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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA
DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU



Recurso em processo penal
N.° 16 / 2000
Recorrentes: A
B
C
D
E
F
Recorrido: Ministério Público



   1. Relatório
   1.1 Por acórdão de 23 de Novembro de 1999 do então Tribunal de Competência Genérica proferido no âmbito do processo comum colectivo n.° 70/99-2°, o tribunal colectivo deliberou em julgar parcialmente procedente e provada a acusação deduzida pelo Ministério Público pelo que em consequência:
a) Absolvem o arguido A da prática do crime previsto e punido pelos art.° 244.°, n.° 1, al. b) e 245.°, com referência ao art.° 243.°, al. c), todos do Código Penal;

b) Absolvem o arguido B da prática do crime previsto e punido pelos art.° 244.°, n.° 1, al. b) e 245.°, com referência ao art.° 243.°, al. c), todos do Código Penal;

c) Absolvem o arguido G da prática dos crimes de:
1) Associação secreta previsto e punido pelos art.°s 2.° e 4.° da Lei n.° 1/78/M de 4 de Fevereiro, na redacção dada pelo art.° 8.° do Decreto-Lei n.° 58/95/M de 14 de Novembro e actualmente previsto e punido pelo art.° 2.°, n.° 2 com referência ao art.° 1.°, n.° 1, al.s a), b), c), h), j), l), u) e v), ambos da Lei n.° 6/97/M de 30 de Julho;
2) Um crime previsto e punido pelo art.° 188.°, n.°s 1 e 2 do Código Penal de Macau;
3) Um crime previsto e punido pelos art.°s 7.° e 13.°, ambos da Lei n.° 8/96/M de 22 de Julho;
4) Um crime previsto e punido pelo art.° 10.°, n.° 1, al.s a) e b) da Lei n.° 6/97/M de 30 de Julho;
5) Um crime previsto e punido pelo art.° 251.°, n.° 1 do Código Penal de Macau.

d) Absolvem os arguidos D e E da prática do crime previsto e punido pelo art.° 188.°, n.° 1 e 2 do Código Penal;

e) Condenam o arguido A:
1) na pena de 12 (doze) anos de prisão pelo crime de associação ou sociedade secreta (exercendo funções de direcção ou chefia);
2) na pena de 6 (seis) meses de prisão pelo crime de violação de correspondência ou telecomunicações;
3) na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão pelo crime de exploração ilícita de jogo e usura para jogo;
4) na pena de 6 (seis) anos de prisão pelo crime e em 120 (cento e vinte) dias de multa à taxa diária de 1000 (mil) patacas de conversão, transferência ou dissimulação de bens ou produtos ilícitos;
5) e em cúmulo jurídico das referidas penas na pena única de 15 (quinze) anos de prisão.

f) Condenam o arguido B:
1) na pena de 6 (seis) anos de prisão pelo crime de associação ou sociedade secreta;
2) na pena de 4 (quatro) meses de prisão pelo crime de violação de correspondência ou telecomunicações;
3) na pena de 1 (um) ano de prisão pelo crime de exploração ilícita de jogo e usura para jogo;
4) na pena de 5 (cinco) anos de prisão e em 90 (noventa) dias de multa à taxa diária de 1000 (mil) patacas pelo crime de conversão, transferência ou dissimulação de bens ou produtos ilícitos;
5) na pena de 6 (seis) meses de prisão pelo crime de emprego a imigrante clandestino;
6) e em cúmulo jurídico das referidas penas na pena única de 8 (oito) anos de prisão.

g) Condenam a arguida C:
1) na pena de 7 (sete) anos de prisão pelo crime de associação ou sociedade secreta;
2) na pena de 5 (cinco) meses de prisão pelo crime de violação de correspondência ou telecomunicações;
3) na pena de 1 (um) ano de prisão pelo crime de exploração ilícita de jogo e usura para jogo;
4) na pena de 5 (cinco) anos de prisão e em 90 (noventa) dias de multa à taxa diária de 1000 (mil) patacas pelo crime de conversão, transferência ou dissimulação de bens ou produtos ilícitos;
5) e em cúmulo jurídico das referidas penas na pena única de 9 (nove) anos de prisão.

h) Condenam a arguida D:
1) na pena de 5 (cinco) anos de prisão pelo crime de associação ou sociedade secreta;
2) na pena de 1 (um) ano de prisão pelo crime de exploração ilícita de jogo e usura para jogo;
3) na pena de 5 (cinco) anos de prisão e em 60 (sessenta) dias de multa à taxa diária de 1000 (mil) patacas pelo crime de conversão, transferência ou dissimulação de bens ou produtos ilícitos;
4) e em cúmulo jurídico das referidas penas na pena única de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão.

i) Condenam o arguido H:
1) na pena de 8 (oito) anos de prisão pelo crime de associação ou sociedade secreta;
2) na pena de 5 (cinco) meses de prisão pelo crime de violação de correspondência ou telecomunicações;
3) na pena de 1 (um) ano de prisão pelo crime de exploração ilícita de jogo e usura para jogo;
4) na pena de 5 (cinco) anos de prisão e em 90 (noventa) dias de multa à taxa diária de 1000 (mil) patacas pelo crime de conversão, transferência ou dissimulação de bens ou produtos ilícitos;
5) e em cúmulo jurídico das referidas penas na pena única de 9 (nove) anos e 3 (três) meses de prisão.

j) Condenam o arguido I:
1) na pena de 8 (oito) anos de prisão pelo crime de associação ou sociedade secreta;
2) na pena de 5 (cinco) meses de prisão pelo crime de violação de correspondência ou telecomunicações;
3) na pena de 1 (um) ano de prisão pelo crime de exploração ilícita de jogo e usura para jogo;
4) na pena de 5 (cinco) anos de prisão e em 90 (noventa) dias de multa à taxa diária de 1000 (mil) patacas pelo crime de conversão, transferência ou dissimulação de bens ou produtos ilícitos;
5) na pena de 2 (dois) meses de prisão pelo crime de detenção de estupefacientes para consumo;
6) e em cúmulo jurídico das referidas penas na pena única de 9 (nove) anos e 4 (quatro) meses de prisão.

l) Condenam o arguido E:
1) na pena de 5 (cinco) anos de prisão pelo crime de associação ou sociedade secreta;
2) na pena de 1 (um) ano de prisão pelo crime de exploração ilícita de jogo e usura para jogo;
3) na pena de 5 (cinco) anos de prisão e em 60 (sessenta) dias de multa à taxa diária de 1000 (mil) patacas pelo crime de conversão, transferência ou dissimulação de bens ou produtos ilícitos;
4) e em cúmulo jurídico das referidas penas na pena única de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão.

m) Condenam o arguido J:
1) na pena de 8 (oito) anos de prisão pelo crime de associação ou sociedade secreta;
2) na pena de 5 (cinco) meses de prisão pelo crime de violação de correspondência ou telecomunicações;
3) na pena de 1 (um) ano de prisão pelo crime de exploração ilícita de jogo e usura para jogo;
4) na pena de 5 (cinco) anos de prisão e em 90 (noventa) dias de multa à taxa diária de 1000 (mil) patacas pelo crime de conversão, transferência ou dissimulação de bens ou produtos ilícitos;
5) e em cúmulo jurídico das referidas penas na pena única de 9 (nove) anos e 3 (três) meses de prisão.

n) Condenam o arguido F:
1) na pena de 8 (oito) anos e 6 (seis) meses de prisão pelo crime de associação ou sociedade secreta;
2) na pena de 5 (cinco) meses de prisão pelo crime de violação de correspondência ou telecomunicações;
3) na pena de 1 (um) ano de prisão pelo crime de exploração ilícita de jogo e usura para jogo;
4) na pena de 6 (seis) anos de prisão e em 90 (noventa) dias de multa à taxa diária de 1000 (mil) patacas pelo crime de conversão, transferência ou dissimulação de bens ou produtos ilícitos;
5) e em cúmulo jurídico das referidas penas na pena única de 10 (dez) anos e 6 (seis) meses de prisão.

o) Mais condenam os arguidos A; B; C; D; H; I; E; J e F nas custas do processo, sendo cada um em 2 UC’s de taxa de justiça e o arguido A em mil, trezentas e mil patacas de honorários aos Exm.° defensores oficiosos, K, L e M, respectivamente;

p) Nos termos das disposições conjugadas dos art.°s 101.°, n.° 1 do Código Penal e art.° 31.°, n.° 1 e 4 da Lei n.° 6/97/M de 30 de Julho, declara-se perdido a favor do Estado todos os bens – veículos automóveis, imóveis, direitos, valores, quantias e objectos – apreendidos aos arguidos A; B; C; D; H; I; E; J e F.
   
   
   Inconformando com o acórdão do então Tribunal de Competência Genérica, os arguidos A; B; C; D; H; E e F recorreram para o Tribunal de Segunda Instância.
   Por acórdão de 28 de Julho de 2000 proferido no âmbito do recurso n.° 46/2000, o Tribunal de Segunda Instância decidiu:
   1. Rectificar oficiosamente alguns lapsos ou erros de escrita contidos no acórdão do então Tribunal de Competência Genérica recorrido.
   
   2. Não tomar conhecimento do recurso do acórdão recorrido interposto pelo recorrente H, por subida prematuramente extemporânea do mesmo, ordenando-se a baixa do mesmo ao Tribunal a quo a fim de aguardar pela sua eventual subida oportuna, condenando-se este arguido nas custas incidentais, com taxa de justiça fixada em 2 UC (MOP$1.000,00) (art.ºs 69.º, n.º 1, e 70.º, n.º 2, do Regime das Custas nos Tribunais (RCT)).
   
   3. Julgar improcedente o recurso interposto em 22/10/1999 pela recorrente D quanto à questão de não documentação da audiência, condenando-se a mesma nas custas nesta parte, com taxa de justiça fixada em 4 UC (MOP$2.000,00) (art.ºs 69.º, n.º 1, e 72.º, n.º 1, do RCT).
   
   4. Rejeitar o recurso interposto do acórdão final a quo pelo recorrente E, por falta de observância da imposição legal do art.º 402.º, n.º 2, do CPP, na parte que versa matéria de direito, e, por manifesta improcedência dos fundamentos vertidos na parte da matéria de facto do recurso (art.º 410.º, n.º 1, do CPP), condenando-se nomeadamente no pagamento de uma importância devida à rejeição, fixada em 3UC (MOP$1.500,00), nos termos do art.º 410.º, n.º 3, do CPP, conjugado com o art.º 4.º, n.º 1, al. g), do Decreto-Lei n.º 63/99/M, de 25 de Outubro, aprovador do RCT.
   
   5. Julgar parcialmente procedentes os recursos interpostos do acórdão recorrido pelos recorrentes A, B, C, D e F, e, por conseguinte, corrigir os pontos “e.”, “f.”, “g.”, “h.”, “l.”, “n.” e “p.” da parte dispositiva (“4. Decisão”) do acórdão recorrido (com aproveitamento aos recorrentes a que se referem estes mesmos pontos) para os termos seguintes, mantendo-se nos seus precisos termos a restante parte do mesmo acórdão, sem prejuízo da rectificação de erros de escrita supra efectuada:**
“e) Condenam o arguido A:
1) pela autoria material, na forma consumada, do crime de associação ou sociedade secreta (exercendo funções de direcção ou chefia) previsto pelo art.° 2.°, n.° 3, com referência ao art.° 1.°, n.°1, al. a), b), c), h), j), l), u) e v), ambos da Lei da Criminalidade Organizada (n.° 6/97/M de 30 de Julho), na pena de 11 (onze) anos de prisão;
2) pela co-autoria material, na forma consumada, do crime de violação de telecomunicações previsto pelo art.º 188.º, n.º 2 do Código Penal na pena de 6 (seis) meses de prisão;
3) pela co-autoria material, na forma consumada, do crime de usura para jogo previsto pelos art.ºs 13.º e 15.º da Lei de Jogo Ilícito (n.º 8/96/M de 22 de Julho), com referência ao art.º 219.º do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão;
4) pela co-autoria material, na forma consumada, do crime de conversão de bens ou produtos ilícitos previsto pelo art.º 10.º, n.º 1, al. a) da Lei da Criminalidade Organizada (n.º 6/97/M de 30 de Julho) na pena de 5 (cinco) anos de prisão e em 120 (cento de vinte) dias de multa à taxa diária de MOP$1.000,00 (mil) patacas, perfazendo o total de MOP$120.000,00 (cento e vinte mil patacas);
5) e em cúmulo jurídico das referidas penas na pena única de 13 (treze) anos e 10 (dez) meses de prisão;”

“f) Condenam o arguido B:
1) pela autoria material, na forma consumada, do crime de associação ou sociedade secreta (fazendo parte dela) previsto pelo art.º 2.º, n.º 3, com referência ao art.º 1.º, n.º 2, al. a), b), c), h), j), l), u) e v), ambos da Lei da Criminalidade Organizada (n.º 6/97/M de 30 de Julho) na pena de 6 (seis) anos de prisão;
2) pela co-autoria material, na forma consumada, do crime de violação de telecomunicações previsto pelo art.º 188.º, n.º 2 do Código Penal na pena de 4 (quatro) meses de prisão;
3) pela co-autoria material, na forma consumada, do crime de usura para jogo previsto pelos art.ºs 13.º e 15.º da Lei de Jogo Ilícito (n.º 8/96/M de 22 de Julho), com referência ao art.º 219.º do Código Penal na pena de 1 (um) ano de prisão;
4) pela co-autoria material, na forma consumada, do crime de conversão de bens ou produtos ilícitos previsto pelo art.º 10.º, n.º 1, al. a) da Lei da Criminalidade Organizada (n.º 6/97/M, de 30 de Julho) na pena de 5 (cinco) anos de prisão e em 90 (noventa) dias de multa à taxa diária de MOP$1.000,00 (mil) patacas, perfazendo o total de MOP$90.000,00 (noventa mil patacas);
5) na pena de 6 (seis) meses de prisão pelo crime de emprego ilegal a imigrante clandestino;
6) e em cúmulo jurídico das referidas penas, na pena única de 7 (sete) anos e 9 (nove) meses de prisão;”

“g) Condenam a arguida C:
1) pela autoria material, na forma consumada, do crime de associação ou sociedade secreta (fazendo parte dela) previsto pelo art.º 2.º, n.º 3, com referência ao art.º 1.º, n.º 2, al. a), b), c), h), j), l), u) e v), ambos da Lei da Criminalidade Organizada (n.º 6/97/M de 30 de Julho) na pena de 7 (sete) anos de prisão;
2) pela co-autoria material, na forma consumada, do crime de violação de telecomunicações previsto pelo art.º 188.º, n.º 2 do Código Penal na pena de 5 (cinco) meses de prisão;
3) pela co-autoria material, na forma consumada, do crime de usura para jogo previsto pelos art.ºs 13.º e 15.º da Lei de Jogo Ilícito (n.º 8/96/M de 22 de Julho), com referência ao art.º 219.º do CP, na pena de 1 (um) ano de prisão;
4) pela co-autoria material, na forma consumada, do crime de conversão de bens ou produtos ilícitos previsto pelo art.º 10.º, n.º 1, al. a) da Lei da Criminalidade Organizada (n.º 6/97/M de 30 de Julho) na pena de 5 (cinco) anos de prisão e 90 (noventa) dias de multa à taxa diária de MOP$1.000,00 (mil) patacas, perfazendo o total de MOP$90.000,00 (noventa mil patacas);
5) e em cúmulo jurídico das referidas penas na pena única de 9 (nove) anos de prisão;”

“h) Condenam a arguida D:
1) pela autoria material, na forma consumada, do crime de associação ou sociedade secreta (apoiando-a) previsto pelo art.º 2.º, n.º 3, com referência ao art.º 1.º, n.º 2, al. a), b), c), h), j), l), u) e v), ambos da Lei da Criminalidade Organizada (n.º 6/97/M de 30 de Julho) na pena de 5 (cinco) anos de prisão;
2) sendo absolvida do crime “exploração ilícita de jogo e usura para jogo previsto e punido pelos art.°s 7.º e 13.º da Lei n.º 8/96/M de 22 de Junho e art.º 49.º do CPM”;
3) pela co-autoria material, na forma consumada, do crime de conversão de bens ou produtos ilícitos previsto pelo art.º 10.º, n.º 1, al. a) da Lei da Criminalidade Organizada (n.º 6/97/M de 30 de Julho) na pena de 5 (cinco) anos de prisão;
4) e em cúmulo jurídico das referidas penas na pena única de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão;”

“l) Condenam o arguido E:
1) pela autoria material, na forma consumada, do crime de associação ou sociedade secreta (apoiando-a) previsto pelo art.º 2.º, n.º 3, com referência ao art.º 1.º, n.º 2, al. a), b), c), h), j), l), u) e v), ambos da Lei da Criminalidade Organizada (n.º 6/97/M de 30 de Julho) na pena de 5 (cinco) anos de prisão;
2) Sendo absolvido do crime “exploração ilícita de jogo e usura para jogo previsto e punido pelos art.°s 7.º e 13.º da Lei n.º 8/96/M de 22 de Junho e art.º 49.º do CPM”;
3) pela co-autoria material, na forma consumada, do crime de conversão de bens ou produtos ilícitos previsto pelo art.º 10.º, n.º 1, al. a) da Lei da Criminalidade Organizada (n.º 6/97/M de 30 de Julho) na pena de 5 (cinco) anos de prisão;
4) e em cúmulo jurídico das referidas penas na pena única de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão;”

“n) Condenam o arguido F:**
1) pela autoria material, na forma consumada, do crime de associação ou sociedade secreta (fazendo parte dela) previsto pelo art.º 2.º, n.º 3, com referência ao art.º 1.º, n.º 2, al. a), b), c), h), j), l), u) e v), ambos da Lei da Criminalidade Organizada (n.º 6/97/M de 30 de Julho) na pena de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão;
2) pela co-autoria material, na forma consumada, do crime de violação de telecomunicações previsto pelo art.º 188.º, n.º 2, do Código Penal na pena de 5 (cinco) meses de prisão;
3) pela co-autoria material, na forma consumada, do crime de usura para jogo previsto pelos art.ºs 13.º e 15.º da Lei de Jogo Ilícito (n.º 8/96/M de 22 de Julho), com referência ao art.º 219.º do Código Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão;
4) pela co-autoria material, na forma consumada, do crime de conversão de bens ou produtos ilícitos previsto pelo art.º 10.º, n.º 1, al. a) da Lei da Criminalidade Organizada (n.º 6/97/M de 30 de Julho) na pena de 5 (cinco) anos de prisão e em 90 (noventa) dias de multa à taxa diária de MOP$1.000,00 (mil) patacas, perfazendo o total de MOP$90.000,00 (noventa mil patacas);
5) e em cúmulo jurídico das referiadas penas na pena única de 9 (nove) anos e 8 (oito) meses de prisão;”

   Corrigiu as disposições legais fundamento da declaração de perda dos bens apreendidos a favor do Território constantes do ponto “P.” do dispositivo do acórdão recorrido do então Tribunal de Competência Genérica para os art.°s 101.°, n.° 1 e 103.°, n.°s 2 e 3 do Código Penal.
   Condenou ainda os recorrentes nas custas e taxa de justiça.
   
   
   1.2 Novamente não conformando com o acórdão do Tribunal de Segunda Instância, vêm os arguidos A, B, C, D, E e F interpor recursos agora para o Tribunal de Última Instância.
   Os recorrentes apresentaram motivações do recurso e o Ministério Público emitiu respostas.
   
   
   1.2.1 O recorrente A formulou as seguintes conclusões:
   “1. O julgamento do ora recorrente teve o seu início no dia 27 de Abril de 1999 com a declaração formal da abertura da audiência feita pelo Exm.º Juiz Dr. Gonçalves Mendes, ao qual competia a presidência do colectivo por força do acto de distribuição do processo previamente feito.
   2. A audiência de discussão e julgamento do ora recorrente foi presidida, a partir da segunda sessão, realizada em 11 de Outubro de 1999, por um Magistrado recrutado à República, que não era o Juiz Legal porque não havia sido previamente designado para o efeito, em detrimento do Juiz Legal substituto previamente indicado pelo Conselho Judiciário.
   3. Houve, assim, violação de um princípio que tinha consagração legal – art.º 22.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 17/92/M, de 2 de Março –, encontrando-se também consagrado no n.º 1 do art.º 14.º do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos.
   4. A violação do princípio do Juiz Legal constitui um vício que se pode suscitar a todo o tempo, por se tratar de nulidade insanável nos termos do art.º 106.º, alínea c), do C. P. Penal e que importa a nulidade de todo o processado a partir do momento em que o Juiz não Legal nele não teve intervenção, compreendendo a anulação do julgamento.
   5. Ao dar por não verificada a violação do princípio do juiz legal, o tribunal recorrido incorreu em erro nos pressupostos de facto e de direito do referido princípio, violando a norma do n.º 2 do art.º 31.º do Decreto-Lei n.º 55/92/M, de 18 de Agosto, que interpretou de modo restritivo, com base num conceito de julgamento nos termos do qual este só se inicia com a produção da prova, quando tal disposição normativa deve ser interpretada a partir de um conceito de julgamento uno e amplo conforme resulta das normas atinentes do C. P. Penal, nomeadamente das normas dos n.ºs 5 e 6 do art.º 309.º, n.º 3 do art.º 310.º e n.º 2 do art.º 312.º.
   6. O Ac. Recorrido violou ainda, a norma contida na alínea a) do n.º 1 do art.º 22.º do Decreto-Lei n.º 17/92/M, de 2 de Março, ao fazer uma interpretação restritiva do conceito de “faltas e impedimentos”, quando tal norma deve ser interpretada amplamente pois o conceito de “impedimentos” integra qualquer causa que impeça o exercício de funções, nomeadamente a da cessação de funções.
   7. Ao ser decretado o regime de incomunicabilidade absoluta do recorrente extensível ao seu mandatário, no decurso da 1.ª sessão de julgamento, foi violado o princípio das garantias de defesa do recorrente, princípio legal e internacionalmente consagrado e estruturante do direito criminal do Território (hoje R.A.E.M.).
   8. O Ac. Recorrido, ao considerar que esse regime podia ser estendido ao mandatário do recorrente, fez má interpretação do princípio da garantia de defesa, violando as normas do n.º 1 do art.º 85.º do Decreto-Lei n.º 40/94/M, de 25 de Julho pois tal regime nunca pode abranger o mandatário do arguido como resulta da conjugação daquela norma com a do n.º 3 do mesmo art.º 85.º, a do art.º 22.º do mesmo diploma e as da alínea e) do n.º 1 e do n.º 2 do art.º 50.º do C. P. Penal.
   9. O princípio do contraditório foi violado por ter sido o recorrente, através do seu mandatário, impedido sistematicamente de ditar requerimentos e memorandos para a acta.
   10. O Ac. Recorrido, ao considerar que é permitida ao Juiz a proibição – mesmo sem fundamentar tal proibição – da pretensão do recorrente de ditar tais requerimentos ou memorandos para a acta da audiência, fez uma má interpretação da amplitude do princípio do contraditório, violando a norma do n.º 1 do art.º 88.º do C. P. Penal que deve ser interpretada no sentido de que tais requerimentos só podem ser indeferidos com fundamento em que se não contenham dentro do objecto do processo ou não tenham por finalidade a salvaguarda de um seu direito fundamental, norma de onde decorre, pois, a obrigatoriedade da fundamentação daquela proibição;
   11. O Ac. Recorrido fez uma incorrecta interpretação da norma do n.º 5 do art.º 34.º do C. P. Penal, ao considerar que a apresentação do requerimento de recusa do juiz não confere efeito suspensivo da audiência, só se considerando tal efeito suspensivo em caso de recurso da decisão que rejeitasse ou indeferisse tal requerimento, quando tal norma deve interpretar-se no sentido de que confere o efeito suspensivo do julgamento, sob pena de se retirar qualquer sentido e efeito útil à aludida norma, certo sendo que é irrecorrível a decisão de rejeição ou de indeferimento do requerimento de recusa de juiz.
   12. Nesse sentido, todos os actos praticados pelo Juiz recusando – nos períodos que mediaram entre a apresentação no STJ de cada um dos pedidos de recusa e a explicitação dos respectivos Acórdãos que os julgaram – devem declarados nulos, nomeadamente as sessões de julgamento, entretanto ocorridas.
   13. Quer o Ac. da 1.ª Instância quer o Ac. Recorrido enfermam de vício consubstanciado na falta de fundamentação de facto e de direito, que resulta dos próprios textos dos Acórdãos e que importa a sua anulação por força do prescrito nas disposições conjugadas do art.º 360.º, alínea a) e 105.º, n.º 1, ambas do Código de Processo Penal.
   14. O Ac. Recorrido fez descaso de uma formalidade absolutamente essencial: a indicação dos motivos de facto e de direito determinativos da sua condenação com relação a cada um dos crimes e, ao não fazer a análise crítica da prova produzida, bastando-se com remissões genéricas para os “factos provados ” incorreu, várias vezes, nos vícios da alínea a), da alínea b) e da alínea c), todas do n.º 2 do art.º 400.º do C. P. Penal – insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de direito; contradição insanável da fundamentação e erro notório na apreciação da prova – vícios esses que decorrem do próprio texto da decisão recorrida e de outros elementos constantes dos autos, por si só ou conjugados com as regras da experiência comum, no que se refere a cada um dos 4 crimes por que veio, a final, a ser condenado, quais sejam: o de violação de telecomunicações, o de usura para jogo, o de conversão ou dissimulação de bens ou produtos ilícitos e o de associação / sociedade secreta.
   15. Não se havendo dado, por outro lado, por provada a intromissão ou a tomada de conhecimento, pelo recorrente, do conteúdo de quaisquer telecomunicações mas tão-só o facto da mera detenção de dois transmissores-receptores por parte do recorrente e o mero conhecimento de que tais aparelhos permitiam a devassa e a violação das telecomunicações, não podia dar-se por preenchido o tipo de ilícito do art.º 188.º, n.º 2, do C. Penal, pelo que, ao condenar o recorrente por tal crime, o Ac. recorrido fez uma má aplicação do direito, violando aquela norma do C. Penal.
   16. Tendo sido apenas dado por provado que o recorrente “previa” efectuar empréstimos de dinheiros e “previa” cobrar o montante dos empréstimos, afasta-se, desde logo, a prática de qualquer negócio usurário, porque o simples pensamento criminoso ou nuda cogitatio corresponde a um momento do iter criminis cuja punição no foro humano é manifestamente excluída; ao condenar, o recorrente pela prática de um crime de usura sem que se mostrassem preenchidos os elementos integradores de tal tipo de ilícito, o Ac. Recorrido fez uma má aplicação do direito, violando a norma do art.º 13.º da Lei n.º 8/96/M, de 22 de Julho.
   17. A afirmação genérica de que “com as actividades ilícitas atrás descritas, os arguidos obtinham avultados lucros que aplicavam na aquisição de bens” não é suficiente para o preenchimento do tipo legal conversão ou transferência de bens ou produtos ilícitos, pois um dos pressupostos deste crime é o apuramento de um crime precedente concreto de onde terão resultado vantagens patrimoniais.
   18. Só podem ser considerados crimes precedentes de um crime de conversão (ou de branqueamento de capitais ) crimes de cunho aquisitivo, isto é, geradores de vantagens ou riqueza como o são, por excelência, os crimes contra o património e o tráfico de armas e de droga.
   19. O crime de violação de telecomunicações – ao menos na configuração fáctica que lhe foi conferida no presente processo – não gera vantagens patrimoniais.
   20. O crime de associação / sociedade secreta, dado que se trata de um crime de perigo abstracto que se pode consumar com a mera existência da associação – quando exista acordo ou convenção entre os agentes – independentemente da prática de crimes concretos, só poderá gerar vantagens (ou enriquecimento) se, porventura, se exprimir na prática de crimes contra o património ou de quaisquer outros de que resulte vantagem patrimonial.
   21. A factualidade provada quanto ao crime de usura por que foi condenado o recorrente – embora se trate de um crime tendencialmente de cunho aquisitivo – não conduziu ao apuramento da vantagem patrimonial que terá advindo para o recorrente (ou para qualquer dos co-arguidos condenados pelo mesmo crime).
   22. O dinheiro depositado numa instituição bancária em nome do agente não poderá ser tido como produto convertido ou dissimulado, pelo que, só se provando a sua efectiva proveniência ilícita poderá ser declarado perdido a favor do Território, mas nunca poderá constituir elemento integrador do ilícito de branqueamento de capitais; o Ac. recorrido ao considerar os depósitos bancários em nome do recorrente como produto convertido ou dissimulado fez uma incorrecta interpretação do direito.
   23. O Ac. recorrido, ao condenar o recorrente pela prática de um crime de conversão, transferência ou dissimulação de bens ou produtos ilícitos sem que se mostrassem preenchidos todos os seus elementos integradores, fez uma incorrecta aplicação do direito, violando a norma contido no art.º 10.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 6/97/M, de 30 de Julho.
   24. O Ac. recorrido, uma vez mais, incorre no vício de falta de fundamentação ao não indicar os motivos de facto que determinaram a conclusão de que o recorrente “integrou, anteriormente a 1988, a sociedade secreta ‘14 Kilates’” e, desde fins de 1989, criou, juntamente com outros seus co-arguidos, uma facção de tal sociedade secreta que passou a chefiar.
   25. É totalmente indecifrável a conclusão atingida no Ac. recorrida pelos Julgadores no sentido de que entre os arguidos, um chefiava (o recorrente), outros integravam, outros ainda apoiavam uma sociedade secreta e um “sem a ela estar ligado de qualquer forma”, uma vez que os factos dados por assentes não permitem entre eles decisões não coincidentes nessa parte.
   26. O Ac. recorrido torna-se ainda indecifrável na parte em que julga uma determinada contabilidade (com recurso a expressões cifradas) indiciadora de crime de associação secreta quando atribuída a alguns arguidos e como indiciadora de actividade lícita quando atribuída a outro que absolve.
   27. Para condenar o recorrente pela prática de um crime de associação ou sociedade secreta (exercendo funções de direcção ou chefia), o Ac. recorrido fez apelo às alíneas a), b), c), h), j), l), u), e v), do art.º 1.º, n.º 1, da Lei n.º 6/97/M de 30 de Julho, o que constitui um manifesto erro na aplicação do direito uma vez que o recorrente não foi condenado por nenhum dos crimes elencados nas alíneas a), b), c), h) e l), da citada norma do n.º 1 do art.º 1.º.
   28. Não tendo a 1.ª Instância dado por provada a data até à qual o recorrente terá pertencido ou chefiado uma facção da sociedade secreta 14 kilates, não poderia ter o Tribunal recorrido preenchido essa lacuna, fixando essa data em 1 de Maio de 1998, data da detenção do recorrente, pois a isso está impedido, só lhe sendo lícito corrigir a sentença nos estritos termos do art.º 361.º do C. P. Penal, pelo que ao fazê-lo violou esta norma uma vez que a correcção da sentença feita envolve alteração substancial e tal norma só permite a correcção que não importe modificação essencial.
   29. Não podendo prevalecer a integração da lacuna feita pelo Tribunal recorrido, não há forma de se saber se a execução do mencionado crime se prolongou para além de 30 de Julho de 1997 – data da entrada em vigor da Lei n.º 6/97 – , razão porque teriam as Instâncias que entrar em linha de conta com a sucessão de leis penais e determinar qual seria o regime mais favorável ao recorrente.
   30. Chamando à colação os três regimes que se sucederam no tempo, desde a data da ocorrência dos factos dados por provados, é de se considerar que o mais favorável é o da Lei n.º 1/78/M, de 2 de Fevereiro; ao aplicar o regime da Lei n.º 6/97/M, o Ac. recorrido fez uma incorrecta aplicação do direito, por um lado, tendo violado a norma do n.º 4 do art.º 2.º do C. P..
   31. Não tendo sido apurado qualquer facto demonstrativo da existência de acordo ou convenção e indemonstrada que fosse a prática de qualquer crime (dos mencionados nas alíneas do n.º 1 do art.º 1.º da Lei n.º 6/97/M, de 22 de Julho) não seria possível subsistir o crime de associação criminosa porque, ao contrário da Lei de 1978 que catalogava, desde logo, como associações secretas as designadas por “14K”, “Wo Hon Lock”, “Wo Seng I” e “Iau Lun”, a nova lei exige a prova do acordo (ou convenção) ou a prática de um dos crimes elencados nas diferentes alíneas do seu n.º 1 do art.º 1.º.
   32. Ao declarar perdidos a favor do Território todos os bens do recorrente (bens móveis, imóveis, dinheiro e direitos), o Ac. recorrido procedeu, de forma velada, a um confisco geral dos seus bens, pena que foi abolida com a entrada em vigor da Constituição Portuguesa de 1820, deixando assim de existir no ordenamento jurídico herdado pela RAEM.
   33. Sem que se tivesse logrado demonstrar que os móveis, os imóveis, o dinheiro e os direitos tivessem sido directamente adquiridos pelo recorrente, através de um ou mais factos ilícitos concretos, por um lado e estabelecer qualquer ligação concreta entre cada um dos bens ou direitos do recorrente e uma concreta actividade ilícita, por outro e, assim, julgar a sua proveniência ilícita, o Ac. recorrido não poderia ter declarado tal medida.
   34. As Instâncias “presumiram” que os bens e direitos detidos pelo recorrente provinham de actividades ilícitas, mas, ao fazer essa presunção, entraram em contradição com os factos por si dados por provados quanto às actividades do recorrente ligadas aos casinos de Macau onde explorava uma sala e co-explorava outra (com o arguido que foi absolvido).
   35. O Ac. recorrido violou, em consequência, a norma do art.º 103.º, n.º 2 do C. Penal, pois interpretou-a no sentido de que tal declaração de perda pode fundar-se na prática de um qualquer acto ilícito, quando essa norma deve interpretar-se no sentido de que tal declaração só pode operar perante a prática de um crime de que tenha resultado efectivamente uma vantagem patrimonial (concretamente identificada) ou desde que se apure que o bem – objecto da declaração de perda – tenha sido adquirido com produto resultante do cometimento de um crime precedente.”
   
   Pedindo que seja dado provimento ao presente recurso e:
   a) Alterando o acórdão recorrido, absolvendo-se o recorrente de todos os crimes por que foi condenado; ou
   b) Anulado todo o processado a partir do momento em que nele teve intervenção o Juiz não Legal e ordenado o reenvio do processo para novo julgamento; ou
   c) Anulado o julgamento e o acórdão recorrido e ordenado o reenvio do processo para novo julgamento para se obter o apuramento de elementos de facto necessários à decisão de direito que as instâncias consideraram dispensáveis; ou
   d) Alterado o acórdão recorrido, absolvendo-se o recorrente da prática dos crimes de violação de telecomunicações, de usura para jogo e de conversão ou transferência de bens ou produtos ilícitos e/ou do crime de dissimulação de bens ou produtos ilícitos e condenado tão-só por crime de sociedade secreta em pena não superior a seis anos de prisão; e
   e) Em todo o caso, revogada a medida decretada de perda de todos os seus bens e direitos que se encontravam apreendidos nos autos e devolvidos estes ao recorrente.
   
   
   O Ministério Público concluiu na sua resposta:
   “1. No presente recurso, ao Tribunal de Última Instância é vedado o conhecimento da matéria de facto e só se pode ter em conta os factos dados como provados no acórdão recorrido, por força do art.º 47, n.º 2 da Lei n.º 9/1999;
   2. Em consequência, deve ser rejeitada a parte do recurso que versa sobre a matéria de facto, conhecendo a parte do direito em nome do princípio de cindibilidade do recurso;
   3. Não houve qualquer violação do princípio do Juiz Legal, pois a saída do juiz presidente originário não se enquadra na situação de “falta ou impedimento”, prevista no art.º 22, n.º 1, al. a) do D/L n.º 17/92/M, de 2 de Março, razão porque o órgão competente de gestão – Conselho Judiciário –, pode e deve provir a sua substituição ou pela distribuição dos processos a seu cargo, efectivamente, isso veio a acontecer pela nomeação de outro juiz;
   4. Não houve qualquer alteração entre a vacatura do lugar e a nomeação do novo Juiz Presidente em questão;
   5. O termo do “julgamento” comporta sentido restrito e amplo;
   6. O regime cautelar de incomunicabilidade absoluta, decretada pelo Juiz Presidente no decurso da audiência tem base legal por está dentro dos seus poderes de disciplina e de ordem. – art.ºs 304 e 305 do C.P.P.M.;
   7. Tal medida cautelar absoluta foi sucessivamente excepcionada no decurso da audiência, permitindo o contacto entre o arguido e o seu defensor; conforme consta nas respectivas actas;
   8. Não se verificou nenhuma violação ao princípio contraditório e das garantias de defesa;
   9. No que respeita ao crime de violação de telecomunicações, e de acordo com a factualidade apurada, vertida no número 9 dos factos provados, só pode extrair-se uma ilação, a de que a facção em causa, para além de já haver praticado esses actos, previa, ainda, praticar mais;
   10. A consideração supra é igualmente válida, mutatis mutandis, em relação aos crimes de usura para jogo, de conversão de produtos ou bens ilícitos;
   11. Está correcta a incriminação do arguido pela prática de um crime de usura para jogo apesar de serem “vários” ofendidos não identificados, visto que não foi possível de determinar em concreto todas as identidades dos ofendidos;
   12. Desta forma, salvaguardou os princípios fundamentais do direito penal;
   13. Não há nada inconcludente na identificação do crime de associação secreta como pressuposto da punição do crime de conversão de bens ou produtos ilícitos, pois, o que se importa não é a natureza jurídica do crime de associação, mas sim as actividades ilícitas (provadas) desenvolvidas no âmbito daquele crime, geradoras de vantagens ou lucros ilícitos;
   14. O crime de associação secreta é, por natureza das coisas, um crime “permanente”, a manutenção do estado ilícito está dependente da vontade do agente, e que o tipo de ilícito está constantemente a renovar-se enquanto o agente não fizer cessar o estado anti-jurídico;
   15. O entendimento de que a qualidade de chefia do recorrente na associação secreta, quando muito, só terminou no dia da sua detenção, não é mais do que uma conclusão lógica tirada do acervo fáctico provado como assente, e não é, de forma alguma, uma alteração substancial dos factos;
   16. O Tribunal não está limitado de tirar conclusão lógica dos factos provados;
   17. A declaração da perda dos bens foi feita com total observância da lei penal, mormente, o art.º 101 e 103, n.º 2 e 3 do C.P.M..”
   
   Entende que o recurso interposto não merece de provimento, em nenhuma das suas vertentes.
   
