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(Tradução)

Âmbito de conhecimento da causa
Liberdade condicional

Sumário

  I. O tribunal ad quem só vai resolver as questões concretamente postas pelo recorrente e delimitadas pelas conclusões da sua motivação de recurso.
  II. Se o tribunal entender que o condenado não preencher em simultâneo os requisitos materiais exigidos pelas alínea a) e b) do n.º 1 do art.º 56.º do Código Penal, com o que a liberdade condicional não lhe pode ser concedida.

Acórdão de 13 de Novembro de 2003
Processo n.º 255/2003
Relator: Chan Kuong Seng


ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.

I. Relatório e Fundamentação Fáctica e Jurídica da Sentença Recorrida
1. O Mm.º Juiz do 2.º Juízo de Instrução Criminal do Tribunal Judicial de Base procedeu ao julgamento do processo de concessão da liberdade condicional n.º PLC-039-03-2-A do recluso (A) e proferindo a respectiva sentença no dia 21 de Agosto de 2003 (cfr. o despacho de fls. 48 e 48v. dos autos, e sic):
“Com o consentimento do recluso (A), este Tribunal iniciou e formulou o presente processo de liberdade condicional ao abrigo do disposto no artigo 467.º do Código de Processo Penal de Macau para proceder ao julgamento.
Conforme informação prestada pelo chefe dos Guardas prisionais, o comportamento prisional do recluso pertence à categoria de “semi-confiança”, tem um comportamento “bom” e tem mantido bom comportamento desde a entrada na prisão, não há nenhuma infracção disciplinar, sugerindo-se que lhe conceda oportunidade de reingresso à sociedade (cfr. fls. 17).
O Sr. Director do E.P.M. emitiu parecer desfavorável em relação à libertação antecipada do recluso (cfr. fls. 18).
O Ex.mo Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer desfavorável à liberdade condicional do recluso (cfr. fls. 47).
*
O Tribunal é competente.
Não há nenhumas nulidades, excepções ou questões prévias.
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Em 1 de Março de 2002, o recluso (A) foi condenado, no processo n.º PCC-108-01-3, pelo 3.º Juízo do Tribunal Colectivo do Tribunal Judicial de Base, na pena de 3 anos de prisão pela prática do crime de roubo.
Sendo esta 1.ª vez que o mesmo entrou na prisão.
O recluso já cumpriu a pena necessária à concessão da liberdade condicional em 10/9/2003.
Uma vez libertado condicionalmente, o recluso manifesta que regressará para Hong Kong para coabitar com os seus familiares e exercerá a actividade de vendilhão com a mãe.
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Resulta dos autos que apesar de ter mantido bom comportamento prisional desde a entrada na prisão e ter participado activamente nos cursos de aperfeiçoamento realizados pelo EPM, o crime praticado pelo recluso tem circunstância grave, causando um impacto negativo na sociedade, se agora lhe conceda a liberdade condicional, a punição não é suficiente para reparar o crime praticado e não podendo produzir o respectivo efeito ameaçador.
Atendendo a que as finalidades da pena visam, por um lado, intimidar acto criminoso e prevenir o cometimento de crimes, por outro, educar os condenados para que se tornem responsáveis perante a sociedade; até ao presente momento, o Tribunal entendeu que a libertação agora do recluso não favorece à defesa de ordem jurídica e da paz social.
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Com base nos fundamentos supracitados, nos termos do artigo 468.º, n.º 4 do Código de Processo Penal de Macau e do artigo 56.º, n.º 1 do Código Penal de Macau, este Tribunal decide negar o pedido de liberdade condicional apresentado pelo recluso (A); sem prejuízo da renovação da instância nos termos do disposto no artigo 469.º n.º 1 do Código de Processo Penal de Macau.
