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Processo n.º 15/2002. Recurso em processo penal.
Recorrente: A.
Recorrido: Ministério Público.
Assuntos: Atenuação especial da pena. Idade inferior a 18 anos.
Data da sessão: 20 de Novembro de 2002.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator), Sam Hou Fai e Chu Kin.

SUMÁRIO:
A acentuada diminuição da culpa ou das exigências da prevenção constitui o pressuposto material de atenuação especial da pena, pelo que a idade inferior a 18 anos, ao tempo do facto, não constitui fundamento, por si só, para tal atenuação.

O Relator,
Viriato Manuel Pinheiro de Lima
  ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

I – Relatório
O Tribunal Colectivo do Tribunal Judicial de Base, por Acórdão de de 2001, condenou o arguido A pela prática de:
- Um crime de associação/sociedade secreta, previsto e punível pelo art. 2.º, com referência ao art. 1.º, n.º 1, alínea a), ambos da Lei n.º 6/97/M, de 30 de Julho, na pena de cinco (5) anos de prisão;
- Um crime de detenção de armas proibidas, previsto e punível pelo art. 262.º, n.º 1 do Código Penal e pelos arts. 1.º, n.º 1, alínea f) e 6.º, n.º 1, alínea a) do Regulamento de armas e munições aprovado pelo Decreto-Lei n.º 77/99/M, de 8 de Novembro, na pena de dois (2) anos e três (3) meses de prisão;
  - Um crime de ofensa grave à integridade física, previsto e punível pelo art. 138.º, alínea a) do Código Penal na pena de um (1) ano de prisão;
  Em cúmulo, na pena única de cinco anos e seis meses de prisão.
  Interposto recurso jurisdicional, o Tribunal de Segunda Instância negou provimento ao recurso.
  Não conformado, recorreu o arguido para este Tribunal, terminando a sua motivação com as seguintes conclusões:
  1.ª O facto de, à data dos factos, o ora recorrente ter apenas 16 anos, inscreve-se numa das circunstâncias modificativas da moldura penal abstracta prevista na lei - alínea f) do n.º 2 do art.º 66.º, do Código Penal de Macau - de aplicação automática, escapando ao poder discricionário dos Exmº.s Julgadores;
  2.ª Perante tal circunstância, os crimes imputados ao ora recorrente de associação/sociedade secreta, de detenção de arma proibida e de ofensa grave à integridade física são passíveis de uma pena abstracta de 1 a 8 anos de prisão; de uma pena abstracta de 1 mês a 5 anos e 4 meses de prisão; de uma pena de 1 mês a 6 anos e 8 meses de prisão, respectivamente;
  3.ª Na determinação da medida da pena está subjacente a fixação (num primeiro momento) da medida abstracta e (num segundo momento) da medida concreta, sendo que as penas escolhidas e aplicadas ao recorrente pelo douto Tribunal recorrido teriam que partir destas últimas molduras penais abstractas;
  4.ª Face ao critério do Exmº. Colectivo que optou pela aplicação do limite mínimo da moldura penal aplicável a cada um dos crimes por que veio a ser condenado o ora recorrente, julga-se que uma pena de um ano e três meses seria justa;
  5.ª Uma das fases por que deve passar a determinação da pena que deve ser aplicada ao delinquente, tendo o juiz à sua disposição mais do que uma espécie de pena, prende-se com a sua escolha, seguindo o critério que a lei lhe dá, certo sendo que o art.º 64.º do Código Penal dá preferência às penas não privativas da liberdade;
  6.ª Tomando-se em consideração a pena pedida pelo ora recorrente de um ano e três meses de prisão - portanto uma pena inferior a três anos - não pode deixar o Tribunal de se pronunciar pela aplicabilidade ou não da suspensão da execução da pena, sob pena de nulidade do Ac.;
  7.ª A suspensão da execução da pena depende da verificação de dois pressupostos: um formal (uma pena não superior a três anos) e outro material consistente numa prognose social favorável ao arguido;
  8.ª O pressuposto material da suspensão da execução da pena é limitado por duas coordenadas: (1) a salvaguarda das exigências mínimas essenciais de defesa do ordenamento jurídico (prevenção geral) e o (2) afastamento do agente da criminalidade (prevenção especial);
