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Processo n.º 22/2003. Recurso jurisdicional em matéria penal.
Recorrente: B
Recorrido: Ministério Público.
Assunto: Droga. Atenuação especial da pena. Art. 18.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 5/91/M. Idade inferior a 18 anos.
Data da Sessão: 8 de Outubro de 2003.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator), Sam Hou Fai e Chu Kin.
SUMÁRIO:
  I – O benefício consistente na redução ou isenção da pena, concedido pelo n.º 2 do art. 18.º do Decreto-Lei n.º 5/91/M, ao traficante de estupefaciente que “...auxiliar concretamente na recolha de provas decisivas para a identificação ou captura dos outros responsáveis, especialmente no caso de grupos, organizações ou associações”, fundamenta-se em razões de política criminal, tendo em vista a eficácia no combate ao tráfico de estupefacientes.
  II - O benefício referido na conclusão anterior aplica-se sobretudo àquele que delata às autoridades, auxiliando na recolha de provas decisivas para a identificação ou captura dos outros responsáveis, especialmente no caso de grupos, organizações ou associações que se dediquem ao tráfico de estupefacientes.
  III – A atenuação especial ou isenção da pena a que se refere o n.º 2 do art. 18.º do Decreto-Lei n.º 5/91/M pode aplicar-se àquele que permita a identificação ou captura de simples indivíduos (um ou mais) que, pela sua particular danosidade social - designadamente, por aliciarem menores, pela dimensão do tráfico, pela duração da actividade criminosa, pelos meios utilizados, pela sua sofisticação - justifique a concessão do benefício ao delator.
  IV - A acentuada diminuição da culpa ou das exigências da prevenção constitui o pressuposto material de atenuação especial da pena, pelo que a idade inferior a 18 anos, ao tempo do facto, não constitui fundamento, por si só, para tal atenuação.
O Relator,
Viriato Manuel Pinheiro de Lima

ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

I – Relatório
O Tribunal Colectivo do Tribunal Judicial de Base, por Acórdão de 14 de Fevereiro de 2003, decidiu o seguinte:
a) Absolveu o 3.° arguido A do crime de tráfico de estupefaciente, previsto e punível pelo art. 8.° n.º l do Decreto-Lei n.º 5/91/M, de 28 de Janeiro, por insuficiência de prova;
b) Condenou a 1.ª arguida B na pena de sete (7) anos e seis (6) meses de prisão e multa de MOP$l0.000,00, com a alternativa de 60 dias de prisão, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico de droga previsto e punível pelo art. 8.° n.° 1, conjugado com o art. 18.° n.° 2 do Decreto-Lei n.° 5/91/M; e na pena de quarenta e cinco (45) dias de prisão pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de detenção de droga para consumo previsto e punível pelo art. 23.º alínea a) do Decreto-Lei n.° 5/91/M.
Em cúmulo, foi a 1.ª arguida B condenada na pena única e global de sete (7) anos e sete (7) meses de prisão e multa de MOP$10.000,00, com a alternativa de 60 dias de prisão;
c) Condenou o 2.º arguido C na pena de cinco (5) anos de prisão e multa de MOP$5.000,00, com a alternativa de 30 dias de prisão, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico de droga previsto e punível pelo art. 8.º n.° 1 do Decreto-Lei n.° 5/91/M, conjugado com os arts. 66.º n.° 2 alínea f) e 67.º n.º 1 do Código Penal;
d) Condenou o 3.º arguido A na pena de um (1) ano e dois (2) meses de prisão e multa de MOP$5.000,00, com a alternativa de 30 dias de prisão, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico previsto e punível pelo art. 8.º n.° e 3 do Decreto-Lei n.° 5/91/M; e na pena de um (1) mês de prisão pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de detenção de estupefaciente para consumo previsto e punível pelo art. 23.º alínea a) do mesmo Decreto-Lei.