Notifique o recluso e remeta as respectivas cópias nos termos do artigo 468.º, n.ºs 4 e 5 do Código de Processo Penal de Macau.
Comunique o presente despacho ao EPM e ao Processo n.º PCC108-01-03.
DN.
[...]>>
2. Inconformado com tal decisão, recorreu o recluso (A) para este Tribunal de Segunda Instância, concluindo na motivação de recurso constante de fls. 76 a 78 dos autos o seguinte:
“1. Neste requerimento da liberdade condicional, o recorrente já cumpriu mais de dois terços da pena em que foi condenado, encontra-se preenchido o disposto no artº 56º n.º 1 do Código Penal de Macau.
2. As circunstâncias do crime praticado pelo recorrente não são graves, sendo primário o mesmo, o relatório do EPM consta que a personalidade do recorrente evoluiu positivamente, tem bom comportamento durante o cumprimento da pena de prisão, criando para si próprio melhores condições para o reingresso à sociedade. Estes comportamentos demostram que uma vez libertado condicionalmente, o recorrente se tornará responsável perante a sociedade e não voltará a cometer crime, assim se encontra preenchido o disposto no artº 56º n.º 1 alínea a) do Código Penal de Macau.
3. A concessão da liberdade condicional a recorrente não põe em causa a função da “prevenção geral” da pena, pois que a pena de 3 anos de prisão condenada a recorrente já produz efeito intimidatório e ameaçador na sociedade e desenvolvendo a sua função de “prevenção geral”, acrescendo que o recorrente voltará para Hong Kong e exercerá a actividade de vendilhão com a mãe, pelo que a concessão da pretendida liberdade condicional a recorrente não impacta gravemente a tranquilidade da sociedade (especialmente de Macau), e a liberação antecipada do recluso não irá pôr em causa a defesa da ordem jurídica e da paz social prevista no art.º 56º n.º 1 al. b) do Código Penal de Macau.
Pelo exposto, o recluso reuniu os requisitos para a concessão de liberdade condicional previstos pela lei, pelo que deve conceder-lhe a pretendida liberdade condicional. ”
3. A esse recurso interposto pelo recluso (A), o Digno Delegado do Procurador junto do Juízo de Instrução Criminal, na sua resposta dada de acordo com o artigo 430.º n.º 1 do Código de Processo Penal, constante de fls. 80 a 82 dos autos, opôs-se à pretensão do recorrente e concluindo pelo modo seguinte:
“1. ……;
2. Sendo insuficientes os fundamentos do recurso, graves são as circunstâncias do crime praticado pelo recluso, apesar de ter tido bom comportamento durante a reclusão, não se mostra rectificada totalmente a sua personalidade;
3. A decisão judicial foi proferida com fundamentos suficientes, estando preenchido o disposto legal, especialmente o disposto no artigo 56.º do Código Penal;
4. Nestes termos, o Ministério Público entende que é infundado o recurso interposto pelo recorrente, deve-se negar provimento ao recurso.”
4. Subido o recurso para esta Instância ad quem, a Digna Procuradora-Adjunta, em sede de vista a ela aberta nos termos do artigo n.º 406 do Código de Processo Penal, emitiu, a fls. 87 a 88, o parecer, pugnando pela improcedência do recurso.
5. Subsequentemente, foi pelo relator do presente processo feito o exame preliminar dos autos à luz do art.° 407.°, n.° 3, do CPP, em sede do qual se entendeu poder este TSI conhecer do mérito da causa.
6. Em seguida, foram postos pelos dois Mm.°s Juízes-Adjuntos os seus vistos nos autos de acordo com o art.° 408.°, n.° 1, do CPP.
7. Na conferência que se realizou hoje, o Tribunal Colectivo procedeu à apreciação das resolução e fundamentação sugeridas no projecto de acórdão elaborado pelo MM. Juiz Relator nos termos do artigo 407.º, n.º 4, al. b) do Código de Processo Penal.
8. Ora, de harmonia com o resultado obtido na apreciação e votação no seio do Tribunal Colectivo, cumpre, pois, decidir do recurso sub judice nos termos infra.