   
   1.2.2 O recorrente B formulou as seguintes conclusões:
   “a. O arguido recorrente foi condenado pelo Tribunal de 2ª Instância na pena única de 7 (sete) anos e 9 (nove) meses de prisão, decisão de que ora se recorre, sendo que as questões que se pretende discutir são sensivelmente as mesmas que se invocou naquele segundo grau de jurisdição, questões que são de direito, logo, atendíveis, face à imposição do n.º 3 do art.º 44.º da Lei de Bases da Organização Judiciária e ao art.º 649.º do C. P. C..
   b. O acórdão de 1ª Instância, de ânimo leve, reproduziu quase integralmente os factos da acusação como factos provados; também, enunciou os factos não provados.
   Contudo, não deu, salvo melhor opinião, cumprimento ao disposto na parte final daquela norma, limitando-se a um mero enunciado das provas, sem que este contenha a verdadeira motivação da matéria de facto – as razões substanciais em que se fundamentou a decisão.
   c. O que se verifica naquele acórdão é que o mesmo se limita a uma mera indicação das provas de onde resulta perfeitamente impossível apurar se a decisão respeita ou não a exigência da prova dos factos; se foi lógico o raciocínio do julgador.
   d. O efectivo direito de recurso das decisões judiciais só se concretizará desde que a sentença indique a motivação dos juízos em matéria de facto, para que o tribunal de recurso possa apreciar a legalidade da decisão, já que – pelo menos no que aos documentos em que se fundamentou a convicção do Tribunal – os mesmos não foram examinados no que ao recorrente diz respeito, em audiência de julgamento ou, quanto a ele nada referem.
   O acórdão ora recorrido deu como boa a posição então assumida pelo acórdão de 1ª Instância. Contudo, no entender do recorrente, mostram-se violadas as normas do n.º 2 do art.º 355.º e do art.º 336.º e n.º 2 do art.º 400.º todos do C. P. P..
   A falta de motivação constitui nulidade da sentença tornando inválido o acto em que a mesma se verificou – a audiência de julgamento. Como consequência este vício e não sendo possível decidir da causa, o Tribunal de recurso deverá determinar o reenvio do processo para novo julgamento, relativamente à totalidade do objecto do processo (art.º 360.º alínea a ), art.º 109.º n.º 1 e art.º 418.º n.º 1 todos do C. P. P.).
   Quando assim se não entenda, o que se admite sem conceder.
   e. O crime de violação de telecomunicações é a efectiva intromissão ou tomada de conhecimento de um conteúdo de telecomunicações; não a previsão desta actuação.
   O acórdão de 1ª Instância puniu, pois, uma previsão dos arguidos quanto à eventual prática deste crime, o que se afigura inadmissível, face aos princípios fundamentais do processo penal, quanto mais não seja porque o recorrente não estava na posse de tal equipamento e desconhecia em absoluto a sua existência.
   f. Acresce que, o bem jurídico que se pretende proteger com a punição da conduta típica deste crime de dano é a privacidade dos interlocutores, pelo que não se tendo consumado aquela conduta típica, apenas a tendo previsto, os arguidos nunca poderiam ter sido punidos pela sua efectiva perpetração.
   Ao dar como boa esta posição do acórdão de 1ª Instância, violou o acórdão recorrido a norma do art.º 188.º do C. P..
   g. Quanto ao crime de usura para o jogo, a situação é semelhante à anterior.
   Provou-se que os arguidos previam efectuar empréstimos a pessoas e previam cobrar destas o montante dos empréstimos, acrescidos de juros muito superiores à taxa legal.
   h. O acórdão de 1.ª Instância puniu, pois, uma previsão dos arguidos quanto à eventual prática do crime de usura, sendo que o facto descrito na norma incriminadora é a efectiva facultação a uma pessoa de dinheiro ou outro meio para jogo, com intenção de alcançar um benefício patrimonial.
   Ao dar como boa esta posição do acórdão de 1ª Instância, violou a norma do art.º 13.º da Lei n.º 8/96/M, de 22 de Julho.
   i. No acórdão de 1ª Instância foi dado como facto provado que o recorrente integrou a sociedade secreta 14K em data não apurada mas anteriormente a 1989.
   Não se logrou obter prova de qualquer facto criminoso posterior a esta data, nem se o arguido recorrente continua a pertencer àquela sociedade secreta.
   O Código Penal consagra o princípio da legalidade que coenvolve a proibição da aplicação retroactiva da lei criminal.
   De acordo com este princípio da não retroactividade, é proibida uma agravação da pena vigente à data da prática do facto.
   j. Posto isto, considera-se que ao recorrente não deveria ter sido aplicado o regime constante da Lei n.º 6/97/M, porquanto a prova temporal do cometimento do facto ilícito típico integrador do tipo de crime de associação criminosa, reporta-se a 1989, pelo que a aplicação do regime vigente, no acórdão em apreço, constituiu uma aplicação retroactiva da lei penal.
   Afigura-se, pois, ao recorrente que a sua eventual condenação por aquele crime deveria ter sido punida ao abrigo das disposições da Lei n.º 1/78/M, de 4 de Fevereiro, a qual consagra um regime manifestamente mais favorável aos arguidos.
   Ao dar como boa a posição do acórdão de 1ª Instância, violou a norma do n.º 4 do art.º 2.º do Código Penal.
   k. Quanto ao confisco de bens e ao crime de conversão de bens ou produtos ilícitos, dão-se aqui por reproduzidas as conclusões constantes do Parecer do Mestre de Directo, oportunamente junto aos autos, ao qual o acórdão recorrido não fez a menor referência, sendo de concluir que o terá ignorado.
   l. Em processo penal, o confisco de bens pode ser decretado apensa quanto aos instrumentos, produtos e vantagens do crime, dado que são só estes os casos previstos na lei.
   m. Quanto às vantagens do crime – é disto que se tratará, o confisco exige a prova de que os bens representam efectivamente lucros resultantes da prática de crimes. Não são admissíveis presunções nesta matéria. Na ausência de prova como sucede “in casu” os bens apreendidos não podem ser confiscados. Na ausência de prova concreta e específica, não se pode afirmar que os bens apreendidos representam “vantagens” de crimes, pelo que não podem ser confiscados.
   n. Por outro lado, o acórdão recorrido, de forma velada, decreta um confisco geral, pois todo o património dos arguidos é sem excepção confiscado. O confisco geral não consta do catálogo legal de penas. O tribunal não pode aplicar uma pena não consagrada pela lei vigente.
   Ao dar como boa a posição do acórdão de 1ª Instância, foram violadas as normas dos art.ºs 101.º e 103.º do Código Penal e o princípio da legalidade (art.º 1.º do C. P. e art.º 2.º do C. P. P. ).
   o. No acórdão recorrido, remetendo para o de 1ª Instância, verifica-se que não se provou a concreta origem ilícita dos bens confiscados, ou seja, que os bens confiscados resultam de certas e determinadas infracções. O Tribunal limitou-se a afirmar que os bens apreendidos resultam de actividades ilícitas, sem se saber que actividades serão essas.
   p. A mera existência de uma associação criminosa (tal como de uma sociedade comercial) não gera lucros.
   Sem se saber qual é o crime precedente não há fundamento legal ou factual para a determinação da pena do branqueamento de capitais. Logo, não é possível condenar por branqueamento de capitais.
   q. O branqueamento de capitais consiste num conjunto de condutas que visam especificamente ocultar a origem ou localização de bens de origem ilícita, com vista a evitar a sua detecção, apreensão e o seu confisco.
   O bem jurídico protegido pelo crime de branqueamento de capitais é a pretensão estadual de confiscar as vantagens do crime.
   r. Não se provou qualquer conduta especificamente dirigida a ocultar ou dissimular a origem dos bens, impondo-se a conclusão de que, por ausência da conduta típica, a condenação pelo crime de branqueamento de capitais carece de todo e qualquer fundamento, como o demonstra o acórdão proferido no processo comum colectivo n.º 618/99 que correu os seus termos pelo 6.º juízo do Tribunal de Competência Genérica de Macau.
   s. Não é possível, como sucedeu no caso dos autos, a punição do mesmo agente, em concurso efectivo, pela prática de um crime, do qual terão derivado lucros, e pelo branqueamento desses mesmo lucros.
   Ao dar como boa a posição do acórdão de 1ª Instância, neste passo, foram violados os n.ºs 1 e 3.º, do art.º 10.º da Lei n.º 6/97/M, de 30 de Julho, bem como o princípio de direito penal “ne bis in idem”.”
   
   Pedindo que seja dado provimento ao recurso e o reenvio do processo para novo julgamento em primeira instância ou alterar o acórdão recorrido nos termos supra referidos.
   
   
   O Ministério Público concluiu na sua resposta:
   “1. No presente recurso, ao Tribunal de Última Instância é vedado o conhecimento da matéria de facto e só se pode ter em conta os factos dados como provados no acórdão recorrido, por força do art.º 47, n.º 2 da Lei n.º 9/1999;
   2. Em consequência, deve ser rejeitado a parte do recurso que versa sobre a matéria de facto, conhecendo a parte do direito em nome do princípio de cindibilidade do recurso;
   3. No que respeita ao crime de violação de telecomunicações, e de acordo com a factualidade apurada, vertida no número 9 dos factos provados, só pode extrair-se uma ilação, a de que a facção em causa, para além de já haver praticado esses actos, previa, ainda, praticar mais;
   4. A consideração supra é igualmente válida, mutatis mutandis, em relação aos crimes de usura para jogo, de conversão de produtos ou bens ilícitos;
   5. Está correcta a incriminação do arguido pela prática de um crime de usura para jogo apesar de serem “vários” ofendidos não identificados, visto que não foi possível de determinar em concreto todas as identidades dos ofendidos;
   6. O não apuramento dos elementos circunstanciais: o momento exacto, a localidade, a identidade do mutuário não constitui factor impeditivo da condenação do agente, visto que não fazem os mesmos partes integrantes e absolutamente indispensáveis do elemento objectivo;
   7. Não há nada inconcludente na identificação do crime de associação secreta como pressuposto da punição do crime de conversão de bens ou produtos ilícitos, pois, o que se importa não é a natureza jurídica do crime de associação, mas sim as actividades ilícitas (provadas) desenvolvidas no âmbito daquele crime, geradoras de vantagens ou lucros ilícitos;
   8. O crime de associação secreta é, por natureza das coisas, um crime “permanente”, a manutenção do estado ilícito está dependente da vontade do agente, e que o tipo de ilícito está constantemente a renovar-se enquanto o agente não fizer cessar o estado anti-jurídico;
   9. O entendimento de que a qualidade de membro do recorrente na associação secreta, quando muito, só terminou no dia da sua detenção, não é mais do que uma conclusão lógica tirada do acervo fáctico provado como assente, e não é, de forma alguma, uma alteração substancial dos factos;
   10. O Tribunal não está limitado de tirar conclusão lógica dos factos provados.”
   
   Entende que o recurso interposto não merece de provimento, em nenhuma das suas vertentes.
   
   
   1.2.3 A recorrente C formulou as seguintes conclusões:
   “1. Ao não dar como provado que a recorrente tivesse alguma vez chegado, de facto, a intrometer-se no conteúdo de quaisquer telecomunicações ou deles ter tomado conhecimento, mas que unicamente conhecia que os aparelhos transmissores / receptores, aliás apreendidos aos co-arguidos F, A e N e não à própria recorrente, não podiam ser detidos e utilizados, por se encontrarem fora das condições legais e que os mesmos permitiam a devassa e violação das telecomunicações, e que a recorrente e os outros co-arguidos apenas previam proceder, com os mesmos, à escuta de transmissões e comunicações das Forças Policiais ou Forças de Segurança do Território, o Douto Acórdão, ora recorrido, ao dar por verificado e preenchido o crime de violação de telecomunicações, violou o princípio da legalidade e a norma contida no art.º 188.º n.ºs 1 e 2 do C. Penal.
   2. Porém, os factos dados como provados na conclusão antecedente, – e tendo em conta que a detenção, só por si, de tais aparelhos transmissores / receptores não constitui ilícito criminal – ainda que viessem a configurar um acto preparatório, no caso concerto dos autos, tal acto preparatório não seria punível, tendo em conta o teor da disposição contida no art.º 20.º do C. Penal e face à inexistência de disposição em contrária, sob pena de violação desta última disposição legal.
   3. Mas ainda que se admitisse, face aos factos dados como provados e referidos nas 1ª e 2ª conclusões antecedentes, estar-se já perante um acto de execução, e não apenas um acto preparatório, e por isso perante a tentativa de execução do ilícito em causa, tal tentativa também não seria punível, tendo em conta o limite máximo de pena de prisão (até um ano) cominada no art.º 188.º n.ºs 1 e 2, conjugado com o art.º n.º 21 todo do C. Penal, sob pena de violação destas disposições legais.
   4. Tendo-se apenas provado que a recorrente havia previsto efectuar empréstimos de dinheiro, para jogo de fortuna ou azar, em moeda do Território ou estrangeiro, ou em valores convencionais que as representam a pessoas e a cobrar destas um montante dos empréstimos, ainda que acrescidos de juros elevados, muito superiores à taxa legal, sem que nunca se tivesse conseguido dar como provado qualquer operação material de empréstimo, em dinheiro ou qualquer outro meio, não tendo igualmente sido possível identificar a pessoa de qualquer eventual mutuário dos referidos empréstimos, estar-se-ia perante uma mera intenção, insusceptível de integrar qualquer acto de execução, indispensável à figura de tentativa (art.º n.º 21 n.ºs 1 e 2 do C. Penal) pois para tal seria necessário e exigível que aquela se exteriorizasse em actos que contivessem já eles próprios, um momento da ilicitude, o que não se verificou.
   5. Assim, ao condenar a recorrente, como co-autora material, na forma consumada, do crime de usura para jogo, mas sem que se tivessem verificado os respectivos elementos constitutivos, o Douto Acórdão ora recorrido violou o princípio da legalidade e os art.ºs 13.º e 15.º da Lei n.º 8/96/M de 22 de Julho conjugados com os art.ºs 219.º e, eventualmente, também com o art.º 21.º n.ºs 1 e 2, ambos do C. Penal.
   6. O crime de conversão de bens ou produtos ilícitos previsto e punido no art.º 10.º n.ºs 1, alínea a) e 3 da Lei n.º 6/97/M de 30 de Julho (Lei da Criminalidade Organizada) é um crime de conexão, que pressupõe a existência ou cometimento de outro ilícito criminal precedente, – a origem ilícita dos bens, produtos ou vantagens que o agente activo pretende ocultar ou dissimular –, ainda que sob a forma tentada, sendo a conexão ou ligação ao crime precedente igualmente necessária ao apuramento da moldura penal cominada para o referido crime (de conversão de bens ou produtos ilícitos), face à disposição contida no n.º 3 do art.º 10.º acima citado.
   7. Ao dar apenas como provado que a recorrente obtivera “avultados” lucros, em que se inclui os seus depósitos bancários arrolados sob o facto provado n.º 97 c., (ainda que não conste que quaisquer sociedades, imóveis ou móveis sujeitos a registo e outros bens e valores referidos nos factos provados n.ºs 76 a 80, 94 a 96 e. e 98 a 103 lhe pertençam, mas sim a outros co-arguidos), e limitando-se a dar igualmente como provado, e apenas, que tais lucros, valores, bens e vantagens tinham provindo da prática de actividades ilícitas, sem porém as identificar nem concretizar, não se logrando assim aferir qual ou quais as actividades criminosas que terão estado na origem da sua obtenção, não tendo sido sequer possível conexioná-los à prática de qualquer dos crimes por que a mesma veio a ser condenada (pertença a associação ou sociedade secreta, violação de telecomunicações ou usura para jogo) o Douto Acórdão ora recorrido, não poderia dar como provada a verificação do crime de conversão de bens ou produtos ilícitos.
   8. Ao fazê-lo, condenando a recorrente como co-autora material, na forma consumada, de tal ilícito, o Douto Aresto violou também o princípio da legalidade e as normas contidas nos n.ºs 1 alínea a) e b) e 3 ambos do art.º 10 da Lei n.º 6/97/M de 22 de Julho – Lei da Criminalidade Organizada.
   9. Ao condenar a recorrente, como autora material e na forma consumada, do crime de pertença a associação ou sociedade secreta, estribando-se para tal nos factos dados como provados sob os n.ºs 1 a 10, 28, 51, 55, 57, 69, 114, 115, 116 e 120 (do Acórdão proferido pelo Tribunal Colectivo de então, no Processo Comum Colectivo n.º 70/90, 2ª Secção para que remeteu), e que consubstanciariam a integração da mesma na sociedade secreta “14 Kilates” ou “14 K” e onde posteriormente, com outros, viria a criar uma facção onde previram levar a cabo as actividades e tarefas analisadas na agiotagem, usura, apostas clandestinas e extorsão, além de acções de violação de telecomunicações, aquisição e detenção de armas de guerra, falsificação de documentos, detenção e tráfico de estupefaciente, e chegando a reunir-se por diversas vezes na residência do arguido A, sita [Endereço(1)], omitindo porém elementos factuais minimamente concretizados para poderem servir de base válida à verificação do referido ilícito, refugiando-se em alusões e juízos genéricos e abstractos, o Douto Acórdão ora recorrido, violou o princípio da legalidade assim como as normas contidas no art.º 2 n.º 3, com referência ao art.º 1.º n.º 2, alínea a), b), c), h), j), l), u), e v), ambos da Lei n.º 6/97/M de 30 de Julho – Lei da Criminalidade Organizada.
   10. Ao sufragar-se porém entendimento diverso, no sentido do preenchimento e verificação dos elementos do referido ilícito de pertença, por parte da recorrente, a associação ou sociedade secreta, afigura-se excessiva a pena parcelar de 7 (sete) anos de prisão que lhe foi imposta quando comparada com a de 5 (cinco) anos que coube aos co-arguidos D e E, como “apoiantes” , – esta sim, justa e equilibrada – pois o legislador não só não distingue entre as figuras de “membro” e “apoiante” para efeitos de cominação penal, como também face à intensidade do dolo, francamente diminuída – se merecerem acolhimento, por esse Alto Tribunal, as considerações por si expendidas em sede de inverificação, in casu, dos crimes de violação de telecomunicações, usura para jogo e conversão para bens ou produtos ilícitos, com aquele conexionados – razões amplamente justificativas de, e se disso fosse caso, de uma pena também não superior a 5 (cinco) anos de prisão, a mais consentânea com o grau de culpa, com o teor do relatório social junto aos autos a fls. 2678 e segs., e com a realização dos fins de prevenção geral e especial, ínsitos no instituto da pena conforme o art.º 40.º n.ºs 1 e 2, sob pena de violação destas últimas normas, assim como das contidas no art.º 65.º n.ºs 1 e 2, todos do C. Penal.”
   
   Pedindo que seja dado provimento ao presente recurso e, em consequência:
   a) Absolver a recorrente dos crimes de pertença a associação ou sociedade secreta previsto pelo art.° 2.°, n.° 2, com referência ao art.° 1.°, n.° 2, alínea a), b), c), h), j), l), u) e v), ambos da Lei n.° 6/97/M de 30 de Julho, de violação de telecomunicações previsto e punido pelo art.° 188.°, n.°s 1 e 2 do Código Penal, de usura para jogo previsto e punido pelas disposições conjugadas dos art.°s 13.° e 15.° da Lei n.° 8/96/M de 22 de Julho, assim como de conversão de bens ou produtos ilícitos previsto e punido pelo art.° 10.°, n.°s 1, alínea a) e 3 da Lei n.° 6/97/M de 30 de Julho – Lei da Criminalidade Organizada;
   b) Ou, caso se entenda haver-se verificado, por parte da recorrente, a prática do crime de pertença à associação ou sociedade secreta, condenar-se a mesma, por tal ilícito, a prisão não superior a cinco anos.
   
   
   O Ministério Público concluiu na sua resposta:
   “1. No presente recurso, ao Tribunal de Última Instância é vedado o conhecimento da matéria de facto e só se pode ter em conta os factos dados como provados no acórdão recorrido, por força do art.º 47, n.º 2 da Lei n.º 9/1999;
   2. Em consequência, deve ser rejeitada a parte do recurso que versa sobre a matéria de facto, conhecendo a parte do direito em nome do princípio de cindibilidade do recurso;
   3. No que respeita ao crime de violação de telecomunicações, e de acordo com a factualidade apurada, vertida no número 9 dos factos provados, só pode extrair-se uma ilação, a de que a facção em causa, para além de já haver praticado esses actos, previa, ainda, praticar mais;
   4. A consideração supra é igualmente válida, mutatis mutandis, em relação aos crimes de usura para jogo, de conversão de produtos ou bens ilícitos;
   5. Está correcta a incriminação da arguida pela prática de um crime de usura para jogo apesar de serem “vários” ofendidos não identificados, visto que não foi possível de determinar em concreto todas as identidades dos ofendidos;
   6. O não apuramento dos elementos circunstanciais: o momento exacto, a localidade, a identidade do mutuário não constitui factor impeditivo da condenação do agente, visto que não fazem os mesmos partes integrantes e absolutamente indispensáveis do elemento objectivo;
   7. Não há nada inconcludente na identificação do crime de associação secreta como pressuposto da punição do crime de conversão de bens ou produtos ilícitos, pois, o que se importa não é a natureza jurídica do crime de associação, mas sim as actividades ilícitas (provadas) desenvolvidas no âmbito daquele crime, geradoras de vantagens ou lucros ilícitos;
   8. O crime de associação secreta é, por natureza das coisas, um crime “permanente”, a manutenção do estado ilícito está dependente da vontade do agente, e que o tipo de ilícito está constantemente a renovar-se enquanto o agente não fizer cessar o estado anti-jurídico;
   9. O entendimento de que a qualidade de membro do recorrente na associação secreta, quando muito, só terminou no dia da sua detenção, não é mais do que uma conclusão lógica tirada do acervo fáctico provado como assente, e não é, de forma alguma, uma alteração substancial dos factos;
   10. O Tribunal não está limitado de tirar conclusão lógica dos factos provados.”
   
   Entende que o recurso interposto não merece de provimento, em nenhuma das suas vertentes.
   
   
   1.2.4 A recorrente D formulou as seguintes conclusões:
   “1. Requereu tempestivamente a documentação da audiência e declarou dela não prescindir;
   2. O seu requerimento foi deferido por despacho que transitou em julgado;
   3. Nunca declarou prescindir da documentação da audiência;
   4. Foi praticada uma irregularidade, arguida em tempo, no momento em que foi conhecida;
   5. A Acta da Audiência é falsa;
   6. Foi violado o disposto no art.º 343.º do CPP que consubstancia uma nulidade;
   7. O Ac. recorrido confirmou a condenação da recorrente por factos que não foram minimamente provados;
   8. Foram violados os art.ºs 2.º, n.º 3, com referência ao art.º 1.º, n.º 2, alínea a), b), c), h), j), l), u) e v), 10.º, n.º 1, alínea a) da lei da Criminalidade Organizada e art.º 355.º, n.º 2, 360.º, alínea a), 400.º, n.º 2, alíneas a), b) e n.º 3, 399.º, n.º 1 e 366.º do CPP;
   9. Não existem factos provados suficientes para considerar a recorrente autora dos crimes por que foi condenada;
   10. Os Acórdãos das instâncias não se mostram devidamente fundamentados;
   11. Dos factos dados por provados não resulta nenhum facto autónomo integrador do crime de associação ou sociedade secreta, ou do crime de conversão, transferência ou dissimulação de bens ou produtos ilícitos;
   12. A prova que se diz ter sido produzida resumiu-se a meros rumores públicos e a informações, algumas vezes contraditórias entre si, alegadamente prestadas aos agentes policiais que depuseram;
   13. Estes não estavam porém em condições de revelar as suas fontes, pelo que de acordo com o disposto nos art.ºs 117.º, n.º 1 e 116.º, n.º 1 e n.º 3, do CPP, tais depoimentos não têm qualquer valor;
   14. Nunca foi apurado em que momento, em que circunstâncias, em que local, etc., foi celebrado um ou vários contratos de mútuo entre a recorrente e o 1.º arguido, o que também nesta parte demonstra falta de fundamentação, nomeadamente, dos Acórdãos;
   15. Como também nunca se identificou em que se traduziu o apoio que se diz ter a recorrente dado à associação criminosa, o que traduz a falta da fundamentação dos Acórdãos;
   16. O Ac. recorrido procedeu a uma incorrecta qualificação jurídica;
   17. O Tribunal “ad quem” não apreciou toda a matéria que lhe foi submetida, remetendo para o que já tinha decidido em relação a um co-recorrente, e que se traduz na violação ao disposto no n.º 2, do art.º 355.º, consubstanciando a nulidade prevista na alínea a), do art.º 360.º, do CPP;
   18. No domínio da mesma legislação o Tribunal de Segunda Instância proferiu dois acórdãos que relativamente à mesma questão de direito assentaram em soluções opostas, porquanto num Ac. entendeu existirem lapsos de escrita e oficiosamente rectificou-os, enquanto num outro não os rectificou, tendo reenviado os autos para novo julgamento;
   19. O Ac. recorrido enferma do vício de erro na apreciação da prova, já que os factos dados por provados estão em desconformidade, dado que se retiraram de factos tidos como provados conclusões logicamente inaceitáveis;
   20. Este vício justifica o reenvio dos autos para novo julgamento.”
   
   Pedindo que seja dado provimento ao recurso e alterado o acórdão recorrido e, consequentemente:
   a) Reconhecidas e declaradas as nulidades supra identificadas, serem anulados os acórdãos das instâncias;
   b) Ser a recorrente absolvida dos crimes por que foi condenada;
   c) Reenviados os autos para efeitos de novo julgamento.
   
   
   O Ministério Público considera, em síntese, na sua resposta:
   Impugna a recorrente o douto acórdão que julgou improcedente o recurso interlocutório e parcialmente procedente o recurso interposto da decisão final.
   É óbvio, todavia, que não lhe assiste razão.
   Em relação ao primeiro recurso, a recorrente insiste numa perspectiva manifestamente equivocada.
   Expende, em síntese, que “nunca declarou prescindir da documentação da audiência” e que “foi praticada uma irregularidade, arguida em tempo”, sendo, na sua óptica, a acta da audiência “falsa”.
   A questão da documentação da audiência foi suscitada na primeira sessão de julgamento, pelo arguido H.
   E o Tribunal pronunciou-se, então, expressamente, sobre a mesma, tendo o respectivo despacho – no sentido da não documentação – sido “logo devidamente notificado aos presentes que disseram ficar bem cientes”.
   É evidente, pois, que a recorrente – bem como o seu mandatário – tomaram conhecimento, pelo menos naquele momento, que a documentação em questão não estava a decorrer nem iria suceder.
   A irregularidade em causa deveria ter sido arguida, assim, nos termos do art.° 110.º, n.º1, do C.P. Penal, “no próprio acto”, ou seja, nessa primeira sessão.
   E, não o tendo sido, ficou, naturalmente, sanada.
   Não se divisa, por outro lado, qualquer “falsidade” da acta.
   Do confronto do art.º 345.º do citado C.P. Penal, com o antecedente art.º 343.º, al. e), resulta, de facto, que a declaração de que não se prescinde de documentação não tem que constar da acta da audiência.
   E, ainda que assim não se entenda, como se frisa no douto acórdão, tal omissão consubstancia uma mera irregularidade – “in casu”, igualmente sanada (cfr. art.ºs 105.º, n.ºs 1 e 2 e 110.º, n.º1, do mesmo Diploma).
   No que concerne ao segundo recurso, por seu turno, a recorrente incorre nos mesmos erros e reitera os mesmos vícios.
   Começa por afirmar que esta Segunda Instância confirmou a sua condenação “por factos que não foram minimamente provados”.
   Ao fazê-lo, porém, mais não faz do que discordar do julgamento da matéria de facto feito pelo Tribunal Colectivo, pondo em causa a regra da livre apreciação da prova consagrada no art.º 114.º do C.P. Penal.
   E, ao controverter a matéria de facto fixada, olvida, também, de forma flagrante, dos poderes de cognição desse mais Alto Tribunal.
   A recorrente sustenta, de seguida, que “não existem factos provados suficientes para (a) considerar autora dos crimes por que foi condenada”.
   Chama à colação, dessa forma, o vício contemplado na al. a) do n.º 2 do art.º 400º do C.P. Penal.
   Mas é inequívoca, efectivamente, a inverificação do mesmo.
   No sentido da bondade da decisão condenatória, basta atentar na matéria arrolada nos n.ºs 1 a 10, 28, 34, 69, 92, 93, 97-d, 108, 110, 113, 114, 115, 117, 119 e 120 dos factos provados.
   Não podem subsistir, face a tal matéria, quaisquer dúvidas quanto à verificação dos elementos constitutivos dos respectivos tipos legais.
   A recorrente desloca, ainda, a sua crítica – sem o poder fazer – para o problema da insuficiência da prova (que, como é sabido, não se confunde com o da insuficiência da matéria de facto).
   No quadro dos vícios previstos no mencionado n.º 2 do art.º 400.º, a recorrente reporta-se, ainda, ao erro notório na apreciação da prova.
   Como se acentua, contudo, no douto acórdão, mais não faz, de novo, do que “discordar da matéria de facto julgada como assente no acórdão recorrido, campo a que não poderia aceder, por contender com os poderes de cognição do Tribunal”.
   A recorrente sustenta, depois, que os acórdãos da 1ª Instância e deste Tribunal “não se mostram minimamente fundamentados”.
   Regista-se, a propósito, uma outra confusão.
   A recorrente limita-se, efectivamente, a afrontar, uma vez mais, a regra contida no aludido art.º 114.º do C.P. Penal, bem como os poderes de cognição desse Venerando Tribunal.
   Consigna-se, de qualquer forma, que o acórdão recorrido se mostra exemplarmente fundamentado, mesmo na demonstração de que o acórdão da 1ª Instância cumpriu, também, o preceituado no art.º 355.º, n.º 2, do C.P. Penal.
   Ainda na órbita da fundamentação – ou da pretensa falta da mesma – a recorrente entende que este Tribunal “não apreciou toda a matéria que lhe foi submetida, remetendo para o que já tinha decidido em relação a um co-recorrente”.
   Mas é patente, “in casu”, a insubsistência de qualquer vício.
   Como se sublinha na decisão que indeferiu o pedido de aclaração, nada obsta a que se recorra “aos fundamentos já expendidos noutros lugares da parte da fundamentação do acórdão em causa, já que a matéria fáctica e o enquadramento jurídico para as mesmas questões são os mesmos”.
   A recorrente referencia, finalmente, uma situação que enquadra no art.º 419.º do C.P. Penal.
   Não se divisa, contudo, na hipótese apontada, qualquer questão de direito – nem, tão pouco, qualquer oposição.
   Daí, também, que não se ofereça dizer, a propósito, o que quer que seja.
   Deve, pelo exposto, ser negado provimento ao recurso.
   
   
   1.2.5 O recorrente E formulou as seguintes conclusões:
   “1. Tendo começado por afirmar que iria rejeitar o recurso por si interposto do Ac. de 23 de Novembro de 1999 da 1.ª Instância, o douto Tribunal da Segunda Instância acabou por conhecê-lo parcialmente, tendo, a final, condenado o recorrente pela autoria de um crime de associação / sociedade secreta (apoiando-a) previsto pelo art.º 2.º, n.º 3, com referência ao art.º 1.º, n.º 2, alíneas a), b), c), h), l), u), e v), ambos da Lei da Criminalidade Organizada (n.º 6/97/M, de 30 de Julho), na pena de 6 anos de prisão e pela co-autoria material, na forma consumada, do crime de conversão de bens ou produtos ilícitos, previsto pelo art.º 10.º, n.º 1 alínea a), da mesma lei, na pena de cinco anos e, em cúmulo jurídico, na pena de 6 anos e 8 messes de prisão, penas que vieram a ser reduzidas ao limite por que fora condenado pela 1.ª Instância, face à proibição da reformatio in pejus;
   2. O douto Tribunal de Segunda Instância explicitou, assim, contra o recorrente, um Acórdão condenatório, o qual por estar eivado de vários vícios que identificará, pode ser impugnado junto dessa Alta Instância;
   3. Embora a lei restrinja a cognição desse Venerando Tribunal a matéria de direito, pode o Tribunal de Última Instância intervir em matéria de facto, desde que se verifique qualquer dos fundamentos previstos nos n.ºs 2 e 3 do art.º 400.º do C.P.P. e que os vícios identificados resultem do texto da própria decisão por si só ou conjugado com as regras da experiência comum;
   4. Compete-lhe, nessas condições, verificar a suficiência ou insuficiência da matéria de facto apurada para a decisão; se há contradição nessa matéria ou na respectiva fundamentação e, ainda, se foi cometido erro notório na apreciação da prova;
   5. Tendo o Ac. recorrido dado por assente que a actividade desenvolvida pelo recorrente consistia em apoiar uma associação / sociedade secreta, competia às Instâncias fazerem consignar nos respectivos textos das suas decisões factos a partir dos quais pudessem extrair tal conclusão;
   6. A partir da matéria fáctica – relativamente ao recorrente e no que respeita ao crime de associação / sociedade secreta – o douto Tribunal recorrido não poderia ter concluído que a actividade – descrita de modo ininteligível no ponto 31. dos factos provados – era susceptível de constituir uma acção de auxílio a uma associação criminosa;
   7. Para que se possa concluir pela existência de um apoiante necessário é que se prove que da sua acção (ou actividade) de apoio (auxílio) resulte uma efectiva ajuda para a associação e não só a um ou alguns dos membros da organização; que tal auxílio se dirija à manutenção, ao desenvolvimento, à consecução e prosseguimento da finalidade de tal associação criminosa e, finalmente que desse apoio resulte proveito para a associação (elementos objectivos);
   8. E no que se refere ao elemento subjectivo – dolo – necessário se torna que o agente tenha conhecimento de que existe uma organização que tem como escopo a prática de crimes; assim antes de se chegar à conclusão de que o recorrente era apoiante de uma associação secreta, imperioso se tornava que o Ac. tivesse feito consignar no seu texto de que forma o recorrente tivera conhecimento da existência de tal associação;
   9. Do Ac. recorrido não constam elementos através dos quais se possa extrair a conclusão de que o recorrente – com a actividade descrita no ponto 31. – tinha conhecimento de existia uma organização criminosa à qual dava o seu apoio, pois, ao entrar no emaranhado do Ac. da 1.ª Instância, o douto Tribunal recorrido não conclui se a organização criminosa em questão se manifestou através do acordo entre os seus membros ou se manifestou pela prática de um ou mais dos crimes elencados no n.º 1 do art.º 1.º da Lei da Criminalidade;
   10. Terá que se concluir então, que a matéria apurada – no que concerne ao tipo de ilícito em questão – não é suficiente por forma a permitir a decisão de condenar o recorrente como apoiante de uma associação secreta, de onde decorre que o Ac. recorrido contém o vício previsto no n.º 2, alínea b), do art.º 400.º do C.P.P. que torna impossível decidir da causa e implica o reenvio do processo para que em novo julgamento esse vício seja sanado;
   11. Ainda no que ao crime de associação secreta se refere, o Ac. recorrido está eivado do vício consistente na contradição insanável entre os factos e os motivos de factos que se encontram consignados no seu texto; enquadra os factos a si imputados como constituindo uma acção de apoio a uma organização criminosa que se manifestou pela prática de vários crimes mas apenas o condena pela prática de um dos crimes elencados nas alíneas do art.º 1.º da Lei da Criminalidade Organizada que, necessariamente foi um crime cometido posteriormente, como comprovam os factos contra si apurados e que consubstanciam no entendimento do douto Tribunal recorrido o referido crime;
   12. A frase “Na actividade da contabilidade, apoiando a organização «14 K», E é o responsável por empréstimos e depósitos de juros, estando autorizado a assinar e depositar fichas nas contas da organização” é ininteligível – porque formulada sem clareza e de forma muito vaga – razão porque só fazendo recurso aos elementos do processo e às regras da experiência comum se poderá atingir o verdadeiro sentido subjacente a tal afirmação;
   13. O Ac. recorrido ao fazer referência a documentos que serviram de base a determinada afirmação incorporou-os, podendo considerar-se que os considerou reproduzidos no texto da decisão, de onde decorre que essa Alta Instância deles pode conhecer – os documentos enxertados nos Apensos A-8, A-9, A-10, A-12 do presente processo;
   14. A leitura de tais documentos – mesmo que feitos por um homem médio – mostra que se referem à actividade desenvolvida nos casinos pelos Junkets Promoters;
   15. Tendo o Ac. recorrido feito uma leitura diferente no sentido de que tais documentos se referem à contabilidade de uma organização criminosa, incorreu no vício que se traduz no erro notório na apreciação da prova pois qualquer cidadão de Macau conhece as expressões ali utilizadas, todas elas relacionadas com a actividade de Junkets Promoters;
   16. Está vedada ao recorrente a apresentação de uma descrição fáctica distante da que as Instâncias apuraram. Porém, face à ininteligibilidade da frase constante do ponto 31. que o Ac. veementemente afirma conter a única actividade que imputa ao recorrente, tem que se considerar lícita a descrição fáctica subjacente a tal frase;
   17. Falar-se em “depósito de fichas nas contas da organização” apenas pode traduzir uma referência ao depósito de fichas nas Tesourarias dos Casinos e à indicação do seu levantamento nos “Cartões de Registo de Conta de Cliente” que são do conhecimento das mesmas tesourarias;
   18. Perfilhando o douto Tribunal da Segunda Instância o entendimento de que “não é nada de incongruente que uma pessoa vulgar possa associar-se no plano comercial e apenas para fins comerciais intrinsecamente falando, com algum membro, apoiante e até líder de uma organização criminosa”, não poderia o douto Tribunal recorrido ter, perante as mesmas provas, considerado uma actividade lícita para absolver um co-arguido e a mesma actividade ilícita para condenar o recorrente e, isto porque,
   19. A regra da livre apreciação da prova em processo penal não se confunde com apreciação arbitrária, discricionária ou caprichosa da prova, de todo em todo imotivável; o julgador, ao apreciar livremente a prova, ao procurar atingir a verdade material, deve observância às regras da experiência comum utilizando como método de avaliação e aquisição do conhecimento, critérios objectivos, genericamente susceptíveis de motivação e controle. O Tribunal a quo infringiu os limites a que estava obrigado ao apreciar os documentos constantes dos Apensos referidos no ponto 31 dos factos provados e extrair conclusões diferentes de acordo com o arguido a quem se referissem tais documentos;
   20. A consequência no caso de infracção dos limites à livre apreciação da prova pelo Tribunal a quo é o recurso para o T.U.I.
   21. A frase “apenas apoiando a organização 14 K” constante do ponto 31. dos factos provados – a pág. 87 do Ac. recorrido – não refere um facto mas é uma conclusão que só se poderia extrair em face de factos concretos;
   22. Verificada que seja a insuficiência de matéria de facto para se chegar à decisão de direito e resultando do texto do Acórdão recorrido que o Tribunal de Julgamento esgotou os seus poderes de indagação nessa matéria, ficando assim impossibilitado de a ampliar, tem que se entender que tal insuficiência se traduz em erro na qualificação jurídica dos factos que dá lugar à revogação da decisão recorrida e não ao reenvio do processo para novo julgamento;
   23. No que ao crime de conversão de bens ou produtos ilícitos, o recorrente imputa ao Ac. recorrido os vícios de insuficiência da matéria de facto apurada para a decisão e contradição insanável na sua fundamentação, vícios que resultam do próprio texto por si só e também conjugado com as regras da experiência comum;
   24. Para que se verifique o crime de conversão de bens ou produtos ilícitos é necessário que: (a) tenha havido uma actividade ilícita, (b) da qual tenham resultado lucros ou produtos, (c) que são convertidos com o intuito de ocultar tal proveniência ilícita;
   25. Do Ac. recorrido não constam factos que provem que: a actividade – em si – desenvolvida pelo recorrente seja ilícita – pois veio o recorrente a ser absolvido do crime de exploração ilícita e usura para jogo; que dela tenham resultado proventos – não se fazendo qualquer referência à qualidade e à quantidade desses proventos; e, que ao adquirir os bens que se encontram registados em seu nome pretendia ocultar a proveniência ilícita de tais proventos. Daqui decorre a insuficiência da matéria de facto para se atingir a decisão de condenar o recorrente como autor de um crime de conversão de bens;
   26. O Ac. recorrido incorre ainda no vício da contradição insanável entre os factos dados por provados que se identifica quando dá como provado que o recorrente desenvolve uma determinada actividade em prol de uma organização criminosa mas simultaneamente dá como provado que dessa actividade resultam proventos e lucros muito elevados, não se dando ao cuidado de fazer a destrinça entre o que de proveitoso resultava para a organização e o que de proveitoso resultava para si, desvalorizando em absoluto o facto de que os agentes que de qualquer forma estão ligados a uma associação estão subordinados à vontade colectiva pelo que de acordo com as regras da experiência comum se presume que um agente que pratique ume determinada actividade que consiste nume acção de apoio a uma associação criminosa terá que canalizar para a organização os lucros daquela advenientes, podendo, quando muito a vir recompensado pela sua colaboração (o que não foi sequer averiguado pelas Instâncias);
   27. Não se mostrando feito o elo de ligação entre os proventos resultantes de uma actividade ilícita e a aquisição dos bens, não se pode extrair a conclusão de que todos os bens registados em nome do agente foram adquiridos com tais proventos e convertidos com o intuito de ocultar a proveniência ilícita daqueles proventos;
   28. Acredita o recorrente que as Instâncias deram como provado que da actividade a si imputada (e descrita no ponto 31. dos factos provados) resultavam elevados lucros por terem – manifestamente – errado na apreciação feita da comunicação enviada pelo Banco(3) (a fls. 1739 dos autos), considerando que o recorrente teria um depósito no valor de HK$5,259,627.20, quando tal quantia se refere a um débito;
   29. Tal erro na apreciação da prova é notório e facilmente identificado por um homem médio, razão porque determina o reenvio do processo para novo julgamento e por constituir um vício previsto na alínea c) do n.º 2 do art.º 400.º do C.P.P. pode ser reconhecido por essa Alta Instância;
   30. Não tendo ficado consignado no Ac. recorrido a data até à qual o recorrente desenvolveu a actividade (considerada de apoio a uma associação / sociedade secreta) descrita no ponto 31. dos factos provados, antes resultando dos documentos que serviram de prova da existência dessa actividade que ela decorreu no ano de 1996, nunca poderá considerar-se que a aquisição dos bens registados em nome do recorrente com eventuais proventos dessa actividade é, em si mesma, um crime, pois o crime de conversão de bens ilícitos só existe no ordenamento jurídico de Macau desde 30 de Julho de 1997, data da promulgação da Lei n.º 6/97/M;
   31. O douto Tribunal a quo interpretou a previsão estabelecida no n.º 1 do art.º 1.º da Lei n.º 6/97/M, de 30 de Julho no sentido de que uma qualquer organização criminosa se manifesta pela prática de alguns dos crimes elencados nas várias alíneas do n.º 1, independentemente de terem ficado provados factos que consubstanciem os crimes ali referidos, Devia, porém, interpretar no sentido de que não havendo cometimento de algum ou de alguns dos crimes ali referidos, só a prova do acordo ou da convenção pode conduzir à conclusão de que se constituiu uma associação criminosa.
   31. Não tendo sido apurados factos que provem que a associação criminosa a que o recorrente prestou auxílio cometeu os crimes de homicídio (alínea a), de sequestro, rapto (alínea b), de ameaça, coacção (alínea c), de exploração ilícita de jogo (alínea h), de importação, exportação e detenção de armas e explosivos (alínea l), não poderia o douto Tribunal recorrido enquadrar a actividade do recorrente no art.º 2.º, n.º 3, com referência ao art.º 1.º, n.º 2, e as identificadas alíneas (atente-se que o recorrente considerou mero lapso de escrita a referência ao n.º 3 do art.º 2.º e ao n.º 2 do art.º 1.º, dado que não há circunstâncias nos autos que possam determinar a sua invocação).
   32. Provados que se mostrassem: a existência de uma associação criminosa; o conhecimento da existência dos fins prosseguidos por ela (dolo específico); a intenção de apoiar, efectivamente, a organização e não só um dos seus membros, por parte do recorrente; uma actividade idónea a constituir uma verdadeira acção de apoio, então o recorrente poderia ser condenado pelo crime de associação secreta, aplicando-se tão só a previsão estabelecida no n.º 2 do art.º 2.º, com referência ao n.º 1, alíneas j) e v) do art.º 1.º da Lei n.º 6/97/M, de 30 de Julho.
   33. Não tendo ficado consignada matéria fáctica no Ac. recorrido que possa provar a data até à qual o recorrente prestou apoio à associação criminosa, o Ac. recorrido tinha que fixar que o crime foi cometido pelo recorrente antes da promulgação da nova Lei da Criminalidade, razão porque deveria ter feito a aplicação da Lei n.º 1/78/M, de 4 de Fevereiro, art.º 4.º, n.º 2, daí resultando que não poderia ter condenado o recorrente pela prática do crime de conversão de bens ou produtos ilícitos, tipo penal só existente a partir da promulgação da nova Lei da Criminalidade – 30 de Julho de 1997.
   34. Houve erro na qualificação jurídica dos factos – no que se refere ao crime de conversão de bens ou produtos ilícitos – imputados ao recorrente, pelo que não se trata de um caso de erro na aplicação da norma do art.º 10.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 6/97/M, mas sim da sua violação pela má qualificação jurídica.”
   Violou, assim, o douto Tribunal de Segunda Instância, ora recorrido, as normas dos art.ºs 1.º, n.º 1 e suas alíneas, e 10.º, n.º 1, alíneas a), ambas da Lei n.º 6/97/M, de 30 de Julho; as normas do art.º 2.º do Código Penal (por aplicação da lei mais favorável ao recorrente) e, ainda, a norma do n.º 1 do art.º 1.º do Código Penal e, consequentemente, os princípios da tipicidade e da legalidade que enformam o direito penal.
   