Em cúmulo, foi o 3.º arguido A condenado na pena única e global de um (1) anos e dois (2) meses e quinze (15) dias de prisão e multa de MOP$5.000,00, com a alternativa de 30 dias de prisão, sendo a pena de prisão suspensa na sua execução por um período de dois anos.
Interposto recurso jurisdicional pela 1.ª arguida, B, o Tribunal de Segunda Instância, por Acórdão de 19 de Junho de 2003, negou-lhe provimento.
Não conformada, recorre a mesma arguida B para este Tribunal, terminando a sua motivação com as seguintes conclusões:
1.º - O Tribunal "a quo" incorreu em erro na apreciação da prova ao ignorar aspectos factuais que favoreciam a ora recorrente, considerando que os produtos eram destinados para fornecer a terceiros, tratando a recorrente como sendo uma traficante em sentido próprio, melhor dizendo, alguém que detém droga para fornecer a um qualquer terceiro.
2.º - O Tribunal "a quo" ignorou a prova resultante da discussão e julgamento de que a referida droga que o Tribunal considerou como sendo para fornecer a terceiro na realidade era para ser entregue a um indivíduo de nome "D", cuja identidade a ora recorrente muito bem conhece, tendo inclusive, fornecido à Polícia Judiciária os seus elementos de identificação.
3.º - O Tribunal "a quo" ignorou ainda o depoimento da testemunha E que, conjugado com os vários contornos do processo, permitiam valorar a prova de outra forma, bem como ter feito uso da livre apreciação da prova em favor da recorrente e que neste caso não sucedeu.
4.º - O Tribunal "a quo" ignorou a informação fornecida relativa a morada do referido indivíduo que é traficante-vendedor de produtos estupefacientes, devendo nessa instância ter mandado extrair certidão para que se apurasse da verdade.
5.º - Entendemos que não seria despropositado ter feito uso do mecanismo da renovação da prova relativamente a estes factos - de que a droga foi propositadamente encomendada para que resultasse na detenção da recorrente, pelo referido "D".
6.º - Numa abordagem aos factos que a acusação púbica trouxe ao julgamento, bem como a valoração pelo Tribunal "a quo" relativa ao consumo de droga pela recorrente e de que veio a ser condenada autonomamente, conjugado com o seu perfil e elementos anteriores, deixa bem claro de que se trata de traficante-consumidora, não repugnando a sua condenação nos termos do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 5/91/M, de 28 de Janeiro.
7.º - Ora, se o Tribunal "a quo" entendeu suficientes para o co-arguido C que aqui surge como traficante-vendedor de estupefaciente, a aplicação da pena de 5 anos de prisão e multa de MOP$5.000,00, porque se tratava de um menor à data dos factos, então, por maioria de razão, a ora recorrente que se trata de uma traficante-consumidora, em função da sua idade, e da menor gravidade dos factos por si cometidos, mereceria uma pena bastante mais benévola.
8.º - Sempre se dirá, a jusante, que a recorrente desde o início o processo sempre colaborou com a Polícia Judiciária e com o Tribunal de 1.ª instância em julgamento e forneceu a identidade do tal "D", pessoa que lhe pediu para ir comprar a droga e a mesma que a denunciou à polícia.
9.º - Ora, tendo em conta a menoridade da ora recorrente relativa a uma parte dos factos a que se reportam este processo, e, a sua tenra maioridade relativa a restante parte dos factos, bem como não haver qualquer referência à sua parte de que alguma vez tenha sido traficante-vendedora, e, ainda, a sua efectiva e total colaboração, sempre o Tribunal "a quo" deveria, atento ao disposto nos artigos 65.º e 66.º do Código Penal em vigor, atenuar a pena a aplicar, fixando-a mais próxima da pena aplicada ao segundo arguido.
10.º - Desta forma, impugna-se a condenação na pena de 7 anos e seis meses de prisão e multa de MOP$10.000,00 pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto nos artigos 8.º e 18.º do DL 5/91/M, por severidade em demasia, tendo em conta os argumentos acima referidos, e ainda, o facto de se tratar de uma traficante- consumidora.