  9.ª O n.º 3 do art.º 66.º do C. Penal permite que a execução da pena concretamente achada no caso da atenuação especial seja suspensa nos termos do art. 48.º do mesmo diploma;
  10.ª Face aos fundamentos apresentados, essa Alta Instância poderá considerar adequada ao caso concreto a pena pedida de um ano e três meses, verificando-se, assim, o pressuposto formal da suspensão da execução da pena;
  11.ª O facto de ter sido beneficiado com um estatuto de liberdade provisória que lhe foi concedido pelo Mmo Juiz do J.I.C. e que foi mantido na pronúncia, fundamentadamente, permitiu que o ora recorrente, num período de dois anos e dois meses, tivesse provado que deu um novo rumo à sua vida, mantendo uma conduta irrepreensível e mantendo o seu emprego, uma actividade profissional remunerada;
  12.ª Em sede de ponderação da suspensão da execução da pena de prisão, pertence ao domínio dos poderes de livre apreciação e convicção dos tribunais que conhecem matéria de facto o juízo de prognose sobre as capacidades e potencialidades do arguido em adoptar uma postura socialmente conforme, pelo que podem Vossas excelências, Senhores Juízes do TSI, conhecer esta questão, face à matéria fáctica apurada pelo Tribunal de Julgamento em Primeira Instância;
  13.ª No momento em que foi sentenciado, O ora recorrente encontrava-se a trabalhar, e, certamente que, tendo sido indiciado como membro de uma associação/sociedade secreta esteve sempre sob vigilância policial; tal circunstancialismo é suficiente para levar a que essa Alta Instância se convença que o ora recorrente não voltará a cometer outros crimes, estando assim verificado um dos fins da pena (prevenção especial) e uma das coordenadas por que é limitado o pressuposto material da suspensão da execução da pena (afastamento do agente da criminalidade);
  14.ª Face à proibição da suspensão da pena aplicada a certos crimes da Lei n.° 6/97/M - prevista no seu art.° 17.° - há que se atender à existência de um outro requisito especial para que se possa suspender a pena que venha a ser aplicada ao recorrente: uma das circunstâncias previstas no art.º 5.° da mesma lei.
  15.ª Uma vez que o Exmº. Colectivo da Primeira Instância dá por provado que se desconhece a teia organizativa da associação secreta (que o ora recorrente também desconhece) da qual se formou uma facção ou conjunto a que pertenceu o ora recorrente, o facto deste se ter afastado e ter apenas aderido a ela para cometer uma só actividade ilícita (embora dela tenha resultado o concurso real de dois tipos de crimes: o de ofensa grave à integridade física e o de detenção de arma proibida) para que foi chamado, deverá ser tido como uma situação análoga à prevista no art.º 5.° da referida Lei: "esforçar-se por impedir a continuação da facção ou conjunto a que aderiu"
  16.ª Não se pode deixar de tomar em consideração o facto de ter sido o recorrente julgado como elemento de uma "facção de base", pelo que se justifica uma maior clemência e maior benevolência não deixando de ser um jovem que foi utilizado pelos verdadeiros membros das seitas que não se coíbem de vitimizar ou usar menores para as suas actividades ilícitas;
  17.ª Sendo certo que a RAEM está dotada de um sistema penitenciário que garante o respeito pela dignidade humana, foi uma preocupação constante do legislador limitar, tanto quanto possível, a pena de prisão, atento o seu incontroverso efeito criminógeno, especialmente quando se trata de jovens;
  18.ª A possibilidade legal de subordinar a suspensão da execução da pena de prisão ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta com o fim de reparar o mal do crime, por um lado e a facilitar a readaptação social, por outro, garante suficientemente a salvaguarda das exigências mínimas essenciais do ordenamento jurídico (prevenção geral) e reforça o carácter pedagógico da medida (prevenção especial), pelo que, se fôr considerado conveniente, por Vossas Excelências, deverão ser fixadas certas obrigações (art.s 49.º e 50.º do Código Penal) ao recorrente que servirão também para compensar a situação decorrente da não execução da pena de prisão.
