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Acórdão do Tribunal de Última Instância
da Região Administrativa Especial de Macau



Recurso de Decisões Jurisdicionais em Matéria Administrativa, Fiscal e Aduaneira
Processo n.P 15 / 2000

Recorrente: Secretário para a Economia e Finanças
Recorrida: A






1. Relatório
A recorrente inicial A interpôs recurso contencioso perante o Tribunal de Segunda Instância da Região Administrativa Especial de Macau, pedindo a anulação do despacho do então Secretário-Adjunto para os Assuntos Sociais e Orçamento de 3 de Novembro de 1999 que negou provimento ao recurso hierárquico necessário relativo ao requerimento da conversão do direito a transporte de veículo próprio previsto no Decreto-Lei n.° 60/92/M.
O Tribunal de Segunda Instância julgou procedente o recurso interposto pela recorrente inicial no acórdão de 22 de Junho de 2000 proferido no processo n.° 38/2000 que anulou o acto administrativo recorrido.
Posteriormente, o Secretário para a Economia e Finanças recorreu perante o Tribunal de Última Instância, pedindo a revogação do acórdão do Tribunal de Segunda Instância. Apresentou, na sua alegação, as seguintes conclusões:
   “1. Constitui objecto do presente recurso o acórdão proferido pelos Meritíssimos Juízes a quo que acordaram dar provimento ao recurso, anulando o despacho do Sr. Secretário-Adjunto para os Assuntos Sociais e Orçamento, datado de 3 de Novembro de 1999.
   2. Com o fundamento de que a exigência de registo, há mais de seis meses, constante do art.º 18.º do D.L. n.º 60/92/M, de 24 de Agosto (com a redacção do D.L. n.º 37/95/M, de 7 de Agosto) apenas impõe a prova de que o veículo a transportar é pertença do trabalhador (ou do seu cônjuge, tratando-se de bem comum) desde aquele período.
   3. O registo automóvel tem, essencialmente, uma vertente publicitária com o fim de individualizar os respectivos proprietários, no entanto, o art.º 18.º do D.L. n.º 60/92/M, de 24 de Agosto (com a redacção do D.L. n.º 37/95/M, de 7 de Agosto) exige como um dos requisitos essenciais para a formação do direito o registo da propriedade do veículo.
   4. Sendo que se a intenção do legislador fosse apenas impor a prova de que o veículo a transportar é pertença do trabalhador, não teria especificamente mencionado a necessidade de registo do mesmo.
   5. Uma vez que a Administração tem de se guiar por critérios de estrita legalidade, não se pode substituir ao legislador, sob pena de gerar discrepâncias de tratamento relativamente aos particulares com os quais se relaciona.
   6. Não podendo conceder que a interpretação que se faz, e sempre se fez, do referido dispositivo legal peque por demasiado restrita.
   7. Reafirmando-se que o título de registo de propriedade automóvel é o documento oficial que define com mais idoneidade a situação jurídico-inscritiva do mesmo e ao qual a lei atribui força probatória material.
   8. O que gera uma errada interpretação do art.º 18.º do D.L. n.º 60/92/M, de 24 de Agosto (com a redacção do D.L. n.º 37/95/M, de 7 de Agosto), por contrária à sua letra e espírito, susceptível de configurar o vício de violação de lei.”
   
   A recorrida não apresentou alegação.
   