11.º - Uma pena privativa da liberdade não superior a 5 anos de prisão seria justa e adequada para a situação em apreço relativamente à ora recorrente.

O Ministério Público respondeu à motivação do recurso, defendendo a manutenção da decisão, dizendo, em síntese:
- O traficante-consumidor é o agente que tem por finalidade exclusiva conseguir substâncias ou preparados para uso pessoal, o que não era o caso da recorrente;
- A recorrente, que foi punida com uma pena de sete anos e seis meses de prisão, pretende ser punida com uma pena não superior a cinco anos de prisão, o que não se justifica;
- A pena aplicável era de oito a doze anos e o tribunal de primeira instância fez uso do disposto no art. 18.º n.º 2 do Decreto-Lei n.º 5/91/M, o que não se justificava, pois não houve confissão integral da recorrente e não se verificava o quadro atenuativo do art. 66.º do Código Penal;
- Se bem que a recorrente fosse menor relativamente a uma parte dos factos, essa circunstância, por si só, não justifica a atenuação especial da pena.

Neste Tribunal, a Ex.ma Procuradora-Adjunta emitiu o seguinte parecer:
Impugna a recorrente B o douto Acórdão de TSI que confirmou o decidido pelo Tribunal Colectivo, que a condenou, pela prática de crime de tráfico de droga p. e p. pelo art.° 8.° n.° 1 do DL n.º 5/91/M, de 28 de Janeiro, na pena de 7 anos e 6 meses de prisão efectiva, invocando o erro na qualificação jurídico-penal da conduta da recorrente, e severidade da pena concretamente aplicada.
Entendemos que não lhe assiste razão.
1 - Na motivação do recurso apresentada pela recorrente a este TUI, aquela alegou que se trata de uma traficante-consumidora, mas não traficante- vendedora.
O art.° 11 do DL n.º 5/91/M, de 28 de Janeiro prevê a situação do "traficante-consumidor", "quando, pela prática de algum dos actos referidos no art.° 8.°, o agente tiver por finalidade exclusiva conseguir substâncias ou preparos para uso pessoal".
Da interpretação do disposto acima transcrito, entendemos que é certo e claro que, para ser qualificado como traficante-consumidor, é necessário que o agente, quando traficar o produto estupefaciente, tem por finalidade exclusiva de obter substâncias proibidas ou outros meios para as adquirir.
Como efeito, o agente, traficando tal produto, também para, em fim, obter outras vantagens, patrimoniais e não-patrimoniais, para além das acima referidas, já deixa de ser um mero traficante-consumidor. O facto de ser consumidor não exclui, por si só, a possibilidade de se considerar como traficante previsto no art.° 8.° do DL n.º 5/91/M.
Assim como se decide a jurisprudência dos tribunais e se sublinhou no Acórdão recorrido, "para que o traficante seja "traficante " consumidor" para os efeitos do art.º 11 do DL n.º 5/91/M, tem de demostrar-se que o único motivo determinante da sua actividade de traficante foi afectar o produto ou lucros obtidos com esse comercio exclusivamente ao seu consumo ou à aquisição de estupefaciente para seu uso. (cfr. Ac. do TSI de 14/09/2000, pro. n.º 137/2000)"
Entende o TUI que "um traficante que, ao mesmo tempo, é consome droga não é necessariamente o traficante-consumidor previsto no art.º 11.°, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 5/91/M. Só quando ficar provada a aquisição de droga para consumo pessoal, como a finalidade exclusiva do tráfico, é possível qualificar como crime de traficante-consumidor." (cfr. Ac. de 27/06/2002, pro. n.º 6/2002)
Obviamente o que não se verifica "in casu".
Da factualidade dada como assente, como se frisa no Acórdão recorrido, não resulta que a recorrente traficava droga com exclusiva finalidade de conseguir estupefaciente para o seu consumo.
Pelo que a decisão do Tribunal a quo na parte de condenar a recorrente como traficante tem toda a sustentação legal, não merecendo nenhuma censura.