   Pedindo que:
   a) seja considerado que a matéria fáctica apurada – quer quanto ao crime de associação ou sociedade secreta, quer quanto ao crime de conversão de bens ou produtos ilícitos – é insuficiente para a decisão de direito e, em consequência, seja revogada a decisão recorrida, ou
   b) seja dados – relativamente aos dois crimes – como verificados os vícios da insuficiência da matéria de facto, do erro notório na apreciação da prova, a contradição insanável na matéria dada como provada (incluída nesta a violação dos limites à livre apreciação da prova) que enfermam o acórdão recorrido e se determine o reenvio do processo para novo julgamento a fim de sanar tais vícios; ou
   c) seja aplicada a Lei n.° 1/78/M de 4 de Fevereiro no que se refere ao crime de associação ou sociedade secreta e, porque não existia o crime de conversão previsto no art.° 10.° da Lei n.° 6/97/M, seja dele absolvido e, em consequência, seja aplicada uma pena de prisão não superior a três anos e devolvidos os bens que se encontram apreendidos e ordenado o descongelamento das contas bancárias de que é titular.
   
   
   O Ministério Público considera, em síntese, na sua resposta:
   O recorrente imputa ao acórdão recorrido os vícios referidos nas al.s a), b) e c) do n.º 2 do art.º 410.º do C.P. Penal, bem como a violação de normas de direito substantivo.
   É manifesto, todavia, que as suas pretensões não têm qualquer fundamento.
   A motivação do recorrente é uma peça com grande extensão e, também – talvez por isso – com alguma dispersão.
   Não poucas das considerações aduzidas na mesma são, por outro lado, inócuas ou, até excrescentes.
   Vamos, pois, proceder à apreciação das respectivas conclusões – igualmente excessivas – sem perder de vista, naturalmente, os respectivos pressupostos.
   É certo, aliás que são tais conclusões que delimitam o objecto do recurso, “sendo irrelevante que algum tema não focado nas conclusões tenha sido abordado no texto da motivação ou que esse tema seja desenvolvido em alegações posteriores”.
   Relativamente ao crime de associação ou sociedade secreta, o recorrente assaca, ao douto acórdão, os três vícios supracitados.
   Na órbita da mencionada al. a), o recorrente expende que não há factos que permitam concluir pelo seu apoio à sociedade secreta em causa.
   Perante a factualidade apontada nos n.ºs 10, 17, 18, 22, 28 e 31, não se vislumbra, efectivamente, qualquer “insuficiência” ou “ininteligibilidade”.
   E o elemento subjectivo, em relação ao crime de associação ou sociedade secreta resulta, inequivocamente, dos factos arrolados nos n.ºs 113, 114, 117 e 120, sendo que nesse n.º 117 se dá como provado que “os arguidos D e E, no âmbito das actividades acima descritas em 34. e 31. apoiaram a actividade da seita 14K, do que tinham conhecimento, e assim o queriam”.
   É incontroverso, por outro lado, que a organização criminosa em questão, para além de se manifestar pela prática de crimes, se manifestou, também, por acordo.
   Basta atentar, para tanto, na matéria descrita nos n.ºs 1 a 10, 115 e 116, sendo de destacar, nesse âmbito, os factos dados como provados nos n.ºs 7 e 115.
   O recorrente questiona, entretanto, o facto de não se terem apurado outras circunstâncias ou motivações do crime em apreço.
   Mas, dessa forma, acaba por deslocar a sua crítica – sem o poder fazer – para o problema da insuficiência da prova (que, conforme se sabe, não se confunde com o da insuficiência da matéria de facto).
   No quadro da subsequente al. b), o recorrente afirma que há “contradição insanável” pelo facto de se haver provado que apoiou uma organização que se manifesta pela prática de vários crimes, sendo que acabou por ser condenado pela prática de um só dos “elencados nas alíneas do art.º 1.º da Lei da Criminalidade Organizada”.
   Não se antolha, contudo, “in casu”, a existência de qualquer vício, que o recorrente, de resto, não se dá ao trabalho de concretizar.
   Essa inexistência teria que ser afirmada, aliás, ainda que o mesmo não houvesse sido condenado pelo crime de conversão de bens ou produtos ilícitos.
   No âmbito da al. c), o recorrente reporta-se aos documentos ou apensos aludidos no facto provado no n.º 31.
   Na sua perspectiva, com efeito, o acórdão recorrido, ao fazer a “leitura” de que tais elementos se referem à contabilidade de uma organização criminosa, incorreu em erro notório na apreciação da prova.
   Trata-se de uma asserção gratuita.
   O recorrente limita-se a controverter a factualidade dada como assente, olvidando os poderes de cognição desse mais Alto Tribunal.
   O recorrente diz, depois, que o douto acórdão infringiu os “limites” à regra da livre apreciação da prova.
   Na sua óptica, na verdade, o mesmo não poderia apreciar os documentos constantes dos apensos referidos no ponto 31 dos factos provados, de forma a extrair conclusões diferentes “de acordo com o arguido a quem se referissem tais documentos”.
   Está-se perante um outro equívoco.
   O que poderá estar em causa, realmente, são os poderes de cognição da Segunda Instância (cfr. art.º 39.º da Lei n.º 9/1999, de 20-12).
   E, como é sabido, nada obsta a que este Tribunal, em sede de matéria de facto, lance mão das chamadas presunções naturais, ligadas a princípios de normalidade ou a regras gerais da experiência.
   Ponto é, naturalmente, que as respectivas inferências ou conclusões se limitem a desenvolver tal matéria, não a alterando ou contrariando.
   E foi isso que aconteceu, eventualmente, num um noutro ponto, dentro dos limites apontados.
   No concernente ao crime de conversão de bens ou produtos ilícitos, o recorrente imputa ao douto acórdão, de igual modo, os três vícios em foco.
   No que toca à respectiva al. a), defende que inexistem os factos necessários para a respectiva condenação.
   Mas não lhe assiste razão.
   Basta considerar, para o efeito, a matéria constante dos n.ºs 80, 92, 93, 94-b, 96-c, 97-h, 108, 109, 110, 111, 113, 114, 119 e 120.
   Não podem subsistir, face a tal matéria, quaisquer dúvidas quanto à verificação dos elementos constitutivos do tipo legal em apreço.
   Não há, assim, qualquer lacuna no apuramento da matéria de facto indispensável para a competente decisão de direito.
   Já no que tange às subsequentes al.s b) e c), o recorrente confunde, de forma patente, a contradição insanável da fundamentação e o erro notório na apreciação da prova com a insuficiência de prova.
   E o que pretende, efectivamente, é censurar a matéria de facto apurada, questionando-a de um ponto de vista puramente subjectivo.
   O recorrente avança, depois, para a pretensa violação de normas de direito substantivo.
   Pugna, em substância, pela sua absolvição pelo crime de conversão de bens ou produtos ilícitos, bem como pela sua condenação pelo de sociedade secreta com base na Lei n.º 1/78/M, de 4-2.
   Estriba-se, para tanto, na circunstância de, no seu juízo, não ter “ficado consignado no ac. recorrido a data até à qual desenvolveu a actividade”.
   Parte de uma premissa errada.
   O acórdão recorrido, na verdade, consignou que a actividade criminosa dos arguidos se desenvolveu até à data das detenções, ocorridas em 1/5/98 – e, portanto, muito para além da entrada em vigor da Lei n.º 6/97/M, de 30-7 (cfr. fls. 196 do acórdão – 5234 dos autos).
   No que respeita ao enquadramento do crime de associação ou sociedade secreta, entretanto, na esteira das considerações aduzidas pelo recorrente, há que proceder, de facto, a uma correcção.
   Tendo em conta a factualidade averiguada, com efeito, a actuação do mesmo deve ser subsumida à previsão do art.º 2.º, n.º 2, da Lei n.º 6/97/M, com referência ao art.º 1.º, al.s j), u) e v), da mesma Lei.
   A pretendida redução da pena, finalmente, funda-se na hipotética absolvição pelo crime de conversão de bens ou produtos ilícitos e na aplicação da Lei n.º 1/78/M ao crime de associação ou sociedade secreta.
   Inverificados tais pressupostos, naufraga, também, necessariamente, a pretensão em questão.
   Deve, pelo exposto, ser negado provimento ao recurso, corrigindo-se, porém, o acórdão recorrido, nos termos apontados.
   
   
   1.2.6 O recorrente F formulou as seguintes conclusões:
   “a. O arguido recorrente foi condenado pelo Tribunal de 2ª Instância na pena única de 9 (nove) anos e 8 (oito) meses de prisão, decisão de que ora se recorre, sendo que as questões que se pretende discutir são sensivelmente as mesmas que se invocou naquele segundo grau de jurisdição, questões que são de direito, logo atendíveis, face à imposição do n.º 3 do art.º 44.º da Lei de Bases da Organização Judiciária e ao art.º 649.º do C. P. C..
   b. O acórdão de 1ª Instância, de ânimo leve, reproduziu quase integralmente os factos da acusação como factos provados; também, enunciou os factos não provados.
   Contudo, não deu, salvo melhor opinião, cumprimento ao disposto na parte final daquela norma, limitado-se a um mero enunciado das provas, sem que este contenha a verdadeira motivação da matéria de facto – as razões substanciais em que se fundamentou a decisão.
   c. O que se verifica naquele acórdão é que o mesmo se limita a uma mera indicação das provas de onde resulta perfeitamente impossível apurar se a decisão respeita ou não a exigência da prova dos factos; se foi lógico o raciocínio do julgador.
   d. O efectivo direito de recurso das decisões judiciais só se concretizará desde que a sentença indique a motivação dos juízos em matéria de facto, para que o tribunal de recurso possa apreciar a legalidade da decisão, já que – pelo menos no que aos documentos em que se fundamentou a convicção do Tribunal – os mesmos não foram examinados no que ao recorrente diz respeito, em audiência de julgamento.
   O acórdão ora recorrido deu como boa a posição então assumida pelo acórdão de 1ª Instância. Contudo, no entender do recorrente, mostram-se violadas as normas do n.º 2 do art.º 355.º e do art.º 336.º e n.º 2 do art.º 400.º todos do C. P. P..
   A falta de motivação constitui nulidade da sentença tornando inválido o acto em que a mesma se verificou – a audiência de julgamento. Como consequência deste vício e não sendo possível decidir da causa, o Tribunal de recurso deverá determinar o reenvio do processo para novo julgamento, relativamente à totalidade do objecto do processo (art.º 360 alínea a), art.º 109 n.º 1 e art.º 418 n.º 1 todos do C. P. P.).
   Quando assim se não entenda, o que se admite sem conceder.
   e. O crime de violação de telecomunicações é a efectiva intromissão ou tomada de conhecimento de um conteúdo de telecomunicações; não a previsão desta actuação.
   O acórdão de 1ª Instância puniu, pios, uma previsão dos arguidos quanto à eventual prática deste crime, o que se afigura inadmissível, face aos princípios fundamentais do processo penal.
   f. Acresce que, o bem jurídico que se pretende proteger com a punição da conduta típica deste crime de dano é a privacidade dos interlocutores, pelo que não se tendo consumado aquela conduta típica, apenas a tendo previsto, os arguidos nunca poderiam ter sido punidos pela sua efectiva perpetração.
   Ao dar como boa esta posição do acórdão de 1ª Instância, violou o acórdão recorrido a norma do art.º 188.º do C. P..
   g. Quanto ao crime de usura para o jogo, a situação é semelhante à anterior.
   Provou-se que os arguidos previam efectuar empréstimos a pessoas e previam cobrar destas o montante dos empréstimos, acrescidos de juros muito superiores à taxa legal.
   h. O acórdão de 1ª Instância puniu, pois uma previsão dos arguidos quanto à eventual prática do crime de usura, sendo que o facto descrito na norma incriminadora é a efectiva facultação a uma pessoa de dinheiro ou outro meio para jogo, com intenção de alcançar um beneficio patrimonial.
   Ao dar como boa esta posição do acórdão de 1ª Instância, violou a norma do art.º 13.º da Lei n.º 8/96/M, de 22 de Julho.
   i. No acórdão de 1ª Instância foi dado como facto provado que o recorrente integrou a sociedade secreta 14K em data não apurada mas anteriormente a 1989.
   Não se logrou obter prova de qualquer facto criminoso posterior a esta data, nem se o arguido recorrente continua a pertencer àquela sociedade secreta.
   O Código Penal consagra o princípio da legalidade que coenvolve a proibição da aplicação retroactiva da lei criminal.
   De acordo com este princípio da não retroactividade, é proibida uma agravação da pena vigente à data da prática do facto.
   j. Posto isto, considera-se que ao recorrente não deveria ter sido aplicado o regime constante da Lei n.º 6/97/M, porquanto a prova temporal do cometimento do facto ilícito típico integrador do tipo de crime de associação criminosa, reporta-se a 1989, pelo que a aplicação do regime vigente, no acórdão em apreço, constituiu uma aplicação retroactiva da lei penal.
   Afigura-se, pois, ao recorrente que a sua eventual condenação por aquele crime deveria ter sido punida ao abrigo das disposições da Lei n.º 1/78/M, de 4 de Fevereiro, a qual consagra um regime manifestamente mais favorável aos arguidos.
   Ao dar como boa a posição do acórdão de 1ª Instância, violou a norma do n.º 4 do art.º 2.º do Código Penal.
   k. Quanto ao confisco de bens e ao crime de conversão de bens ou produtos ilícitos, dão-se aqui por reproduzidas as conclusões constantes do Parecer do Mestre de Directo, oportunamente junto aos autos, ao qual o acórdão recorrido não fez a menor referência, sendo de concluir que o terá ignorado.
   Ao arguido recorrente não foram detectados nem aprendidos quaisquer bens imóveis, direitos sociais e veículos automóveis. Apenas lhe foram congeladas algumas contas bancárias, umas sem indicação dos respectivos saldos, outras com valores ridiculamente diminutos e negativos e, outras ainda, cuja titularidade não pertence ao recorrente.
   l. Em processo penal, o confisco de bens pode ser decretado apenas quanto aos instrumentos, produtos e vantagens do crime, dado que são só estes os casos previstos na lei.
   m. Quanto às vantagens do crime – é disto que se tratará, ao confiscar ao recorrente, as contas bancárias – o confisco exige a prova de que os bens representam efectivamente lucros resultantes da prática de crimes. Não são admissíveis presunções nesta matéria. Na ausência de prova como sucede “in casu” os bens apreendidos não podem ser confiscados. Na ausência de prova concreta e específica, não se pode afirmar que os bens apreendidos representam “vantagens” de crimes, pelo que não podem ser confiscados.
   n. Por outro lado, a acórdão recorrido, de forma velada, decreta um confisco geral, pois todo o património dos arguidos – que, no caso do recorrente se resume a contas bancárias – é sem excepção confiscado. O confisco geral não consta do catálogo legal de penas. O tribunal não pode aplicar uma pena não consagrada pela lei vigente.
   Ao dar como boa a posição do acórdão de 1ª Instância, foram violadas as normas dos art.ºs 101.º e 103.º do Código Penal e o princípio da legalidade (art.º 1.º do C. P. e art.º 2.º do C. P. P. ).
   o. No acórdão recorrido remetendo para o de 1ª Instância, verifica-se que não se provou a concreta origem ilícita dos bens confiscados, ou seja, que os bens confiscados resultam de certas e determinadas infracções. O Tribunal limitou-se a afirmar que os bens apreendidos resultam de actividades ilícitas, sem se saber que actividades serão essas.
   p. A mera existência de uma associação criminosa (tal como de uma sociedade comercial) não gera lucros.
   Sem se saber qual é crime precedente não há fundamento legal ou factual para a determinação da pena do branqueamento de capitais. Logo, não é possível condenar por branqueamento de capitais.
   q. O branqueamento de capitais consiste num conjunto de condutas que visam especificamente ocultar a origem ou localização de bens de origem ilícita, com vista a evitar a sua detecção, apreensão e o seu confisco.
   O bem jurídico protegido pelo crime de branqueamento de capitais é a pretensão estadual de confiscar as vantagens do crime.
   r. Não se provou qualquer conduta especificamente dirigida a ocultar ou dissimular a origem dos bens, impondo-se a conclusão de que, por ausência da conduta típica, a condenação pelo crime de branqueamento de capitais carece de todo e qualquer fundamento, como o demonstra o acórdão proferido no processo comum colectivo n.º 618/99 que correu os seus termos pelo 6.º juízo do Tribunal de Competência Genérica de Macau.
   s. Não é possível, como sucedeu no caso dos autos, a punição do mesmo agente, em concurso efectivo, pela prática de um crime, do qual terão derivado lucros, e pelo branqueamento desses mesmos lucros.
   Ao dar como boa a posição do acórdão de 1ª Instância, neste passo, foram violados os n.ºs 1 e 3.º, do art.º 10.º da Lei n.º 6/97/M, de 30 de Julho, bem como o princípio de direito penal “ne bis in idem”.
   t. Finalmente, se é certo que o acórdão de 1ª Instância não fundamentou as desigualdades penais então referidas, também o é que o acórdão ora recorrido não justifica (não fundamenta) o agravamento da pena parcelar aplicada ao arguido B, quanto ao crime de sociedade secreta, agravamento esse que condicionou as penas únicas para o mesmo crime, aplicadas aos demais, mormente ao ora recorrente.
   Neste passo foram violadas as normas dos art.º 64.º e 65.º do Código Penal.”
   
   Pedindo que seja dado provimento ao recurso e o reenvio do processo para novo julgamento em primeira instância ou alterar o acórdão recorrido nos termos supra referidos.
   
   
   O Ministério Público concluiu na sua resposta:
   “1. No presente recurso, ao Tribunal de Última Instância é vedado o conhecimento da matéria de facto e só se pode ter em conta os factos dados como provados no acórdão recorrido, por força do art.º 47, n.º 2 da Lei n.º 9/1999;
   2. Em consequência, deve ser rejeitada a parte do recurso que versa sobre a matéria de facto, conhecendo a parte do direito em nome do princípio de cindibilidade do recurso;
   3. No que respeita ao crime de violação de telecomunicações, e de acordo com a factualidade apurada, vertida no número 9 dos factos provados, só pode extrair-se uma ilação, a de que a facção em causa, para além de já haver praticado esses actos, previa, ainda, praticar mais;
   4. A consideração supra é igualmente válida, mutatis mutandis, em relação aos crimes de usura para jogo, de conversão de produtos ou bens ilícitos;
   5. Está correcta a incriminação do arguido pela prática de um crime de usura para jogo apesar de serem “vários” ofendidos não identificados, visto que não foi possível de determinar em concreto todas as identidades dos ofendidos;
   6. O não apuramento dos elementos circunstanciais: o momento exacto, a localidade, a identidade do mutuário não constitui factor impeditivo da condenação do agente, visto que não fazem os mesmos partes integrantes e absolutamente indispensáveis do elemento objectivo;
   7. Não há nada inconcludente na identificação do crime de associação secreta como pressuposto da punição do crime de conversão de bens ou produtos ilícitos, pois, o que se importa não é a natureza jurídica do crime de associação, mas sim as actividades ilícitas (provadas) desenvolvidas no âmbito daquele crime, geradoras de vantagens ou lucros ilícitos;
   8. O crime de associação secreta é, por natureza das coisas, um crime “permanente”, a manutenção do estado ilícito está dependente da vontade do agente, e que o tipo de ilícito está constantemente a renovar-se enquanto o agente não fizer cessar o estado anti-jurídico;
   9. O entendimento de que a qualidade de chefia do recorrente na associação secreta, quando muito, só terminou no dia da sua detenção, não é mais do que uma conclusão lógica tirada do acervo fáctico provado como assente, e não é, de forma alguma, uma alteração substancial dos factos;
   10. O Tribunal não está limitado de tirar conclusão lógica dos factos provados;
   11. A pena concreta aplicada ao recorrente não merece de censura, dado que foi auferida ainda dentro do critério legalmente admitido.”
   Entende que o recurso interposto não merece de provimento, em nenhuma das suas vertentes.
   
   
   Foram colhidos os vistos.
   
   
   
   2. Fundamentação
   2.1 Factos provados e não provados
   Foram considerados provados os seguintes factos nas instâncias:
   1. Há vários anos que existe no Território uma sociedade secreta, denominada “14 Kilates” e também conhecida por “14 K”, organização formada por diversas pessoas que, de forma concertada, estruturada e articulada desenvolvem as suas actividades destinadas à prática de crimes;
   
   2. Tal sociedade possui um modelo organizacional que se desenvolve e se estrutura à volta de um líder ou líderes;
   
   3. Sendo a re1ação entre estes sustentada, sobretudo, pelo cumprimento rigoroso de códigos de honra e lealdade, que se impõem através de juramentos ou com recurso a sistemas punitivos de auto-protecção, que quase sempre envolvem ofensas corporais e/ou homicídios;
   
   4. Neste Território, a sociedade secreta «14 K» é constituída por facções, grupos e subgrupos, com uma estrutura hierárquica complexa que se inicia nos «soldados/cavalos», passa pelos soldados principais, depois pelos membros de direcção, terminando no «chefe»;
   
   5. Ta1 cadeia hierárquica não é rígida, podendo um soldado principa1 estar subordinado a um membro de direcção, ao mesmo tempo que é chefe de «soldados/cavalos»;
   
   6. Os arguidos A; B; C; H; I; J e F passaram a integrar a referida sociedade, desde data não apurada, mas anteriormente a 1989;
   
   7. Os arguidos A; B; C; H; I; J e F, e outros indivíduos, cuja identidade se desconhece, a partir de 1989 (quando o arguido A começou a liderar uma facção da 14 k), estavam entre si agrupados, livre e conscientemente, de comum acordo para a concretização de um plano, que foi idealizado por uns e aceite pelos restantes, todos agindo de forma concertada para a concretização de tal projecto, de forma articulada, estruturada e continuada no tempo;
   
   8. Desde os fins de 1989, que os arguidos A; B; C; H; I; J e F, e outros indivíduos, cujas identidades se desconhecem, criaram uma facção dentro da Sociedade Secreta «14 K», sendo que desde aquela data os arguidos D e E apoiaram a referida organização da forme descrita infra;
   
   9. Ta1 facção, para atingir as finalidades atrás referidas, praticou e previa executar actos, nomeadamente, no âmbito do jogo ilícito e actividades com ele relacionadas, como agiotagem, usura, apostas clandestinas e extorsão, e, ainda acções de violação de telecomunicações, aquisição e detenção de armas de guerra, falsificação de documentos, detenção e tráfico de estupefacientes;
   
   10. Para ocultação dos avultados lucros que mensalmente auferia, a dita facção da «14 K» dispunha de uma contabilidade organizada com recurso a diversas expressões cifradas;
   
   11. Tais como «Tai Min», «verso e frente», «Up and Down», «face oposta e de frente», «superior e inferior», que se referem a apostas ilegais paralelas dentro dos casinos;
   
   12. «Tong Seng» e «Tong Sek», que se referem a dividendos pagáveis a accionistas de uma sala V.I.P.;
   
   13. «Dinheiro de rua» ou «quantia de rua» que se refere a dinheiro que não está em caixa/que se encontra emprestado - (cfr. apenso 9, fls. 17 a 26);
   
   14. «Soi Toi» ou «Bolso de Água» e «Fundo de Mesa» que se referem a fundos de maneio, para as actividades da organização;
   
   15. «I» (juro), «Cartão» (conta) e «Marker» (nota de débitos);*
   
   16. E a expressões numéricas, como:*
a. 10,000,00 = 1 - = 10,000 = 1
b. 100,000,00 = 10 - = 100.000 = 10
c. 15,000,00 = 1 5 = 15,000 = 1.5
d. 15,500,00 = 1 55 = 15,500 = 1.55
e. 125,000,00 = 12 5 = 125,000 = 12.5
f. 125,468,00 = 12 5468 = 125,468 = 12.5468
g. 1,000,000,00 = 100 - = 1,000,000 = 100
h. 1,684,372,00 = 168 4372 = 168.4372
   
   17. Assim, tal facção da «14 K» detinha uma banca paralela à legal, que se circunscrevia a um sistema de quotização, periódica, entre os vários elementos de um grupo de «Associados», com o objectivo de obterem um fundo financeiro que, para além de funcionar como uma fonte de liquidez da organização, proporcionava aos sócios, algumas regalias, nomeadamente em termos de rentabilidade do dinheiro ali aplicado;
   
   18. No sistema de banca paralela à legal, desempenhava um papel muito importante a existência de um fundo (ou fundos) “X” ou “X1” que funcionava como um sistema complexo de financiamento da organização, pela obtenção de lucros através de juros cobrados, tudo superiormente controlado e dirigido pelo arguido A que nele tinha também parte activa -- (cfr. fls. 2116 dos autos);
   
   19. Tal fundo (ou fundos) era constituído por um sistema de quotização periódica, nunca inferior a HKD 100.000,00, mas quase sempre no montante de HKD 200.000,00 por mês por cada associado – (cfr. fls.2188 dos autos);
   
   20. A escrita deste fundo bastava-se de “livrinhos” ou “cadernos” onde cada um apontava o dinheiro que entregava, sendo aqui o chamado “cabeça de X”, o arguido A;
   
   21. A receita do fundo, sempre supervisionada pelo arguido A, era aplicada em diversas actividades desde ilícitas a pessoais, a pagamento de dívidas de jogo, até à exploração de jogo nos casinos - (cfr. apenso A-7, fls. 20 e 44; apenso A-8, fls. 106);
   
   22. O fundo (ou fundos) em questão empresta assim dinheiro a várias pessoas a uma taxa de juro variável (consoante o momento e a pessoa), cobrada normalmente ao dia, mas que na maioria dos casos atinge a taxa diária de 0,5%, o que corresponde a 15% ao mês e a 180% ao ano - (cfr. apenso A-9, fls. 18, 20 e 32);
   
   23. Muitas vezes os “associados” do fundo aplicam os empréstimos que este lhes concede, nas condições descritas em 22., voltando a emprestar tais quantias e cobrando juros que oscilam entre 3% e 40% ao dia; - (cfr. apenso A-1, fls. 17 a 109);
   
   24. As receitas apuradas neste fundo (ou fundos) são muitas vezes contabilizadas através dos chamados “cartões”, revertendo, em última análise, a favor da sociedade secreta “14 K” e do seu chefe A, servindo para financiar as actividades ilícitas da referida sociedade;
   
   25. Recebendo, esta, ainda, quantias provenientes dos lucros com a exploração ilícita de apostas, referidas em 11., nos casinos do Território, nomeadamente nas salas [Endereço(2)] e [Endereço(3)](Casino), [Endereço(4)] (Hotel(1)), [Endereço(5)] ([Endereço(6)]), no[Endereço(7) ];
   
   26. E de comissões sobre a troca de fichas mortas nos referidos casinos e de cobrança de juros, sempre superiores à taxa legal, relativos a empréstimos para jogo, como se referiu em 13.;
   
   27. Obtendo igualmente quantias variáveis dos jogadores que ganhavam, através de meios intimidatórios, que eram contabilizadas como «dinheiro para chá» ou «subsídio para chá»;
   
   28. Dentro da organização “14 K”, e no superior interesse desta, os arguidos A; B; C; H; I; J e F desempenhavam variadas tarefas, algumas das quais se passam a descrever, sendo que os arguidos D e E, sem que integrassem a 14K apoiavam a actividade daquela de forma descrita infra;
   
   29. Assim, a arguida C, surge como gestora da contabilidade da organização, - (cfr. apenso A-7, fls. 1 a 14; apenso A-8, fls. 52 a 59, 111 a 131; apenso A-9, fls. 158 e apenso A-12, fls. 74 a 85);
   
   30. O arguido H aparece como o principal responsável por diversos empréstimos, e a respectiva cobrança de juros, estando autorizado a assinar e depositar fichas nas contas da organização, envolvendo-se ainda na exploração de apostas paralelas ilegais, dentro dos casinos, recebendo percentagens de lucros auferidos em várias salas de casinos - (cfr. apenso A-7, fls. 40; apenso A-8, fls. 28 a 49; apenso A-9, fls. 14, 19 a 36, 98 a 116; apenso A-10, fls.16 a 32 e 62;apenso A-12, fls.8, 14 e 91);
   
   31. Na actividade da contabilidade e apenas apoiando a organização 14K, E é o responsável por empréstimos e depósito de juros, estando autorizado a assinar e depositar fichas nas contas da organização. - (cfr. apenso A-8, fls. 27, 28, 66 e 67; apenso A-9, fls. 13 e 14, 21 a 32, 98 a 120, 131, 132, 147, 148, 157 e 158; apenso A-10, fls. 29, 30, 36, 37, 78, 79, 99 a 109; apenso A-12, fls. 39, 40, 52 e 53);
   
   32. O arguido J surge como uma das pessoas autorizadas a movimentar as contas da organização, a efectuar empréstimos e a cobrar e depositar os respectivos juros, sendo responsável por um grupo de «bate-fichas», de cujas comissões o arguido A detinha 40%. - (cfr. apenso A-7, fls. 25, 26, 45, 46, 49 e 50; apenso A-8, fls. 48, 49, 85, 86, 95 a 106; apenso A-9, fls. 3, 4, 21 a 36; apenso A-10, fls. 96 a 109; apenso A-12, fls. 11 a 22, 70, 71, 90 e 91);
   
   33. O arguido B, é o responsável por diversos empréstimos e depósitos de juros, estando igualmente autorizado a assinar e depositar fichas na conta da organização, constando nas contas desta como item próprio, na contabilidade geral de cada cartão — (cfr. apenso A-8, fls. 99 a 106; apenso A-9, fls. 23 a 26, 31 e 32, 98 a 118; apenso A-10, fls. 98 a 109);
   
   34. A arguida D, aparece, mas apenas na actividade de apoiante da actividade da organização 14K como financiadora de empréstimos de avultados montantes ao arguido A, recebendo comissões de fichas especiais da sala [Endereço(2)] - (cfr. apenso A-7, fls. 84 e 85, 106 e 107; apenso A-8, fls. 19 e 20; apenso A-9, fls. 104 a 107, 109, 110, 123, 124, 135, 136, 145, 146; apenso A-10, fls. 1, 2, 78 e 79; apenso A-12, fls. 1, 2, 9, 10, 15 a 18, 21, 22, 92, 93, 135 e 136);
   
   35. Na contabilidade da organização o arguido I, surge relacionado com diversas contas/cartões, fazendo a movimentação de quantias entre elas e a sala [Endereço(2)], onde recebe/paga comissões sobre «fichas especiais» -- (cfr. apenso A-9, fls. 115, 116; apenso A-10, fls. 19 e 20, 100 e 101; apenso A-12, fls. 39, 40, 112 e 113; apenso A - anexo 4, fls. 10 a 20);
   
   36. O arguido F, na documentação apreendida nos autos, consta como recebendo os salários de segurança, pagos através de cartão relacionado com a arguida C, contribuindo mensalmente com a sua quota para a associação/organização - (cfr. apenso A-7, fls. 43 e 44; apenso A-8, fls. 21 e 22, 114 e 115; apenso A-12, fls. 15 e 16, 152 e 153);
   
   37. O arguido G, mas sem estar ligado de qualquer forma à 14K, surge como responsável pela exploração da Sala [Endereço(2)], do Casino, obtendo 50% da receita bruta (cabendo ao arguido A os restantes 50%), recebendo 50% do lucro dos bate-fichas de tal sala. O arguido mantém uma contabilidade própria de crédito e débito de clientes.- (cfr. apenso A-8, fls. 21. 22, 27, 28, 64, 65, 77, 78, 85 e 86; apenso A-9, fls. 57 e 58; apenso A-12, fls. 23);
   
   38. O arguido A possui e dirige, assim, incontestavelmente, uma estrutura organizada, controlando uma série de actividades multifacetadas, a maior parte das quais se desenrolam junto ao jogo, no Território, sendo o líder da citada facção da “14 K”;
   
   39. E como chefe da referida facção da associação secreta, tem «soldados» hierarquicamente dependentes de si - (cfr. apenso A, anexo 3, fls. 2, 9, 11, 20, 27, 263 a 296);
   
   40. Em princípios de Julho de 1995, o arguido A e outros tiveram reuniões no Comando da PSP de Macau, nomeadamente com o então O, ao tempo chefe da Secção de Informações daquela Polícia, sendo das mesmas elaborado relatório que foi apresentado aos superiores hierárquicos deste - cfr. fls. 759 e ss. dos autos, cujo teor se dá aqui por reproduzido na integra;
   
   41. Nessas reuniões, o arguido A representava a referida facção “14 K”, assumidamente, como chefe, o mesmo sucedendo com os restantes relativamente às demais seitas e, para além de exporem as suas preocupações, quanto à possível perda de influência das suas associações secretas, estavam na disposição de combater a invasão do Território pelas seitas de Hong Kong, chegando cada um deles, incluindo o primeiro arguido, a especificar quantos “bate-fichas” tinha ao seu serviço, nos casinos de Macau;
   
   42. Na mesma altura, e com a finalidade de controlarem o Território face às seitas provenientes do exterior, o arguido A, como chefe dessa facção da “14 K”, e outros alegados três chefes das mais relevantes seitas de Macau, haviam formado uma união, conhecida como “Grupo dos Quatro”, “Dos Quatro Unidos” ou “União dos Quatro”;
   
   43. Em 03/07/96, o primeiro arguido, como chefe da já referida facção “14 K”, liderou uma reunião em que participaram outros três chefes das outras três mais importantes seitas (chamado “Grupo dos Quatro Unidos”), para obrigarem todas as salas VIP dos casinos de Macau a pagarem 10% como “imposto para protecção” - (cfr. fls. 152 a 168 dos autos);
   
   44. Em 06/12/96, a revista “(1)” diz que o arguido A tem ao seu serviço, nos casinos de Macau, mais de 500 bate-fichas, que são seus subordinados na referida sociedade secreta e que, como tal, têm de lhe pagar parte do rendimento nessa actividade;
   
   45. No mesmo artigo acrescentava ainda a mesma revista, que no ano anterior a seita da “14 K”, liderada pelo primeiro arguido, e as outras três seitas de Macau, chegaram a pedir à [Sociedade(1)] que lhes oferecesse mais proventos dos lucros dos casinos;
   
   46. Em 20/12/96, a revista “(2)”, num artigo sobre o arguido A, diz, a determinada altura “… este e outras três seitas, constituíram uma companhia, “a União dos Quatro”, isto é, a união da “14 K”, “Soi Fong”, “Seng Wo” e “Seng I”, as quatro seitas mais poderosas de Macau. Esta “União dos Quatro” pediu à [Sociedade(1)] para lhe dar proveito mais favorável …”;

   47. Em 31/07/97, o jornal «(1)» diz que o arguido A e outro, ambos cabecilhas de seitas, instalaram-se em Portugal para ali exercer o jogo ilegal e extorsão (“aquilo que eufemisticamente chamam de Comissão de Representação …”, acrescentando o mesmo artigo jornalístico);
   
   48. O arguido A explorava a sala VIP “[Endereço(3)]”, ou “[Endereço(8)]”, do casino, (constituindo para o efeito uma “sociedade” que não tinha existência legal, nem pacto social, nem pagava impostos), na qual possuía uma “quota” de HKD 50.000.000,00, sendo também sócio e sub-gerente o arguido H (desconhecendo-se o valor da “quota” deste);
   
   49. Aliás, o arguido A intitulava-se director da sala “[Endereço(8)]” VIP Club, conforme o demonstra a apreensão, ao mesmo, de cartões com tal título - (cfr. fls. 1970 dos autos);
   
   50. Desta exploração, tal sociedade obtinha o lucro de 42,5% da receita bruta apurada, na mencionada sala, cabendo aos arguidos A e H o correspondente às suas quotas;
   
   51. Para concretização do seu projecto os arguidos, A; B; C; H; I; J e F, e outros elementos do grupo, assiduamente, reuniam-se na residência do arguido A, sita [Endereço(1)], onde, em conjunto e concertadamente, idealizavam e estabeleciam as acções a levar a efeito para a concretização dos seus desígnios, nomeadamente elaborando esquemas de trajectos e referências a ruas, que os eventuais alvos utilizavam ou onde se encontravam situados - (cfr. apenso A-1, fls. 154 a 169; fls. 201 a 203 dos autos);
   
   52. No desenvolvimento de tal projecto e para a sua concretização, os arguidos A; B; P; H; I; J e F, e outros elementos da organização, voluntária e conscientemente, praticaram actos de intimidação contra pessoas, no interior dos casinos, gerando nelas e nos seus familiares receio e insegurança - (cfr. apenso B, volumes 1 a 4);
   
   53. Para atingirem os objectivos a que se propuseram, os arguidos A; B; C; H; I; J e F, e os restantes elementos da organização secreta criaram e pretendem desenvolver um exército próprio, incorporando cidadãos civis, fazendo o seu recrutamento em Macau e, especialmente, na República Popular da China, em «Tam Chon» e zonas circundantes e a pouca distância de «Kongbei» de Zhuhai;
   
   54. Em 1996 a referida facção da “14 K” liderada pelo primeiro arguido tinha cerca de 10 mil pessoas sobre o seu comando e que haviam aderido ao projecto da mesma;
   