   A Procuradora-Adjunta do Ministério Público emitiu o seguinte parecer:
   De acordo com a disposição constante do art.° 18.° do Decreto-Lei n.° 60/92/M, a aquisição e o exercício do direito a transporte do veículo próprio dependem de duas condições: uma é o período contínuo não inferior a quatro anos da prestação de serviço em Macau pelo trabalhador e a outra é que o trabalhador deve comprovar que a propriedade do veículo está registada há mais de seis meses em seu nome ou em nome do seu cônjuge.
   Quanto à primeira condição (o tempo de prestação de serviço em Macau), está manifestamente verificada.
   Quanto à verificação ou não da segunda condição, estamos em desacordo.
   Consideramos que, segundo a norma, o que o legislador exige é a prova do registo da propriedade do veículo e não a da propriedade do veículo.
   Como se sabe, o registo da propriedade de veículo está actualmente regulado pelo Decreto-Lei n.º 49/93/M. De acordo com o n.º 1 do art.º 1.° do mesmo Decreto-Lei, o registo de automóveis tem essencialmente por fim individualizar os respectivos proprietários e dar publicidade aos direitos inerentes aos veículos automóveis.
   Mesmo que o registo do veículo e da sua alienação seja obrigatório, a falta do registo acarreta apenas umas consequências de natureza administrativa (n.º 5 do Decreto-Lei n.º 49/93/M).
   Todavia, trata-se apenas de uma previsão geral.
   Sendo o Decreto-Lei n.º 60/92/M a legislação que se rege o recrutamento de pessoal no exterior, nada impede que o legislador, ao regular certos direitos do pessoal recrutado no exterior, impõe determinados deveres a fim de pode gozar estes direitos, tal como estão previstos nos n.ºs 3 e 8 do art.º 15.°, n.º 3 do art.º 16.° e n.º 2 do art.º 18.°.
   O n.º 2 do art.º 18.° exige a prova do registo da propriedade do veículo como o pressuposto para o exercício do direito por parte dos trabalhadores.
   Mesmo que a lei não indique expressamente qual tipo de registo, é sem dúvida que o registo de automóveis em Macau é processado apenas na Conservatória dos Registos Comercial e Automóvel, isto é, o registo regulado no âmbito do Decreto-Lei n.º 49/93/M.
   Mais ainda, sem dúvida de que não existem quaisquer documentos mais idóneos do que o título de registo emitido pela Conservatória dos Registos Comercial e Automóvel para a prova da propriedade de um determinado veículo (no caso de o veículo já estar registado).
   Se o registo de automóveis constitui apenas presunção, ilidível perante prova em contrário, de que o direito registado pertence ao titular inscrito (art.º 25.° do Decreto-Lei n.º 49/93/M e art.º 7 do Código do Registo Predial), então, no caso de não se proceder ao registo de automóveis, é mais possível suscitar problemas relativos à titularidade do direito da propriedade, aparecer confusões ao pretender exercer o direito a transporte do veículo e suportar as despesas indevidas pelas autoridades administrativas. Portanto, a exigência legal da prova pelo trabalhador que pretende exercer o direito a transporte do veículo do registo da sua propriedade há mais de seis messes em seu nome ou em nome do seu cônjuge tem por objectivo assegurar que os encargos assumidos pelo Governo sejam devidos e evitar as confusões e despesas não necessárias.
   Por último, se o legislador exigir apenas a prova da propriedade do veículo do trabalhador, é completamente desnecessário mencionar o registo do veículo, uma vez que existem várias formas para provar a propriedade e o registo de automóveis só constitui presunção ilidível da sua propriedade ao nível legal.
   Resumindo o acima exposto, consideramos correcto interpretar os requisitos constantes do n.º 2 do art.º 18.° do Decreto-Lei n.º 60/92/M no sentido de que o trabalhador deve provar que a propriedade do veículo está registada em seu nome ou em nome do seu cônjuge na Conservatória dos Registos Comercial e Automóvel, sendo uma interpretação correspondente à intenção legislativa e às letras da norma e não uma interpretação demasiado restritiva.
   Por isso, entendemos que o acto administrativo recorrido não violou as normas legais, não existindo quaisquer vícios, e deve ser mantido e julgar procedente o recurso interposto pelo Secretário para a Economia e Finanças.
   
   
   Foram apostos vistos pelos juízes-adjuntos.
   