II - A recorrente impugna também o "quantum" da pena que lhe foi aplicada, entendendo que a pena adequada e justa deve ser 5 anos de prisão e multa de 5,000.00.
Cremos que é uma pretensão infundada.
A recorrente invoca que, tendo em conta da menoridade da recorrente relativa a uma parte dos factos, e a sua tenra maioridade relativa a restante parte dos factos, e a sua efectiva e total colaboração, o tribunal a quo deveria atenuar a pena aplicada, fixando-lhe uma pena privativa da liberdade não superior a 5 anos.
A recorrente foi condenada pela prática de um crime p. e p. pelo art.° 8.°, n.º 1 do DL n.º 5/91/M, de 28 de Janeiro.
Fazendo uso do disposto no art.° 18.º, n.º 2 do D.L. n.° 5/91/M, o Tribunal do julgamento aplicou à arguida B, ora recorrente, uma pena de 7 anos e 6 meses de prisão de multa de MOP$10,000.00, com a alternativa de 60 dias de prisão.
Conforme o art.º 65.° do CPM, na determinação da pena concreta, dentro dos limites mínimo e máximo definidos por lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção criminal.
E a pena moldura penal abstracta para o crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo art.º 8.°, n.º1 do DL n.º 5/91/M, é de 8 anos a 12 anos de prisão e multa de MOP$5,000.00 a MOP$700,000.00.
Como se sabe, o facto de que a recorrente ser menor de 18 anos de idade à data relativa à parte dos factos, não é, por si só, uma causa de redução automática da pena, em sede de atenuação especial da pena prevista na lei penal, sendo necessário que o mesmo possa diminuir por forma atenuada a ilicitude do facto, a culpa do agente e a necessidade da pena (cfr. art.° 66, n.º 1 do CPM). O que não se verificada no caso em apreço.
A natureza do crime tão é grave e o dolo da recorrente é mesma intenso.
A recorrente confessou parcialmente os factos.
Ainda, a quantidade do produtos estupefaciente apreendido na sua posse;
E não existe, a favor da recorrente, qualquer outras circunstância que lhe permita beneficiar o preceituado no art.° 66.° do CPM.
Finalmente, são prementes as exigências da prevenção criminal, quer geral, quer especial.
Assim, não se vê qualquer excesso da pena.
Pelo contrário, mostra-se perfeitamente justa e equilibrada a pena concreta fixada, não se vê nenhuma censura a fazer.
Na realidade, a sociedade, para combater com crime de tráfico de droga, exige maior punição no ponto de vista de prevenção geral. "O bem jurídico primordialmente protegido pelas previsões do tráfico de droga é o da saúde e integridade física dos cidadãos vivendo em sociedade, mais sinteticamente, a saúde pública." (cfr. Lourenço Martins "Droga e Direito", p. 122)
Termos em que se deve julgar improcedente o recurso interposto pelo recorrente.

II – Os factos
Os factos que as instâncias deram como provados e não provados e a respectiva motivação são os seguintes:
Os arguidos B, C e A, além de traficar droga, eram consumidores da mesma.
No dia 2 de Junho de 2001, cerca das 01H40, na entrada do parque de estacionamento que fica ao lado do bar do [Endereço (1)], a arguida B foi abordada pelos agentes da P.J. por ter mostrado uma atitude suspeita.
Os agentes da P.J. encontraram, na altura, 27 embrulhos de papel decorativo colorido na posse da arguida B.
Após o exame laboratorial, apurou-se que a substância contida nos supracitados 27 embrulhos de papel decorativo colorido, com peso líquido total de 3,559g, contém Ketamina, substância abrangida na Tabela II-C do Decreto Lei n.° 5/91/M.
A referida droga foi adquirida pela arguida B junto a um indivíduo chamado "F", em 29 de Maio, cerca das 19H00, perto da Praça de Ponte e Horta.
A intenção da arguida B em adquirir a supracitada droga era parcialmente para consumo próprio e parcialmente para fornecer a outrem.
