   Assim, não foi violado o disposto no art.° 159.°, n.° 5 do CPP.
   Improcedem os fundamentos da primeira questão suscitada pelo recorrente.
   
   
   3. Questão do pedido de apreciação do requerimento de 1 de Dezembro de 2000.
   Segundo o recorrente, este requereu ao juiz de instrução a nulidade das declarações para memória futura da declarante B. Tal questão não chegou a ser decidida pelo juiz de instrução, nem pelo juiz titular do processo na fase de saneamento do processo nos termos do art.° 293.° do CPP. Tendo, por isso, interposto recurso desse despacho de saneamento, requerendo a apreciação do pedido e, caso se entenda, a declaração de nulidade daquelas declarações. Durante a audiência de discussão e julgamento, o presidente do colectivo também não decidiu sobre o requerimento, tendo lavrado um despacho em que considerava o depoimento para memória futura prestado de forma legal sem que se fizesse menção do requerimento em causa ou decidisse sobre o pedido.
   O facto de o recorrente não ter impugnado o despacho proferido durante a audiência do julgamento sobre as declarações em causa não pode ser interpretado como sanação da nulidade, nem como desistência do recurso, nem como cessação do interesse em agir.
   
   Dos autos resulta que a declarante B prestou perante o juiz de instrução declarações para memória futura (fls. 145 a 149). O recorrente pediu declaração de nulidade das mesmas por requerimento de 1 de Dezembro de 2000 (fls. 152). No despacho judicial do mesmo dia não foi apreciado o pedido.
   Remetidos os autos ao Tribunal Judicial de Base para julgamento, o juiz titular do processo, no despacho proferido ao abrigo do art.° 293.°, n.° 1 do CPP (fls. 232 e 233), também não decidiu o referido requerimento.
   Assim, o recorrente, mediante requerimento de 28 de Fevereiro de 2001 a fls. 262 a 264, interpôs recurso do último despacho, pedindo:
   “A apreciação do requerimento do arguido junto aos autos em 1/12/2000 e, caso se entenda, a declaração de nulidade das declarações para memória futura da declarante B, de acordo com o exposto naquele requerimento e nos termos da conjugação da al. e) do n.° 2 do art.° 113.° e do art.° 113.° ambos do CPPM, para além da nulidade das provas que dependerem ou aquelas que possam ter sido por elas afectadas pela nulidade em questão.
   Caso assim não entendam V. Ex.ªs, requer que seja revogado o despacho recorrido, e que seja decidido, pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal Judicial de Base, a questão da nulidade suscitada pelo arguido no seu requerimento de 1/12/2000.”
   
   Ora, neste último requerimento, o recorrente pediu a título principal que o tribunal apreciasse o seu requerimento apresentado em 1 de Dezembro de 2000, declarando a nulidade das declarações para memória futura da declarante B, e só subsidiariamente veio recorrer do despacho de saneamento do juiz titular do processo na fase do julgamento a fls. 232 e 233, pedindo a sua revogação.
   Na verdade, não se deve entender que o primeiro pedido integrava o recurso, pois o recurso nunca serve para apreciar pedidos dirigidos a tribunal de primeira instância e por este não apreciados.
   
   Já na audiência do julgamento, conforme a acta a fls. 293, o magistrado do Ministério Público requereu a leitura das referidas declarações prestadas por B. Dada a palavra aos defensores dos arguidos, “por eles foi dito nada ter a opor”.
   Seguidamente, o presidente do colectivo proferiu o seguinte despacho:
   “Proceda-se à leitura das declarações dos autos em face da ausência da testemunha B, uma vez que o depoimento foi prestado na forma legal de acordo com o disposto nos art.°s 253.° e 276.° do CPP, assim se autorizando a leitura dos autos do depoimento da testemunha B – art.° 337.°, n.° 2, al. a) do CPP.”
   
   O recorrente arguiu uma nulidade das declarações para memória futura tomadas na fase do inquérito. Se o juiz de instrução não decidiu a questão suscitada nem o juiz titular do processo na fase do julgamento se pronunciou sobre a mesma no despacho de saneamento previsto no art.° 293.° do CPP, nada obsta ao tribunal de julgamento decidir a questão.
   Pelo teor do despacho, verifica-se que o presidente do colectivo pronunciou expressamente sobre a validade das declarações prestadas por B, afirmando que “o depoimento foi prestado na forma legal”, apreciou assim o requerimento do recorrente de arguição de nulidade das declarações, indeferindo-o tacitamente.
   Deste modo, ficou também apreciado pelo despacho do presidente do colectivo o pedido principal da declaração de nulidade das declarações constante do requerimento de 28 de Fevereiro de 2001 de interposição do recurso do despacho de saneamento. Sendo o despacho do presidente do colectivo recorrível, fica prejudicado o conhecimento do pedido subsidiário de revogação do despacho de saneamento.
   
   Após a leitura deste despacho e das referidas declarações na audiência, o recorrente não manifestou qualquer oposição nem interpôs recurso deste despacho. Assim, este transitou em julgado por falta de impugnação e formou-se caso julgado formal em relação à legalidade das declarações para memória futura lidas na audiência.
   Por estas razões, o Tribunal de Segunda Instância já não podia apreciar o recurso do despacho de saneamento interposto mediante requerimento de 28 de Fevereiro de 2001.
   Improcedem também os fundamentos da segunda questão.
   
   
   
   3. Decisão
   Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso.
   Custas pelo recorrente com taxa de justiça fixada em 6 UC.
   
   
   
   Aos 22 de Março de 2002.
   
   
    Juízes : Chu Kin (relator)
       Viriato Manuel Pinheiro de Lima
      Sam Hou Fai
   
   
   
Recurso n.° 1 / 2002 18