   
   
   2. Fundamentos
   (1) Os factos considerados provados no acórdão recorrido:
   - A recorrente (refere-se a A) é professora do ensino secundário, recrutada a Portugal desde Setembro de 1991;
   - É licenciada em Línguas e Literaturas Modernas (variante Português / Francês);
   - Casou com B em 18 de Dezembro de 1989 sem convenção antenupcial;
   - Têm dois filhos menores C e D;
   - Em 23 de Junho de 1994 o marido da recorrente outorgou um contrato de compra e venda do veículo automóvel de marca “Daihatsu Charade CS – 1000 c.c.”, de matrícula MF-XX-XX, com “Motors”;
   - Registou-o em seu nome na Conservatória dos Registos Comercial e Automóvel de Macau em 20 de Agosto de 1999;
   - O veículo foi pago a prestações;
   - O preço foi integralmente pago em 1997;
   - Em 20 de Agosto de 1999 a recorrente requereu a concessão do direito de transporte do veículo para Portugal e a respectiva conversão em cubicagem nos termos da alínea c) do art.º 23.º do D.L. n.º 60/92/M;
   - O Chefe do Departamento de Contabilidade Pública da D.S.F. indeferiu o pedido em 3 de Setembro de 1999;
   - Foi interposto recurso hierárquico necessário para o Senhor Secretário-Adjunto para os Assuntos Sociais e Orçamento;
   - Que lhe negou provimento em 3 de Novembro de 1999 em despacho deste teor;
   “1. Concordo. Indefiro, conforme proposto.
    2. A D.S.F. notificará a interessada.
      J. Alarcão Troni
    3/11/99”
   - A proposta referida é do seguinte teor:
   “1. Por despacho da Sr.ª Chefe do Departamento de Contabilidade Pública da Direcção dos Serviços de Finanças, de 3 de Setembro de 1999, foi indeferida a pretensão da recorrente – conversão de 14m3 de transporte de viatura pessoal, por conta do Território – ‘(...) uma vez que o registo do veículo automóvel só foi processado a 20/08/99, não se enquadrando deste modo, no disposto no n.º 2 do art.º 18.º do D.L. n.º 60/92/M, de 24 de Agosto’ (cfr. Ofício DCP/DDP/99, de 06/09/99, assinado pela Chefe do D.C.P.).
   2. Notificada do despacho supra referido, veio a recorrente interpor recurso hierárquico necessário pedindo a revogação do acto administrativo consubstanciado no despacho da Sr.ª Chefe do Departamento de Contabilidade Pública, de 3 de Setembro de 1999 e, em consequência, o deferimento do seu pedido.
   3. Para tanto, alega ter sido a viatura em apreço por si adquirida a prestações no ano de 1994, tendo ficado integralmente paga em 1997, e que só por mero lapso de ambas as partes não foi a mesma desde logo registada em seu nome.
   4. Por último, tecendo algumas considerações acerca da finalidade do registo automóvel, conclui no sentido de ‘ser de atender à existência de outros meios probatórios idóneos, que não apenas o registo automóvel, como manifestamente acontece no seu caso’, no que concerne à prova do direito de propriedade sobre o veículo.
II
Dos factos
   1. A recorrente, recrutada no exterior, concretamente em Portugal, iniciou funções no Território de Macau em 16 de Setembro de 1991.
   2. Exerceu funções docentes como professora do ensino secundário ao Serviços da Direcção dos Serviços de Educação e Juventude desde 16 de Setembro de 1991 até 31 de Agosto de 1999, data da cessação laboral com aquela entidade, estando agora a leccionar na Escola Portuguesa de Macau.
   3. Pelo que requereu, no dia 20 de Agosto de 1999, a atribuição dos subsídios, compensações pecuniárias e outros abonos devidos, contando-se entre eles o direito a transporte de veículo próprio relativamente ao qual a recorrente pediu a conversão em cubicagem, ao abrigo do disposto na alínea c) do art.º 23.º do D.L. n.º 60/92/M, na nova redacção introduzida pelo D.L. n.º 37/95/M, de 7 de Agosto.