  19.ª O douto Acórdão recorrido violou as normas do art.º 66.º, n.ºs 1 e 2, e, consequentemente, o art.º 67.º, ambos do Código Penal de Macau;
  20.ª O Acórdão recorrido fez uma errada interpretação das normas do art.º 66.º, n.ºs 1 e 2, alínea f), ao considerar que estava no âmbito do poder discricionário dos Exmº.s Julgadores a aplicação da atenuação especial ali prevista e que só a existência de outras atenuantes ou de outras atenuantes de relevo poderia fazer funcionar o mecanismo da medida de atenuação especial das penas; tal norma deve, antes, ser interpretada no sentido de que existindo uma das circunstâncias enumeradas nas alíneas do n.° 2, o Tribunal terá que conceder a atenuação especial, nos termos do n.° 1, sendo um dever a que não se pode subtrair. Por outro lado, a formulação contida no n.º 2 do citado art.º 66.° do Código Penal não pode ter outro sentido que não seja o de que o legislador considera que todas e cada uma das circunstâncias enumeradas são consideradas circunstâncias que diminuem de forma acentuada a ilicitude e/ou a culpa do agente e/ou a necessidade da pena, sendo que a circunstância prevista na alínea f) é considerada pelo legislador como redutora da pena porque a menoridade civil diminui por forma acentuada a culpa do agente.
  
  O Ministério Público respondeu à motivação do recurso, formulando as seguintes conclusões:
  1 - O art.º 66.º do CPM refere-se às circunstâncias comuns de especial valor atenuativo não expressamente previstas na lei e que modificam a moldura penal abstracta.
  2 - O n.º 2 do mesmo artigo faz elenco de uma série das circunstâncias que são consideradas para efeito de atenuação especial.
  3 - A aplicação do regime, mesmo verificando alguma das circunstâncias previstas no referido n.º 2, depende sempre da diminuição acentuada, demonstrada através de um conjunto das circunstâncias verificadas em caso concreto, da ilicitude do facto, da culpa do agente ou da necessidade da pena, que constitui o autêntico pressuposto material da atenuação especial da pena.
  4 - É este entendimento que tem sido acolhido pelos tribunais de Macau, afastando-se a aplicação autónoma do regime de atenuação especial da pena pela verificação, por si só, de uma ou algumas circunstâncias elencadas no n.º 2 do art.º 66.º do CPM.
  5 - Concordamos que a concessão da atenuação especial é um dever ou uma obrigação do tribunal nos casos em que se verificam os pressupostos previstos para a sua aplicação.
  6 - No entanto, é imprescindível a verificação do pressuposto material da diminuição acentuada da ilicitude do facto, da culpa do agente ou da necessidade da pena, mesmo que esteja em causa alguma das circunstâncias exemplificativamente previstas no n.º 2 do art.º 66.º do CPM.
  7 - Não nos parece que o facto de o recorrente ter menos de 18 anos à data dos factos funciona como uma circunstância “que diminua por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena”.
  8 - E não se vê, e nem foi indicada pelo recorrente, outra circunstância atenuante a seu favor que, conjuntamente com a idade de menos de 18 anos, faça funcionar a figura de atenuação especial.
  9 - Fica prejudicada a apreciação e decisão da segunda questão suscitada pelo recorrente, dado que face aos crimes imputados a pena unitária aplicada nunca pode ser inferior a 3 anos, ficando logo afastada a hipótese de suspensão da execução da pena.
  Termos em que se deve rejeitar o recurso interposto por ser manifestamente improcedente.