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Em 23 de Julho de 2001, cerca das 06H15, dentro da discoteca do Hotel (1), os agentes da P.J. abordaram a arguida B e o G para averiguação, por serem suspeitas as suas condutas.
Naquele momento, os agentes da P.J. encontraram, no bolso esquerdo das calças do G, 46 embrulhos de papel decorativo colorido contendo uma substância em pó.
Após o exame laboratorial, foi confirmado que a substância contida nos referidos 46 embrulhos de papel decorativo colorido, com peso líquido total de 8,388g, contém Ketamina, substância constante na Tabela II-C do Decreto-Lei n.° 5/91/M.
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No dia 22 de Março de 2002, por volta das 20H30, no lobby do Hotel (2), os agentes da P.J. abordaram a arguida B por ser suspeita a sua conduta.
Os agentes da P.J. encontraram, na altura, na posse da arguida B, um saco plástico transparente contendo pó branco, 20 comprimidos e 2 embrulhos de pó branco, cada um, embrulhado numa nota de cem patacas.
Após o exame laboratorial, foi confirmado que o pó branco contido no referido saco plástico, com peso líquido de 18,317g, e o pó branco dos referidos embrulhos de nota, com peso líquido de 2,705g, contêm Ketamina, substância constante da Tabela II-C do Decreto-Lei n.° 5/91/M (com nova redacção dada pela Lei n.° 4/2001); e os supracitados 20 comprimidos contêm MDA, substância constante na Tabela II-A, e Ketamina, substância constante na Tabela II-C do referido Decreto-Lei.
A referida droga foi adquirida pela arguida B junto do arguido C, no dia 22 de Março de 2002, cerca das 19H30, na fracção autónoma sita no [Endereço (2)]. A Ketamina contida no saco plástico e os 20 comprimidos, mistura de MDA e Ketamina, eram destinados para fornecer a terceiro e a Ketamina contida nos dois embrulhos de nota para consumo pessoal.
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Posteriormente, segundo as informações fornecidas pela arguida B, os agentes da P.J. interceptaram, perto do [Endereço (2)], o arguido C que, na altura, estava com H.
Logo a seguir, os agentes da P.J. acompanhando os arguidos C e H, foram à residência temporária deles, na fracção autónoma sita no [Endereço (2)], para proceder a busca, encontrando na cita fracção autónoma um saco plástico transparente, contendo pó branco.
Após o exame laboratorial, apurou-se que o referido pó branco, com peso líquido de 5,677g, contém Ketamina, substância constante da Tabela II-C do Decreto-Lei n.° 5/91/M.
A droga supramencionada, os 20,022g de Ketamina comprada pela arguida B junto do arguido C, e os 20 comprimidos, de MDA e Ketamina, tudo isso foi comprado pelo arguido C junto de um indivíduo não identificado, em 22 de Março de 2002, pelas 19H00, e destinado para o consumo de terceiros.
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O arguido H, depois de ser detido, indicou o arguido A como um fornecedor de estupefaciente.
A fim de deter o arguido A, os agentes da P.J. solicitaram o H para telefonar ao arguido A, fingindo que pretendesse fazer negócio de droga.
O arguido A combinou, então, com o H para fazer transacção à porta de "Karaoke" da NAPE, no dia 23 de Março de 2002, as 01H30.
No dia 23 de Março de 2002, por volta das 01H45, o arguido A apareceu no referido local combinado e foi interceptado pelos agentes da P.J..
Os agentes da P.J. encontraram, na altura, na posse do arguido A, um saco de substância suspeita de ser canabis e 56 comprimidos.
Após o exame laboratorial, apurou-se que a referida substância com o peso líquido de 2,696g, contém canabis, substância constante da Tabela I-C do Decreto-Lei n.° 5/91/M; e os referidos comprimidos contêm Nimetazepam, substância constante da Tabela IV do mesmo Decreto-Lei.