III
Do Direito
   1. O presente recurso hierárquico foi interposto na dia 11 de Outubro de 1999, por requerimento dirigido do Exmº. Senhor Secretário-Adjunto para os Assuntos Sociais e Orçamento, tendo sido apresentado na Direcção dos Serviços de Educação e Juventude e, por este Serviço, remetido ao autor do acto, como dispõe o n.º 3 do art.º 148.º do Código do Procedimento Administrativo (cfr. Ofício 05503/DPGAE/ DGP/99, de 14 de Outubro).
   2. Tendo por objecto, como referido, o acto administrativo praticado em 3/9/99, pela Sr.ª Chefe do Departamento da Contabilidade Pública, do qual a recorrente foi notificada pelo oficio / DCP-DDP/99 de 6 de Setembro.”
(...)
   “8. Decorre, pois, da exposição fáctica que a recorrente se encontrava, à data do requerido ao abrigo do estatuto do pessoal recrutado na República Portuguesa para exercer funções em Macau, regulado pelo D.L. n.º 60/92/M, de 24 de Agosto, alterado pelo D.L. n.º 37/95/M, de 7 de Agosto.
   9. Dispõe este diploma, no art.º 18.º, n.ºs 1 e 2, o seguinte:
‘1. Quando cesse funções, o trabalhador tem direito a transporte e respectivo seguro de um motociclo ou de automóvel ligeiro, por via marítima, até ao limite de 14m3, desde que haja prestado serviço no Território por período ininterrupto não inferior a 4 anos.
2. Para exercer o direito a que se refere a número nateiro (leia-se o número anterior), o trabalhador deve comprovar que a propriedade do veículo está registada há mais de 6 meses em seu nome ou em nome do cônjuge, tratando-se de bem comum.’
   10. Dispõe igualmente a lei, na alínea c) do art.º 23.º do referido diploma, na redacção introduzida pelo D.L. n.º 37/95/M, de 7 de Agosto, que ao pessoal recrutado no exterior que já se encontre em funções no Território (...) à data da entrada em vigor do diploma, lhe será mantido o direito à conversão em cubicagem do direito a transporte de veículo próprio previsto no art.º 18.º
   11. Resulta, assim, claramente da lei que o legislador, no n.º 1 do art.º 18.º, procedeu à delimitação do leque de trabalhadores aos quais é conferido o direito a transporte de veículo e no n.º 2 estabeleceu que o exercício de tal direito fica sujeito ao dever de o trabalhador comprovar que a propriedade do veículo está registada há mais de 6 meses em seu nome ou em nome do cônjuge, tratando-se de bem comum.
   12. Facto este que a recorrente não logrou provar nos termos estabelecidos na lei, concretamente no n.º 2 do art.º 18.º já que a data que consta no título de registo de propriedade da viatura em causa é 20/8/99.
   13. Mas pretende demonstrar face à exibição de outros meios probatórios, alegadamente idóneos, quais sejam uma declaração da Agência Limited e uma cópia da factura da Agência Motors.
   14. Contudo, o formalismo exigível – título de registo de propriedade – para comprovar a propriedade do veículo é imposto pela lei no n.º 2 do art.º 18.º do D.L. n.º 60/92/M, de 24 de Agosto.
   15. Neste mesmo sentido dispõe o n.º 1 do art.º 1.º do D.L. n.º 49/93/M, de 13 de Setembro, diploma que regula o regime jurídico do registo da propriedade automóvel, ao referir ter o registo de automóveis essencialmente por fim individualizar os respectivos proprietários e, em geral, dar publicidade aos direitos inerentes aos veículos automóveis.
   16. Não consagra o diploma referente ao regime do registo da propriedade automóvel qualquer outro meio de prova além do título de registo de propriedade. Este é, portanto, o documento autêntico oficial que define (em resultado da qualificação feita pelo conservador) a situação jurídico-inscritiva do veículo e ao qual a lei atribui força probatória material, sendo o seu conteúdo (as declarações nele exaradas) insubstituível por outro género de prova.
   17. Cai, portanto, pela base a pretensão da recorrente de comprovar a propriedade do veículo através de outros meios de prova que não o título de registo de propriedade, porquanto se torna desnecessário, por inutilidade superveniente, apreciar a eventual idoneidade das provas carreadas pela recorrente.
   18. Por tudo o que ficou exposto, não podemos deixar de concluir que a decisão da Sr.ª Chefe do Departamento de Contabilidade Pública de indeferir a pretensão da recorrente não merece qualquer censura ou reparo, já que se traduziu na subsunção dos factos ao direito aplicável, concretamente ao art.º 18.º, n.º 2 do D.L. n.º 60/92/M, de 24 de Agosto.
   19. Consequentemente, e salvo melhor opinião, deverá ser negado provimento ao recurso mantendo-se o acto recorrido da Sr.ª Chefe do Departamento de Contabilidade Pública”.
   - O marido da recorrente outorgou contrato de seguro de responsabilidade civil pelos danos de circulação do veículo MF-XX-XX em 25 de Julho de 1994, sucessivamente renovado, com “Assurance Company plc”;
   - Suportando os respectivos encargos;
   - Desde Julho de 1994 que vem detendo e fruindo o veículo, pagando os prémios do respectivo seguro.