   55. A facção da “14 K” de que os arguidos A; B; C; H; I; J e F fazem parte, previa o recurso à violência, para alcançarem os seus objectivos, afirmando, nomeadamente, o seu líder, nas entrevistas que concedia, a contratação de “matadores na R.P.C. para ajudar na luta”;
   
   56. Previram igualmente praticar actos de intimidação contra agentes da autoridade pública, de formas a criar nestes receio e insegurança - cfr. Diário «(2)», de 02/05/98;
   
   57. E também de intimidação particular e geral com diversas acções incendiárias no Território, utilizando até «Cocktails Molotov”, lançando fogo, especialmente, a casas de habitação, estabelecimentos comerciais e industriais, automóveis e outros veículos motorizados - (cfr. certidão de fls. 695 a 728 dos autos);
   
   58. Apontando-se ao arguido A expressões dirigidas às instituições do Território como «não tenho medo de ninguém» e «quem me fizer mal, nunca escapará» - (cfr. entrevista ao «Revista(3)» e transcrito no « Revista(4)» de 01/04/98);
   
   59. Aliás, o arguido A subsidiou a rodagem de um filme, que já se encontra no circuito comercial há vários meses, do qual foi produtor, intitulado “Casino” (inicialmente o nome previsto era o de “Storm in Macau”), em cujo argumento é patente e claro que a personagem principal se identifica, inteiramente, com tal arguido, retratando a sua ascensão como líder da seita “14 K”, bem como o desempenho do seu papel de chefe desde aí até à actualidade (no filme, inteiramente rodado em Macau, chegam a ter intervenção veículos automóveis pertencentes aos arguidos e seus familiares, alguns deles até apreendidos nestes autos) - (cfr. apenso de visionamento de filme e “cassette” de vídeo juntos aos autos);
   
   60. Com tal filme, cuja licença administrativa necessária foi recusada pelo Instituto Cultural de Macau, o arguido A, para além de pretender demonstrar o seu poder, arrogância e um sentimento de impunidade, chegando ao ponto de, durante a rodagem de uma das cenas e afrontando as autoridades policiais e administrativas do Território (que lhe negaram autorização para tal procedimento), ordenar que se fechasse inteiramente ao trânsito a ponte que dá acesso de Macau à Taipa, via Hotel(2) (vulgo ponte velha), durante algumas horas no dia 8 de Janeiro de 1998;
   
   61. Pretendia, ainda, o citado arguido “lavar” a sua imagem perante a opinião pública, arvorando-se numa espécie de “herói” popular do Território;
   
   62. As condutas intimidatórias executadas pela facção da 14K referida, eram, muitas vezes, acompanhadas de utilização de armas de fogo e de guerra, nomeadamente pistolas, pistolas-metralhadoras, granadas, material explosivo e munições que os arguidos adquiriam e recebiam do exterior do Território, de diversos modos, incluindo encomendas postais - (cfr. apenso A, anexo 2, fls. 165 e 166; fls. 26 a 30 e 2390 a 2424 dos autos);
   
   63. Entre os documentos apreendidos ao arguido A encontravam-se um projecto para instalação no Camboja de uma fábrica de armas, nomeadamente de espingardas de fogo rápido e metralhadoras, um preçário, transmitido por “fax” em 23/6/93, de diverso armamento, incluindo “rockets”, «Hight Explosive anti-tanque”, mísseis anti-aéreos Sam 7 e vários tipos de metralhadoras, e também os planos para aquisição de veículos blindados — (cfr. apenso A-1, fls. 120 a 138 e 151; fls. 142, 143, 147 a 150 dos autos);
   
   64. A organização e os arguidos A; B; C; H; I; J e F previam proceder à escuta de transmissões e comunicações da Forças Policiais ou de Segurança do Território para, assim, melhor se furtarem à acção policial e da justiça, possuindo um sistema logístico de segurança o qual comportava elementos afectos às salas de jogo dos vários casinos que controlavam - (cfr. apenso A-7, fls. 23 e 24; apenso A, anexo 4, fls. 10 a 20);
   
   65. Para tal efeito a organização possuía 9 (nove) transmissores-receptores;
   
   66. Que foram apreendidos, em 09/04/96, 6 (seis) ao arguido F, em 28/04/97, 1 (um) ao arguido A, em 28/4/97, 1 (um) a N (arguido na IP nº 482/97), e em 29/10/98, 1 (um) no interior de um dos veículos apreendidos ao arguido A - (cfr. apenso A - anexo 4, fls. 10 a 20; apenso A, volume III, fls. 667 e 688; fls. 1970 dos autos);
   
   67. Encontrando-se tais aparelhos examinados a fls. 16 a 20 do Apenso A, Anexo 4; fls. 1589 e 1590 do apenso A, volume V e fls. 2228 dos autos, cujo teor se dá aqui por inteiramente reproduzido, para todos os efeitos;
   
   68. Previam igualmente, os arguidos A; B; C; D; H; I; E; J e F no âmbito dos jogos de fortuna ou azar, efectuar empréstimos de dinheiros, em moeda do Território ou estrangeira, ou em valores convencionais que as representam, a pessoas e a cobrar destas o montante dos empréstimos, acrescidos de juros elevados, muito superiores à taxa legal, e os arguidos A; B; C; H; I; J e F privavam tais pessoas da sua liberdade e contra a sua vontade, para as obrigar a obter tais quantias, caso não liquidassem o estipulado;
   
   69. Tais acções criminosas como as referidas nos autos, foram executadas por uns e queridas, conhecidas, representadas, aceites e efectuadas em nome de todos os elementos da mencionada facção da “14 K” no seio e no interesse da qual foram deliberadas e determinadas, pelos arguidos A; B; C; H; I; J e F, sendo as respeitantes aos arguidos D e E, apenas as acima descritas e na qualidade de apoiantes;
   
   70. No desenvolvimento de acções de investigação levadas a cabo pela Polícia Judiciária, os arguidos A; H; B e I, vieram a ser detidos no dia 01.05.98, cerca das 22 horas, no reservado do Restaurante 456, do complexo do Hotel(2), neste Território;
   
   71. Aí, os agentes da Polícia Judiciária detectaram e apreenderam junto aos pés do arguido I, um produto vegetal prensado, de cor esverdeada, com o peso bruto de 10,468 gramas, que se supunha ser estupefaciente;
   
   72. Produto esse que sujeito a teste rápido veio a reagir positivamente para a marijuana, conforme exame de fls. 383 dos autos que aqui se dá por inteiramente reproduzido;
   
   73. Sujeito a teste laboratorial, o mesmo produto foi identificado como Cannabis Sativa L, designado genericamente como “cannabinois”, com o peso líquido de 9,287 gramas, conforme exame de fls. 618 a 625, que aqui se dá como inteiramente reproduzido para todos os efeitos;
   
   74. Tal produto está incluído na Tabela I- C, anexa ao Decreto-Lei 5/91/M, de 28 de Janeiro;
   
   75. O arguido destinava o produto que lhe foi apreendido ao seu próprio consumo;
   
   76. Ainda no desenvolvimento das acções referidas em 70., em 1/05/98 foram apreendidos ao arguido H:
a. um telemóvel de marca Phillips Genie;
b. uma esferográfica de marca Aurora;
c. uma pulseira em metal prateado;
d. um anel em metal com uma pedra de agua, com a gravação «1973»;
e. um anel em metal branco, com uma pedra branca, com inscrição no interior «Karen»;
f. um relógio de metal amarelo de marca “Bucher” com o numero 2892-003;
g. uma pulseira em cabedal de cor azul;
h. um fio em metal amarelo com um pendente de cor verde;
i. HKDólares 99,000,00 em notas de 1,000.
   
   77. E ao arguido B foram apreendidos:
a. um pager n.º 4910325;
b. um relógio de pulso de marca Rolex, em metal amarelo com incrustações em pedras;
c. um cheque do Bank(1), Lda, emitido por Q, no valor de HKD 1.500.000,00;
d. um cheque de Bank(2), Lda, emitido por R, no valor de 600.000,00;*
e. um telemóvel de marca Nókia com o n.º XXXXXXX(1);
f. HKD 9.500,00 em notas de 500.
   
   78. E ao arguido A foram apreendidos:
a. um telemóvel de marca Nókia, com o número XXXXXXX(2);
b. um pager de marca Motorola, com o número XXXXXXX(3);
c. uma carteira de pele, de cor preta, de marca Dupond, com os cantos em metal amarelo e cravejados de pedras;
d. um relógio de metal com incrustações, de marca Piaget, com o número 23005M501D;
e. um anel de metal prateado com uma pedra;
f. um fio em metal dourado, com um pendente rectangular, com caracteres chineses;
g. HKD 27.000,00 em notas de 1.000,00.
   
   79. Ao arguido I, foram apreendidos:
a. um telemóvel de marca Philips, modelo Genie;
b. HKD 10.000,00, em notas de 1.000,00;
c. um relógio, em metal branco, da marca Piaget, com o n.º 91327K81 e 52380941.
   
   80. E apreendidos ao arguido E:
a. três fichas de jogo da [Sociedade(1)]., com o valor facial de H.K.D. 10.000,00 cada;
b. um relógio em metal branco, com incrustações em pedra transparente, de marca Rolex, com o numero 68159;
c. um telemóvel de marca Nókia;
d. MOP 8.000,00, em notas de 1.000,00;
e. uma nota de MOP 500,00;
f. HKD 3.000,00 em notas de 1.000,00:
g. HKD 2.000,00 em notas de 500,00;
h. uma nota de HKD 100,00.
   
   - O dinheiro e os objectos apreendidos aos arguidos e referidos em 76. a 80. encontram-se depositados, examinados e avaliados a fls. 564 a 571 dos autos;
   
    81. Na altura em que o arguido A foi detido, em 01/05/98, era portador de um documento de identificação provisório, nº XXXXXXXXXXXXXXX (cfr. fls. 282 dos autos), no qual constava como titular S, de sexo masculino, nascido a 22/02/1955, residente no [Endereço(9)], emitido pelos serviços de segurança e do Distrito de «Lin Peng» em 17/06/97, mas contendo aposta a fotografia do arguido;
   
   82. Porém, tal documento não é genuíno, conforme informação da Interpol de Guandong de fls. 291 dos autos;
   
   83. O primeiro arguido detinha tal documento como se de seu próprio se tratasse, tendo conhecimento que o mesmo não era verdadeiro;
   
   84. Documento esse que trazia consigo, a fim de se identificar como sendo a pessoa cujos elementos identificativos ali constavam, com a sua fotografia aposta, e sempre que para tal lhe fosse solicitado;
   
   85. No dia 2 de Maio de 1998, agentes da Polícia Judiciária dirigiram-se à residência do arguido B, sita [Endereço(10)], a fim de procederem a uma busca, devidamente autorizada, vindo ali a detectar a presença de T, devidamente identificada nos autos a fls. 323;
   
   86. A referida T chegou clandestinamente a este Território em 19/04/98. No dia seguinte, foi apresentada ao arguido B pelo indivíduo que a transportou desde a China (vulgo “Cabeça de Cobra”);
   
   87. No dia 08/07/98, cerca das 18 horas, o arguido G foi detido pela Polícia Judiciária tendo-lhe sido detectado na sua posse um passaporte da R. P. da China com o número XXXXXXX, em nome de U, nascido em 04/12/53 - (cfr. fls. 1227 dos autos);
   
   88. Tal documento havia sido usado pelo referido arguido para se identificar perante as autoridades fronteiriças, como se da sua própria identificação se tratasse, e sempre que tal lhe fosse solicitado;
   
   89. No dia 21/07/98, cerca das 18 horas, no Aeroporto Internacional de Macau, o arguido B veio a ser detido por agentes da Polícia Judiciária, no cumprimento de um mandado de captura emitido pelo Tribunal Superior de Justiça, conforme douto acórdão proferido nesse mesmo dia;
   
   90. Na posse do arguido, encontrava-se um passaporte da República da China em nome de V, natural da China, nascido a 25 de Março de 1968, natural de Fukien, emitido em 15/12/95 pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros, onde se encontrava aposta a fotografia do arguido - (cfr. fls. 1423, 1464 a 1471 e 362 dos autos);*
   
   91. Tal documento havia sido usado pelo referido arguido para se identificar perante as autoridades de imigração, como se da sua própria identificação se tratasse, e sempre que para tal fosse solicitado;
   
   92. Com as actividades ilícitas, atrás descritas, os arguidos A; B; C; D; H; I; E; J e F obtinham avultados lucros, sendo os mesmos aplicados quer na aquisição de móveis e imóveis, quer na constituição de sociedades pertencentes ou a que estavam associados os arguidos, e cuja ostentação é desproporcionada com os seus rendimentos declarados - alguns nulos ou quase nulos;
   
   93. Os arguidos A; B; C; D; H; I; E; J e F investiam também avultadas quantias na aquisição de veículos de altas cilindradas e grande valor;
   
   94. Vindo a ser detectados e apreendidos:
   a. Ao arguido A
1) veículo de matrícula ME-XX-XX(1) de marca Suzuki, modelo Vitara Canvas Top JLX (cfr. fls. 1965 e 1969 dos autos);
2) veículo de matrícula MF-XX-XX(1), de marca Nissan, Modelo President (cfr. fls. 1973 a 1975 e 1970 dos autos);
3) veículo de matrícula MF-XX-XX(2), de marca Nissan, modelo Vanette Serena (cfr. fls. 1946 e 1954 dos autos);
4) veículo de matrícula MG-XX-XX(1), de marca Toyota, Modelo Prévia (cfr. fls. 1973 a 1975 e 1972 dos autos);
5) veículo de matrícula MC-XX-XX(1), de marca Mercedes Benz, modelo 300 SE; (registado em nome de W, mulher do arguido A (cfr. fls. 1973 a 1975, 1978 dos autos).
   
   b. Ao arguido E
− veículo de matrícula MG-XX-XX(2), de marca Mercedes-Benz, modelo SLK 230 Kompressor (cfr. fls. 1940 e 1945 dos autos).
   
   c. Ao arguido B
1) veículo de matrícula MF-XX-XX(3), de marca Honda, modelo Acura Integra 1.8 L (cfr. fls. 1955 e 1959 dos autos);
2) um veículo de matrícula MD-XX-XX(1), de marca Mercedes-Benz, modelo C220 (cfr. fls. 1960 e 1964 dos autos).

   95. Tais veículos encontram-se examinados a fls. 2558 a 2565, cujo teor se dá aqui como inteiramente reproduzido;
   
   96. Vindo igualmente a ser apreendidos imóveis:
   a. Ao arguido A
1) sito [Endereço(11)], inscrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o número XXXX(1), L.º G23M a fls. 114 (cfr. fls. 1999 a 2022 dos autos);
2) sito [Endereço(12)], inscrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob número XXXXX(2), L.º F59M, a fls. 1094 (cfr. fls. 2042 a 2058 dos autos);
3) sito [Endereço(13)], inscrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o número XXXX(3) ou XXXXX(4), L.º F32K, a fls. 235 (cfr. fls. 2025 a 2034 dos autos);
4) sito [Endereço(14)], inscrito na Conservatória do Registo Predial sob o número XXXXX(5), L.º F59M, a fls. 193 (cfr. fls. 2572 e 2573 dos autos).
   
   b. Ao arguido B
1) sito [Endereço(15)], inscrito na Conservatória do Registo Predial XXXXX(6), L.º F12OM, a fls. 61 (cfr. fls. 1982 e 1983 dos autos);
2) sito [Endereço(16)], (que como consta do R.P.M. tem entrada pelo 36 da mesma Rua, na proporção de 1/5 da propriedade e inscrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o número XXXXX(7), L.º F90M, a fls. 52 (cfr. fls. 1994 a 1997 dos autos).
   
   c. Ao arguido E
− sito [Endereço(17)], inscrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o número XXXX(8) – L.º G30M a fls. 131 (cfr. fls. 2023 e 2024 dos autos).
   
   d. Ao arguido J
− sito [Endereço(18)], inscrito na Conservatória do Registo Predial sob o número XXXX(9), L.º F36K a fls. 12 (cfr. fls. 2574 e 2575 dos autos).
   
   e. Ao arguido H
− sito [Endereço(19)], inscrito na Conservatória do Registo Predial sob o número XXXX(10), L.º F36K a fls. 333 (cfr. fls. 2576 e 2577 dos autos).
   
   97. Foram ainda congeladas as seguintes contas bancárias por douto despacho do Mmo JIC de fls. 1634 a 1686 dos autos:
   a. Ao arguido A
1) BANK(3) LIMITED:
Conta número 1001-025968-001 - HKD 1.566,56;
Conta número 1001-025968-310 - HKD 174.077,88;
Conta número 1001-025968-311 - HKD 228.914,67 (cfr. fls. 1739 e 1867 dos autos).
2) BANCO(4):
Conta número 010320058006 - HKD 18.204,15;
Conta número 010360004100 - HKD 18.204,15 (cfr. fls. 1779 dos autos).
3) BANCO (5):
Conta número 206-2-06035-1 - MOP 60,18;
Conta número 606-602645-3 - MOP 337.846,94;
Conta número 113-1-00488-4 - HKD 780,00;
Conta número 213-1-090323-4 - HKD 780,00 (cfr. fls. 1801 dos autos).
4) BANCO (6):
Conta número 10621-200358 (cfr. fls. 1831 dos autos).
5) BANK(7):
Conta número 15-11-10-011203 - HKD 528,68;
Conta número 16-11-20-008990 - HKD 1.975,24;
Conta número 16-01-20-006584 - MOP 2.835,00;
Conta número 16-11-20-008495 - HKD 220,00;
Conta número 16-01-20-006275 - MOP 442,50;
Conta número 16-11-20-009174 - HKD 770,00;
Conta número 16-01-20-006720 - MOP 89.056,79;
Conta número 16-11-20-009289 - HKD 23.540,45;
Conta número l6-01-20-006843 - MOP 719,53 (cfr. fls. 1890 dos autos).
   
    b. Ao arguido B
1) BANCO (8):
Conta número 151 866-100 (cfr. fls. 1771 dos autos).
2) BANCO (6):
Conta número 10321-206477-0;
Conta número 10322-200715-5;
Conta numero 10312-200719-0;
Conta número 10321-111682-3;
Conta número 10321-011109-4 (cfr. fls. 1831 dos autos).
3) BANK (7):
Conta número 11-11-20-012707 - HKD - 2,000.00;
Conta número 11-01-20-006830 - MOP - 4.430,00;
Conta número 11-11-10-009128 - HKD - 509,94;
Conta número 11-01-10-010641 - MOP - 3.338,15 (cfr. fls. 1890 e 1891 dos autos).
   
    c. À arguida C
1) BANK(3) LIMITED:
Conta número 1001-345636-001- HKD 3.815,95;
Conta número 1001-345636-200 - HKD 93,58;
Conta número 1001-345636-201 - HKD 110.743,67 (cfr. fls. 1739 e 1867 dos autos).
2) BANK(9):
Conta número 002-053569-001 - MOP;
Conta número 002-053569-020 - MOP;
Conta número 002-053569-025 - HKD;
Conta número 002-053569-101 - HKD (cfr. fls. 1768, 1769 e 1833 dos autos).
3) BANCO(8) SARL:
Conta número 561363-102 (cfr. fls. 1771 dos autos).
4) BANCO (4):
Conta número 01012007827 - HKD 140,08 (cfr. fls. 1779 dos autos).
5) BANCO (5):
Conta número 206-2-04444-5 - MOP 110.154,86;
Conta número 107-2-03569-3 - HKD 63.955,05;
Conta número 106-1-01075-9 - HKD 0,00;
Conta número 206-1-00950-6 - MOP 280,00;
Conta número 106-1-01079-1 HKD - 430,00;
Conta número 206-1-00955-7 - MOP 280,00;
Conta número 106-2-04681-1 - MOP 87.079,60;
Conta número 206-2-05852-7 - MOP 51.521,46;
Conta número 201-1-07273-5 - MOP 1.384,80 (cfr. fls. 1802 dos autos).
6) BANCO (7):
Conta número 08-10-10-122977 - HKD 49.711,01;
Conta número 11-10-10-067260 - HKD 370,59;
Conta número 13-11-10-012085 - HKD 318.862,97 (cfr. fls. 1890 e 1892 dos autos).
   
    d. À arguida D
1) BANK(3) LIMITED:
Conta número 1001-416576-200 - HKD - 815,77 (cfr. fls. 1739 e 1867 dos autos).
2) BANK(9):
Conta número 002-18333-025 (cfr. fls. 1768, 1769 e 1833 dos autos).
3) BANCO (8):*
Conta número 029931-101 (cfr. - fls. 1771 dos autos).
4) BANCO (5):
Conta número 204-2-26491-1 - MOP 8.900,33;
Conta número 113-2-01975-3 - HKD 109,99;
Conta número 109-2-02-823-4 - HKD 1.186,88 (cfr. fls. 1801 dos autos).
5) BANK (7):
Conta número 02-00-10-904080 - MOP 5,71;
Conta número 11-10-10-160732 - HKD 8.897,15;
Conta número 16-11-20-00-3657 - HKD 1.542,92;
Conta número 16-11-10-008664 - HKD 44.568,75;
Conta número l6-01-10-039389 - MOP 8.534,83 (fls. 1890 e 1892 dos autos).
   
    e. Ao arguido J
1) BANCO (10) SARL:
Conta número 052274-001;
Conta número -101 (cfr. fls. 1771 dos autos).
2) BANK (7):
Conta número 01-11-23-82-1995 - HKD 2.467,38;
Conta número 07-11-20-035474 - HKD 1.027,02;
Conta número 07-01-20-023454 - MOP 229.263,10 (saldo negativo);
Conta número 07-01-10-027130 - MOP 105,80;
Conta número 07-01-10-025748 - MOP 3.449,96 (cfr. fls. 1890 e 1892).
   
    f. Ao arguido F
1) BANK(9):
Conta número 00l-204452-026 - HKD (cfr. fls. 1768, 1769 e 1833 dos autos).
2) BANCO (6):
Conta número 10421-203623-4 (cfr. fls. 1831 dos autos).
3) BANCO (7):
Conta número 09-01-10-016299 - MOP 2.139,19;
Conta número 24-11-10-014420 - HKD 131,28;
Conta número 24-01-10-010494 - MOP 13.375,66;
Conta número 11-11-20-014351 - HKD 8.629,00;
Conta número 11-01-20-008044 - MOP 83.669,58;
Conta número 11-11-10-029396 - HKD 1.733.436,16;
Conta número 24-11-20-001039 - HKD 698,10;
Conta número 24-01-20-001057 - MOP 1.000,00;
Conta número 24-11-10-014886 - HKD 174.563,37;
Conta número 24-01-10-0132300 - MOP 133,14 (cfr. fls. 1890 e 1891 dos autos).
   
    g. Ao arguido H
1) BANK(3) LIMITED:
Conta número 1001-230723-001 - HKD 1.732,70;
Conta número 1001-230723-200 - HKD 47,32;
Conta número 1001-230723-310 - HKD 349.671,76 (cfr. fls. 1739 e 1867 dos autos).
2) BANK(9):
Conta número 001-274786-125 — HKD (cfr. fls. 1768, 1769 e 1833).
3) BANCO (4):
Conta número 01-0320016684 - HKD 231,75 (cfr. fls. 1779 dos autos).
4) BANCO (7):
Conta número 17-11-20-010375 - HKD 2.476,80;
Conta número 17-10-10-047492 - HKD 83.562,11 (cfr. fls. l890 e fls. 1892).
   
    h. Ao arguido E
1) BANK(7) LIMITED:
Conta número 1001-448613-001 - HKD 14.101,29;
Conta número 1001-448613-310 - HKD 5.259.627,20 (cfr. fls. 1739 e 1867 dos autos).
2) BANK(9):
Conta número 005-038310-025 - HKD (cfr. fls. 1833 e 1768 dos autos).
3) BANCO (5):
Conta número 102-2-04974-7 - HKD 621,91 (cfr. fls. 1801 dos autos).
4) BANCO (6):
Conta número 10621-200511-0 (cfr. fls. 1831 dos autos).
5) BANCO (7):
Conta número 07-10-10-189714 - HKD 1.299,21;
Conta número 02-10-30-625661 - HKD 35.234,70;
Conta número 16-11-20-009938 - HKD 66.737,70;
Conta número 16-01-20-007491 - MOP 174.299,44 (cfr. fls. 1890 e 1891 dos autos).
   
    i. Ao arguido I
1) BANK(9):
Conta número 001-202373-025 - USD (Dólares Americanos);
Conta número 001-263532-025 - HKD (fls. 1768 a 1833 dos autos).
2) BANCO (6):
Conta número 10021-207509-9;
Conta número 10011-101261-4;
Conta número 10011-202073-4;
Conta número 10021-108253-9;
Conta número 10021-207939-6 (cfr. fls. 1831 dos autos).
3) BANCO (7):
Conta número 01-20-10-025816 - USD 52,00;
Conta número 05-10-10-851046 - HKD 100,00L
Conta número 05-17-28-112817 - HKD 264.731,91 (cfr. fls. 1890 e 1892).
4) BANK(11):
Conta sem número em HKD (cfr. fls. 1907 dos autos).
   
    j. Ao arguido G
1) BANCO (12):
Conta número 001-726540 refª 12097002 - MOP 367.183,66 (cfr. fls. 1727 dos autos).
2) BANK(3) LIMITED:
Conta número 1001-094633-100 - HKD 5.000.000,00;
Conta número 1001-094633-200 - HKD 21.438,50;
Conta número 1001-094633-201 HKD 155,40;
Conta número 1002-094633-001;
Conta número 1002-094633-002 (cfr. fls. 1739, 1740 e 1868 dos autos).
3) BANCO (7):
Conta número 01-11-23-835537 - HKD 0,35 (saldo negativo);
Conta número 15-10-10-046955 - HKD 4.614,47 (cfr. fls. 1890 e 892 dos autos).
   
   98. Foi ordenada a apreensão de quotas de sociedades de que fazem parte os arguidos, por douto despacho do Mmo JIC, nomeadamente:
− Quota de A, da Companhia (1), inscrita no L.º X-XX-X(11), fls. 28, da Conservatória do Registo Comercial de Macau - (cfr. fls. 1658 e 1659 dos autos);
   
   99. O arguido A constituiu a Sociedade - «Companhia (1)», com 70% de capita1 social, que se dedica ao ramo de investimentos diversos dentro e fora do Território de Macau e execução de todas as operações que facilitam e promovam aqueles investimentos e cuja sede se situa [Endereço(20)] - (cfr. apenso 3 - fls. 6 a 8);
− Quota de A, da «Companhia(2)» inscrita no Livro X-XX(12) a fls. 70 da Conservatória do Registo Comercia1 de Macau - (cfr. fls. 1836, 1837 e 1841 dos autos);
   
   100. O arguido A constituiu a Sociedade «Companhia(2)», com 30 % de capital socia1, que se dedicava ao ramo de construção civil, fomento imobiliário, compra e venda de terrenos, importação e exportação e cuja sede se situa [Endereço(21)]- (cfr. fls. 1837);
− Quota de A, na Sociedade(2), inscrita na Conservatória do Registo Comercia1 de Macau no Livro XX-XX(12) a fls. 47 — (cfr. fls. 1922 a 1924 e 2063 dos autos);
   
   101. O arguido A constituiu a Sociedade(2), com 50% de capita1 socia1, que se dedica ao ramo de administração, gestão e segurança de imóveis e cuja sede se situa [Endereço(22)] - (cfr. fls. 1924);
− Quota de H, da “ Exploração de Casas de Penhor(1), Lda”, inscrita no L.º X-XXX(13), fls. 158 da Conservatória do Registo Comercia1 de Macau - (cfr. fls. 1658 e 1659 dos autos);
   
   102. O arguido H constituiu a Sociedade « Exploração de Casas de Penhor(1), Limitada», com 4,5% de capital social, que se dedica ao ramo de exploração de casas de penhor e comercialização de artigos de ourivesaria e de relojoaria e cuja sede se situa [Endereço(23)] - (cfr. apenso 3 - fls. 14 a 31);
− Quota de B, na Sociedade(3), inscrita no L.º X-XXX(14), fls. 31, da Conservatória do Registo Comercia1 de Macau - (cfr. fls. 1658 e 1659 dos autos);
   
   103. O arguido B constituiu a Sociedade[Endereço(23)], com 15% de capita1 socia1, que se dedica ao ramo de comercialização de jóias e artigos de ourivesaria cuja sede se situa [Endereço(24)] - (cfr. apenso 3 - fls. 32 a 40);*
   
   104. O arguido B, apesar de ter conhecimento da situação de clandestinidade, neste Território, de T, colocou-a ao seu serviço, desde 20/04/98, na residência referida em 85.;
   
   105. O arguido I, ao destinar para seu consumo, a marijuana (vulgo Cannabinóide), na quantidade que lhe foi apreendida, bem sabia que tal produto era estupefaciente, e como tal, proibidos por lei a sua detenção e consumo;
   
   106. Tinha perfeito conhecimento o arguido A que ao actuar da forma descrita em 81. a 84. abalava a credibilidade e fé pública inerente ao documento que detinha, obtendo para si benefícios a que não tinha direito;
   
   107. O arguido G, ao actuar da forma descrita em 87. e 88., sabia que estava a utilizar um documento alheio, de seu irmão, com o propósito de conseguir ludibriar as autoridades fronteiriças, abalando dessa forma a fé pública desse documento;
   
   108. As quantias apreendidas aos arguidos e mencionadas em 97., com excepção do apreendido ao arguido G, resultavam dos proventos obtidos com a prática das actividades ilícitas atrás referidas;
   
   109. Os objectos e importâncias apreendidas aos arguidos e referidos em 76. a 80. foram, uns adquiridos com os proventos obtidos das suas actividades ilícitas e outros resultavam dos lucros das mesmas, com excepção do arguido G;
   
   110. Os arguidos A; B; C; D; H; I; E; J e F, ao adquirirem/constituírem as sociedades e as verbas nelas dispendidas, e ao procederem à aquisição de imóveis, móveis sujeitos a registo e outros móveis, foram convertendo os proventos ilicitamente obtidos e referidos em 94. a 103. em bens aparentemente lícitos, fazendo, assim, que as verbas com que foram adquiridas/constituídas as sociedades e as verbas nelas dispendidas e na aquisição de imóveis, móveis e móveis sujeitos a registo, entrassem no circuito comercial normal, como se de quantias licitamente obtidas se tratassem;
   
   111. Os arguidos A; B; C; H; I; J e F, e os demais elementos da organização sabiam que os transmissores/receptores que lhes foram apreendidos eram aparelhos que não podiam ser detidos e utilizados, por se encontrarem fora das condições legais e que os mesmos permitiam a devassa e a violação das telecomunicações;
   
   112. Os arguidos, A; H; e B, ao constituírem as sociedades atrás mencionadas estavam, dessa forma, a dissimular e ocultar a proveniência ilícita de verbas com que tais arguidos adquiriram/constituíram tais sociedades e das importâncias que nelas iam investir;
   
   113. Os arguidos A; B; C; D; H; I; E; J e F agiram de forma consciente e voluntária;
   
   114. Com o propósito concretizado de adquirirem vantagens económicas que sabiam ser ilegítimas e alheias, integrando-as nas suas esferas patrimoniais;
   
   115. Os arguidos A; B; C; H; I; J e F, concertados entre si num grupo, decidiram, de forma voluntária, levar à prática, o que consumaram, a factualidade atrás descrita, tendo distribuído entre eles tarefas necessárias a tal evento, por forma a todos quererem, aceitarem e determinarem reciprocamente as actuações de cada um, sempre executadas em nome de todos e da organização;
   
   116. Os arguidos A; B; C; H; I; J e F actuando em conjugação de esforços e vontades, com os restantes elementos da sociedade secreta “14 K” a que pertenciam e, articuladamente entre si, representando, conhecendo, querendo e aceitando os crimes levados à prática em prol daquela e conformando-se claramente com tais realizações;
   
   117. Os arguidos D e E no âmbito das actividades acima descritas em 34. e 31. apoiaram a actividade da seita 14K, do que tinham conhecimento, e assim o queriam;
   
   118. Os arguidos A; B; C; H; I; J e F agiram, com o intuito de molestar quer civis, quer elementos das forças de Polícia ou de Segurança do Território, de modo a causar neles e nos seus familiares medo e inquietação, ou receio que os males prometidos se viessem, efectivamente, a concretizar;
   
   119. Todos os arguidos A; B; C; D; H; I; E; J e F tinham perfeita consciência de que as suas actuações abalavam a transparência, a segurança e a legalidade com que se devem pautar as operações comerciais e económico-financeiras, e a vida em sociedade, corrompendo, deste modo, as estruturas do próprio Território;
   
   120. Os arguidos A; B; C; D; H; I; E; J e F sabiam que as suas condutas eram proibidas, porque punidas por lei;
   
   121. Entre Setembro de 1978 e Julho de 1979, a arguida C frequentava um estabelecimento de ensino na cidade de Chong San, na RPC, e desde 1984 a arguida C começou a residir em Macau;
   
   122. A arguida D tem a sua vida familiar e social organizada no Território, onde é vice-presidente da Associação das Mulheres Naturais da Província de Fukien;
   
   123. A arguida D é casada, tem duas filhas e uma neta a seu cargo. Vive em Macau desde 1981. Tem como habilitações literárias a 4ª classe;
   
   124. Os arguidos são todos de boa condição económica, média condição social e modesta formação cultural;
   
   125. Os arguidos A e E, vivem em Macau desde que nasceram;
   
   126. O arguido B, vive em Macau desde 1982. Tem o 9º ano de escolaridade. Vivia com a mulher, doméstica, e dois filhos, estudantes;
   
   127. A arguida C, vive em Macau desde 1980. Vivia com uma filha, com 6 anos de idade. Tem como habilitações literárias a 5ª classe;
   
   128. O arguido A, vivia com a mãe, a esposa, doméstica, e 6 filhos, sendo 4 estudantes. Tem como habilitações literárias a 2ª classe;
   
   129. O arguido E, viva com a mulher, doméstica, e 2 filhos, estudantes. Tem como habilitações literárias a 4ª classe; é irmão do 1º arguido, A;
   
   130. Os arguidos A e D negaram a prática dos factos;
   
   131. Os arguidos A; B; C; D e E não mostraram arrependimento.
   
   Antecedentes criminais dos arguidos:
   l. No certificado do registo criminal de fls. 3748 a 3754 do 1º arguido A, por sentença de 06.07.98, no Processo Correccional n.º 2099/97, do 4º Juízo, foi o mesmo condenado, em cúmulo, na pena única de nove (9) meses de prisão pela prática de três (3) crimes de desobediência p. e p. pelo art.º 312.º, n.º 1 do CP.
   A execução da pena foi suspensa pelo período de três (3) anos.
   2. No certificado do registo criminal de fls. 3755 a 3758 do 2º arguido B, por sentença de 19.08.96, no Processo Sumário-Crime n.º 1146/96, do 4º Juízo, foi o mesmo condenado, em cúmulo, em 110 dias de multa, em alternativa, em 73 dias de prisão, pela prática de um crime p. e p. pelos art.ºs 137.º, 140.º e 178.º, todos do CP.
   3. Nos certificados do registo criminal de fls. 3759 a 3775 dos 3º, 4º, 5º, 6º, 7º, 8º, 9º e 10º arguidos, respectivamente C, D, H, I, E, J, F e G consta que os mesmos são delinquentes primários.
   Nada mais se provou com relevância para a decisão da causa.
   
   Factos não considerados provados nas instâncias:
   1. Que todos os arguidos A; B; C; D; H; I; E; J e F passaram a integrar a referida sociedade anteriormente a 1978, em data não apurada;
   
   2. Que os arguidos D e E tivessem integrado, alguma vez, a sociedade 14K, e nessa qualidade e a partir de 1989 se tivessem agrupado com os restantes arguidos de comum acordo e em concretização de um plano;
   
   3. Que os arguidos D, E e G se reunissem com os restantes arguidos nos termos e para os fins constantes de I-51.;
   
   4. Que os arguidos D e E desempenhassem tarefas dentro da organização 14K e nomeadamente as descritas em I-52., 53., 55., 56., 57., 64., 65., 111. e 118. (apenas apoiaram a actividade da organização e não a integraram, como ficou provado em I-31. e 34.);
   
   5. Que o arguido E pelo menos até Maio de 1988 fosse membro da administração da Sala [Endereço(2)] do Casino;
   
   6. Que o arguido G fosse um dos contribuintes com uma quantia própria para a organização;
   
   7. Que os arguidos D, E e G tivessem integrado a sociedade secreta 14K e que este ultimo de alguma forma tivesse participado ou apoiado as actividades daquela;
   
   8. Que o arguido G apoiasse a 14K sendo um dos contribuintes com uma quantia própria para a associação/organização;
   
   9. Que os arguidos A; B; C; D; H; I; E; J e F tivessem praticado o “acto de intimidação” ocorrido no Casino, pelas 04H25m do dia 26 de Outubro de 1996 e 18H45m do dia 27 de Outubro de 1996;
   
   10. Que as acções criminosas autónomas investigadas nos processos I.P. 39/98; Pº Querela 879/96 do 4º Juízo do T.C.G; I.P. 482/97 e Pº Querela 858/98 do 2º Juízo do T.C.G.; Inquérito n.º 1208/98.2PJIMA tivessem sido praticados pelos arguidos;
   
   11. Que os bens apreendidos e/ou detidos pelo arguido G resultassem de actividades ilícitas;
   
   12. Que o arguido G apoiasse, tivesse participado e/ou beneficiasse de qualquer das acções descritas em I ligados à seita 14K;
   
   13. Os papéis que constam dos Apensos A-7, A-8, A-9 e A-12, representam apenas a conta-corrente que a arguida C detinha na sala [Endereço(4)] do Casino do Hotel (1), no que concerne à sua actividade de venda de fichas Junkets, bem como as comissões que, nesse âmbito, eram pagas pelo próprio casino;
   
   14. A arguida C desconhece, em absoluto, a que se reportam os documentos de fls. 43 e 44 do Anexo A-7, fls. 21 e 22 do Anexo A-8 e fls. 15 e 16 do Anexo A-12;
   
   15. A arguida D nunca financiou com empréstimos o seu co-arguido A, nem tão pouco recebeu comissões da Sala [Endereço(2)];
   
   16. Os documentos constantes dos apensos referidos na acusação, nada lhe dizem, desconhecendo quem os elaborou e a quem os mesmos pertencem ou pertenciam;
   
   17. A arguida D não recebeu ou deu qualquer importância, em dinheiro ou a qualquer outro título, ao co-arguido “A1”;
   
   18. A arguida D possui, ainda, empresas em Hong Kong e na R. P. da China donde aufere rendimentos suficientes para si e sua família;
   
   19. Que o arguido A prejudicasse o Território ao deter o documento referido em I;
   
   20. A exploração da sala referida em I-48., bem como a referida em I-37. e relativa à Sala [Endereço(2)] eram feitas à margem do contrato de concessão do jogo de fortuna e azar, concedido, em Macau, em exclusivo à [Sociedade(1)], segundo o disposto na Lei n.º 6/82/M, de 29 de Maio, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 10/86/M, de 22 de Setembro, e a cláusula 2.ª do respectivo contrato;
   
   21. Sabia o arguido B que o documento que detinha não era verdadeiro e que tal conduta abalava a fé pública e a credibilidade inerente a tal documento, obtendo para si benefícios a que não tinha direito, prejudicando, consequentemente, o Território.
   
   
   
   2.2 Rectificação oficiosa do acórdão recorrido
   Nos termos do art.° 361.°, n.° 1, al. b) e 2 do Código de Processo Penal de Macau de 1996 (CPP), é de proceder as seguintes rectificações no acórdão recorrido (os números de página adiante mencionados referem-se aos do acórdão recorrido):
− P. 247, 3ª linha, p. 250, 3ª linha, p. 252, 15ª linha, p. 254, 12ª linha, p. 265, 6ª linha, p. 266, 7ª linha, p. 267, 5ª e 21ª linhas, p. 268, 14ª linha, onde se lê “... previsto pelo art.° 2.°, n.° 3, com referência ao art.° 1.°, n.° 2, ...” se deve lê “... previsto pelo art.° 2.°, n.° 2, com referência ao art.° 1.°, n.° 1, ...”;
− P. 256, 6ª linha onde se lê “... F1:” se deve lê “... F:”;
− P. 258, 10ª linha, onde se lê “... 7 anos a 6 meses a 14 anos, ...” se deve lê “... 7 anos e 6 meses a 13 anos, ...”;
− P. 258, 18ª linha, onde se lê “10 (dez) anos e 6 (seis) anos ...” se deve lê “10 (dez) anos e 6 (seis) meses ...”;
− P. 258, 21ª linha e p. 269, 12ª linha, onde se lê “dispostivo” se deve lê “dispositivo”;
− P. 264, 22ª linha, onde se lê “(cento de vinte)” se deve lê “(cento e vinte)”;
− P. 269, 8ª linha, onde se lê “referiadas” se deve lê “referidas”.
   