A supracitada droga foi adquirida pelo arguido A junto de um indivíduo desconhecido, sendo o canabis para o seu consumo e os 56 comprimidos para fornecer a terceiros.
*
Os arguidos B, C e A agiam livre, consciente e voluntariamente.
Os arguidos sabiam perfeitamente a natureza e características da referida droga.
As suas condutas não eram permitidas por qualquer lei.
Os arguidos tinham perfeito conhecimento de que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
O arguido C, quando praticou a supracitada conduta, tinha menos de 18 anos de idade.
***
A 1.ª arguida B confessa parcialmente os factos.
Aufere, mensalmente, cerca de MOP$6.500,00 e tem a seu cargo a sua mãe. Possui como habilitações o curso secundário incompleto.
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O 2.º arguido C apenas confessa ter vendido ketamina e "ecstasy" à 1.ª arguida, mostrando-se arrependido.
Aufere, mensalmente, cerca de MOP$2.000,00 e não tem ninguém a seu cargo. Possui como habilitações o curso primário.
*
O 3.º arguido A confessa parcialmente os factos.
Aufere, mensalmente, cerca de MOP$10.000,00 e tem a seu cargo a sua mãe. Possui como habilitações o curso secundário incompleto.
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Nada consta em desabono dos seus CRCs junto aos autos.
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2. Não se provaram os seguintes factos da acusação:
- A partir de data não apurada, os arguidos B, C e A começaram a praticar a actividade de tráfico de droga em Macau;
- A droga traficada por eles era sobretudo "Ketamina", destinada principalmente a pessoas que se divertiam em estabelecimentos de diversões;
- Em 23 de Julho de 2001, cerca das 06H15, dentro da discoteca do Hotel (1), os agentes da P.J. notaram que a arguida B estava a introduzir alguma coisa para dentro do bolso esquerdo das calças de G que estava ao lado dela;
- A supracitada droga (encontrada na discoteca em 23 de Julho de 2001) foi adquirida pela arguida B junto a um indivíduo desconhecido, com intenção de fornecê-la a outrem.
- A droga supramencionada, os 20,022g de Ketamina comprada pela arguida B junto do arguido C, e os 20 comprimidos, de MDA e Ketamina, tudo isso foi comprado pelo arguido C junto do arguido A, em 22 de Março de 2002, pelas 19H00, e destinado ao consumo de terceiro; e
- O arguido C, depois de ser detido, desabafou o facto sobre o tráfico praticado pelo arguido A.
E não se provaram quaisquer outros factos da acusação e que não estejam em conformidade com a factualidade acima assente.
***
3. A convicção do Tribunal baseou-se na prova constante dos autos, na análise crítica e comparativa das declarações dos três arguidos prestadas na audiência de julgamento e as do 2.° arguido prestadas no JIC e lidas na audiência, e do depoimento das testemunhas inquiridas.

III - O Direito
1. As questões a resolver
Cabe apurar se houve erro notório na apreciação da prova ao considerar a recorrente uma traficante de droga, em vez de mera traficante-consumidora, se houve erro de direito ao qualificar os factos provados, considerando a recorrente uma traficante de droga, em vez de mera traficante-consumidora e, por último se devia ter sido aplicada à recorrente uma pena de prisão não superior a cinco anos, porque era menor quando sucederam parte dos factos, por ser traficante-consumidora e por ter colaborado com a Polícia..

2. Erro notório na apreciação da prova
Tem este Tribunal considerado, aliás de acordo com a generalidade da jurisprudência, que o erro notório na apreciação da prova existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada ou as legis artis. E tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores.1
Ora, os factos invocados pela recorrente, que os não comprova, não suportam a procedência do vício invocado.

3. Tráfico-consumo
A recorrente considera que houve erro de direito ao qualificar os factos provados, considerando a recorrente uma traficante de droga, em vez de mera traficante-consumidora.
A recorrente foi condenada pela prática de um crime previsto e punível pelo art. 8.°, n.° 1 do Decreto-Lei n.º 5/91/M, que é o chamado crime de tráfico de estupefaciente.