II. FUNDAMENTAÇÃO DO PRESENTE ACÓRDÃO
Tendo em consideração que o tribunal ad quem só vai resolver as questões concretamente postas pelo recorrente e delimitadas pelas conclusões da sua motivação de recurso (apud nomeadamente os acórdãos deste TSI: de 23/10/2003 no Processo n.º 214/2003; de 12/6/2003 no Processo n.º 112/2003; de 24/10/2002 no Processo n.º 130/2002; de 25/7/2002 no Processo n.º 47/2002; de 17/5/2001 no Processo n.º 63/2001; de 3/5/2001 no Processo n.º 18/2001; de 7/12/2000 no Processo n.º 130/2000 e de 27/1/2000 no Processo n.º 1220), e considerando a doutrina do saudoso Professor José Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, Volume V, Reimpressão, Coimbra Editora, 1984, pág. 143, aplicável mesmo aos recursos penais, de que “Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (cfr. neste sentido, nomeadamente os acórdãos deste TSI: de 24/10/2002 no Processo n.º 130/2002; de 25/7/2002 no Processo n.º 47/2002; de 30/5/2002 nos Processos n.ºs 84/2002 e 87/2002; de 17/5/2001 no Processo n.º 63/2001; de 7/12/2002 no Processo n.º 130/2000), sem prejuízo, obviamente, da possibilidade de o tribunal ad quem se pronunciar, caso entender conveniente, sobre qualquer das razões invocadas nas conclusões da motivação de recurso, o objecto do presente recurso a conhecer é constituído pela questão de saber: deverá ou não conceder liberdade condicional ao recluso (A)?
Quanto a esta questão, depois de ter analisado sinteticamente todos os elementos constantes dos autos, este Tribunal entende que é de subscrever desde já, como solução concreta ao caso do recorrente, a seguinte análise conceituada e perspicazmente empreendida pelo Digno Procurado Adjunto do Ministério Público no seu douto parecer final emitido:
Inconformado com a decisão de negação do requerimento de concessão da liberdade condicional proferida pelo Mm.º Juiz do Tribunal Judicial de Base no dia 21 de Agosto de 2003, recorreu o recorrente (A) para o Tribunal de Segunda Instância, entendendo que está preenchido o requisito da liberdade condicional previsto no artigo 56.º do Código Penal e devendo conceder-lhe a pretendida liberdade condicional.
Preceitua o artº 56º do CPM. que:
“O tribunal coloca o condenado a pena de prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo 6 meses, se:
a) For fundamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e
b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social.”
Pelo exposto, a concessão da liberdade condicional depende do preenchimento simultâneo dos requisitos formais e materiais supracitados.
Como se sabe que a concessão da liberdade condicional não se opera de forma automática, por outras palavras, não concederia ao condenado a liberdade condicional mesmo que se encontrarem preenchidos os pressupostos formais exigidos pela lei, impõe-se para a sua concessão, a verificação cumulativa de outros pressupostos de natureza “material”.
Constituem pressupostos formais para a concessão de liberdade condicional a um recluso, a sua condenação em pena de prisão superior a seis (6) meses e o cumprimento de dois terços da pena, num mínimo de (também) seis (6) meses; enquanto os pressupostos de natureza “material” configuram-se que depois de ter uma análise sintética da situação global do recluso e uma ponderação das exigências de prevenções geral e especial da criminalidade, formula o tribunal um juízo de prognose favorável a condenado quer no aspecto do reingresso do mesmo à sociedade, quer no aspecto do impacto da ordem jurídica e da paz social após a colocação do condenado em liberdade condicional.
Mesmo formulado um juízo de prognose fortemente indiciador de que o condenado vai reinserir-se na sociedade, devendo também constituir matéria de ponderação, o impacto grave da libertação antecipada do condenado na sociedade e o eventual prejuízo causado nas expectativas comunitárias na validade da norma violada, a fim de decidir que lhe devendo ou não conceder a liberdade condicional. (cfr. Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, do Prof. JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, pág. 538 a 541).
No decurso da alteração do Código Penal vigente, foi feita uma plena discussão sobre o instituto da liberdade condicional, tendo os deputados chamado à atenção para a necessidade de se imprimir maior rigor na aplicação do instituto. Afirmou-se que a praxis não se apresentava como muito rigorosa na aferição dos vários pressupostos materiais exigidos na lei, designadamente a nível das exigências de prevenção geral, ou seja, da aceitação social dessa libertação antecipada (cfr. MANUEL LEAL-HENRIQUES e MANUEL SIMAS SANTOS, in Código Penal de Macau, anotações e legislação avulsa, Macau, pág. 154.)