   (2) Análise
   A recorrida no presente recurso, A, era trabalhadora recrutada a Portugal. Foi contratada pela Direcção dos Serviços de Educação e Juventude como professora de ensino secundário de 1991 a 1999, exercendo as funções docentes.
   A recorrida requereu em 20 de Agosto de 1999, com fundamento de cessação de funções, ao então Governador de Macau a atribuição dos subsídios, compensações pecuniárias e abonos, incluindo a conversão do direito a transporte do veículo próprio a Portugal em cubicagem nos termos dos art.9s 18.s, n., 1 e 23. , n., 1, al. c) do Decreto-Lei n. 60/92/M, diploma que regulava o estatuto do pessoal recrutado na República Portuguesa para exercer funções em Macau.
   Prescrevia o art.P 18. , n.,s 1 e 2 do referido diploma:
   “1. Quando cesse funções, o trabalhador tem direito a transporte e respectivo seguro de um motociclo ou de um automóvel ligeiro, por via marítima, até ao limite de 14 metros cúbicos, desde que haja prestado serviço no Território por período ininterrupto não inferior a 4 anos.
   2. Para exercer o direito a que se refere o número anterior, o trabalhador deve comprovar que a propriedade do veículo está registada há mais de 6 meses em seu nome ou em nome do cônjuge, tratando-se de bem comum.”
   Por seu lado, o art.P 23. , n., 1, al. c) do Decreto-Lei n. 60/92/M, com a alteração introduzida pelo Decreto-Lei n./ 37/95/M, estatuía que era mantido o direito de conversão em cubicagem do direito a transporte de veículo próprio previsto no art./ 18. em relação ao pessoal recrutado no exterior que já estava no exercício das funções à data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.e 60/92/M.
   A recorrida já trabalhava na Direcção dos Serviços de Educação e Juventude em 1991, ou seja, ainda antes da publicação do Decreto-Lei n.A 60/92/M que regulava o estatuto do pessoal recrutado na República Portuguesa para exercer funções em Macau, até a cessação das funções em 1999. Assim, ao adquirir o direito a transporte do veículo próprio, tinha o direito à conversão em cubicagem da referida regalia. As partes do recurso estão de acordo relativamente à verificação do requisito ao nível funcional para o gozo do referido direito.
   A questão em causa reside sobretudo em saber se a situação da recorrida cabia na previsão do n.A 2 do art. 18. do Decreto-Lei n. 60/92/M, isto é, na exigência da prova do registo há mais de seis meses da propriedade do veículo em nome do próprio trabalhador ou do seu cônjuge, tratado-se de bem comum, uma vez que a recorrida requereu em 20 de Agosto de 1999 a conversão em cubicagem do direito a transporte do veículo a Portugal, mas a propriedade do respectivo veículo só foi registada em nome do marido da recorrida na Conservatória dos Registos Comercial e Automóvel de Macau nesse mesmo dia.
   O ora recorrente, o Secretário para a Economia e Finanças, considera que o registo da propriedade de automóvel é um dos requisitos necessários para a formação do respectivo direito e não concorda com o entendimento do tribunal recorrido de que era apenas necessário provar a pertença do veículo ao próprio trabalhador ou seu cônjuge (tratando-se de bem comum) por mais de seis meses.
   