  
  II – Os factos

Os factos que as instâncias deram como provados e não provados são os seguintes:
Há vários anos que existe no Território uma sociedade secreta denominada “14 K”, organização formada por diversas pessoas que, de forma concertada, estruturada e articulada desenvolvem as suas actividades destinadas à prática de crimes.
Tal sociedade possui um modelo organizacional que se desenvolve e se estrutura à volta de um líder ou líderes.
Neste Território, a referida sociedade secreta é constituída por “facções”, “grupos” e “subgrupos”, com uma estrutura hierárquica complexa que se inicia nos “soldados / cavalos”, passa pelos “soldados principais”, depois pelos membros de direcção (líder da 2.ª linha, soldado principal dos operacionais), terminando no “chefe” ou líder da 1.ª linha.
Tal cadeia hierárquica não é rígida, podendo um “soldado principal” estar subordinado a um membro de direcção, ao mesmo tempo que é “chefe” de “soldados / cavalos”;
Desde data não apurada, mas anteriormente a Outubro de 1999, os arguidos B, C, D, E, F, G, A, H, I, e os arguidos J, K, que na altura eram ainda menores, e os menores L, M, N, O, P, Q, R, S e outros indivíduos não identificados, foram convidados para integrar na tal associação, tendo cada um deles ou conjuntamente soldados principais.
Os arguidos e os menores acima referidos, e outros indivíduos não identificados, estavam entre si agrupados, livre e consciente, de comum acordo para a concretização de um plano, que foi idealizado por uns e aceite pelos restantes, todos agindo de forma concertada para a concretização de tal projecto, de forma articulada, estruturada no tempo.
Os arguidos e os menores acima referidos, e os indivíduos não identificados de idade entre 14 e 19 anos eram membros duma facção da associação secreta “14 K”, assumindo como chefes ou “soldados / cavalos” duma facção.
De acordo com as “ordens do chefe”, eles como “soldados” das facções a que pertenciam, praticavam condutas contra a vida e a integridade física dos outros, e violavam as leis do território de Macau.
E eliminavam a força de outras sociedades secretas, ou praticavam actos de retaliação contra as organizações a que as referidas sociedades secretas pertenciam.
As pessoas acima referidas utilizavam violência como meio para atingir os seus objectivos.
Em data ainda não apurada de 1999, o arguido H pensa que ele próprio foi agredido por 3 a 5 elementos da associação “Fok Lun Pong”.
Para retaliação o arguido B, J (ainda menor na altura dos factos), e o menor R fizeram reunir no dia 8 de Outubro de 1999 no “Fun Lok Hoi Sam Seng”, no total, cerca de 20 pessoas, incluindo B, C, D, E, F, G, A, I, e os arguidos J, K, que na altura eram ainda menores, e os menores, M, N, O, R, S, para além de outros não apurados.
Para tal, compraram ainda 3 facas, cujas lâminas ultrapassavam 10 cm.
Nesse dia os acima referidos arguidos, os acima menores referidos e outros no total de cerca de 20 pessoas reuniram-se no local supramencionado e dirigiram-se em conjunto ao centro de máquinas electrónicas, sito perto do Templo “Kun Iam” para exercerem o plano de retaliação.
Cerca das 19H00 do mesmo dia, esses mesmos indivíduos entraram no tal centro de máquinas electrónicas e começaram a atacar a socos e pontapés todos as pessoas que estavam a divertir respectivamente no rés do chão e cave do dito estabelecimento. Chegaram até ao ponto de agredir as pessoas com as cadeiras plásticas que ali se encontravam.
Os arguidos I, C e J ainda menor na altura dos factos atacaram com faca os indivíduos que se estavam a divertir na cave do referido estabelecimento.
Desta agressão, os supracitados arguidos e outros, causaram ao ofendido deste processo, T, que se estava a divertir na cave, os ferimentos descritos respectivamente a fls. 89, 92, 97 e 134 dos autos.