   
   
   
   2.3 Poderes de cognição do Tribunal de Última Instância em recurso de processo penal quando corresponde ao terceiro grau de jurisdição
   De acordo com o art.° 47.°, n.° 2 da Lei n.° 9/1999 (Lei de Bases da Organização Judiciária), no presente recurso, que não corresponde a segundo grau de jurisdição, mas antes, a terceiro grau de jurisdição, o Tribunal de Última Instância conhece apenas de matéria de direito.
   Quanto à matéria de facto, este tribunal só pode apreciar nos termos do art.° 400.°, n.° 2 e 3 do CPP, ou seja, quando está perante os vícios de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, contradição insanável da fundamentação e erro notório na apreciação da prova e as nulidades não sanadas (cfr. acórdão deste tribunal de 29/9/2000 no processo n.° 13/2000). Fora destes casos, o presente tribunal tem de acatar a factualidade dada como assente pelas instâncias e procede-se ao exame da aplicação do direito no acórdão recorrido com base na mesma factualidade.
   
   
   
   2.4 Recurso do arguido A
   A. Violação do princípio do juiz legal ou natural
   O recorrente entende que houve violação do princípio do juiz legal ou natural consagrado no art.° 22.°, n.° 1, al. a) do Decreto-Lei n.° 17/92/M então vigente e no art.° 14.°, n.° 1 do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos. Ao dar por não verificada a violação, o tribunal recorrido violou a norma do art.° 31.°, n.° 2 do Decreto-Lei n.° 55/92/M então vigente que interpretou restritivamente o conceito de julgamento nos termos do qual este só se inicia com a produção da prova. Por outro lado, violou ainda o art.° 22.°, n.°1, al. a) do referido Decreto-Lei n.° 17/92/M ao fazer uma interpretação restritiva do conceito de “faltas e impedimentos”.
   Para o recorrente, o presente processo, remetido do Ministério Público, foi distribuído ao 2° juízo do então Tribunal de Competência Genérica, sendo o respectivo colectivo presidido pelo presidente de tribunal colectivo Dr. Alberto Manuel Gonçalves Mendes, que presidiu à primeira sessão do julgamento que teve lugar no dia 27 de Abril de 1999 e pelo mesmo adiado para 17 de Junho desse ano.
   Entretanto, cessada a comissão de serviço do Dr. Alberto Manuel Gonçalves Mendes como juiz no Território de Macau, o julgamento não foi presidido pelo seu substituto legal, mas por um magistrado judicial recrutado a Portugal que não era o juiz legal porque não havia sido previamente designado para o efeito. Houve, assim, a violação do princípio do juiz legal ou natural.
   
   No entanto, o recorrente não tem razão, como bem demonstrado no acórdão recorrido.
   Explica Jorge de Figueiredo Dias (in Direito Processual Penal, 1° vol., 1974, p. 323) que o princípio do juiz legal ou natural procura-se sancionar o direito fundamental dos cidadãos a que uma causa seja julgada por um tribunal previsto como competente por lei anterior e não ad hoc criado ou tido como competente.
   E assinala ao conceito um tríplice significado:
   a) Quanto à fonte, só a lei pode instituir o juiz e fixar-lhe a competência;
   b) Temporalmente, afirmando-se um princípio de irretroactividade: a fixação do juiz e da sua competência tem de ser feita por uma lei vigente já ao tempo em que foi praticado o acto criminoso que é objecto do processo;
   c) Vinculação a uma ordem taxativa de competência, que exclua qualquer alternativa a decidir arbitrária ou discricionariamente, proibindo-se, assim, jurisdição de excepção.
   
   Também Gomes Canotilho e Vital Moreira (in Constituição da República Portuguesa anotada, 3ª edição revista, 1993, Coimbra Editora, p. 207) se pronunciam que “o princípio do juiz legal consiste essencialmente na predeterminação do tribunal competente para o julgamento, proibindo a criação de tribunais ad hoc ou a atribuição da competência a um tribunal diferente do que era legalmente competente à data do crime.”
   “Este princípio comporta várias dimensões fundamentais:
   a) exigência de determinabilidade, o que implica que o juiz (ou juízes) chamados a proferir decisões num caso concreto estejam previamente individualizados através de leis gerais, de uma forma o mais possível inequívoca;
   b) princípio da fixação de competência, o que obriga à observância das competências decisórias legalmente atribuídas ao juiz e à aplicação dos preceitos que de forma mediata ou imediata são decisivos para a determinação do juiz da causa;
   c) observância das determinações de procedimento referentes à divisão funcional interna (distribuição de processos), o que aponta para a fixação de um plano de distribuição de processos (embora esta distribuição seja uma actividade materialmente administrativa, ela conexiona-se com o princípio da administração judicial).
   
   Ora, de acordo com as Portarias n.°s 222/97/M de 13 de Outubro e 208/98/M de 7 de Setembro, a comissão de serviço do Dr. Alberto Manuel Gonçalves Mendes como juiz dos tribunais de primeira instância e presidente de tribunal colectivo tinha o seu fim previsto para o dia 5 de Julho de 1999, ao contrário do que se afirma que tal comissão cessou de modo súbito e imprevisto.
   Para preencher a vaga de juiz deixada pelo referido magistrado e sob proposta do então Conselho Judiciário de Macau, o antigo Governador de Macau nomeou, através da Portaria n.° 270/99/M de 5 de Julho, o juiz de direito, Dr. Fernando Correia Estrela, para exercer, em regime de comissão de serviço, os cargos de juiz dos tribunais de primeira instância e de presidente de tribunal colectivo. Mais tarde, o mesmo Conselho Judiciário de Macau deliberou em afectar este juiz à presidência dos colectivos referentes aos processos do juiz titular do 4° juízo e juiz auxiliar dos 2° e 4° juízos do então Tribunal de Competência Genérica de Macau.
   
   O recorrente entende que embora ocorresse a cessação de funções do primitivo presidente do colectivo, este, uma vez ter iniciado o julgamento, devia prosseguir os seus termos até final nos termos do art.° 31.°, n.° 2 do Decreto-Lei n.° 55/92/M. Não foi prosseguido o julgamento pelo primitivo presidente do colectivo, devia accionar o mecanismo de substituição de juízes para os casos de faltas e impedimentos previsto no art.° 21.°, n.° 1, al. a) Decreto-Lei n.° 17/92/M. Foi violado o princípio de juiz legal por o julgamento vir a ser presidido por um magistrado recrutado a Portugal e não o previamente designado para o efeito.
   
   O recorrente não tem, realmente, razão.
   Prescreve, assim, o art.° 31.° do Decreto-Lei n.° 55/92/M:
   “1. Os magistrados cessam funções:
   a) No dia em que completem a idade que a lei preveja para a aposentação obrigatória;
   b) No dia em que for publicado o despacho da sua desligação do serviço;
   c) No dia imediato ao da publicação ou notificação da sua nova situação.
   2. O juiz abrangido pela alínea c) do número anterior que tenha iniciado qualquer julgamento prossegue os seus termos até final, salvo se a mudança de situação resultar de acção disciplinar.”
   Na altura, alguns cargos de juiz em Macau foram providos pelos magistrados dos quadros de Portugal em regime de comissão de serviço com termo certo, como o caso do Dr. Alberto Manuel Gonçalves Mendes. Finda a comissão de serviço, este deixou de ser juiz em Macau e, a partir desse momento, nunca podia exercer funções inerentes ao juiz nos tribunais de Macau, isto é, a presidência da audiência de julgamento do presente processo teria de caber necessariamente a outro juiz. Assim, não há aplicação do referido n.° 2 do art.° 31.° do Decreto-Lei n.° 55/92/M uma vez que este preceito pressupõe que o magistrado mantém a qualidade de juiz em Macau embora com novo cargo.
   
   Por outro lado, a tese do recorrente também não é sustentável com o recurso ao pretenso conceito de julgamento uno e amplo resultado das normas do Código de Processo Penal. A razão de ser do n.° 2 do art.° 31.° do Decreto-Lei n.° 55/92/M está em perfeita harmonia com os princípios de continuidade, imediação e oralidade da audiência consagrados no CPP, de modo a permitir o juiz, já com nova colocação, acabar os julgamentos em curso, evitando a composição do novo tribunal para repetir as provas já realizadas.
   O entendimento do recorrente de que o julgamento se iniciou no dia 27 de Abril de 1999 com a declaração formal de abertura da audiência feita pelo presidente de tribunal colectivo Dr. Alberto Manuel Gonçalves Mendes e posteriormente só podia haver retomada da audiência adiada não passa de um falso formalismo.
   Como bem notou o tribunal recorrido, para efeitos do art.° 31.°, n.° 2 do Decreto-Lei n.° 55/92/M, ou seja, da fixação da composição do tribunal para a realização de um determinado julgamento, este só se inicia com a produção da prova.
   É de notar que na resposta à motivação do recurso (fls. 5574 a 5577), o Ministério Público entende que o sentido do conceito de julgamento na sua relação com o princípio de juiz legal deve ser procurado através de uma interpretação teleológica e não meramente formal da letra da lei. O conceito de julgamento ínsito na lei processual penal comporta outro sentido menos formal relacionado directamente com a fase de produção da prova (art.° 324.° e seguintes do CPP). É esta a fase mais importante do processo, indispensável para a formação de convicção do tribunal e momento por excelência para o arguido exercer o seu direito de defesa e assegurar o contraditório.
   Com o objectivo de conservar as provas já realizadas, permitindo o juiz que as tomou conhecimento directo proferir uma decisão final e evitando a sua repetição em nome de economia processual, a lei determinava o prosseguimento do julgamento entretanto já iniciado pelo juiz com nova colocação. Mas já não há identidade da razão para as situações em que não começa ainda a produção da prova. O complexo mecanismo de garantia da continuidade da audiência previsto no art.° 309.° do CPP destina-se ao julgamento já com o início da produção da prova, tendo por objectivo sobretudo de acautelar o julgamento da matéria de facto. A completa regulamentação nesta norma sobre interrupção, adiamento e retomada da audiência, repetição dos actos realizados e perda da eficácia da produção de prova está equacionada para uma audiência normal com a produção da prova já iniciada. Isso é diferente da situação em que a audiência foi declarada aberta mas logo adiada por razões formais, nomeadamente a falta de pessoas que deviam estar presentes, sem começar a produção da prova. Pois a lei pretende acautelar que a prova produzida num julgamento seja realizada, examinada e valorada pelos mesmos juízes num período relativamente curto para alcançar a descoberta da verdade e a boa decisão da causa. A alteração, nos termos da lei, da composição do tribunal para o julgamento de um determinado processo depois de ter sido adiada a audiência mas nunca ter entrado na produção da prova em nada afecta os referidos princípios orientadores da audiência de julgamento consagrados no Código de Processo Penal. Não há, portanto, violação do art.° 31.°, n.° 2 do Decreto-Lei n.° 55/92/M no acórdão recorrido.
   Não se deixa de fazer lembrar que o princípio de juiz legal tem por fim último a garantia de imparcialidade do julgador. Em suspeição de tal imparcialidade, o recorrente já tinha suscitada a questão através dos recursos intercalares de recusa do juiz interpostos perante o então Tribunal Superior de Justiça sob os n.°s 1235 e 1248, mas ambos já foram julgados improcedentes.
   
   Também não é justificável chegar à conclusão pretendida pelo recorrente de anulação do julgamento alegando a violação do art.° 22.°, n.°1, al. a) do Decreto-Lei n.° 17/92/M por parte do tribunal recorrido ao fazer uma interpretação restritiva do conceito de “faltas e impedimentos”.
   Segundo esta norma então vigente, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.° 28/97/M, os juízes dos tribunais de primeira instância são substituídos, nas suas faltas e impedimentos, sucessivamente, por outro juiz, previamente designado pelo Conselho Judiciário de Macau. Aqui o conceito de faltas e impedimentos é muito claro. São as situações em que o magistrado está ausente do serviço por razões temporais e impedido de participar em determinados actos processuais. Existe um ponto comum que é: o magistrado em causa mantém essa qualidade e são situações pontuais. Ao contrário, a cessação de funções por termo da comissão de serviço, tal como aconteceu com Dr. Alberto Manuel Gonçalves Mendes, não cabe, de maneira nenhuma, no conceito de falta ao serviço. A sua desligação ao serviço dos tribunais de Macau era definitiva e deu-se, assim, a vacatura do lugar. A aplicação do mecanismo de substituição de juízes previsto no art.° 22.° do Decreto-Lei n.° 17/92/M na situação em apreço é totalmente descabida.
   Além disso, em termos de distribuição de serviço entre os restantes presidentes de tribunal colectivo, é injusto que todos os processos que estavam anteriormente a cargo daquele magistrado passam a ficar a cargo do seu substituto. Se fosse seguida a regra de substituição, o juiz substituto ia ficar permanentemente com os processos distribuídos a partir do fim da cessação das funções do substituído. Isso implicaria um acréscimo anormal de serviço do juiz substituto em relação aos outros presidentes de tribunal colectivo, em desrespeito do princípio da distribuição equitativa dos serviços e está completamente fora do espírito do mecanismo de substituição previsto no referido art.° 22.° do Decreto-Lei n.° 17/92/M que é apenas uma solução de excepção.
   Assim, o Dr. Fernando Correia Estrela foi nomeado para a vaga deixada pelo Dr. Alberto Manuel Gonçalves Mendes, sucedendo-lhe, por conseguinte, em todos os processos que este último magistrado tinha a seu cargo. Aliás, a solução está em perfeita harmonia com a prática em Macau, pois se entende sempre que um juiz nomeado para a vaga de outro lhe sucede na tramitação de todos os processos pendentes que estavam anteriormente a cargo deste.
   Não houve, também, violação do art.° 22.°, n.° 1, al. a) do Decreto-Lei n.° 17/92/M.
   Como bem notou o tribunal recorrido: “O novo presidente de colectivo em causa foi nomeado e afectado respectivamente pelos órgãos legalmente competentes para presidir a todos os processos em que fosse necessária a intervenção de tribunal colectivo, cuja titularidade coubesse ao juiz titular do 4° juízo e juiz auxiliar dos 2° e 4° juízos do então Tribunal de Competência Genérica, e não exclusivamente apenas para a presidência do tribunal colectivo julgador do processo penal n.° 70/99 sub judice, daí que não se pode falar da ‘predeterminação do novo juiz presidente para o julgamento’, ou da existência in casu de um tribunal ad hoc ou da ‘atribuição da competência a um tribunal diferente do que era legalmente competente à data do crime.”
   Não houve, portanto, qualquer violação do princípio de juiz legal ou das normas constantes dos art.° 22.°, n.° 1, al. a) do Decreto-Lei n.° 17/92/M e art.° 31.°, n.° 2 do Decreto-Lei n.° 55/92/M.
   
   
   B. Violação dos princípios do contraditório e das garantias de defesa do arguido
   (1) Incomunicabilidade absoluta
   O recorrente entende que, ao ser decretado o regime de incomunicabilidade absoluta do mesmo extensível ao seu mandatário, no decurso da primeira sessão de julgamento, foram violados o princípio das garantias de defesa do recorrente e as normas do art.° 85.°, n.° 1 do Decreto-Lei n.° 40/94/M, pois tal regime nunca pode abranger o mandatário do arguido como resulta da conjugação daquela norma com a do n.° 3 do mesmo art.° 85.°, a do art.° 22.° do mesmo diploma e a do art.° 50.°, n.°s 1, al. e) e 2 do CPP.
   
   Antes de mais nada, convém relembrar como o regime de incomunicabilidade absoluta foi decretado e executado.
   O julgamento do presente processo na primeira instância começou no dia 11 de Outubro de 1999. Antes de encerrar esta primeira sessão de julgamento, foi proferido o despacho pelo presidente de tribunal colectivo no sentido de determinar que todos os arguidos ficassem sujeitos ao regime de incomunicabilidade absoluta até à leitura do acórdão neste processo nos termos do art.° 85.°, n.° 1 do Decreto-Lei n.° 40/94/M. Seguidamente foi declarada encerrada a audiência e já eram as 18:00 (cfr. acta a fls. 3897).
   Na segunda sessão de julgamento realizada no dia 13 seguinte, pelas 11:20, o presidente de tribunal colectivo, tendo em consideração as preocupações manifestadas pela defesa, estabeleceu uma excepção ao regime de incomunicabilidade absoluta, para contacto com os mandatários judiciais (cfr. acta a fls. 3921).
   Ou seja, o regime de incomunicabilidade, na vertente que vem agora suscitada neste recurso, vigorou praticamente por um dia, durante o intervalo que mediou as primeira e segunda sessões de julgamento.
   Em relação ao despacho inicial do presidente de tribunal colectivo de 11 de Outubro que decretou o regime de incomunicabilidade absoluta, o recorrente interpôs recurso logo no início da segunda sessão de julgamento. No entanto, o recorrente não apresentou motivação e o recurso nunca foi admitido nem apreciado. Logo, tal decisão judicial transitou em julgado e consolidou-se, consequentemente, na Ordem Jurídica, pelo que não pode o recorrente vir posteriormente basear o seu recurso em decisão judicial de que não recorreu em tempo oportuno, sendo certo que não se está perante qualquer ilegalidade insanável.
   
   (2) Impedido de ditar requerimentos
   O recorrente alega que o princípio do contraditório foi violado por ter sido o mesmo, por meio do seu mandatário, impedido sistematicamente de ditar requerimentos e memorandos para a acta. O recorrente entende que o tribunal recorrido, ao considerar que é permitida ao Juiz a proibição – mesmo sem fundamentar tal proibição – da pretensão do recorrente de ditar requerimentos ou memorandos para a acta da audiência, fez uma má interpretação da amplitude do princípio do contraditório, violando a norma do art.º 88.º, n.° 1 do CPP que deve ser interpretada no sentido de que tais requerimentos só podem ser indeferidos com fundamento em que se não contenham dentro do objecto do processo ou não tenham por finalidade a salvaguarda de um seu direito fundamental, norma de onde decorre, pois, a obrigatoriedade da fundamentação daquela proibição.
   
   No entanto, não temos o facto como adquirido e o tribunal recorrido não deu a alegação como certa e referiu dois casos concretos.
   O primeiro ocorreu na segunda sessão do julgamento no dia 13 de Outubro de 1999 em que o defensor constituído do recorrente pretendeu ditar para a acta a motivação do recurso que acabou de interpor nessa audiência mas foi indeferido pelo presidente de tribunal colectivo no uso dos poderes conferidos pelo art.e 304. do CPP e sugerido que fosse feita oportunamente (cfr. acta a fls. 3920).
   O segundo caso verificou-se na nona sessão do julgamento do dia 29 de Outubro de 1999. O defensor constituído do recorrente abandonou a defesa do seu constituinte em plena audiência e pretendeu expor em memorando as razões da sua atitude nesta audiência. Após o presidente de tribunal colectivo não admitiu, nos termos do disposto do art.o 303. , n., 2 do CPP, a exposição do memorando nessa audiência e deu conhecimento de que o poderia fazer por escrito, com o objectivo de não protelar o decurso dos trabalhos, dado que a audiência de julgamento se destina fundamentalmente à produção de prova (cfr. acta a fls. 4026v).
   Por outro lado, consta dos autos que no dia 27 de Outubro de 1999, o recorrente apresentou um requerimento (fls. 4007) afirmando que foi impedido na sessão de julgamento do mesmo dia de ditar para a acta um requerimento no sentido de suspender o julgamento por ter sido pedida a recusa do presidente de tribunal colectivo.
   Houve mais dois requerimentos apresentados pelo recorrente no dia seguinte (fls. 4019 e 4020) em que expôs que não tinha sido permitido através do seu mandatário apresentar requerimentos a constar da acta da sessão de julgamento do dia anterior para arguir duas irregularidades relativas a não suspensão do julgamento face aos pedidos de recusa do presidente de tribunal colectivo.
   Seja como for, valem aqui as considerações produzidas a propósito da anterior questão relativa à incomunicabilidade absoluta. Realmente houve recusa por parte do presidente de tribunal colectivo de ditar para a acta da audiência requerimentos do recorrente por razões mencionadas. No entanto, não é menos certo que o ora recorrente não interpôs recurso dos despachos judiciais em causa e sempre o poderia ter feito por escrito, tal como o que foi feito com os requerimentos acima referidos e apresentados pelo recorrente logo após as respectivas sessões da audiência.
   Assim, tais decisões judiciais já transitaram há muito em julgado, consolidaram-se na Ordem Jurídica, pelo que o recorrente não pode vir agora basear o seu recurso nessas decisões que não recorreu em tempo oportuno, sendo certo que também não se está perante qualquer ilegalidade insanável.

   (3) Efeito da apresentação do requerimento da recusa do juiz
   O recorrente entende que o acórdão recorrido violou a norma do n.º 5 do art.º 34.º do CPP, ao considerar que a apresentação do requerimento de recusa do juiz presidente de tribunal colectivo não confere efeito suspensivo da audiência, só se considerando tal efeito suspensivo em caso de recurso da decisão que rejeitasse ou indeferisse tal requerimento. Para o recorrente, tal norma deve interpretar-se no sentido de que confere o efeito suspensivo do julgamento, sob pena de se retirar qualquer sentido e efeito útil à aludida norma, certo sendo que é irrecorrível a decisão de rejeição ou de indeferimento do requerimento de recusa de juiz.
   
   A matéria de impedimentos, recusas e escusas de juiz é tratada nos art.°s 28.° a 36.° do CPP. Prescreve o art.° 31.° deste Código, sob o epígrafe de “recurso”, sobre o procedimento de impedimento:
   “1. O despacho em que o juiz se considerar impedido é irrecorrível.
   2. Do despacho em que o juiz não reconhecer impedimento que lhe tenha sido oposto cabe recurso para o Tribunal Superior de Justiça (leia-se o Tribunal de Segunda Instância).
   3. Se o impedimento for oposto a juiz do Tribunal Superior de Justiça (leia-se do Tribunal de Segunda Instância), o recurso é decidido pela secção competente deste mesmo Tribunal sem a participação do visado.
   4. O recurso tem efeito suspensivo, sem prejuízo de serem levados a cabo, mesmo pelo juiz visado, se tal for indispensável, os actos urgentes.”
   Quanto a recusas e escusas, o art.° 34.° do mesmo Código, sob epígrafe de “processo e decisão”, estabelece o seguinte:
   “1. A recusa deve ser requerida e a escusa deve ser pedida, a ela se juntando logo os elementos comprovativos, perante a secção competente do Tribunal Superior de Justiça (leia-se o Tribunal de Segunda Instância).
   2. Tratando-se de juiz pertencente à secção competente do Tribunal Superior de Justiça (leia-se do Tribunal de Segunda Instância), esta decide sem a participação do visado.
   3. O juiz visado pronuncia-se sobre o requerimento, por escrito, em cinco dias, juntando logo os elementos comprovativos.
   4. O tribunal, se não recusar logo o requerimento ou o pedido por manifestamente infundados, ordena as diligências de prova necessárias à decisão.
   5. É correspondentemente aplicável o disposto no n.° 4 do artigo 31.°.
   6. Se o tribunal recusar o requerimento do arguido, do assistente ou da parte civil por manifestamente infundado, condena o requerente ao pagamento de uma soma entre 4 e 16 UC.”
   
   Nos termos dos referidos dois artigos, verifica-se que do despacho negativo do juiz sobre o impedimento cabe recurso para o então Tribunal Superior de Justiça e o recurso tem efeito suspensivo, enquanto os requerimentos de recusa e os pedidos de escusa devem ser dirigidos logo para o então Tribunal Superior de Justiça que decide em primeira instância.
   O tribunal recorrido considera que do n.° 4 do art.° 31.°, conjugado com o seu n.° 2, resulta que só o recurso para o tribunal superior do despacho em que o juiz não reconhece impedimento é que tem efeito suspensivo, o que pressupõe sempre o recurso de uma decisão, daí decorre que a analogia estabelecida pelo n.° 5 do art.° 34.° só se dá no caso do recurso da decisão do tribunal superior que recuse o requerimento de recusa, já que conforme o disposto no art.° 34.°, n.° 1, o incidente de recusa é julgado em primeira instância no tribunal superior.
   No entanto, não parece esta ser a melhor interpretação. O art.° 34.° do CPP regula a tramitação dos requerimentos de recusa e pedidos de escusa a ser apreciados em primeira instância pelo então Tribunal Superior de Justiça mas não o recurso da sua decisão, o que é diferente do procedimento do recurso contra o despacho negativo do juiz sobre o impedimento previsto no art.° 31.° do CPP.
   Os n.°s 1 a 4 e 6 do art.° 34.° são bem explícitos quanto ao procedimento a ser seguido no então Tribunal Superior de Justiça. E o n.° 5 manda aplicar correspondentemente o disposto no n.° 4 do art.° 31.°. O termo “recurso” constante desta última norma deve ser interpretado, no contexto do art.° 34.°, por processo de apreciação dos requerimentos de recusa e pedidos de escusa pelo então Tribunal Superior de Justiça mas não o recurso da decisão a ser proferida por este tribunal. Não já porque da decisão do então Tribunal Superior de Justiça não cabia recurso, ao contrário do que se afirma o recorrente, pois dos acórdãos das secções do Tribunal Superior de Justiça quando julgassem em primeira instância, cabia recurso ao plenário do mesmo tribunal (art.° 14.°, n.° 1, al. g) da Lei n.° 112/91 então vigente), mas seria manifestamente má técnica legislativa inserir no mesmo artigo uma norma no n.° 5 relativa ao efeito do recurso entre os n.°s 1 a 4 e 6 em que se regula a decisão objecto possível deste recurso. Entende-se assim que na pendência dos requerimentos de recusa e pedidos de escusa há efeito suspensivo.
   Para reforçar os argumentos sistemáticos, apela-se às disposições do processo civil relativas aos pedidos de escusa e requerimentos de dedução da suspeição. Nos termos do art.° 132.° do Código de Processo Civil de 1961 ou art.° 321.° do Código de Processo Civil de 1999, o incidente faz intervir o juiz substituto no respectivo processo da causa principal para esta seguir os seus termos. Há aspecto comum em relação ao efeito suspensivo no recurso do despacho negativo sobre o seu impedimento e na apreciação dos requerimentos de recusa ou pedidos de escusa no processo penal, pois faz cessar desde logo a intervenção do juiz visado na causa principal.
   Além disso, existe razões substanciais para considerar que a aplicação correspondente do n.° 4 do art.° 31.° do CPP visa conferir efeito suspensivo aos requerimentos de recusa e pedidos de escusa. É que quando o juiz não reconhece impedimento que lhe tenha sido oposto e é interposto recurso para o então Tribunal Superior de Justiça, foi reforçada a ideia do interessado da falta de imparcialidade por parte do juiz visado, então para garantir uma decisão justa e imparcial da causa, é fixado o efeito suspensivo do recurso para afastar logo o juiz, a quem é imputada falta de imparcialidade, da prática de actos processuais.
   Ora, com a dedução do requerimento de recusa ou pedido de escusa de juiz, dá-se logo a imputação de falta de imparcialidade. Pela mesma razão respeitante ao recurso do impedimento, aos requerimentos de recusa e pedidos de escusa de juiz deve ser atribuído efeito suspensivo.
   
   No entanto, apesar de a audiência de julgamento do presente processo na primeira instância não ter sido suspensa com os requerimentos de recusa, tal facto não tem qualquer consequência uma vez que os pedidos de recusa do presidente de tribunal colectivo foram todos julgados improcedentes pelo então Tribunal Superior de Justiça.
   Tal como foi referido, o efeito suspensivo durante a apreciação do requerimento de recusa de juiz visa prevenir a prática de actos processuais por um juiz já com probabilidade de ser considerado parcial e evitar a produção de actos processuais por juiz recusado. Com a improcedência dos pedidos de recusa de juiz, mostram-se infundada a imputação de falta de imparcialidade do presidente de tribunal colectivo e em consequência desaparecem as razões que levam à nulidade os actos praticados pelo juiz visado.
   De acordo com o n.° 4 do art.° 32.° do CPP, após a entrada do requerimento de recusa, os actos praticados pelo juiz declarado recusado são, em princípio, inválidos. Mas os actos são válidos quando estes não podem ser repetidos utilmente ou daqueles não resultam prejuízo para o julgamento do processo.
   Os pedidos de recusa do presidente de tribunal colectivo foram julgados improcedentes. Por outro lado, não resultam dos autos elementos que se podem fundamentar que os actos do presidente foram praticados com falta de imparcialidade e prejudicaram a decisão final da causa. Daí que improcedem os fundamentos para declarar nulos os actos praticados pelo presidente de tribunal colectivo.
   
   
   C. Falta de fundamentação
   Entende o recorrente que quer o acórdão de primeira instância quer o acórdão recorrido enfermam de vício consubstanciado na falta de fundamentação de facto e de direito que resulta dos próprios textos dos acórdãos e não foi feita a análise crítica da prova produzida.
   
   A lei prescreve os elementos básicos que devem constar da sentença. A começar pelo relatório, segue-se a fundamentação e termina com o dispositivo. Segundo o art.° 355.°, n.° 2 do CPP, na fundamentação inclui a enumeração dos factos provados e não provados, bem como uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.
   
   Não está em causa a necessidade da fundamentação da sentença que é indiscutível. E a lei considera nula a sentença quando falta a menção da fundamentação com indicação das provas que serviram para formar a convicção do tribunal (art.° 360.°, al. a) do CPP).
   Os motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão são os factos e as razões de direito que constituem a base da decisão ou o seu fundamento que permitem aos sujeitos processuais e ao tribunal superior o exame do processo lógico ou racional que lhe subjaz.
   O acórdão de primeira instância começou pelo relatório e segue-se pela enumeração dos factos julgados provados e não provados, a indicação das provas que servem para formar a convicção do tribunal e o enquadramento sociológico dos factos sub-judice. Depois, na parte denominada por enquadramento jurídico-criminal, que aqui interessa, procedeu-se a uma análise das situações em que determinados factos não foram provados e que conduzem à absolvição dos vários crimes imputados a alguns dos arguidos. Em segundo lugar, foi feito o enquadramento jurídico dos factos provados de acordo com as condutas neles descritas, indicando os crimes cometidos pelos arguidos e as respectivas normas onde estão previstos, com a especial menção da diminuição da responsabilidade penal dos arguidos D e E relativamente ao crime de associação ou sociedade secreta.
   Tal como foi referido no acórdão de segunda instância ora recorrido, não há modelo uniforme da estrutura da sentença penal, o que se importa é satisfazer os requisitos exigidos pela lei, assegurando o respeito efectivo pelo princípio da legalidade na sentença, de modo a permitir os sujeitos processuais perceber o raciocínio lógico e o fundamento da decisão do tribunal, sem prejuízo de maior desenvolvimento para além da exigência legal. Por outro lado, é verdade que no art.v 355. do CPP fala-se de três partes da sentença: relatório, fundamentação (com indicação das provas que serviram para formar a convicção do tribunal) e dispositivo. No entanto, a lei não exige que numa sentença penal se utiliza inalteravelmente os três termos mencionados para dividir fisicamente as partes diferentes da sentença, nem, em relação à parte da fundamentação, seguir a ordem das matérias indicada nesta norma. De acordo com a lei processual penal de Macau, não há formulário legal da sentença, mas sim os conteúdos materiais que dela devem constar.
   Ora, a nulidade cominada pelo art.O 360.°, al. a) do CPP só se verifica quando os elementos constitutivos da fundamentação faltem de todo em todo e não quando constem apenas em termos insuficientes. Não se verificou a falta absoluta da fundamentação nem no acórdão de primeira instância nem no de segunda.
   
   Ainda uma consideração em relação aos factos provados. O recorrente, na sua motivação, refere que o tribunal de primeira instância se limitou a copiar literalmente o texto da acusação para os factos provados, não fez a necessária análise crítica da prova produzida, havendo, antes, feito remissões genéricas para os elementos de prova carreados para o processo, sem sequer ter tido a preocupação de cotejar esses elementos, criando situações caricatas como, por exemplo, indicar como prova de um facto integrador de um crime de coacção um volume de um apenso que apenas contém liquidações de custas e guias de pagamento de custas relativos a arguidos de outros processos, conforme ponto 52, página 18 do acórdão de primeira instância e o volume 4 do apenso B.
   Não tem razão o recorrente. Em primeiro lugar, o facto de a matéria provada corresponder ao texto da acusação só pode significar que ficaram provados os factos ilícitos imputados aos arguidos, o que é manifestamente diferente da remissão ou transcrição da acusação. Aliás, são precisamente os factos da acusação que constituem objecto da deliberação e votação do tribunal na decisão do mérito. Por outro lado, certos factos constantes da acusação não ficaram provados e conduz à absolvição de um arguido e outros tantos crimes em relação a outros arguidos. Sem análise dos factos dados como provados e não provados não é possível chegar a essa decisão. Em segundo lugar, o recorrente não pode pretender ridicularizar a situação com a afirmação de que o tribunal indicou como prova do crime de coacção um volume de um apenso que apenas contém liquidações de custas e guias de pagamento de custas relativos a arguidos de outros processos. Bem vista a referência constante da parte final do facto provado n.e 52, o volume 4 é apenas o último volume do apenso B. Todo o apenso B contém 980 páginas e algumas liquidações e guias de pagamento estão simplesmente incorporadas nas últimas páginas do volume 4 deste apenso.
   Por outro lado, os acórdãos citados pelo Tribunal de Segunda Instância nas páginas 174 a 176 do acórdão recorrido são pertinentes para sustentar que no acórdão de primeira instância não houve falta de fundamentação e da indicação das provas que serviram para formar a convicção do tribunal. Assim, não há falta de fundamentação no acórdão do Tribunal de Segunda Instância como vem alegada pelo recorrente de que o primeiro dos acórdãos citados contém, no seu conjunto, a defesa e não a crítica da tese do recorrente ou se limita a enumerar citações jurisprudenciais sem qualquer conexão com as questões que lhe cumpria decidir.
   
   Quanto aos fundamentos que presidiram à escolha e à medida das sanções aplicadas a cada um dos crimes por que o recorrente veio a ser condenado, verifica que no acórdão de primeira instância, foi feita uma exposição dos fundamentos da fixação das penas parcelares, considerando as regras constantes dos art. s 64.s e 65. do Código Penal de 1995 (CP), nomeadamente o desvalor da acção e do resultado, a exigência de prevenção geral e especial, as condições pessoais, a ausência de arrependimento e aos antecedentes criminais. Depois, na fixação das penas únicas resultadas do cúmulo jurídico das penas parcelares, foram tidas em consideração a personalidade dos arguidos, bem como os factos e crimes imputados e com observância das regras do art.o 71. do CP. Explicou ainda a razão da não substituição das penas de prisão não superiores a seis meses por pena de multa nos termos do art.ç 44. , n., 1 do CP. Assim, não há qualquer irregularidade por violação do disposto no art. 356. , n., 1 do CPP.
   
   
   D. Quanto ao crime de violação de telecomunicações
   O recorrente alega que, não se havendo dado por provada a intromissão ou a tomada de conhecimento, pelo mesmo, do conteúdo de quaisquer telecomunicações mas tão-só a mera detenção de dois transmissores-receptores por parte do recorrente e o mero conhecimento de que tais aparelhos permitiam a devassa e a violação das telecomunicações, não podia dar-se por preenchido o tipo do crime previsto no art.o 188. , n., 2 do CP.
   
   De acordo com o art.D 188. , n., 2 do CP, pratica o crime de violação de telecomunicações quem, sem consentimento, se intrometer no conteúdo de telecomunicação ou dele tomar conhecimento, incorrendo na pena prevista no n.q 1 do mesmo artigo, ou seja, na pena de prisão até um ano ou pena de multa até 240 dias.
   Segundo os factos provados, nomeadamente os n.ms 9, 64 a 67, 111, 113, 115 e 120, a organização e o ora recorrente A, juntamente com os arguidos B; C; H; I; J e F, previam proceder, e efectivamente procedeu, à escuta de transmissões e comunicações das Forças Policiais ou de Segurança de Macau para, assim, melhor se furtarem à acção policial e da justiça, possuindo um sistema logístico de segurança o qual comportava elementos afectos às salas de jogo dos vários casinos que controlavam. Para esse efeito, a organização possuía nove transmissores-receptores.
   Foram apreendidos dois ao ora recorrente A, sendo um no interior de um dos seus veículos apreendidos, seis ao arguido F e um a N.
   Segundo o relatório pericial, tais aparelhos são aptos a intrometer nas telecomunicações policiais.
   Ficou provado não apenas que a organização 14K possuía aparelhos aptos a interceptar as telecomunicações policiais e os arguidos acima referidos previam proceder à escuta de comunicações das polícias de Macau, mas também a efectiva prática destes actos de tomada de conhecimento do conteúdo de telecomunicações das forças policiais de Macau, para melhor se furtarem à acção policial e da justiça. Portanto, não está em causa a punição da mera previsão da prática do crime, mas sim, a consumação do próprio crime de violação de telecomunicações, sendo irrelevante a não punição de actos preparatórios deste crime.
   Estando integralmente preenchidos os elementos objectivos e subjectivos do crime de violação de telecomunicações, não há insuficiência da matéria de facto para a decisão de direito nem erro na aplicação de direito relativamente à condenação pela prática desse crime.
   
   
   E. Quanto ao crime de usura para jogo
   O recorrente alega que tendo sido apenas dado por provado que previa efectuar empréstimos de dinheiros e cobrar o montante dos empréstimos, afasta-se, desde logo, a prática de qualquer negócio usurário, porque o simples pensamento criminoso não é susceptível de punição. Entende que foi violada a norma do art.° 13.° da Lei n.° 8/96/M ao condenar o recorrente pela prática de um crime de usura sem que se mostrassem preenchidos os elementos integradores de tal tipo de ilícito.
   Segundo os factos dados por provados, sobretudo os n.°s 9, 26, 68, 113 a 115 e 120, o ora recorrente A e os outros arguidos, nomeadamente B; C; H; I; J e F previam efectuar, e realmente efectuou, empréstimos de dinheiros, no âmbito dos jogos de fortuna ou azar, em moeda de Macau ou estrangeira ou em valores convencionais que as representam, a pessoas e cobrar destas o montante dos empréstimos, acrescidos de juros elevados e muito superiores à taxa legal, com o propósito concretizado de adquirirem vantagens económicas que sabiam ser ilegítimas e alheias, integrando-as nas suas esferas patrimoniais.
   As condutas do recorrente estão integradas no crime de usura para jogo previsto no art.° 13.° da Lei n.° 8/96/M. De acordo com o n.° 1 deste artigo, quem, com intenção de alcançar um benefício patrimonial para si ou para terceiro, facultar a uma pessoa dinheiro ou qualquer outro meio para jogar, é punido com pena correspondente à do crime de usura.
   Aplicando a pena prevista para o crime de usura previsto no art.° 219.°, n.° 1 do CP, o crime de usura para jogo é punido com a pena de prisão até três anos. Para o arguido condenado por este crime, devia ser imposta ainda uma pena acessória de proibição de entrada nas salas de jogos por um período de dois a dez anos (art.° 15.° da Lei n.° 8/96/M) que só por princípio de proibição de reformatio in pejus ficou afastada.
   Tal como acontece com o crime já apreciado antes, só por uma leitura propositadamente parcial da matéria provada se pode extrair a conclusão de que existisse uma contradição insanável entre a previsão da efectuação de empréstimos e a consumação deste ilícito por dado provado apenas a consumação da previsão.
   Conjugados todos os factos provados, o ora recorrente A e os arguidos B; C; H; I; J e F, sempre no propósito de alcançar as finalidades da organização 14K, previam executar certos actos, nomeadamente usura no âmbito do jogo de fortuna ou azar. Por outro lado, ficou também provado que estes arguidos consumaram a prática destes actos, tendo distribuído entre eles as tarefas necessárias para tais actos, por forma a todos quererem, aceitarem e determinarem reciprocamente as actuações de cada um, sempre executadas em nome de todos e da organização 14K.
   Assim, não está em causa a punição por um pensamento criminoso mas sim pela prática efectiva do crime, pelo que, no domínio da condenação do recorrente pela prática do crime de usura previsto no art.° 13.° da Lei n.° 8/96/M, improcedem os argumentos do recorrente.
   