   O direito a transporte de veículo próprio a Portugal previsto no art.O 18. do Decreto-Lei n. 60/92/M tinha por fim permitir a trabalhador recrutado em Portugal poder levar o seu próprio veículo ou o do seu cônjuge a Portugal após a cessação das funções com pelo menos quatro anos ininterruptos de serviço nas entidades públicas de Macau. O n.o 2 desse artigo prescrevia expressamente que a propriedade do veículo tinha que ser registada há mais de seis meses em nome do próprio trabalhador ou do seu cônjuge (tratando-se de bem comum), o que constituía o requisito necessário para o gozo do referido direito.
   O registo da propriedade do veículo da recorrida só foi efectuado no dia em que pediu a concessão do direito em causa, pelo que manifestamente não estava verificada a condição de registo por mais de seis meses. Para exercer o direito, a recorrida tinha apresentado documentos para provar a propriedade e o uso do respectivo veículo durante mais de seis meses.
   
   É clara a norma do n.É 2 do art. 18. do Decreto-Lei n. 60/92/M no sentido da obrigatoriedade de titular pelo interessado o registo da propriedade do veículo e por período em mais de seis meses, e não somente a pertença do veículo ao interessado superior àquele período.
   Segundo o art.S 1. , n., 1 do Decreto-Lei n. 49/93/M, o objectivo principal do registo de automóveis é a individualização dos respectivos proprietários e dar publicidade aos direitos inerentes. Registar ou não em nada afecta a constituição da propriedade de automóveis não obstante a obrigatoriedade do seu registo (art.o 5. , n., 2 do referido Decreto-Lei). No entanto, se a propriedade de um veículo automóvel não estiver registada, então, falta publicidade relativa a essa propriedade. Transportar um automóvel a Portugal implicar a saída de um móvel de Macau. Por isso, ao conceder o direito a transporte de veículo a Portugal, as autoridades administrativas devem assegurar efectivamente que o trabalhador beneficiado ou o seu cônjuge seja o proprietário do respectivo veículo, para esse fim a lei exige a prova da propriedade por meio do título de registo.
   Provar a propriedade do veículo através do título de registo de propriedade pode prevenir eficazmente as situações fraudulentas, garantindo a pertença efectiva do veículo a transportar ao respectivo trabalhador ou seu cônjuge, evitando prejuízos a terceiros ou Administração. E a exigência obrigatória da duração superior a seis meses do registo permite presumir que o veículo foi utilizado pelo trabalhador durante certo lapso de tempo, e não é o caso de declarar à Administração a propriedade própria ou do seu cônjuge de um veículo quando pretender beneficiar do respectivo direito no momento da cessação das funções.
   Disso resulta que a intenção do legislador quando exige o título de registo de propriedade por mais de seis meses ao gozar o direito a transporte do veículo é manifestamente diferente se dispuser simplesmente que é apenas necessário ser proprietário do veículo por mais de seis meses. O tribunal recorrido considera que o registo de propriedade de veículos automóveis regulado pelo Decreto-Lei n.° 49/93/M tem apenas o carácter declarativo e não constitutivo, não afectando a eficácia da aquisição da propriedade. Embora seja obrigatório o registo da propriedade de automóveis, recai sobre o interessado apenas as sanções administrativas de apreensão do veículo e dos respectivos documentos previstas no art.° 5.°, n.° 3 do referido Decreto-Lei no caso de não proceder ao registo. Fora dessas sanções não pode ser aplicada mais nenhuma ao interessado. Considera ainda, ao interpretar a norma constante do art.° 18.° do Decreto-Lei n.° 60/92/M, que a disposição sobre o registo superior a seis meses exige apenas a prova da pertença do veículo a transportar ao respectivo trabalhador ou ao seu cônjuge (tratando-se de bem comum) durante aquele período. O entendimento do tribunal recorrido consiste só na interpretação genérica do regime da propriedade de automóveis e do seu registo, em detrimento do significado e da intenção legislativa subjacentes à disposição sobre o direito a transporte de veículo a Portugal no contexto do estatuto do pessoal recrutado nesse país para exercer funções em Macau. A interpretação feita do n.° 2 do art.° 18.° do Decreto-Lei n.° 60/92/M desviou da letra da norma e contrariou o seu espírito.
   Tal como está regulado no art.° 8.° do Código Civil, na interpretação da lei, embora não se deva cingir à letra da lei, é necessário basear na mínima correspondência do sentido da letra da norma, chegando, assim, ao pensamento legislativo e considerar, ao mesmo tempo, a unidade do sistema jurídico, o contexto legislativo e as condições específicas do tempo em que a lei é aplicada.
   