Pelo que, pode dizer que constitui como elemento final decisivo a perturbação ou não da defesa da ordem jurídica e da paz social após a colocação do condenado a pena de prisão em liberdade condicional, sendo isto também um pressuposto da concessão da liberdade condicional exigido por toda a sociedade.
Depois de ter analisado os elementos constantes dos autos, sem margem para dúvidas, o recorrente reúne efectivamente os pressupostos formais para a concessão da liberdade condicional, mas quanto aos pressupostos materiais já não podemos chegar à mesma conclusão, o que quer dizer que temos ainda dúvida de que o recorrente, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes e a libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social.
No despacho recorrido, a autorização ou não de concessão da liberdade condicional baseou-se na análise dos pressupostos materiais, depois de ter ponderado sinteticamente todos os aspectos, chegando o Mm.º Juiz a conclusão desfavorável à concessão da liberdade condicional a recorrente quer na prevenção geral quer na prevenção especial, decidindo, por isso, indeferir o pedido formulado pelo recorrente.
Nos termos do disposto no artigo 56.º n.º 1 al. a) do Código Penal, o juízo de prognose favorável ou desfavorável relativamente à concessão da liberdade condicional deve ser formulado pelo Juiz depois de ter analisado sinteticamente as circunstâncias do caso, a personalidade do condenado e a evolução desta durante a execução da prisão.
Dos elementos constantes dos autos resulta que o recorrente cometeu crime de roubo, espancando o ofendido com o emprego de violência desnecessária e fazendo com que este perdesse durante pouco tempo os sentidos, apesar de serem de valor baixo os bens roubados, deve-se realçar que o mesmo não se preocupou completamente com o direito pessoal de outrém, não podendo deixar de ser grave a circunstância do crime, que se reflectiu na personalidade do recorrente.
No tocante à evolução da personalidade do recorrente durante o cumprimento da pena de prisão, de acordo com relatório elaborado por técnico do EPM, “o comportamento e o pensamento do recorrente começaram a corrigir-se”, mas isto não significa que já atingiram a um nível bastante estável, suficiente para não voltar a cometer crime, por outro lado, o Sr. Director do EPM mantinha atitude de reserva em relação à evolução da personalidade do recorrente, entendendo que é preciso um período de observação para confirmar a evolução da sua personalidade, pelo que não concordou com a concessão da liberdade condicional ao recorrente.
Ademais, o recorrente ainda não tem trabalho bem arranjado e garantido, o que fez com que mantenhamos reservas - nomeadamente quando ponderamos a natureza e o motivo do crime por ele praticado - quanto ao reingresso do mesmo à sociedade com sucesso.
Pelas razões acima expostas, entendemos que neste momento o recorrente não reúne condições interiores (subjectivas) e exteriores (objectivas), boas e suficientes para o reingresso à sociedade com sucesso.
Por outra banda, não podemos deixar de avaliar e ponderar o impacto da libertação antecipada do condenado na sociedade e o eventual prejuízo causado nas expectativas comunitárias na validade da norma violada.
No caso sub judice, o crime cometido pelo recorrente é crime muito frequente e vulgar em Macau, pela sua natureza e consequências já é irrefutável a sua gravidade, para não falar do seu impacto negativo no próprio ofendido e em toda a sociedade. Tendo em consideração a exigência da prevenção geral do crime cometido pelo recorrente (exigência essa que é concretizada através da aplicação e execução das penas concretas), não podendo entender que a libertação antecipada do recorrente não causará impacto na ordem jurídica e na paz social, mesmo que o recorrente voltar a viver em Hong Kong.
Dest´arte, o presente Tribunal entende que neste momento não estão preenchidos os pressupostos à libertação antecipada do ora recorrente previstos no art.º 56º do C.P.M..

III. DECISÃO:
Nos termos acima expendidos, acordam negar provimento ao recurso de (A), mantendo-se assim a decisão recorrida, proferida pelo 2.º Juízo de Instrução Criminal do Tribunal Judicial de Base no processo de concessão da liberdade condicional n.º PLC-039-03-2-A em que lhe foi negada a concessão da liberdade condicional.
Custas pelo recorrente, com 2 UC (MOP$1.000,00) de taxa de justiça (fixada nos termos conjugados dos art.°s 69.°, n.° 1, e 72.°, n.°s 1 e 3, do Regime das Custas nos Tribunais) e MOP$900,00 de honorários ora fixados a favor do seu Ilustre Defensor Oficioso.
Notifique, pessoalmente, o recorrente (A) deste acórdão nos termos do artigo 110.°, n.° 1, do Código de Processo Penal e remeta a respectiva cópia ao Exm.º Defensor.

Chan Kuong Seng (Relator) – José M. Dias Azedo – Lai Kin Hong