Pretende a recorrente que devia ter sido condenada como traficante-consumidora, pelo crime previsto e punível pelo art. 11.º, n.º 1 do mesmo diploma, onde se dispõe que “Quando, pela prática de algum dos actos referidos no artigo 8.º, o agente tiver por finalidade exclusiva conseguir substâncias ou preparados para uso pessoal, a pena será a de prisão até 2 anos e multa de 2000 a 50000 patacas”.
Ora, dos factos provados resulta que a recorrente, além de ceder e proporcionar a outrem produtos estupefacientes, também consumia. Logo, praticou os crimes de tráfico e de consumo de estupefacientes, mas não o crime do art. 11.º, n.º do Decreto-Lei n.º 5/91/M, pois não se provou que a recorrente, com a actividade de tráfico, tivesse por finalidade exclusiva conseguir substâncias ou preparados para uso pessoal.
Improcede, pois, a questão suscitada.

4. Atenuação especial da pena nos termos do n.º 2 do art. 18.º do Decreto-Lei n.º 5/91/M
O Tribunal Colectivo atenuou especialmente a pena da ora recorrente, nos termos do art. 18.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 5/91/M, condenando-a na pena de sete (7) anos e seis (6) meses de prisão e multa de MOP$l0.000,00, com a alternativa de 60 dias de prisão, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico de droga previsto e punível pelo art. 8.° n.° 1 do Decreto-Lei n.º 5/91/M. Para tal, entendeu que a arguida tinha colaborado com a Polícia na descoberta da verdade.
Atinentemente, provou-se que depois de a recorrente ter sido surpreendida pela Polícia na posse de estupefaciente, “... segundo as informações fornecidas pela arguida B, os agentes da PJ interceptaram, perto do [Endereço (2)], o arguido C...”.
Não parece que se verificasse o condicionalismo previsto no art. 18.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 5/91/M.
Como referimos no acórdão proferido hoje, dia 8 de Outubro de 2003, no Processo n.º 21/2003, «Dispõe o n.º 2 do art. 18.º que “No caso de prática dos crimes previstos nos artigos 8.º, 9.º e 15.º, se o agente abandonar voluntariamente a sua actividade, afastar ou fizer diminuir consideravelmente o perigo por ela causado, auxiliar concretamente na recolha de provas decisivas para a identificação ou captura dos outros responsáveis, especialmente no caso de grupos, organizações ou associações, poderá a pena ser-lhe livremente atenuada ou decretar-se mesmo a isenção”.
Está em causa, neste momento a interpretação do segmento da norma que permite a atenuação especial (ou até a isenção) da pena do traficante de estupefaciente que “...auxiliar concretamente na recolha de provas decisivas para a identificação ou captura dos outros responsáveis, especialmente no caso de grupos, organizações ou associações...”.
Como é patente, o benefício em referência fundamenta-se em razões de política criminal, tendo em vista a eficácia no combate ao tráfico de estupefacientes. Na verdade, com esta faculdade, a lei pretende estimular a colaboração dos traficantes com as autoridades, delatando outros traficantes, por ser muito difícil a descoberta deste tipo de crimes, dada a particular dificuldade de investigação e prova dos factos relacionados com o tráfico de estupefacientes.
Esta norma insere-se no chamado direito penal premial, visando beneficiar os membros dos grupos que colaboram com as autoridades, permitindo a captura dos restantes membros. Deve, em princípio, ser de utilização excepcional.
Mas a ser assim, não é qualquer delação que merece a concessão do benefício. A letra da lei é clara ao apontar para a identificação e captura de responsáveis, “especialmente no caso de grupos, organizações ou associações”.
Certo, não se pode excluir a aplicação do n.º 2 do art. 18.º do Decreto-Lei n.º 5/91/M, à identificação e captura de simples indivíduos e não apenas de grupos ou de organizações. Mas tais indivíduos devem ter um tal peso no tráfico de droga, pela sua particular danosidade social - designadamente, por aliciarem menores, pela dimensão do tráfico, pela duração da actividade criminosa, pelos meios utilizados, pela sua sofisticação - justifique a concessão do benefício ao delator.