Tais ferimentos causaram perigo de morte ao ofendido, e foram causa directa e determinante de 70 dias de incapacidade de trabalho (vide o relatório médico constante a fls. 161 dos autos). Para todos os efeitos, dá-se aqui como reproduzido esse relatório médico.
Os arguidos B, C, D, E, F, G, A, I, e os arguidos J, K, que na altura eram ainda menores, e os menores M, N, O, R, S e outros não apurados, previamente concertados e realizaram em conjunto o supracitado plano.
Para concretizarem o plano, detiveram e utilizaram 3 facas como instrumentos de ataque, e uma das facas deixadas no local tinha a lâmina de 15,50 cm (vide o auto de exame de apreensão constante a fls. 106 dos autos). Eles tinham perfeito conhecimento da natureza e características dessas armas.
Agiram livre, consciente e deliberadamente, com intenção de ofender gravemente a integridade física do ofendido T.
Os arguidos B, C, D, E, F, G, A, H, I e o J e K ainda menores na altura dos factos, e os menores M, N, O, R, S, e em conjunto com outros desconhecidos se agruparam e todos à excepção do H praticaram os factos relativos à agressão de que vêm acusados. Para isso, todos agiam consensualmente, compartilhando tarefas e praticandos os respectivos factos em nome de todos desde o início até ao fim, à excepção do H relativamente à agressão descrita.
Na realidade, aqueles arguidos em conjunto e outros elementos da associação criminosa “14K” dedicavam-se a actividade ilícita em prol do nome e interesses do grupo, sabiam, concordavam e aceitavam as consequências que podiam surgir.
Os acima referidos arguidos previamente concertados entre si sabiam perfeitamente do objectivo ilícito da sua actuação conjunta.
No dia 27 de Janeiro de 2000, cerca das 10H40, o arguido D e o menor L solicitaram ao empregado da agência de telecomunicações, U para lhes exibir o telemóvel da marca “Panasonic”, model GD90, com valor calculado em MOP$2.400.
O empregado U colocou o referido telemóvel à frente deles.
O arguido D e L depois de receberem o aludido telemóvel, repentinamente e sem proferir palavras, apoderaram-se do mesmo e correram para fora da loja.
O arguido D agiu livre, voluntária e conscientemente, e de mútuo acordo e em conjugação de esforços com o menor L apoderaram-se do telemóvel de outrem com intenção de o integrar na sua esfera patrimonial.
Além disso, no dia 12 de Maio de 2000, cerca das 13 horas, os arguidos B, J e K conjuntamente com o menor L e um outro indivíduo encontraram-se com o ofendido V no salão de bilhar, sito no [Endereço].
Os referidos indivíduos alegando que tinham um assunto a discutir, pediram ao ofendido V para se sentar com eles para conversar.
Quando o ofendido V recusou-se a sentar para falar sobre o assunto, os arguidos B, J e K e o menor L e o outro indivíduo, a fim de se vingar, de imediato, utilizaram um taco(s) de bilhar que estava(m) dentro do salão de bilhar para agredi-lo.
Devido à agressão, o ofendido V ficou com ferimentos no corpo, que directa e necessariamente fizeram com que ficasse incapaz de trabalhar por um período de 15 dias (cfr. relatório médico a fls. 34 do processo no. 3734/2000, que se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).
O ofendido T teve gastos com os tratamentos no montante de MOP 17.000,00.
O ofendido V teve gastos de cerca de MOP 1000,00 com os tratamentos.
Os arguidos tinham perfeito conhecimento que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
O 1.º arguido. B, era empregado numa loja de fitas, auferindo cerca de MOP 3500,00. Vivia com os pais. Confessou a agressão na Casa de bilhares.
O 2.° não prestou declarações em audiência.
O 3.°, D, confessou o furto. Vive com os pais a quem ajudava na venda numa tendinha.
O 4.° arguido estava desempregado e vive com a mãe.
O 5.° arguido, F, vive com os pais e ajuda a mãe a fazer carimbos.
O 6.° arguido, dá explicações e vive com os pais.
