打印全文
Processo n.º 25/2003. Recurso jurisdicional em matéria penal.
Recorrente: A
Recorrido: Ministério Público.
Assunto: Recurso em processo penal para o Tribunal de Última Instância. Concurso de infracções.
Data da Sessão: 15 de Outubro de 2003.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator), Sam Hou Fai e Chu Kin.
SUMÁRIO:
A expressão “mesmo em caso de concurso de infracções” constante das alíneas f) e g) do n.º 1 do art. 390.º do Código de Processo Penal, significa que, para que seja admissível recurso de decisão do Tribunal de Segunda Instância para o Tribunal de Última Instância, é necessário que a penalidade aplicável, em abstracto, a cada crime, exceda 8 ou 10 anos de prisão, respectivamente, nos casos das alíneas f) e g) do n.º 1 do art. 390.º, ainda que esteja em causa um concurso de infracções.
O Relator,
Viriato Manuel Pinheiro de Lima
  
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

I – Relatório
O Tribunal Colectivo do Tribunal Judicial de Base, por Acórdão de 21 de Março de 2003, decidiu o seguinte:
Condenou o arguido A pela prática de um crime previsto e punível pelo art. 204.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de dois anos e três meses de prisão e pela prática de um crime previsto e punível pelo art. 11.º, n.º 3, da Lei n.º 2/90/M, de 3.5, na pena de sete meses de prisão.
Em cúmulo jurídico, foi condenado na pena unitária de dois anos e seis meses de prisão.
Interposto recurso jurisdicional o Tribunal de Segunda Instância, por Acórdão de 5 de Junho de 2003, concedeu parcial provimento ao recurso interposto pelo arguido, tendo reduzido a pena pela prática de um crime previsto e punível pelo art. 204.º, n.º 1, do Código Penal, para um ano e seis meses de prisão, mantendo a outra pena parcelar.
Em cúmulo jurídico, condenou o arguido na pena unitária de um ano e nove meses de prisão.
Não conformado recorre o arguido para este Tribunal de Última Instância.
Na sua resposta à motivação do recurso a Exm.ª Procuradora-Adjunta suscitou a questão da irrecorribilidade da decisão, pois que:
- Quanto ao crime de roubo, previsto e punível pelo art. 204.º, n.º 1 do Código Penal, com a penalidade de 1 a 8 anos de prisão, o TSI alterou a pena, mas a decisão é irrecorrível nos termos da alínea f) do art. 390.º do Código de Processo Penal;
- Só é admissível recurso para o Tribunal de Última Instância se estiver em causa crime punível com pena de prisão superior a oito anos, quando a decisão do Tribunal de Segunda Instância for alterada;
- O preenchimento ou não das condições previstas nas alíneas do n.º 1 do art. 390.º do Código de Processo Penal deve ser analisado caso a caso, tendo em conta cada um dos crimes e respectiva pena aplicável que estejam concretamente em causa.
Em parecer, neste Tribunal, a Exm.ª Procuradora-Adjunta pronunciou-se pela irrecorribilidade da decisão, aderindo ao entendimento exposto na resposta à motivação do recurso.
Ouvido o recorrente, não se pronunciou sobre as questões suscitadas.

II – Apreciação da questão suscitada que obsta ao conhecimento do objecto dos recursos
Recorribilidade de decisões do TSI
O TSI alterou a pena, baixando-a, relativamente ao crime de roubo, previsto e punível pelo art. 204.º, n.º 1 do Código Penal, com a penalidade de 1 a 8 anos de prisão.
Em matéria penal, a regra geral é a da recorribilidade das decisões, expressando-se o art. 389.º do Código de Processo Penal da seguinte forma:
“Artigo 389.º
(Princípio geral)
É permitido recorrer dos acórdãos, sentenças e despachos cuja irrecorribilidade não estiver prevista na lei”.
O art. 390.º estabelece as excepções a tal princípio geral da recorribilidade das decisões:

