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Processo nº 7/2004




ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:




Relatório

1. Sob acusação pública respondeu A, com os restantes sinais dos autos, vindo a ser condenado como autor material da prática na forma consumada e em concurso real de:
- dois crimes de “roubo”, p. e p. pelo artº 204º, nº 1 do C.P.M., na pena de 3 anos de prisão cada;
- um crime de “ameaça”, p. e p. pelo artº 147º, nº 2 do mesmo C.P.M., na pena de 9 meses de prisão; e,
- um crime de “posse de arma branca”, p. e p. pelo artº 262º, nº 3 do dito C.P.M., na pena de 6 meses de prisão.
Em cúmulo, foi o arguido condenado na pena única de 4 anos e 9 meses de prisão; (cfr. fls. 163-v a 164).

Não conformado com a decisão condenatória proferida, da mesma recorreu, motivando para, a final e em síntese, pedir a sua revogação, e que em sua substituição, fosse proferido acórdão onde fosse a sua conduta qualificada tão só como a prática de um crime de “roubo” em concurso com o crime de “posse de arma branca” pelo qual foi condenado; (cfr. fls. 201 a 208).

Ao recurso respondeu o Ilustre Procurador-Adjunto pugnando pela sua improcedência ou, até mesmo, pela sua rejeição; (cfr. fls. 210 a 214).

Admitido o recurso, vieram os autos a esta Instância.

Em sede de vista, manteve o Exmº Representante do Ministério Público a posição assumida na sua Resposta; (cfr. fls. 221).

Lavrado despacho preliminar (onde se consignou ser de rejeitar o recurso em causa – cfr. fls. 222), seguiram os autos para visto dos Mmºs Juízes-Adjuntos.

Seguidamente, veio o recorrente juntar expediente onde declarava desistir do seu recurso; (cfr. fls. 223 e 224).

Novamente conclusos os autos ao ora relator, por despacho foi relegada a apreciação da pretendida desistência para momento oportuno; (cfr. fls. 225).

Observada a devida tramitação processual, cumpre agora decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Deu o Colectivo “a quo” como provada a seguinte matéria de facto:
“No dia 11 de Abril de 2003, pelas 05h20 da tarde, o arguido, munido de um saco de viagem em que se escondiam uma lâmina, um par de algemas de metal, várias fitas de plástico e um rolo de fita adesiva, utilizada para selar caixotes, deambulava pelo corredor perto do restaurante "Caesar's Palace" do hotel "Lisboa". Encontrou aí B (ofendida, identificada a fls. 75 dos autos) e os dois chegaram a acordo para a cópula, pelo que entraram juntamente no quarto nº XX do hotel "Lisboa".
Depois de terem tirado as roupas, o arguido pediu a B para chamar mais uma mulher para que fornecesse serviço sexual. B então telefonou para C (ofendida, identificada a fls. 77) e exprimiu-lhe o pedido do arguido, tendo obtido o consentimento de C.
Logo B desligou o telefone, o arguido de imediato submeteu-a por meio de violência, tirando várias fitas de plástico pretas para atar as mãos de B. Contudo, pelo facto de que as fitas eram muito curtas, não conseguiu atar firmemente as mãos de B. O arguido assim empurrou B na casa de banho, amarrando com a fita acima referida, a mão esquerda de Chang ao toalheiro.
Neste momento, chegou C e tocou a campainha da porta.
O arguido então abriu a porta e dirigiu C para dentro do quarto, indicando-lhe para tirar as roupas. Logo C tirou as roupas, o arguido avançou e submeteu-a, atou-lhe as mãos atrás das costas com fita e depois, amordaçou-a com fita adesiva que ele trazia. C forneceu resistência e durante o conflito com o arguido, conseguiu desapertar a fita adesiva que a amordaçava. C assim mandou B, em Putonghua, avisar a polícia.
Na casa de banho, B telefonou para agentes de segurança do hotel "Lisboa" para pedir socorro.
O arguido emaranhou-se com C durante cerca de 1 minuto e acabou por submetê-la. O arguido de imediato saqueou no quarto os bens. Tendo tirado da mala de B um telemóvel, examinado a fls. 51 dos autos, no valor jurado de MOP$500; da mala de C, tirou uma quantia de MOP$150. O arguido apropriou-se dos bens acima referidos e depois, levou o saco de viagem e preparou-se para sair.
Neste momento, C gritou que houve roubo, o arguido de imediato tirou do seu saco de viagem uma lâmina, examinada a fls. 60 dos autos, que faz parte integrante da presente acusação. O arguido virou o gume para cima e mexeu-o várias polegadas à frente de C, ordenando que não pudesse fazer mais barulhos, caso contrário a enfiaria com este gume. C ficou assustada e não ousou fazer mais barulhos. O arguido assim abriu a porta e retirou-se de imediata. Nesta altura, C reparou que à porta do quarto, havia pessoal do hotel que estava fazendo inquérito, pelo que gritou que houve roubo.
O arguido tentou fugir, porém acabou por ser submetido e prendido.
O arguido deteve consigo as referidas lâmina e algemas, porém não conseguiu justificar a sua posse.
A conduta acima referida do arguido causou a B e C ferimentos no pulso, os quais se encontram constar de fls. 30, 39 e 99 dos autos, que fazem parte integrante da presente acusação.
O arguido agiu de livre vontade e conscientemente, praticou com dolo os factos acima referidos. Munido de instrumentos para praticar crime, o arguido tinha a intenção ilegítima de apropriar dos bens alheios. Atando as ofendidas por meio de violência e pondo-as na impossibilidade de resistir, apropriou-se dos bens alheios contra a vontade das suas donas; a fim de guardar tais bens e fugir com, sucesso, ameaçou a ofendida com arma branca, de forma a provocar-lhe medo; trazendo consigo a referida arma com o fim de ser usada como arma de agressão, não conseguiu justificar a sua posse.
O arguido bem sabia que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
O arguido era empregado de restaurante em Hong Kong e auferia o vencimento mensal de doze mil dólares de HK.
É casado e tem a mulher e a mãe a seu cargo.
Não confessou os factos e é primário”; (cfr. fls. 161-v a 162-v).