O 7.°, G, é técnico de ar condicionado e promotor de vendas, auferindo cerca de MOP 5500,00 por mês.
O 8.° arguido não prestou declarações em audiência.
O 9.° arguido, A, é assistente de cabeleireiro, auferindo cerca de MOP 5000,00 por mês e vive com o irmão e com a mãe.
O 10.° arguido confessou parcialmente os factos, as agressões, e vivia com uns amigos.
O 11.° arguido, K, é corretor de seguros e Disco Jockey, auferindo cerca de MOP 4500,00 por mês. Vive com a mãe e irmã mais velha.
Nada consta em desabono dos arguidos dos CRCs juntos aos autos.
2. Não se provou:
Desde data não apurada, mas anteriormente a Outubro de 1999, os arguidos W, X e os menores Y, Z, AA e AB foram convidados para integrar na tal associação, tendo cada um deles ou conjuntamente soldados principais.
Para retaliação o arguido B, J (ainda menor na altura dos factos), e o menor R fizeram reunir no dia 8 de Outubro de 1999 no “Fun Lok Hoi Sam Seng” no total cerca de 20 pessoas, incluindo W, X e H e os menores L, P e Q.
Depositaram as facas com antecedência no retrete para homens do “Fun Lok Hoi Sam Seng”.
E logo que se apoderam das referidas 3 facas se dividiram em 2 grupos: um grupo era comandado pelos arguidos C e I; e outro grupo era comandado pelos menores J e K.
Eles entendiam que os indivíduos do grupo de “Fok Lun Pong” que tinham agredido no H eram os “seguranças” do tal centro de máquinas electrónicas.
Cerca das 19H00 do mesmo dia, os 2 grupos entraram no tal centro de máquinas electrónicas.
Os arguidos W, X e os menores Y, Z, AA, AB, L, P e Q previamente concertados e realizaram em conjunto o supracitado plano.
Os arguidos W, X e os menores Y, Z, AA, AB, L, P e Q em conjunto com outros desconhecidos agruparam-se e que eles e ainda o H praticaram os factos relativos à agressão de que vêm acusados. Para isso, tenham eles agido consensualmente, compartilhando tarefas e praticando os respectivos factos em nome de todos desde o início até ao fim, à excepção do H relativamente à participação na referida associação.
Na realidade, aqueles arguidos em conjunto com as pequenas facções e outros elementos da associação criminosa “14K” dedicavam-se a actividade ilícita.
Além disso, no dia 12 de Maio de 2000, no salão de bilhar, sito no [Endereço], o outro indivíduo que acompanhava os arguidos B, J e K conjuntamente com o menor L era indivíduo de nome AC.

III - O Direito
Questão a resolver
1. A questão a resolver é apenas a de saber se, nos termos do art. 66.º, n.º 2, alínea f), do Código Penal, basta a idade inferior a 18 anos para que o tribunal tenha necessariamente de atenuar especialmente a pena ao arguido, ou se pode atenuar especialmente ou não a pena, consoante a avaliação que faça sobre o circunstancialismo do n.º 1 do mesmo artigo (“quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena”).
Se a tese do recorrente for procedente, haverá que aplicar pena adequada e decidir se a mesma deverá ser suspensa na sua execução, como pretende o arguido.
Atenuação especial da pena. Idade inferior a 18 anos.
2. Dispõe o art. 66.º do Código Penal:
   “Artigo 66.º
   (Atenuação especial da pena)
   1. O tribunal atenua especialmente a pena, para além dos casos expressamente previstos na lei, quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena.
   2. Para efeitos do disposto no número anterior são consideradas, entre outras, as circunstâncias seguintes:
   a) Ter o agente actuado sob influência de ameaça grave ou sob ascendente de pessoa de quem dependa ou a quem deva obediência;
   b) Ter sido a conduta do agente determinada por motivo honroso, por forte solicitação ou tentação da própria vítima ou por provocação injusta ou ofensa imerecida;
   c) Ter havido actos demonstrativos de arrependimento sincero do agente, nomeadamente a reparação, até onde lhe era possível, dos danos causados;
   d) Ter decorrido muito tempo sobre a prática do crime, mantendo o agente boa conduta;
   e) Ter o agente sido especialmente afectado pelas consequências do facto;
   f) Ter o agente menos de 18 anos ao tempo do facto.