   Por outro lado, nos termos do art.° 18.°, n.° 2 do Decreto-Lei n.° 60/92/M, para o trabalhador interessado é necessário provar o registo da propriedade do veículo por mais de seis meses ao exercer o direito a transporte previsto no n.° 1 daquele artigo. Quando o trabalhador interessado solicitar à Administração a concessão do referido direito, deve apresentar o título do registo da propriedade do veículo em seu próprio nome ou do seu cônjuge (tratando-se de bem comum). É um dos requisitos especiais de cuja verificação a lei faz depender o exercício do referido direito e que não pode ser afastado pelo regime geral do registo de automóveis. De facto, o art. 655.°, n.° 2 do Código de Processo Civil publicado em 1961 e o art.° 558.°, n.° 2 do Código de Processo Civil publicado em 1999 dispõem igualmente que, quando a lei exija, para a existência ou prova do facto jurídico, qualquer formalidade especial, não pode esta ser dispensada. Pois é um requisito legal de verificação necessária, sob pena de não poder gozar o respectivo direito. Este entendimento do n.° 2 do art.° 18.° do Decreto-Lei n.° 60/92/M não pode ser considerado como interpretação demasiado restritiva sobre a exigência do registo, mas sim, revelador do seu sentido próprio.
   
   Em 20 de Agosto de 1999, a recorrida requereu ao antigo Governador de Macau a concessão do direito a transporte do veículo de matrícula MF-XX-XX e a sua conversão em cubicagem. No entanto, a propriedade deste veículo só foi registado em nome do seu marido na Conservatória dos Registos Comercial e Automóvel nesse mesmo dia. Assim, não está satisfeita a condição sobre o registo superior a seis meses prevista no n.° 2 do art.° 18.° do Decreto-Lei n.° 60/92/M e o requerimento da recorrida devia ser indeferido.
   Portanto, o acto administrativo impugnado no presente recurso, isto é, o despacho do então Secretário-Adjunto para os Assuntos Sociais e Orçamento de 3 de Novembro de 1999 que negou provimento ao recurso hierárquico necessário interposto pela ora recorrida, não violou a norma constante dos n.°s 1 e 2 do art.° 18.° do Decreto-Lei n.° 60/92/M e deve ser mantido por inexistência do vício de violação de lei invocado.
   
   
   
   3. Decisão
   Pelo exposto, o Tribunal julga procedente o recurso interposto pelo recorrente e, em consequência, revoga o acórdão do Tribunal de Segunda Instância recorrido, mantendo a acto administrativo impugnado.
   Custas pela recorrida com a taxa de justiça fixada em cinco UC.
   
   
   Aos 30 de Março de 2001.



Juízes : Chu Kin (relator)
Viriato Manuel Pinheiro de Lima
Sam Hou Fai





Magistrada do Ministério Público
presente na conferência: Song Man Lei

Recurso n.° 15 / 2000 1