   
   F. Quanto ao crime de conversão ou transferência e ou de dissimulação de bens ou produtos ilícitos
   No acórdão recorrido, após a correcção feita pelo tribunal recorrido, o recorrente foi condenado pela prática de um crime de conversão de bens ou produtos ilícitos previsto no art.p 10. , n., 1, al. a) da Lei n. 6/97/M (Lei da Criminalidade Organizada).
   Prescreve, assim, o referido art.P 10. :
   “1. Quem, sem prejuízo do disposto nos artigos 227.“ e 228. do Código Penal, sabendo que os bens ou produtos são provenientes da prática de crime:
   a) Converter, transferir, auxiliar ou por qualquer meio facilitar alguma operação de conversão ou transferência desses bens ou produtos, no todo ou em parte, directa ou indirectamente, com o fim de ocultar ou dissimular a sua origem ilícita ou de auxiliar uma pessoa implicada na prática de crime a eximir-se às consequências jurídicas dos seus actos, é punido com pena de prisão de 5 a 12 anos e pena de multa até 600 dias;
   b) Ocultar ou dissimular a verdadeira natureza, origem, localização, disposição, movimentação, propriedade desses bens ou produtos ou de direitos a eles relativos, é punido com pena de prisão de 2 a 10 anos e pena de multa até 360 dias;
   c) Os adquirir ou receber a qualquer título, utilizar, deter ou conservar, é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos e pena de multa até 240 dias.
   2. …
   3. A punição pelos crimes previstos no n.3 1 não excederá a aplicável às correspondentes infracções que deram origem aos bens ou produtos.
   4. …”
   
   Em primeiro lugar, o recorrente alega que, ao condená-lo pela prática do crime de conversão, é necessário identificar em concreto o crime donde resultaram as vantagens ilícitas. Entende que o tribunal recorrido fez repousar o preenchimento do crime de conversão numa mera consequência automática de outros crimes, sem curar da possibilidade de gerar vantagens patrimoniais desses crimes.
   Para condenar o recorrente no crime de conversão, o tribunal recorrido considerou os crimes praticados pelo recorrente, nomeadamente o de usura para jogo e o mais grave, o de associação ou sociedade secreta.
   Na realidade, dos factos provados, designadamente os n.Ns 78, 92 a 101, 108 a 110, 112, 113, 115, 119 e 120, resulta claramente que o ora recorrente A e os arguidos B; C; D; H; I; E; J e F, com os avultados lucros obtidos da prática dos actos ilícitos constantes da matéria provada, adquiriram ou constituíram sociedades e compraram imóveis, móveis sujeitos a registo e outros móveis. Foram assim convertendo as vantagens patrimoniais obtidas através da prática de actos ilícitos em bens aparentemente lícitos que entraram no circuito comercial normal como se tratassem de proventos licitamente obtidos.
   Assim, está claramente indicada, no acórdão recorrido, a relação entre o crime de conversão e os crimes praticados pelo recorrente dos quais resultam os proventos ilícitos objecto de conversão.
   
   Em segundo lugar, entende o recorrente que não está identificada nos factos provados nem a data da aquisição nem o valor de cada um dos bens apreendidos, o que impede qualquer conexão entre cada um desses bens e a prática de qualquer um dos crimes imputados ao recorrente e pelos quais veio a ser condenado. Seria necessário estabelecer uma cadeia de factos e situações concretas que permitissem ligar à aquisição de um bem determinado um produto criminoso e a um facto ilícito típico.
   No entanto, o argumento do recorrente não tem mínimo apoio na letra da norma do art.N 10. , n., 1 da Lei n. 6/97/M. Para se verificar a prática do crime de conversão previsto neste preceito, é mister provar a conversão ou transferência dos bens ou produtos provenientes da prática de crime cuja origem é do conhecimento do agente.
   Ora, de acordo com os factos provados, o recorrente, através da prática dos ilícitos referidos na matéria provada, obteve avultados lucros. Com estas vantagens patrimoniais, o recorrente adquiriu imóveis, automóveis, quotas de sociedades comerciais ou simplesmente procedeu ao depósito bancário, convertendo, assim, os proventos ilícitos em bens aparentemente lícitos e ocultando, deste modo, a sua origem ilícita. Isso já é mais de suficiente para imputar a prática do crime de conversão ao recorrente.
   
   Em terceiro lugar, o recorrente entende que só podem ser considerados crimes precedentes de um crime de conversão, crimes de cunho aquisitivo, isto é, geradores de vantagens ou riqueza.
   Ora, o recorrente está a confundir a consumação de um crime, porventura com elemento típico de integração de vantagens patrimoniais na esfera do agente, e a consequência da prática de um determinado crime. O objecto do crime de conversão é bens ou produtos resultados da prática de crime. Para se verificar o crime de conversão, a lei não exige que o crime donde resulta os bens convertidos seja abstractamente capaz de gerar vantagens ou riqueza, sob pena de limitar injustificadamente o âmbito da protecção da ordem social, económica e financeira. Os bens ou produtos tornam-se relevantes para o crime de conversão logo que sejam resultados da prática de crime. Importa-se saber a origem ilícita dos bens ou produtos convertidos, independentemente da natureza do crime de que estes resultam.
   
   Finalmente, não se verifica o erro notório na apreciação da prova, como vem alegado pelo recorrente, constituído pela contradição entre os factos provados n.o 92, por um lado, e os n. s 48, 40 e 37, por outro.
   Ora, o erro notório na apreciação da prova existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada ou as legis artis. E tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores.
   Da absolvição de um dos arguidos no presente processo não pode extrair, sem mais, a conclusão de que se torna lícita a actividade do recorrente, o que seria manifestamente ilógico. Por outro lado, ficou provado que os objectos e valores apreendidos ao recorrente no presente processo foram obtidos através da prática de actos ilícitos. Mas não ficou aqui assente que estes objectos e valores constituem todo o património do recorrente. Assim, não há contradição entre a absolvição de um dos arguidos e a origem ilícita dos lucros obtidos pelo recorrente, nem o erro notório na apreciação da prova.
   
   Não há, portanto, insuficiência da matéria de facto para a decisão de direito, nem erro notório na apreciação da prova, nem erro na aplicação de direito, tudo em relação ao crime de conversão de bens ou produtos ilícitos previsto no art. 10. , n., 1, al. a) da Lei n. 6/97/M.
   
   
   G. Quanto ao crime de associação ou sociedade secreta
   (1) O recorrente ocupou uma quarta parte da sua motivação do recurso para apreciar os factos provados relacionados com o crime de associação ou sociedade secreta. No entanto, nas respectivas considerações, o recorrente confundiu constantemente a matéria provada e a fundamentação de facto da decisão final e pôs em causa o princípio da livre apreciação da prova que é insindicável pelo tribunal de recurso, alegando a insuficiência da prova.
   
   Em todos os casos, o recorrente questiona a fundamentação fáctica de um determinado facto dado por provado.
   Só que, o recorrente limitou-se a considerar os factos conclusivos e questionar a motivação de facto para a prova desses factos. Ora, a fundamentação de facto é para a decisão final e não para fundamentar a prova de um determinado facto, para a qual a lei exige, antes, a indicação das provas que servem para formar a convicção do tribunal. De facto, a insuficiência da matéria de facto provada só tem relevância, como fundamento do recurso, para o momento da subsunção dos factos provados e não provados ao direito, e não para pôr em causa o processo do raciocínio do julgador que fixou os mesmos factos.
   E daí o recorrente entrou no domínio, que lhe está vedado, do princípio da livre apreciação da prova consagrado no art.° 114.° do CPP. Nos termos desta norma, a prova é, salvo disposição legal contrária, apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do tribunal. Por isso, a livre apreciação da prova em processo penal não se confunde com a apreciação arbitrária ou discricionária da prova, afirmação essa a que o recorrente socorreu bem. Assim, para garantir que na sentença se seguiu um processo lógico e racional na apreciação da prova, não sendo uma decisão ilógica, arbitrária, contraditória ou notoriamente violadora das regras da experiência comum na apreciação da prova, a lei exige que na sentença se indica as provas que serviram para formar a convicção do tribunal (art.ç 355. , n., 2 do CPP).
   Só que, o recorrente não pode pôr em causa a livre convicção do juiz através da questão de insuficiência da prova para a matéria de facto provada, uma vez que é insindicável em reexame da matéria de direito.
   
   Por outro lado, o recorrente afirmou por várias vezes que os factos provados foram pura e simplesmente a cópia da acusação para tentar invalidar a sentença, o que não tem nenhuma razão. A acusação contra o arguido constitui o objecto fundamental do julgamento que tem por fim apreciar se a acusação corresponde à verdade. Se ficar provada a acusação, naturalmente os factos constantes desta devem figurar nos factos provados da sentença final. Assim, a identidade de um determinado facto constante da acusação e da sentença só pode significar que está plenamente provado esse facto.
   
   Em relação ao facto n.° 10, o recorrente alega que existe contradição manifesta por a conexão estabelecida entre os avultados lucros auferidos pela facção da organização 14K e os documentos de contabilidade apreendidos nos autos estar em contradição manifesta com os factos provados n.°s 48 e 37, referentes à actividade desenvolvida pelo recorrente nas salas [Endereço(25)] ou [Endereço(8)] e [Endereço(2)] do casino do Hotel(2). Entende que essas actividades se tornaram legais após a absolvição do recorrente na segunda instância do crime de jogo ilícito e do arguido G e o tribunal não se procedeu logo a distinção entre os proventos resultantes dessa actividade e os proventos atribuídos à organização 14K.
   Sobre a contradição indicada, bem notou o tribunal recorrido (p. 195 a 196): “Não é nada de incongruente que uma pessoa vulgar possa associar-se no plano comercial e apenas para fins comerciais intrinsecamente falando, com algum membro, apoiante e até líder de uma associação criminosa, sem ser ligada à mesma, ou seja, rectius, sem ser membro, apoiante e líder da mesma. Tal como não há nada de contraditório que uma sala de jogos possa ser explorada não ilegalmente, em conjunto por um sócio ‘não ligado à associação secreta’ e por um sócio ‘ligado – por ser membro, apoiante e até líder da – à associação secreta’ (bem como também nada de incompreensível o fenómeno de exploração de apostas paralelas ilegais numa sala de jogos ou num casino, por algum explorador da mesma sala de jogos legalmente autorizados).”
   O acórdão recorrido é bem esclarecedor no sentido de que a absolvição do arguido G não tem o efeito lógico ou automático de alterar a natureza da documentação apreendida da contabilidade da facção da organização 14K.
   É de lembrar que a razão da absolvição do recorrente do crime de jogo ilícito foi a inexistência de factos provados autónomos e concretos que apontam para a sua verificação. Disso não se pode tirar a conclusão de que todas as actividades desenvolvidas pelo recorrente nas duas salas do casino do Hotel(2) tornaram por este meio legais. Por outro lado, os lucros auferidos pela facção da 14K referidos na matéria provada não se limitam ao âmbito de jogo nessas salas, mas sim todas as actividades ilícitas nela referidas e praticadas pelo recorrente e outros arguidos. Por outro lado, não ficou provado que os interesses patrimoniais apreendidos no presente processo constituem todo o património da facção da organização 14K.
   Assim, é evidente que não existe a contradição insanável da fundamentação nem o erro notório na apreciação da prova como vem alegado pelo recorrente a propósito do facto provado n.° 10. É também desprovida de qualquer fundamento legal a requerida ampliação da matéria de facto de modo a identificar as motivações da convicção do julgador.
   
   O recorrente entendeu que há erro notório na apreciação da prova nos factos provados n.i 57 e 69.
   Relativamente ao facto provado n.R 57, o recorrente identifica o vício por aquele facto provado ter o seu fundamento na certidão a fls. 695 a 782 que foi extraída do inquérito que deu lugar ao processo comum colectivo n.c 27/99-1/ e terminou com a absolvição de todos os arguidos da prática de um crime de associação ou sociedade secreta, o que demonstra precisamente o contrário daquilo que se pretendeu dar como provado.
   Aqui o recorrente errou mais uma vez. Em primeiro lugar, a absolvição de todos os arguidos do crime de associação ou sociedade secreta no processo comum colectivo n.p 27/99-1/, em que o recorrente não é arguido, não tem qualquer ligação com a imputação do mesmo crime ao recorrente no presente processo, sendo a decisão final naquele processo totalmente irrelevante para apreciar a efectiva prática desse crime pelo recorrente. Em segundo lugar, a sede onde o vício está alegadamente situado é o facto provado n.c 57 que está relacionado com as acções incendiárias em Macau com cocktails molotov a casas de habitação, estabelecimentos comerciais e industriais, automóveis e outros veículos motorizados. São precisamente este tipo de factos que, no referido processo comum colectivo n.n 27/99-1/, aqueles arguidos foram acusados e ficou provado no julgamento, entre outros factos, que seis dos arguidos prepararam garrafas com gasolina para ser posto fogo em estabelecimento comercial existente em edifício que tivessem à venda “VCD”s contrafeitos do filme referido no facto provado n.° 59 do presente processo e foram condenados por co-autoria de um crime de aquisição, detenção e fabrico de substância inflamável para provocar incêndio de relevo (em edifício) previsto e punido pelos art.°s 266.° e 264.°, n.° 1, al. a) do CP e 12.° da Lei n.° 6/97/M (conforme a certidão do acórdão juntada pelo recorrente a fls. 4369 a 4401 aquando da apresentação da motivação do recurso perante o Tribunal de Segunda Instância).
   Em relação ao facto provado n.E 69, o recorrente entende que há uma visível obscuridade por não identificar a que acções criminosas como as referidas nos autos se reporta. Ora, tomando todos os factos provados e não cegamente metendo num determinado facto e assim considerado isoladamente, é patente que o sentido deste facto é claro e não há qualquer obscuridade.
   O erro notório na apreciação da prova existe, para a questão aqui em exame, quando se dão como provados factos incompatíveis entre si ou quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada ou as legis artis. E o erro tem de ser um erro ostensivo. É evidente que o vício identificado não ocorreu em relação aos factos provados n.. 57 e 69.
   
   (2) O crime de associação ou sociedade secreta está previsto inicialmente na Lei n.( 1/78/M (Lei de Associações de Malfeitores) e actualmente na Lei n.M 6/97/M (Lei da Criminalidade Organizada). De acordo com estes diplomas, é punível quem fazer parte ou exercer funções de direcção ou chefia em associação ou sociedade secreta (art./s 4.s, n.,s 1 e 2 da Lei n.s 1/78/M e 2. , n.,s 2 e 3 da Lei n. 6/97/M).
   De acordo com o art.D 1. , n., 1 da Lei n. 6/97/M, considera-se associação ou sociedade secreta, para efeitos do disposto nesta lei, “toda a organização constituída para obter vantagens ou benefícios ilícitos cuja existência se manifeste por acordo ou convenção ou outros meios, nomeadamente pela prática, cumulativa ou não, dos seguintes crimes:
a) Homicídio e ofensas à integridade física;
b) Sequestro, rapto e tráfico internacional de pessoas;
c) Ameaça, coacção e extorsão a pretexto de protecção;
d) Exploração de prostituição, lenocínio e lenocínio de menores;
e) Usura criminosa;
f) Furto, roubo e dano;
g) Aliciamento e auxílio à imigração clandestina;
h) Exploração ilícita de jogo, de lotarias ou de apostas mutuas e cartel ilícito para jogo;
i) Ilícitos relacionados com corridas de animais;
j) Usura para jogo;
l) Importação, exportação, compra, venda, fabrico, uso, porte e detenção de armas e de munições proibidas e substâncias explosivas ou incendiárias, ou de quaisquer engenhos ou artefactos adequados à prática dos crimes a que se referem os artigos 264.s e 265. do Código penal;
m) Ilícitos de recenseamento e eleitorais;
n) Especulação sobre títulos de transporte;
o) Falsificação de moeda, de títulos de crédito, de cartões de crédito e de documentos de identificação e de viagem;
p) Corrupção activa;
q) Extorsão de documento;
r) Retenção indevida de documentos de identificação e de viagem;
s) Abuso de cartão de garantia ou de crédito;
t) Operações de comércio externo fora dos locais autorizados;
u) Conversão, transferência ou dissimulação de bens ou produtos ilícitos;
v) Posse ilegal de meios técnicos susceptíveis de intromissão activa ou passiva nas comunicações das forças e serviços policiais ou de segurança.”
   Ainda segundo o n.A 2 do mesmo artigo, para a existência da associação ou sociedade secreta acima referida “não é necessário que:
a) Tenha sede ou lugar determinado para reuniões;
b) Os membros se conheçam entre si e se reunam periodicamente;
c) Tenha comando, direcção ou hierarquia organizada que lhe dê unidade e impulso; ou
d) Tenha convenção escrita reguladora da sua constituição ou actividade, ou da distribuição dos seus lucros ou encargos.”
   
   Para apreciar a prática do crime de associação ou sociedade secreta pelo recorrente destaca-se designadamente os seguintes factos provados:
   Há vários anos existe em Macau uma sociedade secreta denominada 14 Kilate, também conhecida por 14K, organização destinada à prática de crimes (factos provados n.á 1 a 5).
   O recorrente, juntamente com alguns arguidos, passou a integrar a referida sociedade desde data não apurada mas anteriormente a 1989. A partir de 1989, o recorrente, alguns arguidos e outros indivíduos estavam entre si agrupados e criaram uma facção dentro da 14K (factos provados n.d 6 a 8).
   Tal facção da 14K praticou e previa executar actos nomeadamente no âmbito do jogo ilícito e actividades com ele relacionadas, como agiotagem, usura, apostas clandestinas, extorsão e sequestro, e ainda acções de violação de telecomunicações, aquisição e detenção de armas de guerra, falsificação de documentos, detenção e tráfico de estupefacientes, ameaça, fogo posto, conversão de bens ou produtos ilícitos (factos provados n.s 9, 22, 23, 25 a 27, 52, 56, 57, 62, 64, 68, 92, 110 e 115).
   Tais acções criminosas como as referidas nos autos foram executadas por uns e queridas, conhecidas, representadas, aceites e efectuadas em nome de todos os elementos da referida facção da 14K, no seio e no interesse da qual foram deliberadas e determinadas pelos recorrente e arguidos B; C; H; I; J e F, com o apoio dos arguidos D e E (facto provado 69, 116 e 117).
   Com as actividades ilícitas referidas nos factos provados, o recorrente e outros arguidos, com excepção do arguido G, obtinham avultados lucros, que constitui um dos seus propósitos (factos provados n. 92, 108, 109 e 114).
   A dita facção da 14K dispunha de uma contabilidade organizada com recurso a diversas expressões cifradas para ocultar os avultados lucros que mensalmente auferia e de uma banca paralela à legal em que funcionava um fundo “X” (factos provados n.A 10 a 27).
   O recorrente começou a liderar uma facção da 14K como o chefe daquela a partir de 1989. O “X” era superiormente controlado e dirigido pelo recorrente e este era o “cabeça do X”. O recorrente possuía e dirigia uma estrutura organizada, controlando uma série de actividades multifacetadas, e tinha soldados hierarquicamente dependentes de si (factos provados n.é 7, 18, 20, 24, 38 e 39).
   O recorrente assumia-se como chefe da referida facção da 14K na reunião realizada no Comando da PSP e perante chefes de outras três mais importantes seitas de Macau (factos provados n.t 41 e 43).
   O recorrente e os arguidos B; C; H; I; J e F, desempenhavam variadas tarefas dentro da organização 14K, sendo que os arguidos D e E apoiavam a actividade desta (factos provados n.O 28 a 36).
   O recorrente e os arguidos B; C; H; I; J e F e outros elementos do grupo reuniam-se assiduamente na residência do primeiro para que em conjunto e concertadamente idealizavam e estabeleciam as acções a levar a efeito para concretização dos seus desígnios (facto provado n.í 51).
   O recorrente veio a ser detido em 1 de Maio de 1998 (facto provado n.O 70).
   
   De acordo com os factos dados por provados, dúvida não resta de que a organização 14K e a referida facção constituem associação ou sociedade secreta para os efeitos da Lei da Criminalidade Organizada (Lei n. 6/97/M). Ficou provado que a dita facção da 14K dispunha de uma estrutura hierarquizada, tendo como chefe o ora recorrente A, destinada a obter vantagens ou benefícios através da prática de actos ilícitos e intimidação contra pessoas e agentes da autoridade pública. Para alcançar essa finalidade, o recorrente e os elementos desta facção mantinham em acordo de praticar crimes como os vêm referidos nas alíneas a) a c), h), j), l), u) e v) do n. 1 do art.o 1. da Lei n. 6/97/M. Verifica-se ainda lugar determinado para reuniões frequentes da referida facção e uma hierarquia organizada, requisitos que até não são exigidos para a existência da associação ou sociedade secreta (n./ 2, al. a) a c) do mencionado artigo).
   Ficou ainda plenamente provado o papel de chefia do recorrente na referida facção da organização 14K. Segundo o acórdão recorrido (p.196), a prática deste ilícito pelo recorrente se iniciou desde pelo menos os fins de 1989, e tinha vindo a permanecer até à data da sua detenção em 1 de Maio de 1998. Contra esta conclusão o recorrente alega que não há forma de saber se a execução do crime de associação ou sociedade secreta se prolongou para além da entrada em vigor da Lei da Criminalidade Organizada (Lei n.n 6/97/M) que substitui a antiga Lei de Associações de Malfeitores (Lei n./ 1/78/M) e que importa concluir que “o recorrente não pertencia nem chefiava a dita facção da mencionada associação criminosa para além do início da vigência da lei de 1997”. Entende que o tribunal recorrido não podia fixar a data até a qual o recorrente terá exercido a chefia da dita facção por meio de integração da lacuna em excesso dos poderes de correcção da sentença.
   Ora, não há nada a censurar a conclusão tirada pelo tribunal recorrido, por se mostrar lógica e dentro do limite dos factos provados, de que o recorrente assumia a chefia da referida facção da organização 14K desde 1989 e a situação se mantinha ininterruptamente até a sua detenção ocorrida em Maio de 1998, função que o recorrente nunca renunciou até esta última data. Tal como sustenta o Ministério Público na sua resposta, “está-se perante um crime permanente, em que a manutenção do estado ilícito está dependente da vontade do agente, podendo afirmar-se, assim, que o tipo de ilícito está constantemente a renovar-se enquanto o agente não fizer cessar o estado anti-jurídico causado.”. É totalmente arbitrária e sem qualquer suporte fáctica a afirmação do recorrente de que ele não pertencia nem chefiava a dita facção da 14K para além do início da vigência da nova Lei de Criminalidade Organizada em 1997. Não há omissão ou lacuna nos factos dados por provados a preencher em relação à data ou período em que o recorrente exercia função de chefia nessa facção nem erro notório na apreciação da prova em relação a essa conclusão.
   Face ao disposto no art.F 3. do CP, deve ser fixado o momento da prática do crime de associação ou sociedade secreta no vertente de chefia pelo recorrente no último momento da continuidade do estado ilícito, ou seja, pelo menos na data da sua detenção em Maio de 1998. A lei incriminadora deste crime é sempre a Lei n.e 6/97/M que mantém em vigor até agora, pelo que não se verificam as condições da aplicação do mecanismo previsto no art./ 2. , n .. 4 do CP sobre a comparação e a consequente aplicação do regime penal mais favorável ao recorrente.
   Em suma, não se verifica os vícios de contradição insanável na fundamentação, insuficiência da matéria de facto para a decisão de direito e erro notório na apreciação da prova em relação ao crime de associação ou sociedade secreta imputado ao recorrente.
   
   
   H. Da declaração de perda dos bens a favor do Território
   Para o recorrente, ao declarar perdidos a favor do Território todos os seus bens, o acórdão recorrido procedeu ao confisco geral destes bens sem se lograr estabelecer qualquer ligação concreta entre qualquer bem ou direito do recorrente e um facto ilícito típico por si praticado. Alega que as sociedades que o recorrente detinha quotas e a exploração das salas de jogo em casino lhe advinham proventos lícitos e avultadíssimos. Sem a prova da origem ilícita dos bens apreendidos, estaria o tribunal a presumir que estes seriam vantagens derivadas da prática de crimes.
   De acordo com o decidido no acórdão do Tribunal de Segunda Instância ora recorrido, foram declarados perdidos a favor do Território (RAEM), nos termos dos art.°s 101.°, n.° 1 e 103.°, n.°s 2 e 3 do CP, todos os bens – veículos automóveis, imóveis, direitos, valores, quantias e objectos – apreendidos a todos os arguidos com excepção de G.
   Prescreve, assim, o n.°1 do art.° 101.° do CP:
   “São declarados perdidos a favor do Território os objectos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir para a prática de um facto ilícito típico, ou que por este tiverem sido produzidos, quando, pela sua natureza ou pelas circunstâncias do caso, puserem em perigo a segurança das pessoas ou a moral ou ordem públicas, ou oferecerem sério risco de ser utilizados para o cometimento de novos factos ilícitos típicos.”
   Por outro lado, o art.° 103.° do CP estatui o seguinte:
   “1. ...
   2. São também perdidos a favor do Território, sem prejuízo dos direitos do ofendido ou de terceiro de boa-fé, as coisas, direitos ou vantagens que, através do facto ilícito típico, tiverem sido directamente adquiridos, para si ou para outrem, pelos agentes.
   3. O disposto nos números anteriores aplica-se às coisas ou direitos obtidos mediante transacção ou troca com as coisas ou direitos directamente conseguidos por meio do facto ilícito típico.
   4. ...”
   
   Para a questão agora em exame, dos factos provados destacam-se especialmente os seguintes:
   Para efeitos de proceder à escuta de transmissões e comunicações das Forças Policiais de Macau, a organização 14K possuía nove transmissores-receptores, um dos quais foi apreendido ao ora recorrente e um outro num dos seus veículos apreendidos (factos provados n.° 64 a 66).
   Com as actividades ilícitas descritas nos factos provados, o recorrente A e os arguidos B; C; D; H; I; E; J e F obtinham avultados lucros, sendo os mesmos aplicados quer na aquisição de móveis e imóveis, quer na constituição de sociedades pertencentes ou a que estavam associados os arguidos (facto provado n.s 92).
   Os referidos arguidos investiam avultadas quantias na aquisição de veículos de altas cilindradas e grande valor (facto provado n.í 93 e 94).
   As quantias apreendidas ao recorrente mencionadas no facto provado n.A 97 resultavam dos proventos obtidos com a prática das actividades ilícitas referidas nos factos provados (facto provado n.r 108).
   Os objectos e importâncias apreendidas ao recorrente e referidos no facto provado n.O 78 foram uns adquiridos com os proventos obtidos das suas actividades ilícitas e outros resultavam dos lucros das mesmas (facto provado n. 109).
   O recorrente e os arguidos B; C; D; H; I; E; J e F, ao adquirirem ou constituírem as sociedades e as verbas nelas despendidas e ao procederem à aquisição de imóveis, móveis sujeitos a registo e outros móveis, foram convertendo os proventos ilicitamente obtidos em bens aparentemente lícitos (facto provado n. 110).
   O recorrente e os arguidos H e B, ao constituírem as sociedades referidas nos factos provados n.Os 98 a 103, estavam dessa forma a dissimular e ocultar a proveniência ilícita de verbas com que tais arguidos adquiriram ou constituíram tais sociedades e das importâncias que nelas iam investir (facto provado n.d 112).
   Conjugados todos os factos provados, não resta dúvida de que os transmissores-receptores apreendidos ao recorrente constituem instrumentos de crime e as importâncias e outros bens e objectos apreendidos ao recorrente resultavam ou foram adquiridos dos proventos obtidos através das actividades ilícitas praticadas pelo mesmo e que as sociedades foram constituídas com o fim de dissimular e ocultar as vantagens patrimoniais ilicitamente obtidas. Assim, declarar perdidos a favor do Território (RAEM) os apreendidos ao recorrente cabe inteiramente na previsão dos art.as 101.°, n.° 1 e 103.°, n.°s 2 e 3 do CP e tem por base a factualidade provada.
   O recorrente empregou os termos confisco e presunção da origem ilícita dos bens para distorcer a natureza da declaração de perda dos bens apreendidos. Provada a ligação entre os bens apreendidos e as actividades ilícitas praticadas, não tem qualquer fundamento sustentar que o tribunal recorrido decidisse com base na presunção da origem ilícita desses bens nem que foi procedido confisco geral dos bens do recorrente, por mais ainda não ficou provado que os bens apreendidos ao recorrente constituíam todo o seu património.
   
   Face aos expostos, o recurso interposto pelo recorrente A deve ser julgado improcedente.
   
   
   
   2.5 Recurso do arguido B
   A. Da fundamentação do acórdão
   Para o recorrente, o acórdão de primeira instância reproduziu quase integralmente os factos da acusação como factos provados, também enunciou os factos não provados. Entende que não deu cumprimento ao disposto na parte final do art.° 355.°, n.° 2 do CP, limitando-se a um mero enunciado das provas, sem que este contenha a verdadeira motivação da matéria de facto, as razões substanciais em que se fundamentou a decisão. Alega que os documentos em que se fundamentou a convicção do tribunal e no que ao recorrente diz respeito não foram examinados em audiência de julgamento. O recorrente salientou ainda que o que questiona é a motivação do tribunal na obtenção da factualidade assente.
   
   Se o recorrente manifestou bem a sua intenção, então quanto a essa questão deve-se obedecer ao disposto no art.S 355. , n., 2 do CPP.
   São elementos gerais e necessários de uma sentença penal os elementos previstos no art.t 355. do CPP. De acordo com o disposto no seu n.c 2, “ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.”
   Em relação à parte da convicção do tribunal, obedece aos requisitos do referido preceito a sentença que se limita a indicar as fontes das provas que serviram para fundamentar a convicção do julgador, sem necessidade de mencionar as razões que determinaram essa convicção ou o juízo crítico de tais provas. A lei não obriga a indicação desenvolvida dos meios de prova mas tão só a das fontes das provas, pelo que basta a indicação da prova para satisfazer a exigência legal.
   A obrigatoriedade de indicação na sentença das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, destina-se a garantir que na sentença se seguiu um processo lógico e racional na apreciação da prova, não sendo uma decisão ilógica, arbitrária, contraditória ou notoriamente violadora das regras da experiência comum na apreciação da prova.
   Não há norma processual que exige que o julgador exponha pormenorizada e completamente todo o raciocínio lógico ou indique os meios de prova que se encontra na base da sua convicção de dar como provado ou não provado um determinado facto, nem a apreciação crítica das provas em ordem a permitir a sua apreciação pelo tribunal de recurso, sem prejuízo, naturalmente, de maior desenvolvimento quando o julgador entenda fazer. À outra solução não pode chegar mesmo com o recurso ao art.p 400. do CPP relativamente aos fundamentos de recurso.
   Nos termos do art.° 114.° do CPP, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente que é insindicável pelo tribunal de recurso. Os argumentos que o recorrente alegou na sua motivação sobre a falta da fundamentação do acórdão recorrido não passa mais de apresentar a sua visão pessoal sobre a prova produzida, expondo a sua própria convicção insusceptível de sobrepor à do tribunal que é, antes, tutelada pelo princípio de livre apreciação.
   
   Alega ainda o recorrente que é necessário indicar a motivação dos juízos em matéria de facto na sentença e saltou logo para a importância da fundamentação fáctica das decisões. Ora, parece que o recorrente está a confundir duas coisas distintas. A motivação dos juízos em matéria de facto, no dizer do recorrente, significa, de facto, a razão da convicção do tribunal que é insindicável no recurso. Ao invés, a fundamentação de facto relaciona com a decisão em si constante da sentença.
   Por outro lado, a identidade entre a acusação e parte dos factos provados nunca pode conduzir à pretensão do recorrente. Esta correspondência só pode significar a prova plena dos factos acusados, objecto do julgamento no processo penal.
   
   Quanto aos documentos que motivaram a decisão do tribunal, o recorrente alega que, para além de constituir tão somente para ele movimentações contabilísticas em salas de jogo, apenas foram examinados na audiência alguns documentos de apenso, conforme a acta de audiência de 15 de Outubro de 1999 (fls. 3928).
   A primeira questão prende-se com a suficiência ou insuficiência da prova que é tutelada pelo princípio de livre apreciação do julgador e situada fora do âmbito do poder de reexame pelo tribunal de recurso. Em relação à valoração de provas prescreve o art. 336. , n., 1 do CPP: “Não valem em julgamento, nomeadamente para o efeito de formação da convicção do tribunal, quaisquer provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência.”. Interpretado bem o sentido desta norma, não significa que só podem ser valoradas as provas constantes de autos as que foram lidas em audiência de julgamento. Aqui, o que é necessário acautelar é a possibilidade de oferecer o contraditório.
   Para a prova documental essa possibilidade é sempre assegurada, até o tribunal pode conceder um prazo para a sua realização (art. 151. , n., 2 do CPP). O julgamento implica as obrigações do arguido de examinar nos termos da lei todas as provas existentes no processo, pronunciando sobre elas e mesmo apresentar contra prova em sua defesa. Assim, os documentos constantes do processo consideram-se produzidos em audiência de julgamento independentemente de nesta ser feita a respectiva leitura, desde que se trate de caso em que essa leitura não seja proibida.
   Em suma, não há falta de fundamentação invocada pelo recorrente.
   
   
   B. Do crime de violação de telecomunicação
   O recorrente entende que a matéria de facto assente constante dos factos provados n.O 64 a 67 não permite a procedência da acusação na parte respeitante a esse crime a nenhum dos arguidos, muito menos ao recorrente, que não estava na posse dos transmissores-receptores apreendidos e desconhecia em absoluto a sua existência. Argumenta que não procedeu à efectiva intromissão ou tomada de conhecimento de um conteúdo de telecomunicações, nem chegou a praticar qualquer acto de execução do crime em apreço.
   
   No entanto, não foi isso que ficou provado, antes pelo contrário. Valem aqui as considerações sobre o mesmo crime feitas quanto ao arguido A (2.4.D, p.138 do presente acórdão) para as quais se remete. A detecção e apreensão dos transmissores-receptores só a alguns arguidos é irrelevante por ter ficado comprovada a autoria da escuta de transmissões e comunicações das Forças Policiais ou de Segurança de Macau realizada pela organização 14K e pelos arguidos referidos no facto provado n. 64, neles incluído o recorrente, e todos os aparelhos apreendidos pertenciam a essa organização.
   Assim, a conduta do recorrente referida nos factos provados, nomeadamente os n.A 9, 64 a 67, 111, 113, 115 e 120, está integralmente subsumível ao crime de violação de telecomunicações previsto no art.v 188. , n., 2 do CP, não estando em causa a punição de previsão de uma conduta criminalmente ilícita ou de posse ilegal dos referidos aparelhos, nem a de tentativa do crime, mas sim, a própria consumação do crime.
   Improcede o recurso do recorrente nessa parte.
   
   
   C. Do crime de usura para o jogo
   O recorrente entende que o tribunal de primeira instância puniu uma previsão dos arguidos de efectuar empréstimos a pessoas e cobrar destas os montantes dos empréstimos acrescidos de juros muito superiores à taxa legal, sendo que o facto descrito na norma incriminadora é a efectiva facultação a uma pessoa de dinheiro ou outro meio para jogo, com intenção de alcançar um benefício patrimonial.
   
   Valem aqui as considerações sobre o mesmo crime feitas relativamente ao recurso do arguido A (2.4.E, p.139 do presente acórdão) para as quais se remete. Chama, ainda, a atenção ao facto provado n.° 33 em que ficou provado que o recorrente B é o responsável por diversos empréstimos e depósitos de juros. Conjugados os factos provados, nomeadamente os n.e 9, 26, 68, 113 a 115 e 120, o recorrente praticou efectivamente o crime de usura para jogo previsto no art.° 13.° da Lei n.° 8/96/M e não apenas previu a sua prática que só com uma visão parcial se chegaria a essa conclusão.
   Improcede o recurso do recorrente nessa parte.
   
   
   D. Do crime de associação ou sociedade secreta e da aplicação da lei penal no tempo
   Para o recorrente, foi provado que este integrou a sociedade secreta 14K em data não apurada mas anterior a 1989. Não se logrou provar qualquer facto criminoso posterior a esta data nem se o mesmo continua a pertencer àquela sociedade secreta, sendo, assim, a aplicação da Lei n.° 6/97/M para condenar o recorrente pelo crime de associação ou sociedade secreta violadora dos princípios “in dubio pro reo” e da proibição da aplicação retroactiva da lei penal.
   
   O crime de associação ou sociedade secreta (na modalidade de membro) estava previsto e punido pelo art.° 4.°, n.° 1 da Lei n.° 1/78/M e actualmente pelo art.° 2.°, n.° 2 da Lei n.° 6/97/M.
   Os factos provados relevantes para a consumação deste crime pelo recorrente são nomeadamente os seguintes:
   Há vários anos existe em Macau uma sociedade secreta denominada 14 Kilate, também conhecida por 14K, organização destinada à prática de crimes (factos provados n. 1 a 5).
   O recorrente, juntamente com alguns arguidos, passou a integrar a referida sociedade desde data não apurada mas anteriormente a 1989. A partir de 1989, o recorrente, alguns arguidos e outros indivíduos estavam entre si agrupados e criaram uma facção dentro da 14K (factos provados n. 6 a 8).
   Tal facção da 14K praticou e previa executar actos nomeadamente no âmbito do jogo ilícito e actividades com ele relacionadas, como agiotagem, usura, apostas clandestinas, extorsão e sequestro, e ainda acções de violação de telecomunicações, aquisição e detenção de armas de guerra, falsificação de documentos, detenção e tráfico de estupefacientes, ameaça, fogo posto, conversão de bens ou produtos ilícitos (factos provados n.n 9, 22, 23, 25 a 27, 52, 56, 57, 62, 64, 68, 92, 110 e 115).
   Tais acções criminosas como as referidas nos autos foram executadas por uns e queridas, conhecidas, representadas, aceites e efectuadas em nome de todos os elementos da referida facção da 14K, no seio e no interesse da qual foram deliberadas e determinadas pelos recorrente B e arguidos A; C; H; I; J e F, com o apoio dos arguidos D e E (facto provado 69, 116 e 117).
   Com as actividades ilícitas referidas nos factos provados, o recorrente e outros arguidos, com excepção do arguido G, obtinham avultados lucros, que constitui um dos seus propósitos (factos provados n. 92, 108, 109 e 114).
   A dita facção da 14K dispunha de uma contabilidade organizada com recurso a diversas expressões cifradas para ocultar os avultados lucros que mensalmente auferia e de uma banca paralela à legal em que funcionava um fundo “X” (factos provados n.s 10 a 27).
   O recorrente e os arguidos A; C; H; I; J e F, desempenhavam variadas tarefas dentro da organização 14K, sendo que os arguidos D e E apoiavam a actividade desta (factos provados n.r 28 a 36).
   O recorrente é o responsável por diversos empréstimos e depósitos de juros, estando igualmente autorizado a assinar e depositar fichas na conta da organização, constando nas contas desta como item próprio, na contabilidade geral de cada cartão (facto provado n.° 33).
   A estrutura da organização era dirigida pelo arguido A e este controlava uma série de actividades multifacetadas, a maior parte das quais se desenrolam junto ao jogo em Macau, sendo líder da referida facção da 14K (facto provado n.° 38).
   O recorrente e os arguidos A; C; H; I; J e F e outros elementos do grupo reuniam-se assiduamente na residência do arguido A para que em conjunto e concertadamente idealizavam e estabeleciam as acções a levar a efeito para concretização dos seus desígnios (facto provado n.t 51).
   O recorrente veio a ser detido em 1 de Maio de 1998 e posteriormente em 21 de Julho do mesmo ano no Aeroporto Internacional de Macau (factos provados n.os 70 e 89).
   