   3. Só pode ser tomada em conta uma única vez a circunstância que, por si mesma ou em conjunto com outras, der lugar simultaneamente a uma atenuação especial da pena expressamente prevista na lei e à atenuação prevista neste artigo”.

Este Tribunal de Última Instância já se pronunciou sobre a questão ora em apreço no Acórdão de 29 de Setembro de 2000, Processo n.º 13/2000.1 Aí se concluiu que “a acentuada diminuição da culpa ou das exigências da prevenção constitui o pressuposto material de atenuação especial da pena, pelo que a idade inferior a 18 anos, ao tempo do facto, não constitui fundamento, por si só, para tal atenuação”.
Entendemos, no mesmo Acórdão que “a jurisprudência do TRIBUNAL SUPERIOR DE JUSTIÇA sempre considerou que as circunstâncias previstas neste n.º 2, e designadamente a desta alínea f), não são de funcionamento automático2.
Como explica J. FIGUEIREDO DIAS3«a acentuada diminuição da culpa ou das exigências da prevenção constitui o autêntico pressuposto processual material da atenuação especial da pena».
E acrescenta o mesmo autor «A diminuição da culpa ou das exigências da prevenção só poderá, por seu lado, considerar-se acentuada quando a imagem global do facto, resultante da actuação da(s) circunstância(s) atenuante(s), se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respectivo4»”.
Afigura-se ser de manter esta jurisprudência.
Ora, os limites das molduras estabelecidas para os crimes praticados pelo recorrente são adequados à ilicitude dos factos e à culpa do arguido. Quer dizer, examinando a conduta do recorrente, não vislumbramos qualquer diminuição da sua culpa, comparando-a, por exemplo, com a dos arguidos que comparticiparam nos mesmos factos.
Por outro lado, não é exacto que o Acórdão recorrido tenha considerado que o poder de atenuação especial das penas esteja no âmbito do poder discricionário dos juízes. O que entendeu foi que a idade inferior a 18 anos não implica, automaticamente, a atenuação especial da pena, o que é muito diferente.
Na verdade, como explica MAIA GONÇALVES5 a propósito de norma semelhante à do art. 66.º n.º 1 do Código de Macau, constante do Código Penal português - o n.º 1, do art. 72.º - “verificados os pressupostos legais, a concessão da atenuação especial é um dever a que o tribunal não se pode subtrair. Como anotámos na versão originária, trata-se de um poder vinculado, de um poder-dever”.

3. A gravidade dos factos, a culpa do arguido e a necessidade da pena, e consequentemente as exigências da prevenção em casos como o dos autos, conduzem à conclusão que não seria adequada a atenuação especial das penas.
Nada há, pois, a censurar à decisão recorrida.
   
IV – Decisão
Face ao expendido, rejeitam o recurso, mantendo a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando a taxa de justiça em 5 UC. Nos termos do art. 410.º n.º 4 do Código de Processo Penal pagará 4 UC pela rejeição do recurso.
Macau, 20 de Novembro de 2002
Viriato Manuel Pinheiro de Lima
                      Sam Hou Fai
Chu Kin
    1 Acórdãos do Tribunal de Última Instância da R.A.E.M., 2000, p. 447.
    2 Cfr. o Acórdão de 11.6.98, Processo n.º 851, Jurisprudência, 1998, Tomo I, p. 485.
    3 J. FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, Aequitas, Editorial Notícias, p. 306.
    4 Autor , obra e local citados.
    5 M. MAIA GONÇALVES, Código Penal Português Anotado e Comentado, Almedina, Coimbra, 1996, 10.ª ed., p. 279.
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