Ou seja, não faz sentido beneficiar o delator que “entrega” um traficante da sua “dimensão”, sobretudo quando esta não é considerável.
É manifesto que não é possível a atenuação do traficante que apenas denuncia o seu fornecedor, se este é do mesmo nível, do que colabora com as autoridades. Pois a que título é que a lei iria conceder um benefício que pode ir até à isenção da pena, para punir um traficante de igual perigosidade?»
Logo daqui se retira que a recorrente não estava em condições de beneficiar da atenuação especial, pois se limitou a dar informações às autoridades policiais que permitiram a captura do seu fornecedor, o 2.º arguido que, face aos factos provados, não se demonstra ser um grande traficante, nem dotado de qualquer organização poderosa ou sofisticada, nem que pratique o tráfico há longo tempo.
5. Atenuação especial - menoridade
Relativamente ao facto de a recorrente não ter ainda 18 anos quando parte dos factos sucederam, isso também não justifica a atenuação especial da pena, nos termos do art. 66.º do Código Penal. Por um lado, só a parte do trafico enquanto maior já inviabilizaria a atenuação especial com fundamento na alínea f) do n.º 2 do art. 66.º.
Mesmo que fosse menor durante o período da totalidade dos factos isso, por si só, não justificaria a atenuação especial, como este Tribunal já decidiu nos acórdãos de 20 de Novembro de 2002, Processo n.º 15/2002 e de 29 de Setembro de 2000, Processo n.º 13/2000.2 Aí se concluiu que “a acentuada diminuição da culpa ou das exigências da prevenção constitui o pressuposto material de atenuação especial da pena, pelo que a idade inferior a 18 anos, ao tempo do facto, não constitui fundamento, por si só, para tal atenuação”.
Entendemos, nos mesmo acórdãos que “a jurisprudência do TRIBUNAL SUPERIOR DE JUSTIÇA sempre considerou que as circunstâncias previstas neste n.º 2, e designadamente a desta alínea f), não são de funcionamento automático3.
Como explica J. FIGUEIREDO DIAS4«a acentuada diminuição da culpa ou das exigências da prevenção constitui o autêntico pressuposto processual material da atenuação especial da pena».
E acrescenta o mesmo autor «A diminuição da culpa ou das exigências da prevenção só poderá, por seu lado, considerar-se acentuada quando a imagem global do facto, resultante da actuação da(s) circunstância(s) atenuante(s), se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respectivo5»”.
    Afigura-se ser de manter esta jurisprudência.
Assim, o facto de a recorrente ter prosseguido a sua actividade criminosa depois de ter sido surpreendida pela Polícia em actividade similar e a confissão apenas parcial dos factos, inviabilizam a possibilidade de atenuação especial que, de qualquer maneira, não se justificaria.

IV – Decisão
Face ao expendido, rejeitam o recurso por manifesta improcedência.
Custas pela recorrente, fixando a taxa de justiça em 5 UC. Nos termos do art. 410.º n.º 4 do Código de Processo Penal, pagará 4 UC pela rejeição do recurso.
Macau, 8 de Outubro de 2003
Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) - Sam Hou Fai - Chu Kin
1 Acórdãos de 22 de Novembro de 2000, Processo n.º 17/2000, em Acórdãos do Tribunal de Última Instância, 2000, p. 487 e de 16 de Março de 2001, Processo n.º 16/2000.
2 Acórdãos do Tribunal de Última Instância, 2000, p. 447.
3 Cfr. o Acórdão de 11.6.98, Processo n.º 851, Jurisprudência, 1998, Tomo I, p. 485.
4 J. FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, Aequitas, Editorial Notícias, p. 306.
    5 Autor , obra e local citados.
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1
Processo n.º 22/2003

24
Processo n.º 22/2003