   De acordo com os factos dados por provados, dúvida não resta de que a organização 14K e a referida facção constituem associação ou sociedade secreta para os efeitos da Lei da Criminalidade Organizada (Lei n.D 6/97/M), pois ficou provado que a dita facção da 14K dispunha de uma estrutura hierarquizada, tendo como chefe o arguido A, destinada a obter vantagens ou benefícios através da prática de actos ilícitos e intimidação contra pessoas e agentes da autoridade pública. Para alcançar essa finalidade, o recorrente e os elementos desta facção mantinham em acordo de praticar crimes como os vêm referidos nas alíneas a) a c), h), j), l), u) e v) do n.p 1 do art. 1. da Lei n. 6/97/M. Verifica-se ainda lugar determinado para reuniões frequentes da referida facção e uma hierarquia organizada, requisitos que até não são exigidos para a existência da associação ou sociedade secreta (n.a 2, al. a) a c) do mencionado artigo).
   Em relação à qualidade de membro da organização da 14K relativo ao recorrente também ficou plenamente provada. Resulta igualmente da matéria provada que essa qualidade se mantém desde a sua integração na organização 14K em data anterior a 1989. O recorrente sustenta que o tribunal recorrido não logrou provar qualquer facto criminoso posterior a 1989. Afirmação essa só pode resulta da leitura isolada do facto provado n.° 6, fazendo tábua rasa de todos os outros factos dados por provados.
   Analisados todos os factos provados, verifica-se que o recorrente integra sempre na associação ou sociedade secreta 14K e na referida facção desta. E de acordo com o acórdão recorrido (p. 210 e 196), o estado ilícito mantém-se ininterrupta e permanentemente pelo menos até a sua primeira detenção pela Polícia Judiciária em Maio de 1998, qualidade essa que o recorrente nunca renunciou até pelo menos esta detenção. Tal como sustenta o Ministério Público na sua resposta, “está-se perante um crime permanente, em que a manutenção do estado ilícito está dependente da vontade do agente, podendo afirmar-se, assim, que o tipo de ilícito está constantemente a renovar-se enquanto o agente não fizer cessar o estado anti-jurídico causado.”.
   Então, de acordo com o disposto no art.° 3.° do CP, deve ser fixado o momento da prática do crime de associação ou sociedade secreta no vertente de membro no último momento da continuidade do estado ilícito, ou seja, pelo menos na data da sua detenção em Maio de 1998, conclusão essa situa-se dentro do limite dos factos provados, mostra-se lógica e que pudesse eventualmente beneficiar o recorrente. A lei incriminadora deste crime é sempre a Lei n.p 6/97/M que mantém em vigor até agora, pelo que não se verificam as condições da aplicação do mecanismo previsto no art./ 2. , n ., 4 do CP sobre a comparação e a consequente aplicação do regime penal mais favorável ao recorrente. Assim, embora seja um regime mais favorável ao recorrente, a Lei n.° 1/78/M nunca pode ser aplicada na condenação do recorrente no crime de associação ou sociedade secreta.
   Improcede o recurso do recorrente nessa parte.
   
   
   E. Do confisco de bens
   Para o recorrente, o confisco de instrumentos e produtos do crime exige que estes sejam em si perigosos, intrinsecamente aptos à criminalidade, o que não se verifica em relação à maioria dos objectos apreendidos no processo. Quanto às vantagens do crime, o confisco exige a prova de que os bens representam efectivamente lucros resultantes da prática de crimes, não sendo admissíveis presunções nesta matéria. Na ausência de prova, os bens apreendidos não podem ser confiscados.
   
   Seguimos as mesmas considerações feitas ao mesmo tema no recurso do arguido A (2.4.H, p.157 do presente acórdão) para as quais se remete, com especial destaque para os factos provados n.° 77, 92 a 94, 96, 97, 103, 108 a 110 e 112. Assim, deve ser julgado improcedente o recurso do ora recorrente nessa parte, uma vez que as importâncias e os outros bens e objectos apreendidos ao recorrente resultavam ou foram adquiridos dos proventos obtidos através das actividades ilícitas praticadas pelo mesmo e que a sociedade foi constituída com o fim de dissimular e ocultar as vantagens patrimoniais ilicitamente obtidas.
   O recorrente alega ainda que o tribunal recorrido decretou um confisco geral, pois todo o património dos arguidos é, sem excepção, confiscado. Também aqui o recorrente não tem razão, já que não ficou provado que todos os apreendidos relativos ao ora recorrente constituíam todo o seu património e a declaração do seu perdimento tem perfeitamente o fundamento legal previsto no art.. 103. , n.,s 2 e 3 do CP.
   Improcede, assim, o recurso do recorrente nessa parte.
   
   
   F. Do crime de conversão de bens ou produtos ilícitos
   O recorrente entende que não se provou a concreta origem ilícita dos bens apreendidos. Sem saber o crime precedente, que não é o de associação secreta por ser crime de perigo abstracto, não gerando lucros por si só, não há lucros ilícitos para efeitos do crime de branqueamento de capitais. Não ficou provada qualquer conduta especificamente dirigida a ocultar ou dissimular a origem dos bens, não há fundamento para condenar o recorrente pela prática deste crime. Finalmente, não é possível a punição do mesmo agente, em concurso efectivo pela prática da um crime gerador de lucros e pelo branqueamento desses mesmos lucros. É uma relação de concurso aparente dado que se trata de violação do mesmo bem jurídico pelo mesmo agente. Estas posições têm as reflexões no parecer juntado pelo recorrente aquando da interposição do primeiro recurso.
   
   Para condenar o recorrente no crime de conversão de bens ou produtos ilícitos previsto no art.o 10. , n., 1, al. a) da Lei n. 6/97/M, o tribunal recorrido considerou os crimes praticados pelo recorrente, nomeadamente o de usura para jogo e o mais grave, o de associação ou sociedade secreta.
   Na realidade, dos factos provados, designadamente os n.rs 77, 92 a 97, 103, 108 a 110, 112, 113, 115, 119 e 120, resulta claramente que o ora recorrente B e os arguidos A; C; D; H; I; E; J e F, com os avultados lucros obtidos da prática dos actos ilícitos constantes da matéria provada, adquiriram ou constituíram sociedades e compraram imóveis, móveis sujeitos a registo e outros móveis. Foram assim convertendo as vantagens patrimoniais obtidas através da prática de actos ilícitos em bens aparentemente lícitos que entraram no circuito comercial normal como se tratassem de proventos licitamente obtidos.
   Ficaram claramente provadas a origem ilícita dos objectos e bens apreendidos ao recorrente e a conversão dos mesmos em bens aparentemente lícitos de modo a ocultar a sua origem ilícita.
   Em relação à questão de crime precedente levantada pelo recorrente, este entende que o crime de associação ou sociedade secreta, por ter a natureza de crime de perigo, não pode ser levado em consideração para condenar o recorrente pela prática do crime de conversão. O recorrente não tem razão por estar a confundir a consumação de um crime, porventura com elemento típico de integração de vantagens patrimoniais na esfera do agente, e a consequência da prática de um determinado crime. O objecto do crime de conversão é bens ou produtos resultados da prática de crime. Para se verificar o crime de conversão, a lei não exige que o crime donde resulta os bens convertidos seja abstractamente capaz de gerar vantagens ou riqueza, sob pena de limitar injustificadamente o âmbito da protecção da ordem social, económica e financeira. Os bens ou produtos tornam-se relevantes para o crime de conversão logo que sejam resultados da prática de crime. Importa-se saber a origem ilícita dos bens ou produtos convertidos, independentemente da natureza do crime de que estes resultam.
   Também desprovida de qualquer fundamento a afirmação do recorrente sobre a impossibilidade da punição do mesmo agente em concurso efectivo pela prática de um crime gerador de lucros e pelo crime de conversão dos mesmos lucros. Esta afirmação, além de não ter qualquer apoio na letra do art.e 10. da Lei n. 6/97/M, pode tirar todo o efeito útil ao crime de conversão, pois basta que o agente do crime que dá origem aos bens ou produtos ilícitos procede, por si próprio, a conversão, transferência ou dissimulação destes para furtar a incriminação do crime, o que é manifestamente fora do espírito da lei. O bem jurídico protegido pelo crime de conversão, transferência ou dissimulação de bens ou produtos ilícitos não é a pretensão estadual de confiscar as vantagens do crime, mas sim a ordem social, económica e financeira e a confiança dos cidadãos na idoneidade dos procedimentos na economia e estruturas financeiras. É perfeitamente possível a punição do mesmo agente pela prática de um crime gerador de bens ou produtos ilícitos e, em concurso efectivo, pela prática do crime de conversão, transferência ou dissimulação de bens ou produtos ilícitos.
   
   Pela análise acima feita, é de julgar improcedente o recurso interposto pelo recorrente B.
   
   
   
   2.6 Recurso da arguida C
   A. Do crime de violação de telecomunicações
   Entende a recorrente que no acórdão recorrido se apurou somente que ela e os demais arguidos apenas previam proceder à escuta de transmissões e comunicações das forças policiais ou de segurança do Território, para além de terem sido apreendidos (que não à recorrente) os aparelhos transmissores-receptores, não se tendo podido alcançar que alguma vez a recorrente e os demais arguidos tivessem chegado, de facto, a intrometer-se no conteúdo de quaisquer telecomunicações ou deles terem tomado conhecimento. Imputa o erro na aplicação de direito por violação das normas contidas no art.a 188. , n., 2 do CP.
   
   Valem aqui as considerações feitas na apreciação do recurso do arguido A sobre o mesmo crime (2.4.D, p.138 do presente acórdão) para as quais se remete. De acordo com os factos provados, nomeadamente os n.ós 9, 64 a 67, 111, 113, 115 e 120, a organização 14K possuía aparelhos aptos a interceptar as telecomunicações policiais. Ficou ainda provado que os arguidos referidos no facto provado n.l 64, incluindo a recorrente, não só previam proceder à escuta de comunicações das polícias de Macau, mas também a efectiva prática destes actos de tomada de conhecimento do conteúdo de telecomunicações das forças policiais de Macau, para melhor se furtarem à acção policial e da justiça. A recorrente praticou efectivamente o crime de violação de telecomunicações previsto no art.° 188.°, n.° 2 do CP. Portanto, não está em causa a punição da mera previsão da prática de crimes, mas sim, a consumação do próprio crime de violação de telecomunicações, sendo irrelevante a não punição de actos preparatórios ou tentativa deste crime.
   Não há erro de aplicação de direito por violação do art.a 188. , n., 2 do CP e improcede o recurso da recorrente nesta parte.
   
   
   B. Do crime de usura para jogo
   A recorrente alega que se provou apenas a previsão de efectuar empréstimos de dinheiro para jogo de fortuna ou azar, sem que nunca se tivesse conseguido provar qualquer operação material de empréstimo, nem identificar a pessoa de qualquer eventual mutuário dos empréstimos e ao condenar a recorrente como co-autora material na forma consumada do crime de usura para jogo, o acórdão recorrido violou o princípio da legalidade e os art.us 13.s e 15. da Lei n. 8/96/M e eventualmente também com o art./ 21. , n., 1 e 2 do CP.
   
   Sobre a questão, valem também aqui as considerações feitas na apreciação do recurso do arguido A em relação ao mesmo crime (2.4.E, p.139 do presente acórdão) para as quais se remete. Portanto, resulta dos factos provados, sobretudo os n.°s 9, 26, 68, 113 a 115 e 120, que a recorrente e os outros arguidos, nomeadamente A; B; H; I; J e F previam efectuar, e realmente efectuou, empréstimos de dinheiros, no âmbito dos jogos de fortuna ou azar, em moeda de Macau ou estrangeira ou em valores convencionais que as representam, a pessoas e cobrar destas o montante dos empréstimos, acrescidos de juros elevados muito superiores à taxa legal, com o propósito concretizado de adquirirem vantagens económicas que sabiam ser ilegítimas e alheias, integrando-as nas suas esferas patrimoniais.
   Assim, as condutas da recorrente estão integradas no crime de usura para jogo previsto e punido pelos art.As 13.3 e 15. da Lei n. 8/96/M, sendo irrelevante a averiguação da prática dos actos de tentativa deste crime. Não há violação do princípio da legalidade ou dos referidos dois artigos.
   Improcede o recurso da recorrente nessa parte.
   
   
   C. Do crime de conversão de bens ou produtos ilícitos
   A recorrente considera o crime em causa como um crime de conexão que pressupõe o cometimento de outro crime precedente. Entende que o tribunal recorrido não poderia dar como provada a verificação do crime quando se não logrou aferir qual ou quais actividades criminosas que terão estado na origem da sua obtenção, não tendo sido sequer possível conexioná-los à prática de qualquer dos crimes por que a recorrente veio a ser condenada e violou, assim, o princípio da legalidade e as normas contidas no art.n 10. , n.,s 1, al. a) e b) e 3 da Lei n.s 6/97/M.
   
   Para condenar a recorrente no crime de conversão de bens ou produtos ilícitos previsto no art.P 10. , n., 1, al. a) da Lei n. 6/97/M, o tribunal recorrido considerou os crimes praticados pela recorrente, nomeadamente o de usura para jogo e o mais grave, o de associação ou sociedade secreta cuja natureza nada impede que seja considerado como crime que da sua prática resultam os bens ou produtos ilícitos.
   Na realidade, dos factos provados, designadamente os n.a 92, 93, 97, 108, 110, 113, 115, 119 e 120, resulta claramente que a ora recorrente C e os arguidos A; B; D; H; I; E; J e F, com os avultados lucros obtidos da prática dos actos ilícitos constantes da matéria provada, adquiriram ou constituíram sociedades e compraram imóveis, móveis sujeitos a registo e outros móveis. Foram assim convertendo as vantagens patrimoniais obtidas através da prática de actos ilícitos em bens aparentemente lícitos que entraram no circuito comercial normal como se tratassem de proventos licitamente obtidos.
   Ficaram claramente provadas a origem ilícita dos bens apreendidos à recorrente e a conversão dos mesmos em bens aparentemente lícitos de modo a ocultar a sua origem ilícita que conduz à condenação da recorrente pela prática do crime de conversão de bens ou produtos ilícitos previsto no art.c 10. , n., 1, al. a) da Lei n. 6/97/M, que absorve o crime previsto na al. b) do mesmo artigo.
   
   A recorrente entende ainda que, aplicando a moldura penal prevista na al. b) do n. 1 do art. 10. da Lei n. 6/97/M como veio defendido pelo tribunal recorrido, deve ser aplicada a pena mínima de prisão aí cominada, ou seja, não superior a dois anos.
   Em primeira instância, a recorrente foi condenada pela prática do crime de conversão, transferência ou dissimulação de bens ou produtos ilícitos previsto e punido pelo art.d 10. , n., 1, al.s a) e b) da Lei n. 6/97/M na pena de cinco anos de prisão e noventa dias de multa à taxa diária de mil patacas.
   No acórdão ora recorrido, o Tribunal de Segunda Instância, ao reponderar a medida concreta das penas, orientou-se pelos critérios dos art.,s 64.s, 65.,, 40., e 71. do CP e em função da culpa dos agentes, das exigências de prevenção criminal especial e geral e de todas as circunstâncias apuradas no acórdão de primeira instância. No que diz respeito ao crime de conversão de bens ou produtos ilícitos previsto no art.t 10. , n., 1, al. a) da Lei n. 6/97/M e praticado efectivamente pela recorrente, o tribunal recorrido aplicou a moldura penal prevista na al. b) do referido artigo para o crime de ocultação ou dissimulação de bens ou produtos ilícitos que é menos grave por considerar que os arguidos recorrentes não poderem ser prejudicados por uma ambiguidade constante do acórdão de primeira instância sobre a condenação pela prática do crime de conversão, transferência ou dissimulação de bens ou produtos ilícitos previsto e punido pelo art.m 10. , n., 1, al. a) e b) da Lei n. 6/97/M
   Neste contexto, o tribunal recorrido entende que devia aplicar à recorrente pela prática de um crime de conversão de bens ou produtos ilícitos previsto no art. 10. , n., 1, al. a) da Lei n. 6/97/M na pena de cinco anos de prisão e cento e trinta e cinco dias de multa à taxa diária de mil patacas. No entanto, por princípio da proibição de reformatio in pejus, foi mantida a pena mais leve fixada no acórdão de primeira instância, ou seja, na pena de cinco anos de prisão e noventa dias de multa à taxa diária de mil patacas.
   Além de a recorrente não ter fundamentado o seu pedido de redução da pena parcelar aplicada ao crime em causa, afigura-se a pena fixada no acórdão recorrido equilibrada, pelo que deve ser mantida.
   Improcede o recurso da recorrente nessa parte.
   
   
   D. Do crime de associação ou sociedade secreta (fazendo parte dela)
   A recorrente entende que os factos provados que levaram a sua condenação pelo crime de pertença a associação ou sociedade secreta consubstanciariam a integração da mesma na sociedade secreta 14K e onde viria a criar uma facção que previram levar a cabo as actividades referidas no facto provado n.° 9 e chegando a reunir-se por diversas vezes na residência do arguido A, omitindo porém elementos factuais minimamente concretizados para poderem servir de base válida à verificação do crime, violando assim “o princípio da legalidade e as normas contidas no art.° 2.°, n.° 3, com referência ao art.° 1.°, n.° 2, al. a), b), c), h), j), l), u) e v) da Lei n.° 6/97/M”.
   
   O crime de associação ou sociedade secreta (na modalidade de membro) é previsto e punido pelo art.° 2.°, n.° 2 da Lei n.° 6/97/M.
   Os factos provados relevantes para examinar a prática deste crime pela recorrente são nomeadamente os seguintes:
   Há vários anos existe em Macau uma sociedade secreta denominada 14 Kilate, também conhecida por 14K, organização destinada à prática de crimes (factos provados n.r 1 a 5).
   A recorrente, juntamente com alguns arguidos, passou a integrar a referida sociedade desde data não apurada mas anteriormente a 1989. A partir de 1989, a recorrente, alguns arguidos e outros indivíduos estavam entre si agrupados e criaram uma facção dentro da 14K (factos provados n.d 6 a 8).
   Tal facção da 14K praticou e previa executar actos nomeadamente no âmbito do jogo ilícito e actividades com ele relacionadas, como agiotagem, usura, apostas clandestinas, extorsão e sequestro, e ainda acções de violação de telecomunicações, aquisição e detenção de armas de guerra, falsificação de documentos, detenção e tráfico de estupefacientes, ameaça, fogo posto, conversão de bens ou produtos ilícitos (factos provados n.s 9, 22, 23, 25 a 27, 52, 56, 57, 62, 64, 68, 92, 110 e 115).
   Tais acções criminosas como as referidas nos autos foram executadas por uns e queridas, conhecidas, representadas, aceites e efectuadas em nome de todos os elementos da referida facção da 14K, no seio e no interesse da qual foram deliberadas e determinadas pela recorrente C e arguidos A; B; H; I; J e F, com o apoio dos arguidos D e E (facto provado 69, 116 e 117).
   Com as actividades ilícitas referidas nos factos provados, a recorrente e outros arguidos, com excepção do arguido G, obtinham avultados lucros, que constitui um dos seus propósitos (factos provados n. 92, 108, 109 e 114).
   A dita facção da 14K dispunha de uma contabilidade organizada, de que a recorrente era gestora, com recurso a diversas expressões cifradas para ocultar os avultados lucros que mensalmente auferia e de uma banca paralela à legal em que funcionava um fundo “X” (factos provados n.a 10 a 27 e 29).
   A recorrente e os arguidos A; B; H; I; J e F, desempenhavam variadas tarefas dentro da organização 14K, sendo que os arguidos D e E apoiavam a actividade desta (factos provados n.d 28 a 36).
   A estrutura da organização era dirigida pelo arguido A e este controlava uma série de actividades multifacetadas, a maior parte das quais se desenrolam junto ao jogo em Macau, sendo líder da referida facção da 14K (facto provado n.° 38).
   A recorrente e os arguidos A; B; H; I; J e F e outros elementos do grupo reuniam-se assiduamente na residência do arguido A para que em conjunto e concertadamente idealizavam e estabeleciam as acções a levar a efeito para concretização dos seus desígnios (facto provado n.q 51).
   
   A recorrente pretendia pôr em causa os factos provados por discordar com a respectiva prova produzida. Trata-se de matéria sobre a suficiência ou insuficiência da prova que está ligada ao princípio da livre apreciação da prova, insindicável pelo tribunal de recurso.
   Analisados os factos dados por provados, conclui-se sem dúvida de que a organização 14K e a referida facção constituem associação ou sociedade secreta para os efeitos da Lei da Criminalidade Organizada (Lei n.f 6/97/M), pois ficou provado que a dita facção da 14K dispunha de uma estrutura hierarquizada, tendo como chefe o arguido A, destinada a obter vantagens ou benefícios através da prática de actos ilícitos e intimidação contra pessoas e agentes da autoridade pública. Para alcançar essa finalidade, a recorrente e os elementos desta facção mantinham em acordo de praticar crimes como os vêm referidos nas alíneas a) a c), h), j), l), u) e v) do n.o 1 do art. 1. da Lei n. 6/97/M. Verifica-se ainda lugar determinado para reuniões frequentes da referida facção e uma hierarquia organizada, requisitos que até não são exigidos para a existência da associação ou sociedade secreta (n.i 2, al. a) a c) do mencionado artigo).
   Por outro lado, ficou provado que a recorrente estava integrada na organização 14K e numa facção desta pelo menos desde 1989. Verifica-se ainda que a recorrente e alguns arguidos estavam agrupados e actuaram em comum acordo, em nome e no interesse da referida facção da organização 14K, praticando os actos criminalmente ilícitos referidos nos factos provados, nomeadamente os crimes de violação de telecomunicações, de usura para jogo e de conversão de bens ou produtos ilícitos.
   Portanto, não há violação do princípio da legalidade e as condutas da recorrente estão perfeitamente integradas no crime de associação ou sociedade secreta (fazendo parte dela) previsto e punido pelo art.° 2.°, n.° 2 da Lei n.° 6/97/M com referência ao seu art.° 1.°, n.° 1, al.s a) a c), h), j), l), u) e v).
   
   Por este crime a recorrente foi condenada no acórdão recorrido na pena de sete anos de prisão.
   A recorrente considera esta pena excessiva quando comparada com a de cinco anos de prisão que coube aos arguidos D e E, como apoiantes, esta sim, justa e equilibrada por o legislador não só não distinguir as figuras de membro e apoiante para efeitos de cominação penal, como também face à intensidade de dolo francamente diminuída por não verificação dos outros três crimes, deve ser aplicada a pena de cinco anos de prisão por ser mais consentânea com o grau de culpa, o teor do relatório social e os fins de prevenção geral e especial, sob pena de violação do art.° 65.°, n.°s 1 e 2 do CP.
   
   A recorrente foi condenada no acórdão de primeira instância pela prática de um crime de associação ou sociedade secreta na pena de sete anos de prisão.
   O tribunal recorrido considera, além dos elementos acima referidos a propósito do crime de conversão, as elevadas exigências de prevenção geral dado a natureza do crime de associação ou sociedade secreta cujo cometimento afronta directa e geralmente a ordem e a tranquilidade públicas. Foram fixadas as penas parcelares sobre o crime em causa mais baixas para os arguidos D e E por ser apoiantes da associação ou sociedade secreta, isto é, os dois arguidos tinham um papel mais diminuído no seio da mesma em comparação com os outros arguidos membros.
   Assim, o tribunal recorrido entende que devia aplicar a pena de sete anos e seis meses de prisão. No entanto, por princípio da proibição de reformatio in pejus, foi mantida a pena parcelar de sete anos de prisão fixada no acórdão de primeira instância.
   O argumento da recorrente de redução desta pena parcelar não convence. Em primeiro lugar, não se verifica a diminuição da intensidade do dolo da recorrente uma vez que se lhe imputa a prática dos crimes de violação de telecomunicações, de usura para jogo e de conversão de bens ou produtos ilícitos. Em segundo lugar, é irrelevante a afirmação de que a lei não distingue as figuras de membro e apoiante para efeitos de condenação pelo crime de associação ou sociedade secreta. De facto, o art. 2. , n., 2 da Lei n. 6/97/M não estabelece moldura penal diferente para as duas figuras. No entanto, não é menos certo que membro e apoiante de uma associação ou sociedade secreta implica uma participação de nível diferente e a determinação concreta da pena deve seguir-se os critérios fixados no art.a 65. do CP, ou seja, o grau da culpa e as exigências de prevenção criminal. Não faz sentido equiparar logo na partida a punição de membro e apoiante.
   Considerando todas as circunstâncias apuradas, especialmente o papel da recorrente que tinha na facção da organização 14K, entendemos que a pena parcelar fixada pelo tribunal recorrido sobre o crime em causa é equilibrada e deve ser mantida.
   
   Face ao exposto, o recurso da recorrente C deve ser julgado improcedente.
   
   
   
   2.7 Recurso da arguida D
   A. Falsidade da acta
   A recorrente alega que requereu tempestivamente a documentação da audiência e declarou dela não prescindir e o requerimento foi deferido por despacho transitado. Nunca declarou prescindir da documentação da audiência. Foi praticada uma irregularidade. A acta da audiência é falsa. Foi violado o art.a 343. do CPP que consubstancia uma nulidade.
   
   Resulta dos autos o seguinte: Logo na primeira sessão de audiência de julgamento realizada em 11 de Outubro de 1999 e já depois de perguntar aos arguidos sobre a identidade e antecedentes criminais e interrogado o primeiro arguido A, foi proferido o seguinte despacho:
   “Pelo ilustre advogado do arguido H, Dr. Almeida Ferreira, foi requerido o registo da prova a ser produzida em audiência de julgamento.
   No entanto por razões alheias directamente a este Colectivo, tal não ocorreu.
   Pelo que o Exm° advogado renunciou aquele seu requerimento, não pretendendo assim a documentação da audiência e aceitando toda a prova entretanto produzida.”
   De acordo com a acta desta sessão de audiência, “O despacho acabado de proferir, foi logo devidamente notificado aos presentes que disseram bem cientes.” Entre os presentes estavam a ora recorrente e o seu defensor constituído Y.
   Na segunda sessão de audiência realizada em 13 de Outubro de 1999, a recorrente prestou declarações no âmbito da produção de provas de declarações do arguido ao abrigo do art.° 324.° do CPP.
   Da acta da sexta sessão de audiência realizada em 22 de Outubro de 1999, já no meio da inquirição da 16ª testemunha da acusação, consta que: “Neste momento, pelo ilustre advogado, Dr. Alberto Pablo, foi referido que em tempo oportuno requereu a fls. 2956 a que se procedesse ao registo da prova, conforme o disposto no CPP e só pelas 10:25 horas do dia de hoje, tomou conhecimento que este douto tribunal não estava a registar a prova produzida nos termos do requerido. Reitera que não prescinde dessa documentação.”
   Sobre este requerimento recai o seguinte despacho:
   “1. A não documentação da audiência nos termos do disposto no art.° 345.° do CPP trata-se de mera irregularidade e como tal sanada nos termos do art.° 110.° do CPP.
   2. A tratar-se de nulidade, o que o Tribunal afasta, regista-se que foi pelo despacho de fls. 3896, perguntado ‘explicitamente’ se algum dos Srs. Advogados se opunha à desistência da requerida documentação da audiência formulada oportunamente pelo arguido H. Pelo menos naquele momento todos tomaram conhecimento de que não estava a decorrer a documentação da audiência nem tal iria suceder pelo que ainda neste caso considera-se sanada qualquer nulidade.
   Pelo que, o julgamento prosseguirá tal como vem ocorrendo, sem documentação dos autos da audiência, nos termos do disposto no art.° 345.° do CPP.”
   A recorrente interpôs recurso deste despacho e declarou que “a 4ª arguida (a recorrente) requereu em tempo a documentação desta audiência. Nunca em momento algum renunciou a esse direito, requer que se comece imediatamente a documentar a prova a produzir.”
   O presidente de tribunal colectivo proferiu o despacho: “Tal requerimento na esteira do que ficou atrás descrito no anterior despacho e nos termos do disposto no art.° 345.°, n.° 2 do CPP, indefere-se o requerido por intempestivo.”
   A recorrente interpôs também recurso sobre este último despacho.
   
   A recorrente afirma na sua motivação do recurso que a acta da audiência é falsa e que foi violado o disposto no art.° 343.° do CPP que consubstancia uma nulidade.
   A recorrente não indicou em que termos a acta de audiência é falsa, quais os elementos são falsos ou não correspondem ao que efectivamente passou na audiência, nem a data, nem despacho ou requerimento, nem eventualmente a omissão do que devia legalmente nela constar. Pelo contrário, os passos de várias actas de audiência acima transcritos não divergem do que alega pela recorrente. Assim, não é difícil de perceber que no acórdão recorrido se decide, e bem, que “não se divisa nenhuma falsidade da acta.” Solução diferente não pode ser encontrada. Simplesmente, não foi dada razão ao requerimento posterior da recorrente da documentação da audiência. O não acolhimento da posição da recorrente não conduz nunca à falsidade da acta.
   Por outro lado, a violação do disposto no art.° 343.° do CPP sobre os elementos a constar da acta constitui apenas uma irregularidade e não uma nulidade (art.° 105.°, n.° 1 e 2 do CPP). O mesmo acontece com a documentação da audiência regulada no art.° 345.° do CPP. No despacho de 11 de Outubro de 1999 o tribunal já pronunciou sobre a não documentação da audiência e a recorrente e o seu defensor constituído ficaram bem cientes desta decisão. Uma irregularidade deve ser arguida no próprio acto quando o interessado estiver presente (art.° 110.°, n.° 1 do CPP). A recorrente não recorreu nessa sessão de audiência, a irregularidade, a existir, ficou sanada. Decidida a questão sobre a eventual irregularidade, a recorrente veio logo requerer mais uma vez a documentação da audiência, mas já na sexta sessão da audiência que já foram ouvidos todos os arguidos e uma série de testemunhas de acusação. Naturalmente o seu pedido foi indeferido por a documentação da audiência deve ser requerida até ao início das declarações do arguido (art.° 345.°, n.° 2 do CPP).
   Portanto, não há falsidade da acta ou violação do art.° 343.° do CPP nem nulidade por causa disso. Improcede o recurso da recorrente nessa parte.
   
   
   B. A prova testemunhal e o erro notório na apreciação da prova
   Em relação à prova testemunhal, a recorrente entende que a prova produzida resumiu-se a meros rumores públicos e a informações, algumas vezes contraditórias entre si, alegadamente prestadas aos agentes policiais que depuseram. Estes não estavam porém em condições de revelar as suas fontes, pelo que tais depoimentos não têm qualquer valor.
   No entanto, a questão suscitada não resulta dos elementos dos autos, uma vez que não houve documentação das declarações prestadas oralmente em audiência, e trata-se de matéria de facto, ao tribunal de recurso está vedado a apreciar esta questão.
   
   A recorrente alega ainda que existe o vício de erro notório na apreciação da prova, já que os factos dados por provados estão em desconformidade, dado que se retiraram de factos tidos como provados conclusões logicamente inaceitáveis e este vício tem que resultar do próprio texto da decisão recorrida.
   É certo o que a recorrente entende, em teoria, sobre o vício. Mas depois de percorrer toda a motivação do recurso, não se encontra identificado o vício em termos concretos. Alega que “este vício, tal como os outros vícios alegados neste recurso tem de resultar, e resulta realmente – cfr. fls. 22, 28, 29 e 30 do Ac. ora recorrido – dos próprios elementos constantes da decisão recorrida, por si só ou com apelo às regras da experiência comum …”. Não se sabe a razão da remissão para estas folhas do acórdão recorrido que são da parte do relatório deste relacionadas com as conclusões das motivações de outros arguidos. Fora disso, não se mostra especificado na sua motivação em que termos ocorreu o vício. De qualquer modo, não se verifica erro notório na apreciação da prova no acórdão recorrido.
   O recurso da recorrente deve ser julgado improcedente nessa parte.
   
   
   C. Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada
   A recorrente alega que não há factos provados suficientes para se considerar a mesma autora dos crimes de associação ou sociedade secreta (apoiando-a) e de conversão de bens ou produtos ilícitos. Desconhece-se em que se traduziu o apoio à associação secreta 14K. Tal significa que os acórdãos de primeira e segunda instâncias não se mostram minimamente fundamentados, o que consubstancia a nulidade prevista na al. a) do art.° 360.° do CPP. O facto n.° 34 da acusação não é suficiente para condenar a recorrente por crime de associação ou sociedade secreta.
   
   A recorrente, ao afirmar que não ficaram minimamente provados os factos em que se fundamenta a condenação ou a matéria ficou por provar, não é mais do que apresentar a sua visão pessoal sobre a prova produzida, manifestando a sua discordância sobre a convicção do tribunal, confunde constantemente a insuficiência da matéria de facto provada com a insuficiência da prova. Esta última questão está sujeita ao princípio de livre apreciação do julgador, insindicável pelo tribunal de recurso. Não se deve confundir uma discordância sobre o conteúdo do julgamento de facto com qualquer dos vícios previstos no art. 400. , n., 2 do CPP.
   A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada verifica-se quando a matéria de facto provada se apresenta insuficiente, incompleta para a decisão proferida por se haver lacuna no apuramento da matéria de facto necessária para uma decisão de direito adequada.
   No acórdão recorrido, a recorrente foi condenada pela prática de um crime de associação ou sociedade secreta (apoiando-a) previsto e punido pelo art.N 2. , n., 2 da Lei n. 6/97/M com referência ao seu art./ 1. , n., 1, al.s a) a c), h), j), l), u) e v).
   Dos factos provados destacam-se nomeadamente os seguintes:
   Há vários anos existe em Macau uma sociedade secreta denominada 14 Kilate, também conhecida por 14K, organização destinada à prática de crimes (factos provados n.H 1 a 5).
   Desde os fins de 1989, os arguidos A; B; C; H; I; J e F e outros indivíduos criaram uma facção dentro da sociedade secreta 14K, sendo que desde aquela data a ora recorrente D e o arguido E apoiaram a referida organização da forma descrita infra (facto provado n. 8).
   Tal facção da 14K praticou e previa executar actos nomeadamente no âmbito do jogo ilícito e actividades com ele relacionadas, como agiotagem, usura, apostas clandestinas, extorsão e sequestro, e ainda acções de violação de telecomunicações, aquisição e detenção de armas de guerra, falsificação de documentos, detenção e tráfico de estupefacientes, ameaça, fogo posto, conversão de bens ou produtos ilícitos (factos provados n., 9, 22, 23, 25 a 27, 52, 56, 57, 62, 64, 68, 92, 110 e 115).
   Tais acções criminosas como as referidas nos autos foram executadas por uns e queridas, conhecidas, representadas, aceites e efectuadas em nome de todos os elementos da referida facção da 14K, no seio e no interesse da qual foram deliberadas e determinadas pelos arguidos A; B; C; H; I; J e F, sendo as respeitantes à ora recorrente D e ao arguido E apenas as acima descritas e na qualidade de apoiantes (facto provado 69, 116 e 117).
   Com as actividades ilícitas referidas nos factos provados, a recorrente e outros arguidos, com excepção do arguido G, obtinham avultados lucros, que constitui um dos seus propósitos (factos provados n. 92, 108, 109 e 114).
   A dita facção da 14K dispunha de uma contabilidade organizada com recurso a diversas expressões cifradas para ocultar os avultados lucros que mensalmente auferia e de uma banca paralela à legal em que funcionava um fundo “X” (factos provados n.a 10 a 27).
   Dentro da organização 14K e no superior interesse desta, os arguidos A; B; C; H; I; J e F desempenhavam variadas tarefas, sendo que a ora recorrente D e o arguido E apoiavam a actividade daquela (factos provados n.r 28 a 36).
   A recorrente aparece na actividade de apoiante da actividade da organização 14K como financiadora de empréstimos de avultados montantes ao arguido A, recebendo comissões de fichas especiais da sala [Endereço(2)] (facto provado n.o 34).
   A estrutura da organização era dirigida pelo arguido A e este controlava uma série de actividades multifacetadas, a maior parte das quais se desenrolam junto ao jogo em Macau, sendo líder da referida facção da 14K (facto provado n.° 38).
   Os arguidos A; B; C; H; I; J e F e outros elementos do grupo reuniam-se assiduamente na residência do arguido A para que em conjunto e concertadamente idealizavam e estabeleciam as acções a levar a efeito para concretização dos seus desígnios (facto provado n.ç 51).
   
   De acordo com os factos dados por provados, dúvida não resta de que a organização 14K e a referida facção constituem associação ou sociedade secreta para os efeitos da Lei da Criminalidade Organizada (Lei n. 6/97/M), pois ficou provado que a dita facção da 14K dispunha de uma estrutura hierarquizada, tendo como chefe o arguido A, destinada a obter vantagens ou benefícios através da prática de actos ilícitos e intimidação contra pessoas e agentes da autoridade pública. Para alcançar essa finalidade, os elementos desta facção mantinham em acordo de praticar crimes como os vêm referidos nas alíneas a) a c), h), j), l), u) e v) do n.o 1 do art. 1. da Lei n. 6/97/M. Verifica-se ainda lugar determinado para reuniões frequentes da referida facção e uma hierarquia organizada, requisitos que não são exigidos para a existência da associação ou sociedade secreta (n.s 2, al. a) a c) do mencionado artigo).
   Dos factos provados, considerados no seu conjunto e não apenas o facto provado n.r 34, resulta com clareza que, a partir dos finais de 1989, a recorrente, sem estar integrada na associação ou sociedade secreta 14K ou na referida facção, tinha prestado apoio às diversas actividades criminosas da organização, especialmente por meio de empréstimos e conversão dos proventos ilícitos obtidos, recebendo comissões de fichas especiais da sala [Endereço(2)] e obtendo avultados lucros. Tais actividades foram executadas por acordo dos arguidos membros da organização 14K e em nome e no interesse desta com o apoio da recorrente e do arguido E. Financiar os empréstimos de grandes montantes ao arguido A constituía apenas uma das formas que a recorrente apoiavam as actividades da organização 14K.
   As suas condutas estão perfeitamente integradas no crime de associação ou sociedade secreta, na modalidade de apoiante, previsto e punido pelo art.u 2. , n., 2 da Lei n. 6/97/M.
   
   Em relação ao crime de conversão de bens ou produtos ilícitos, a recorrente não fundamentou a sua posição de considerar insuficientes os factos provados para condenar a recorrente por este crime.
   Dos factos provados, designadamente os n.D 92, 93, 97, 108, 110, 113, 115, 119 e 120, resulta claramente que a recorrente D e os arguidos A; B; C; H; I; E; J e F, com os avultados lucros obtidos da prática dos actos ilícitos constantes da matéria provada, adquiriram ou constituíram sociedades e compraram imóveis, móveis sujeitos a registo e outros móveis. Foram assim convertendo as vantagens patrimoniais obtidas através da prática de actos ilícitos em bens aparentemente lícitos que entraram no circuito comercial normal como se tratassem de proventos licitamente obtidos.
   Ficaram claramente provadas a origem ilícita dos bens apreendidos à recorrente e a conversão dos mesmos em bens aparentemente lícitos de modo a ocultar a sua origem ilícita que conduz à condenação da recorrente pela prática do crime de conversão previsto no art.n 10. , n., 1, al. a) da Lei n. 6/97/M.
   
   Assim, não há insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e fica improcedente o recurso da recorrente sobre esta questão.
   
   
   D. Fundamentação do acórdão recorrido
   A recorrente alega ainda que os acórdãos das instâncias não se mostram devidamente fundamentados. O tribunal recorrido não apreciou toda a matéria que lhe foi submetida, remetendo para o que já tinha decidido em relação a um co-recorrente, e que se traduz na violação ao disposto no n. 2 do art. 355. , consubstanciando a nulidade prevista na al. a) do art., 360.. do CPP.
   Quanto a esta questão, é nítida a falta da razão da recorrente. O art.Q 355. , n., 2 do CPP exige que uma sentença deve conter a fundamentação, o que foi perfeitamente cumprido pelo tribunal recorrido. Simplesmente, por arrumação lógica do acórdão recorrido e a similitude das questões levantadas pelos arguidos recorrentes, o tribunal recorrido optou por remeter parte da fundamentação para passo anterior do mesmo acórdão em que se tratava a mesma questão, sem a repetir nos termos precisamente idênticos. Aliás, este é também o método seguido no presente acórdão. Isso é completamente diferente da falta de fundamentação. A nulidade apontada não existe.
   
   A recorrente suscitou ainda o vício da contradição insanável da fundamentação. Ora, o vício consiste na contradição entre a fundamentação probatória da matéria de facto, bem como entre a matéria de facto dada como provada ou como provada e não provada. A contradição tem de se apresentar insanável ou irredutível que não possa ser ultrapassada com o recurso à decisão recorrida no seu todo e às regras da experiência comum. No entanto, a recorrente também não especificou os termos concretos que o mostram. De qualquer modo, não se verifica este vício no acórdão recorrido.
   