“Artigo 390.º
(Decisões que não admitem recurso)
1. Não é admissível recurso:
a) De despachos de mero expediente;
b) De decisões que ordenam actos dependentes da livre resolução do tribunal;
c) De decisões proferidas em processo sumaríssimo;
d) De acórdãos proferidos, em recurso, pelo Tribunal de Segunda Instância, que não ponham termo à causa;
e) De acórdãos absolutórios proferidos, em recurso, pelo Tribunal de Segunda Instância, que confirmem decisão de primeira instância;
f) De acórdãos proferidos, em recurso, pelo Tribunal de Segunda Instância, em processo por crime a que seja aplicável pena de multa ou pena de prisão não superior a oito anos, mesmo em caso de concurso de infracções;
g) De acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelo Tribunal de Segunda Instância, que confirmem decisão de primeira instância, em processo por crime a que seja aplicável pena de prisão não superior a dez anos, mesmo em caso de concurso de infracções;
h) Nos demais casos previstos na lei.
2. O recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil é admissível desde que a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade da alçada do tribunal recorrido”.
Como se disse, o TSI alterou a pena, baixando-a, relativamente ao crime de roubo, previsto e punível pelo art. 204.º, n.º 1 do Código Penal, com a penalidade de 1 a 8 anos de prisão.
Está-se, assim, aparentemente, na situação da alínea f) do n.º 1 do art. 390.º do Código de Processo Penal.
Contudo, como se tratava de uma situação de concurso (real) de infracções, um crime de roubo e um crime de posse de documento falso, o limite máximo abstracto 1 da penalidade aplicável seria superior aos 8 anos de prisão de que fala a alínea f), de acordo com o disposto no art. 71.º, n.º 2 do Código Penal.
É certo que tanto a alínea f), como a alínea g) usam a expressão “mesmo em caso de concurso de infracções”.
Tudo está em saber se o que releva para aferir da recorribilidade para o TUI é a penalidade aplicável a cada crime ou a penalidade máxima abstracta aplicável em caso de concurso de infracções
Mas, em primeiro lugar, a letra da lei aponta para a penalidade aplicável em abstracto a cada crime. Se se pretendesse referir à penalidade unitária concretamente aplicável em caso de concurso, não deixaria de se expressar de outra forma.
Em segundo lugar, manifestamente, o que se pretende é limitar o recurso para o TUI aos casos de crimes mais graves. Ora, isto só é assim relativamente a cada crime, independentemente da pena unitária aplicável em caso de concurso de infracções. Quer dizer, por vezes, o máximo da penalidade unitária, em concreto, é superior a 8 ou 10 anos de prisão, em caso de crimes de pouca gravidade, bastando que se trate de um grande número de infracções. Ora, não seria razoável, em tais casos, permitir, o recurso para o TUI.
Por último, quando no art. 12.º, n.º 1, alínea c) se fixa a competência do tribunal colectivo, a lei é clara ao fixar tal competência tendo em conta o limite máximo da penalidade unitária abstractamente aplicável em caso de concurso. Ao passo que nas alíneas f) e g) do n.º 1 do art. 390.º se levou em conta apenas a penalidade abstracta aplicável a cada crime, mesmo que esteja em causa um concurso de infracções.
Portanto, a interpretação a dar à expressão “mesmo em caso de concurso de infracções” é a de que é necessário que a penalidade aplicável a cada crime exceda 8 ou 10 anos de prisão, respectivamente, nos casos das alíneas f) e g) do n.º 1 do art. 390.º, ainda que esteja em causa um concurso de infracções
É esta, aliás, a opinião de GERMANO MARQUES DA SILVA,2 a propósito de norma semelhante do Código português, quando refere que “...a expressão mesmo em caso de concurso de infracções significa aqui que não importa a pena aplicada no concurso, tomando-se em conta aqui a pena abstractamente aplicável a cada um dos crimes...”.
Não é, pois, admissível o recurso do arguido.

III – Decisão
Face ao expendido, não conhecem do recurso interposto pelo arguido por irrecorribilidade da decisão.
Custas pelo recorrente, fixando a taxa de justiça em 3 UC.
Fixam em mil patacas os honorários do Exm.º Defensor Oficioso que elaborou a motivação do recurso.
Macau, 15 de Outubro de 2003
Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) - Sam Hou Fai - Chu Kin

 1 Mas não concreto, face às penas concretas aplicadas ao arguido.
  2 GERMANO MARQUES DA SILVA, Curso de processo penal, Editorial Verbo, Lisboa, 2000, 2.ª ed., vol. III, p 325.
---------------

------------------------------------------------------------

---------------

------------------------------------------------------------




1
Proc. n.º 25/2003

7
Proc. n.º 25/2003