   Alega, ainda, a recorrente, que no domínio da mesma legislação o Tribunal de Segunda Instância proferiu dois acórdãos que relativamente à mesma questão de direito assentaram em soluções opostas, porquanto num acórdão entendeu existirem lapsos de escrita e oficiosamente rectificou-os, enquanto num outro não os rectificou, tendo reenviado os autos para novo julgamento.
   Por um lado, cabe referir que a oposição de acórdãos não constitui fundamento de recurso ordinário (art.Ps 400.s e 419. do CPP).
   Por outro lado, a recorrente alega que no processo de recurso penal n.s 123/2000 do Tribunal de Segunda Instância, decidiu que houve contradição insanável da fundamentação conducente ao reenvio do processo para novo julgamento e no acórdão recorrido foi entendido exactamente o contrário porque decidiu rectificar oficiosamente os lapsos de escrita contidos no acórdão de primeira instância entretanto recorrido nos termos do art.e 361. , n., 1, al. b) e n. 2 do CPP. No entanto, o que não é mais do que uma falsa questão.
   Basta atender o teor do acórdão proferido no recurso n.e 123/2000 do Tribunal de Segunda Instância:
   “É que da primeira boa parte dos factos provados descritos (…) extrai-se a impressão nítida de cometimento de cinco crimes concretos de furto qualificado, … mas depois, num outro facto provado descrito a seguir …, se descreveu o seguinte: ‘Para subtraírem coisas móveis alheias, os 1 e 2 arguidos introduziram-se ilegitimamente 14 a 13 vezes respectivamente em estabelecimentos comerciais, casa de residência, escola, etc. por meio de arrombamento, e fez vigilância a 3ª arguida por 13 vezes nos actos de furtos praticados pelos 1o e 2 arguidos.’”
   Conclui-se que houve uma autêntica contradição irredutível entre os factos provados por ficar sem saber quantos crimes de furto em concreto e efectivamente praticados pelos três arguidos.
   A situação é completamente diferente no acórdão ora recorrido onde a decisão de rectificação oficiosa relaciona tão só aos lapsos materiais que em nada afecta o sentido substancial do acórdão de primeira instância.
   O tribunal recorrido decidiu questões diferentes com a aplicação das leis diferentes e muito menos que isso pode conduzir ao vício de contradição insanável da fundamentação.
   Improcede o recurso da recorrente nessa parte.
   
   Pelo exposto, todo o recurso da recorrente D deve ser julgado improcedente.
   
   
   
   2.8 Recurso do arguido E
   A. O recurso interposto pelo recorrente E perante o Tribunal de Segunda Instância foi julgado rejeitado por manifesta improcedência por causa de o recorrente não ter satisfeito minimamente o ónus legal previsto no art.° 402.°, n.° 2 do CPP e ser manifestamente improcedente o recurso na parte relativa à matéria de facto. Todavia, o recorrente acabou por beneficiar da procedência parcial do recurso interposto pela arguida D.
   No recurso agora interposto, o recorrente vem suscitar as questões relacionadas com a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, erro notório na apreciação da prova, a contradição insanável na matéria apurada e o erro de direito, tudo em relação aos crimes de associação ou sociedade secreta e de conversão de bens ou produtos ilícitos. Ora, a grande maioria destas questões nunca foram suscitadas no primeiro recurso interposto pelo mesmo recorrente para o Tribunal de Segunda Instância.
   É de lembrar que, nos termos do art.° 392.°, n.° 1 do CPP, o recurso tem por objecto toda a decisão recorrida. O objectivo do recurso é apenas alterar as decisões recorridas e não criar decisões sobre matéria nova, pelo que não é lícito na motivação do recurso invocar questões que não tenham sido objecto das decisões recorridas. Ao nosso tribunal resta só a possibilidade de apreciar as questões no âmbito do acórdão ora recorrido.
   
   
   B. Crime de associação ou sociedade secreta
   (1) Insuficiência da matéria de facto provada e erro notório na apreciação da prova
   O recorrente entende que foi condenado por autoria do crime de associação ou sociedade secreta na modalidade de apoiante sobretudo por causa do facto provado n.° 31 e que é demasiado vago para poder chegar a uma conclusão. Depois, passou a apresentar a sua interpretação sobre este único facto, tentando considerar a actividade descrita neste facto isoladamente para desligar das actividades da organização 14K e colar com a “Junket Promoter” como se fosse actividades só ligadas ao casino. E seguidamente apresentou a sua descrição fáctica e os factos que entende necessários para o preenchimento do crime de associação ou sociedade secreta.
   
   Dos factos provados destacam-se nomeadamente os seguintes:
   Há vários anos existe em Macau uma sociedade secreta denominada 14 Kilate, também conhecida por 14K, organização destinada à prática de crimes (factos provados n.d 1 a 5).
   Desde os fins de 1989, os arguidos A; B; C; H; I; J e F e outros indivíduos criaram uma facção dentro da sociedade secreta 14K, sendo que desde aquela data o ora recorrente E e a arguida D apoiaram a referida organização da forma descrita infra (facto provado n., 8).
   Tal facção da 14K praticou e previa executar actos nomeadamente no âmbito do jogo ilícito e actividades com ele relacionadas, como agiotagem, usura, apostas clandestinas, extorsão e sequestro, e ainda acções de violação de telecomunicações, aquisição e detenção de armas de guerra, falsificação de documentos, detenção e tráfico de estupefacientes, ameaça, fogo posto, conversão de bens ou produtos ilícitos (factos provados n.o 9, 22, 23, 25 a 27, 52, 56, 57, 62, 64, 68, 92, 110 e 115).
   Tais acções criminosas como as referidas nos autos foram executadas por uns e queridas, conhecidas, representadas, aceites e efectuadas em nome de todos os elementos da referida facção da 14K, no seio e no interesse da qual foram deliberadas e determinadas pelos arguidos A; B; C; H; I; J e F, sendo as respeitantes ao ora recorrente E e à arguida D apenas as acima descritas e na qualidade de apoiantes (facto provado 69, 116 e 117).
   Com as actividades ilícitas referidas nos factos provados, o recorrente e outros arguidos, com excepção do arguido G, obtinham avultados lucros, que constitui um dos seus propósitos (factos provados n. 92, 108, 109 e 114).
   A dita facção da 14K dispunha de uma contabilidade organizada com recurso a diversas expressões cifradas para ocultar os avultados lucros que mensalmente auferia e de uma banca paralela à legal em que funcionava um fundo X” (factos provados n.A 10 a 27).
   Dentro da organização 14K e no superior interesse desta, os arguidos A; B; C; H; I; J e F desempenhavam variadas tarefas, sendo que o ora recorrente E e a arguida D apoiavam a actividade daquela (factos provados n.D 28 a 36).
   Na actividade da contabilidade e apenas apoiando a organização 14K, o recorrente é o responsável por empréstimos e depósito de juros, estando autorizado a assinar e depositar fichas nas contas da organização (facto provado n.a 31).
   A estrutura da organização era dirigida pelo arguido A e este controlava uma série de actividades multifacetadas, a maior parte das quais se desenrolam junto ao jogo em Macau, sendo líder da referida facção da 14K (facto provado n.° 38).
   Os arguidos A; B; C; H; I; J e F e outros elementos do grupo reuniam-se assiduamente na residência do arguido A para que em conjunto e concertadamente idealizavam e estabeleciam as acções a levar a efeito para concretização dos seus desígnios (facto provado n.u 51).
   
   Antecipamos desde já a consideração sobre a existência da organização 14K como associação ou sociedade secreta que o recorrente alega na parte C.1 da sua motivação do recurso. Segundo os factos dados por provados e em vez de simplesmente considerar como um facto notório, não há dúvida de que a organização 14K e a referida facção constituem associação ou sociedade secreta para os efeitos da Lei da Criminalidade Organizada (Lei n.1 6/97/M). Pois ficou provado que a dita facção da 14K dispunha de uma estrutura hierarquizada, tendo como chefe o arguido A, destinada a obter vantagens ou benefícios através da prática de actos ilícitos e intimidação contra pessoas e agentes da autoridade pública. Para alcançar essa finalidade, os elementos desta facção mantinham em acordo de praticar crimes como os vêm referidos nas alíneas a) a c), h), j), l), u) e v) do n.s 1 do art. 1. da Lei n. 6/97/M em nome de todos os elementos da organização e no interesse desta. Verifica-se ainda lugar determinado para reuniões frequentes da referida facção e uma hierarquia organizada, requisitos que até não são exigidos para a existência da associação ou sociedade secreta (n.e 2, al. a) a c) do mencionado artigo).
   
   Voltando à análise dos factos provados, considerados estes no seu conjunto e não apenas o facto provado n.V 31, resulta com clareza que, a partir dos finais de 1989, o recorrente, sem estar integrado na organização 14K ou na referida facção desta, tinha prestado apoio às diversas actividades criminosas da organização executadas por acordo de membros e em nome e no interesse da organização, especialmente por meio de actividades de contabilidade, empréstimos, depósito de juros e conversão dos proventos ilícitos obtidos, conseguindo avultados lucros pela prestação do apoio.
   A organização 14K dispunha de uma contabilidade organizada com recurso a expressões cifradas destinada a ocultar os avultados lucros auferidos. E existe um sistema de banca paralela à legal e um fundo X. A actividade de contabilidade estava estritamente relacionada com o funcionamento e movimento financeiros da organização 14K relatados especialmente nos factos provados n.r 10 a 27, não se tratando apenas de operações materiais em termos contabilísticos. O recorrente interpretou o facto provado n. 31 isoladamente e apenas com base na sua aparência superficial, sem atender a realidade representada pela contabilidade de que o recorrente tinha conhecimento e fora do contexto dos factos provados. O recorrente apresentou apenas a sua visão pessoal e subjectiva sobre o facto para tentar explicá-lo à sua maneira, deslocando conscientemente a conduta do recorrente para o terreno de serviços de junket promoter, que não consta dos factos provados, para legitimar esta conduta. A actividade de contabilidade do recorrente não é neutra mas sim estritamente ligada à organização 14K.
   As condutas do recorrente estão perfeitamente integradas no crime de associação ou sociedade secreta, na modalidade de apoiante, previsto e punido pelo art.A 2. , n., 2 da Lei n. 6/97/M.
   
   
   (2) Erro na determinação, interpretação e aplicação das normas
   Para além do problema de existência da associação ou sociedade secreta levantado pelo recorrente e já foi objecto de apreciação supra, o mesmo entende que se, eventualmente, o tribunal recorrido considerasse que estavam fixados factos comprovativos da sua ligação efectiva à seita 14K, apoiando-a, atenta a inexistência de facto comprovativo da data até à qual o recorrente prestou tal apoio, ter-se-ia apenas que tomar em consideração que cometera o crime de associação ou sociedade secreta em 1989 e incorreria na pena prevista no art.° 4.°, n.° 3 da Lei n.° 1/78/M por aplicação da lei mais favorável.
   A conduta do recorrente de apoiar a organização 14K não se traduzia em acções que se esgotaram com a satisfação de necessidades momentâneas da organização. Pelo contrário, o que resulta da matéria provada foi a continuidade do apoio prestado pelo recorrente às actividades da organização 14K. Essa conclusão em nada contraria o espírito da lei. Quando a lei incrimina um membro ou apoiante de uma associação ou sociedade secreta nos termos do art.° 2.°, n.° 2 da Lei n.° 6/97/M, não prescreve que com o apoiante só pode ser prestações pontuais de apoio às suas actividades. O estado de apoiar uma associação ou sociedade secreta pode ser prolongado no tempo através da prática de uma série de actos favoráveis àquela. Por outro lado, este prolongamento não torna, só por si, o apoiante a um membro da associação ou sociedade secreta.
   De acordo com os factos provados, o recorrente começou a apoiar as actividades da organização 14K desde os finais de 1989. Essa situação mantém-se até pelo menos a detenção do arguido A ocorrida em 1 de Maio de 1998. O recorrente nunca renunciou esta qualidade relativa à organização 14K até pelo menos a esta última data. Tal como sustenta o Ministério Público na sua resposta à motivação do recurso apresentado pelo arguido A, “está-se perante um crime permanente, em que a manutenção do estado ilícito está dependente da vontade do agente, podendo afirmar-se, assim, que o tipo de ilícito está constantemente a renovar-se enquanto o agente não fizer cessar o estado anti-jurídico causado.”. É totalmente arbitrária e sem qualquer suporte fáctica a afirmação do recorrente de que o seu apoio à organização 14K não se prolongou para além de 1989 ou fixar que o crime foi cometido antes da promulgação da Lei n.° 6/97/M, com a consequente aplicação da Lei n.° 1/78/M, antiga Lei de Associações de Malfeitores. Não estamos perante uma presunção ou com dúvida insanável, antes se trata de uma conclusão lógica decorrente dos factos provados.
   Face ao disposto no art.F 3. do CP, deve ser fixado o momento da prática do crime de associação ou sociedade secreta na modalidade de apoiante pelo recorrente no último momento da continuidade do estado ilícito, ou seja, na data da detenção do arguido A ocorrida em 1 de Maio de 1998. A lei incriminadora deste crime é sempre a Lei n.e 6/97/M que mantém em vigor até agora, pelo que não se verificam as condições da aplicação do mecanismo previsto no art./ 2. , n ., 4 do CP sobre a comparação e a consequente aplicação do regime penal mais favorável ao recorrente.
   
   
   (3) Sobre o crime de associação ou sociedade secreta, o recorrente alega ainda que:
   - Houve erro na determinação das normas aplicáveis, ao enquadrar os factos imputados ao recorrente no art.° 2.°, n.° 2 da Lei n.° 6/97/M com referência às alíneas do n.° 1 do art.° 1.° desta lei, por não terem as instâncias apurado matéria fáctica que prove o acordo entre a organização 14K e o recorrente, só podia proceder ao referido enquadramento se os factos consubstanciassem a prática de um ou mais crimes elencados no art.° 1.°;
   - Houve insuficiência da matéria de facto provada e o erro notório na apreciação da prova com base na alegada experiência comum, apresentando uma outra versão de facto para interpretar o facto provado n.° 31 e nos documentos referidos no facto provado n.° 31 que entende estar apenas relacionados com a actuação de “Junket Promoter”;
   - Existe contradição insanável entre os factos e os motivos de facto quando enquadra os factos imputados ao ora recorrente como acção de apoio a uma organização criminosa que se manifestou pela prática de vários crimes mas apenas o condena pela prática de um dos crimes elencados no art.° 1.° da Lei n.° 6/97/M, o de conversão de bens ou produtos ilícitos, que necessariamente cometido posteriormente.
   Só que estas questões não constavam da motivação do recurso apresentado pelo recorrente perante o Tribunal de Segunda Instância nem foi objecto de apreciação no acórdão recorrido, pelo que ao nosso tribunal está vedado o seu conhecimento ao abrigo do art.° 392.°, n.° 1 do CPP.
   
   (4) O Ministério Público, na sua resposta à motivação do recurso apresentado pelo recorrente E, entende que, tendo em conta a factualidade averiguada, a actuação do mesmo deve ser subsumida à previsão do art.º 2.º, n.º 2, da Lei n.º 6/97/M, com referência ao art.º 1.º, al.s j), u) e v), da mesma Lei, corrigindo, assim, o acórdão recorrido.
   Não parece esta a melhor integração jurídica da factualidade apurada. De facto, os crimes referidos nas alíneas a) a c), h), j), l), u) e v) do n.° 1 do art.° 1.° da Lei n.° 6/97/M que os elementos da facção da organização 14K mantinham em acordo de praticar são relevantes para considerar esta facção como associação ou sociedade secreta para efeitos do disposto da Lei da Criminalidade Organizada. São todos estes crimes que devem servir de referência na condenação do recorrente como apoiante desta facção. Por isso, deve ser mantido o enquadramento jurídico constante do acórdão recorrido sobre o crime de associação ou sociedade secreta em relação ao ora recorrente E.
   
   Assim, é manifesto que os argumentos do recorrente constantes do seu recurso na parte referente ao crime de associação ou sociedade secreta não procedem.
   
   
   C. Crime de conversão de bens ou produtos ilícitos
   (1) Insuficiência da matéria de facto provada
   O recorrente entende que do acórdão recorrido não constam factos que provem: que a actividade desenvolvida pelo recorrente seja ilícita; que dela tenham resultado proventos e que ao adquirir os bens que se encontram registados em seu nome pretendia ocultar a proveniência ilícita de tais proventos. Daqui decorre a insuficiência da matéria de facto para condenar o recorrente como autor de um crime de conversão de bens ou produtos ilícitos.
   O recorrente foi condenado, no acórdão recorrido, pela co-autoria material, na forma consumada, do crime de conversão de bens ou produtos ilícitos previsto no art.° 10.°, n.° 1, al. a) da Lei n.° 6/97/M.
   Dos factos provados, nomeadamente os n.° 80, 92 a 97, 108 a 110, 113, 115, 119 e 120, resulta com clareza que o recorrente E e os arguidos A; B; C; D; H; I; J e F, com os avultados lucros obtidos da prática dos actos ilícitos constantes da matéria provada, adquiriram ou constituíram sociedades e compraram imóveis, móveis sujeitos a registo e outros móveis. Foram assim convertendo as vantagens patrimoniais obtidas através da prática de actos ilícitos em bens aparentemente lícitos que entraram no circuito comercial normal como se tratassem de proventos licitamente obtidos.
   As condutas do recorrente estão perfeitamente integradas no crime de conversão de bens ou produtos ilícitos pelo qual foi condenado.
   De facto, a alegada única actividade que respeita ao recorrente e que consta do facto provado n.° 31 é apenas um dos factos integradores do crime de associação ou sociedade secreta imputado ao recorrente. O recorrente, ao converter os proventos obtidos da prática de actos ilícitos em bens aparentemente lícitos que entraram no circuito comercial normal, violou a ordem económica, financeira e social. O facto de alguns do imóveis e contas bancárias apreendidos nos autos estar registados e abertas em nome do recorrente comprova precisamente a aparência legal destes bens que tinham a sua origem nos proventos obtidos das actividades criminalmente ilícitas praticadas pelo recorrente. Se o depósito bancário em nome próprio e móveis ou imóveis registados em nome próprio poderem ficar fora do domínio da incriminação pelo crime de conversão, transferência ou dissimulação de bens ou produtos ilícitos, então por estas formas será muito fácil furtar os efeitos da lei.
   Por outro lado, o facto de o recorrente não ser membro, mas apenas apoiante da organização de 14K em nada contraria a obtenção pelo mesmo de proventos ilícitos resultados das actividades ilícitas praticadas.
   
   
   (2) Quanto ao crime de conversão em apreço, o recorrente alega ainda:
   - Contradição insanável entre os factos provados: desenvolvimento duma determinada actividade pelo recorrente em prol de uma organização criminosa e os proventos e lucros muito elevados resultados dessa actividade sem distinguir os proventos para a organização e os para o próprio recorrente;
   - Erro notório na apreciação da prova relativo à apreciação da comunicação enviada pelo Banco (3) a fls. 1739 sobre o depósito no valor de HKD$5,259,627.20;
   - Erro na qualificação jurídica dos factos relativo ao art.° 10.°, n.° 1, al. a) da Lei n.° 6/97/M em que está previsto o crime de conversão porque deveria aplicar a Lei n.° 1/78/M para o crime de associação ou sociedade secreta imputado ao recorrente.
   Estas questões não foram apreciadas no acórdão recorrido, sendo certo que também não constavam da motivação do recurso apresentado pelo recorrente perante o Tribunal de Segunda Instância, pelo que o nosso tribunal não as pode conhecer segundo o art.° 392.°, n.° 1 do CPP.
   É também manifesto que não procedem os argumentos do recurso nessa parte relativa ao crime de conversão.
   
   
   D. Medida da pena
   O recorrente pediu que a sua pena seja reduzida a não superior a três anos de prisão no pressuposto da absolvição do crime de conversão de bens ou produtos ilícitos e a aplicação da antiga Lei n.° 1/78/M para o crime de associação ou sociedade secreta.
   Face às considerações acima expostas sobre os dois crimes, ficam desde logo prejudicados os fundamentos deste pedido que evidentemente deve ser julgado improcedente.
   
   
   Face ao exposto, o recurso apresentado pelo recorrente E deve ser rejeitado por ser manifestamente improcedente.
   O facto de o art.° 409.°, n.° 2, al. a) do CPP prescrever que o recurso é julgado em conferência quando deva ser rejeitado não impede que a decisão de rejeição ser tomada após a audiência uma vez que dá maior garantia ao recorrente.
   
   
   
   2.9 Recurso do arguido F
   A. Da fundamentação do acórdão
   O recorrente entende que o acórdão de primeira instância reproduziu quase integralmente os factos da acusação como factos provados, também enunciou os factos não provados. Não deu cumprimento ao disposto na parte final do art.° 355.°, n.° 2 do CPP, limitando-se a um mero enunciado das provas, sem que este contenha a verdadeira motivação da matéria de facto, as razões substanciais em que se fundamentou a decisão. Alega que os documentos em que se fundou a convicção do tribunal e no que ao recorrente diz respeito não foram examinados em audiência de julgamento. O recorrente salientou ainda que o que questiona é a motivação do tribunal na obtenção da factualidade assente.
   
   Na mesma linha de considerações feitas na apreciação da mesma questão suscitada no recurso do arguido B (2.5.A, p.160 do presente acórdão), para as quais se remete, entendemos que a indicação das provas que servem para formar a convicção do tribunal foi feita em obediência do disposto no art.u 355. , n., 2 do CPP. Não se verifica a violação das normas constantes dos art. s 355.s, n., 2 e 336. do CPP.
   Improcede o recurso do recorrente nessa parte.
   
   
   B. Do crime de violação de telecomunicações
   O recorrente entende que a matéria de facto provada não permite, de forma alguma, a condenação de qualquer dos arguidos pela prática deste crime. O acórdão de primeira instância puniu uma previsão dos arguidos quanto à eventual prática do crime. Não há tentativa do crime uma vez que o recorrente não chegou a praticar qualquer acto de execução do crime e a sua eventual tentativa nunca seria punida.
   
   Sobre esta questão seguimos as mesmas considerações feitas na apreciação do recurso do arguido A (2.4.D, p.138 do presente acórdão), para as quais se remete, e sempre segundo os factos dados por provados, nomeadamente os n.n 9, 64 a 67, 111, 113, 115 e 120, conclui-se que as condutas do recorrente são perfeitamente integradas no crime de violação de telecomunicações previsto no art. 188. , n., 2 do CP. Nunca está em causa a punição de previsão de uma conduta criminalmente ilícita ou de posse ilegal dos aparelhos de transmissores-receptores, nem a de tentativa do crime, mas sim, a própria consumação do crime.
   Improcede o recurso do recorrente nessa parte.
   
   
   C. Do crime de usura para o jogo
   Para o recorrente, o acórdão puniu uma previsão dos arguidos de efectuar empréstimos a pessoas e cobrar destas o montante dos empréstimos, acrescidos de juros muito superiores à taxa legal, sendo que o facto descrito na norma incriminadora é a efectiva facultação a uma pessoa de dinheiro ou outro meio para jogo, com intenção de alcançar um benefício patrimonial.
   
   Valem aqui as mesmas considerações feitas na apreciação do recurso do arguido A relativas ao mesmo crime (2.4.E, p.139 do presente acórdão) para as quais se remete. E sempre de acordo com os factos dados por provados, nomeadamente os n.r 9, 26, 68, 113 a 115 e 120, o recorrente praticou efectivamente o crime de usura para jogo previsto e punido pelos art. s 13.s e 15. da Lei n. 8/96/M. O que se verifica é a própria consumação do crime e não está em causa a punição da mera previsão da prática do crime, conclusão essa que só se chegaria por meio de uma visão parcial dos factos provados.
   Improcede o recurso do recorrente nessa parte.
   
   
   D. Do crime de associação ou sociedade secreta e da aplicação da lei penal no tempo
   O recorrente alega que no acórdão de primeira instância foi dado como provado que o recorrente integrou a sociedade secreta 14K em data não apurada mas anterior a 1989. Não se logrou obter prova de qualquer facto criminoso posterior a esta data, nem se o recorrente continua a pertencer àquela sociedade secreta, não deveria aplicar a Lei n.° 6/97/M porquanto a prova temporal do cometimento do facto ilícito típico integrador do crime de associação secreta reporta-se a 1989, pelo que a aplicação do regime vigente constitui uma aplicação retroactiva da lei penal, violou o art.° 2.°, n.° 4 do CP e o princípio “in dubio pro reo”.
   
   Dos factos provados, destacam-se nomeadamente os seguintes:
   Há vários anos existe em Macau uma sociedade secreta denominada 14 Kilate, também conhecida por 14K, organização destinada à prática de crimes (factos provados n.e 1 a 5).
   O recorrente, juntamente com alguns arguidos, passou a integrar a referida sociedade desde data não apurada mas anteriormente a 1989. A partir de 1989, o recorrente, alguns arguidos e outros indivíduos estavam entre si agrupados e criaram uma facção dentro da 14K (factos provados n.t 6 a 8).
   Tal facção da 14K praticou e previa executar actos nomeadamente no âmbito do jogo ilícito e actividades com ele relacionadas, como agiotagem, usura, apostas clandestinas, extorsão e sequestro, e ainda acções de violação de telecomunicações, aquisição e detenção de armas de guerra, falsificação de documentos, detenção e tráfico de estupefacientes, ameaça, fogo posto, conversão de bens ou produtos ilícitos (factos provados n.e 9, 22, 23, 25 a 27, 52, 56, 57, 62, 64, 68, 92, 110 e 115).
   Tais acções criminosas como as referidas nos autos foram executadas por uns e queridas, conhecidas, representadas, aceites e efectuadas em nome de todos os elementos da referida facção da 14K, no seio e no interesse da qual foram deliberadas e determinadas pelos recorrente F e arguidos A; B; C; H; I e J, com o apoio dos arguidos D e E (facto provado 69, 116 e 117).
   Com as actividades ilícitas referidas nos factos provados, o recorrente e outros arguidos, com excepção do arguido G, obtinham avultados lucros, que constitui um dos seus propósitos (factos provados n. 92, 108, 109 e 114).
   A dita facção da 14K dispunha de uma contabilidade organizada com recurso a diversas expressões cifradas para ocultar os avultados lucros que mensalmente auferia e de uma banca paralela à legal em que funcionava um fundo “X” (factos provados n. 10 a 27).
   O recorrente e os arguidos A; B; C; H; I e J, desempenhavam variadas tarefas dentro da organização 14K, sendo que os arguidos D e E apoiavam a actividade desta (factos provados n. 28 a 36).
   O recorrente, na documentação apreendida nos autos, consta como recebendo os salários de segurança, pagos através de cartão relacionado com a arguida C, contribuindo mensalmente com a sua quota para a associação / organização (facto provado n.° 36).
   A estrutura da organização era dirigida pelo arguido A e este controlava uma série de actividades multifacetadas, a maior parte das quais se desenrolam junto ao jogo em Macau, sendo líder da referida facção da 14K (facto provado n.° 38).
   O recorrente e os arguidos A; B; C; H; I e J e outros elementos do grupo reuniam-se assiduamente na residência do arguido A para que em conjunto e concertadamente idealizavam e estabeleciam as acções a levar a efeito para concretização dos seus desígnios (facto provado n.i 51).
   
   De acordo com os factos dados por provados, dúvida não resta de que a organização 14K e a referida facção constituem associação ou sociedade secreta para os efeitos da Lei da Criminalidade Organizada (Lei n.r 6/97/M), pois ficou provado que a dita facção da 14K dispunha de uma estrutura hierarquizada, tendo como chefe o arguido A, destinada a obter vantagens ou benefícios através da prática de actos ilícitos e intimidação contra pessoas e agentes da autoridade pública. Para alcançar essa finalidade, o recorrente e os elementos desta facção mantinham em acordo de praticar crimes como os vêm referidos nas alíneas a) a c), h), j), l), u) e v) do n. 1 do art. 1. da Lei n. 6/97/M. Verifica-se ainda lugar determinado para reuniões frequentes da referida facção e uma hierarquia organizada, requisitos que até não são exigidos para a existência da associação ou sociedade secreta (n.ç 2, al. a) a c) do mencionado artigo).
   Ficou ainda plenamente provada a qualidade do recorrente de ser membro da organização 14K. E segundo o acórdão recorrido (p. 236 e 196), essa qualidade se mantém desde a sua integração na organização 14K em data anterior a 1989 até pelo menos a detenção do arguido A ocorrida em 1 de Maio de 1998, conclusão essa que não merece censura por se mostrar lógica e dentro do limite dos factos provados. O recorrente sustenta que o tribunal recorrido não logrou provar qualquer facto criminoso posterior a 1989, afirmação essa só pode resultar da leitura isolada do facto provado n.° 6, fazendo tábua rasa de todos os outros factos dados por provados.
   Analisados todos os factos provados, conclui-se que o recorrente integra sempre na organização 14K e na referida facção desta. O estado ilícito mantém-se ininterrupta e permanentemente pelo menos até a detenção do arguido A ocorrida em 1 de Maio de 1998, período em que o recorrente nunca renunciou essa qualidade. Tal como sustenta o Ministério Público na sua resposta, “está-se perante um crime permanente, em que a manutenção do estado ilícito está dependente da vontade do agente, podendo afirmar-se, assim, que o tipo de ilícito está constantemente a renovar-se enquanto o agente não fizer cessar o estado anti-jurídico causado.”. A afirmação do recorrente de que convenham qualquer data até à qual o recorrente tivesse eventualmente pertencido à sociedade secreta em causa, desde que não ultrapassasse 30 de Julho de 1997 (data da publicação da Lei n.° 6/97/M) para subsumir a sua eventual conduta criminosa ao regime mais favorável da Lei n.° 1/78/M é completamente arbitrária.
   Então, de acordo com o disposto no art.° 3.° do CP, deve ser fixado o momento da prática do crime de associação ou sociedade secreta no vertente de membro no último momento da continuidade do estado ilícito, ou seja, na data da detenção do arguido A ocorrida em 1 de Maio de 1998. A lei incriminadora deste crime é sempre a Lei n.r 6/97/M que mantém em vigor até agora, pelo que não se verificam as condições da aplicação do mecanismo previsto no art. 2. , n., 4 do CP sobre a comparação e a consequente aplicação do regime penal mais favorável ao recorrente. Assim, embora seja um regime mais favorável ao recorrente, a Lei n.° 1/78/M nunca pode ser aplicada na condenação do recorrente no crime de associação ou sociedade secreta.
   Improcede o recurso do recorrente nessa parte.
   
   
   E. Do confisco de bens
   O recorrente alega que não lhe foram detectados nem apreendidos quaisquer bens imóveis, direitos sociais e veículos automóveis. Apenas lhe foram congeladas algumas contas bancárias. Ao confiscar as contas bancárias como vantagens do crime exige-se a prova de que os bens representam efectivamente lucros resultantes da prática de crimes. Não são admissíveis presunções nesta matéria.
   
   Valem aqui as mesmas considerações feitas na apreciação do recurso do arguido A sobre o mesmo problema (2.4.H, p.157 do presente acórdão) para as quais se remete, com especial destaque para os factos provados n.° 92, 97 e 108. O recurso do recorrente nessa parte não pode proceder uma vez que as quantias apreendidas ao recorrente resultavam dos proventos obtidos através das actividades ilícitas praticadas pelo mesmo.
   O recorrente alega ainda que o tribunal recorrido decretou um confisco geral, pois todo o património dos arguidos é, sem excepção, confiscado. Também aqui o recorrente não tem razão, já que não ficou provado que todos os apreendidos relativos ao ora recorrente constituíam todo o seu património e a declaração do seu perdimento tem perfeitamente o seu fundamento legal previsto no art.t 103. , n.,s 2 e 3 do CP.
   
   
   F. Do crime de conversão de bens ou produtos ilícitos
   Para o recorrente, no acórdão recorrido não ficou provada a concreta origem ilícita dos bens apreendidos. Sem saber o crime precedente, que não é o de associação secreta por ser de crime de perigo abstracto, não gerando lucros por si só, não há lucros ilícitos para efeitos do crime de branqueamento de capitais. Não ficou provada qualquer conduta especificamente dirigida a ocultar ou dissimular a origem dos bens, não há fundamento para condenar o recorrente pela prática deste crime. Finalmente, não é possível a punição do mesmo agente, em concurso efectivo pela prática de um crime gerador de lucros e pelo branqueamento desses mesmos lucros. É uma relação de concurso aparente dado que se trata de violação do mesmo bem jurídico pelo mesmo agente. Estas posições têm as reflexões no parecer juntado pelo recorrente aquando da interposição do primeiro recurso.
   
   Valem aqui as considerações feitas na apreciação do recurso do arguido B sobre a mesma questão (2.5.F, p.171 do presente acórdão) para as quais se remete, com especial destaque para os factos provados n.° 92, 93, 97, 108, 110, 113, 115, 119 e 120. Portanto, ficaram inteiramente provadas a origem ilícita dos bens apreendidos ao recorrente e a conversão dos mesmos em bens aparentemente lícitos realizada por ele de modo a ocultar a sua origem ilícita, conducentes à condenação do recorrente pelo crime de conversão de bens ou produtos ilícitos previsto no art.° 10.°, n.° 1, al. a) da Lei n.° 6/97/M.
   
   
   G. Da medida concreta da pena
   O recorrente entende que o acórdão de primeira instância não fundamentou a sua decisão quanto à diferenciação verificada nas penas parciais em concreto aplicadas a cada um dos arguidos e ficou prejudicado em comparação com as penas impostas a outros arguidos. O tribunal recorrido poderia e deveria nivelar por baixo todas as penas parcelares e não de criar manifestas desigualdades para condutas iguais.
   
   O tribunal recorrido reponderou a medida concreta das penas a aplicar aos arguidos recorrentes, sem prejuízo do princípio da proibição de reformatio in pejus consagrado no art.° 399.° do CPP. Para os efeitos, foram seguidos os critérios constantes dos art.°s 64.°, 65.°, 40.° e 71.° do CPP e considerados os graus de culpa dos arguidos recorrentes e as exigências de prevenção especial e geral e todas as circunstâncias apuradas no acórdão de primeira instância.
   Foi salientado no acórdão recorrido de que da matéria de facto provada não se verifica uma diferenciação nítida do grau de culpa dos arguidos condenados, pois os factos dados por provados relativamente aos elementos integradores dos crimes objecto dos recursos são sensivelmente homogéneos em relação aos arguidos condenados. Pelo que as penas parcelares e a pena única resultante do cúmulo jurídico daquelas a aplicar aos arguidos recorrentes foram pautadas pelos critérios legais acima referidos e consequentemente por uma medida sensivelmente idêntica.
   Neste contexto, as penas parcelares dos crimes de associação ou sociedade secreta e de conversão de bens ou produtos ilícitos e a pena única resultada do cúmulo jurídico daquelas aplicadas ao recorrente foram baixadas:
   Em relação ao crime de associação ou sociedade secreta na modalidade de membro, foi aplicada ao recorrente a pena de sete anos e seis meses de prisão no acórdão recorrido em vez de oito anos e seis meses de prisão imposta no acórdão de primeira instância.
   Para o crime de conversão de bens ou produtos ilícitos, foi aplicada ao recorrente a pena de cinco anos de prisão e noventa dias de multa à taxa diária de mil patacas em vez de seis anos de prisão com a pena de multa na mesma medida imposta no acórdão de primeira instância.
   A pena única resultada do cúmulo jurídico baixou também de dez anos e seis meses de prisão para nove anos e oito meses de prisão.
   O princípio de proibição de reformatio in pejus funcionou em relação a este último crime e também aos crimes de violação de telecomunicações e de usura para jogo:
   Para o crime de violação de telecomunicações, o tribunal recorrido entendia aplicar ao recorrente a pena de seis meses de prisão. Mas foi mantida a pena de cinco meses de prisão aplicada no acórdão de primeira instância.
   Quanto ao crime de usura para jogo, o tribunal recorrido entendia aplicar ao recorrente a pena de um ano e seis meses de prisão e a pena acessória de proibição de entrada nas salas de jogo de Macau por seis anos após o cumprimento da pena de prisão. Todavia, foi simplesmente mantida a pena de um ano de prisão aplicada no acórdão de primeira instância.
   Finalmente e relativamente ao crime de conversão de bens ou produtos ilícitos, o tribunal recorrido entendia aplicar ao recorrente, para além da pena de prisão referida, ainda a pena de cento e trinta e cinco dias de multa à taxa diária de mil patacas. Esta pena de multa ficou reduzida para a medida fixada no acórdão de primeira instância.
   
   Considerando todas as circunstâncias apuradas no acórdão recorrido, entende-se equilibradas as penas parcelares e nomeadamente a pena única resultada do cúmulo jurídico aplicadas ao recorrente, mesmo em comparação com as de outros recorrentes.
   Por outro lado, o recorrente fez uma interpretação manifestamente errada do princípio da proibição de reformatio in pejus. De acordo com o art.° 399.°, n,° 1 do CPP: “Interposto recurso de decisão final somente pelo arguido, pelo Ministério Público no exclusivo interesse daquele, ou pelo arguido e pelo Ministério Público no exclusivo interesse do primeiro, o tribunal a que o recurso se dirige não pode modificar, na sua espécie ou medida, as sanções constantes da decisão recorrida, em prejuízo de qualquer do arguidos, ainda que não recorrentes.”.
   O princípio destina-se a proteger o arguido, no recurso interposto no seu interesse, em não ver a sua sanção agravada, o que se verificou em relação aos três crimes do total de quatro pelos quais o recorrente vem condenado e também, em medida diferente, para os outros recorrentes.
   Problema diferente é a incidência da redução da pena de um determinado arguido recorrente sobre um outro arguido recorrente. Aqui já não é possível estabelecer uma relação necessária. O princípio não é para nivelar por igual as penas de todos os arguidos no mesmo processo. Precisamente por causa do funcionamento do princípio da proibição de reformatio in pejus em relação a todos os arguidos ora recorrentes, é necessário considerar todas as penas aplicadas pelo tribunal recorrido antes e depois de atender ao princípio em causa para ter uma visão global sobre as penas parcelares e as penas únicas resultadas do cúmulo jurídico, sob pena de não conseguir compreender a razão da decisão final sobre as medidas concretas de pena.
   Improcede o recurso do recorrente nessa parte.
   
   Assim, todo o recurso apresentado pelo recorrente F deve ser julgado improcedente.
   
   
   
   3. Decisão
   Pelos expostos, o Tribunal decide:
   1. Rectificar os lapsos materiais ou erros de escrita do acórdão recorrido a seguir indicados: (os números de página adiante mencionados referem-se aos do acórdão recorrido):
− P. 247, 3ª linha, p. 250, 3ª linha, p. 252, 15ª linha, p. 254, 12ª linha, p. 265, 6ª linha, p. 266, 7ª linha, p. 267, 5ª e 21ª linhas e p. 268, 14ª linha, onde se lê “... previsto pelo art.° 2.°, n.° 3, com referência ao art.° 1.°, n.° 2, ...” se deve lê “... previsto pelo art.° 2.°, n.° 2, com referência ao art.° 1.°, n.° 1, ...”;
− P. 256, 6ª linha onde se lê “... F1:” se deve lê “... F:”;
− P. 258, 10ª linha, onde se lê “... 7 anos a 6 meses a 14 anos, ...” se deve lê “... 7 anos e 6 meses a 13 anos, ...”;
− P. 258, 18ª linha, onde se lê “10 (dez) anos e 6 (seis) anos ...” se deve lê “10 (dez) anos e 6 (seis) meses ...”;
− P. 258, 21ª linha e p. 269, 12ª linha, onde se lê “dispostivo” se deve lê “dispositivo”;
− P. 264, 22ª linha, onde se lê “(cento de vinte)” se deve lê “(cento e vinte)”;
− P. 269, 8ª linha, onde se lê “referiadas” se deve lê “referidas”.
   
   2. Julgar improcedentes os recursos interpostos pelos arguidos A, B, C, D e F e rejeitar o recurso interposto pelo arguido E.
   Condena os recorrentes solidariamente nas custas do recurso com as taxas de justiça fixadas, atendendo sobretudo a complexidade dos respectivos recursos, em:
   - 20 UC para o recorrente A;
   - 15 UC para o recorrente B;
   - 12 UC para a recorrente C;
   - 12 UC para a recorrente D;
   - 10 UC para o recorrente E;
   - 15 UC para o recorrente F.
   Mais condena o recorrente E no pagamento da importância fixada em 4 UC devido à rejeição do seu recurso nos termos do art.° 410.°, n.° 3 do CPP.
   
   
   Aos 16 de Março de 2001.


   
   
           Juízes : Chu Kin (relator)
    Viriato Manuel Pinheiro de Lima
    Mário José de Oliveira Chaves
   
   
   
   
   
   
   
   
   
   
   

** Conforme rectificações feitas pelo acórdão do Tribunal de Segunda Instância de 28 de Setembro de 2000.
* Conforme rectificações feitas pelo acórdão do Tribunal de Segunda Instância de 28 de Julho de 2000.
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TUI Recurso n.° 16 / 2000 137