Do direito

3. Quanto à “desistência”.

Como se deixou relatado, após exame preliminar efectuado nos termos do artº 407º do C.P.P.M. e estando já os autos conclusos para visto do Exmº 1º Juiz-Adjunto, veio o recorrente requerer a desistência do seu recurso.

Atento ao disposto no artº 405º nº 1 do C.P.P.M. – onde se estatui poder o arguido desistir do recurso interposto “até ao momento de o processo ser concluso ao relator para exame preliminar” – e tendo presente que aquando da apresentação do pedido em causa efectuado estava o dito exame preliminar, impõe-se considerar aquela como irrelevante, sendo assim de se prosseguir com a apreciação da presente lide recursória.

4. Quanto ao recurso

Pretende o recorrente a alteração da decisão de direito prolatada pelo Tribunal “a quo”, afirmando que da sua conduta resulta apenas a prática de um crime de “roubo” e um outro de “posse de arma branca”. É, pois, de opinião que, para além deste último crime referido, cometeu apenas um outro crime de “roubo”, onde se deve também integrar os factos qualificados como a prática de um crime de “ameaça”, afirmando ainda que quanto a este, inobservado está o pressuposto do artº 147º, nº 3 do C.P.M., (falta de queixa).

Da análise a que se procedeu dos autos e da factualidade dada como assente e que não nos merece qualquer censura, concluímos que assim também sucede em relação ao seu enquadramento jurídico.

Na verdade, a qualificação jurídica operada pelo Colectivo “a quo” mostra-se-nos isenta de qualquer reparo, patente sendo a sem razão do recorrente.

Especifiquemos, assim, ainda que abreviadamente, dos motivos pelos quais consideramos ser o recurso de rejeitar.

Nenhuma oposição colocando o arguido recorrente quanto à sua condenação pelo crime de “posse de arma branca”, comecemos pela sua discordância quanto à parte da decisão que o condenou como autor de 2 crimes de “roubo”.

 — Como se disse, pretende o recorrente a sua condenação como autor de apenas um crime de “roubo”.
 
Todavia, bem se vê da matéria de facto que duas foram as ofendidas: D, a quem o recorrente “tirou” um telemóvel da sua mala, e, C, a que o mesmo recorrente “subtraiu” MOP$150.00.

Sendo o crime de “roubo” um “crime complexo”, com o qual para além de se proteger o “património” se tutela também a “integridade física e moral” do ofendido, e, verificando-se que com a conduta em causa ofendeu o recorrente tais “bens” de duas pessoas, não vemos pois como considerar-se ter cometido apenas um do dito crime.

Da mesma forma, excluída está também a hipótese de se considerar sequer a prática de tal crime na forma continuada, pois que, para além do demais, não vislumbramos como dar-se por verificado o pressuposto da “unidade da resolução criminosa”, não se descortinando também como dar-se por preenchido o requisito da diminuição do dolo em virtude de uma mesma solicitação exterior; (cfr. artº 29º nº 2 do C.P.M.).

Com efeito, os crimes em causa foram premeditadamente engendrados pelo recorrente, visto que, munido da arma branca, fita adesiva e outros objectos para a sua concretização, e, encontrando-se já no quarto com uma das ofendidas, pediu-lhe para chamar mais uma senhora a pretexto de pretender com elas se relacionar sexualmente.

Nesta conformidade, há que concluir que bem andou o Tribunal “a quo” em declará-lo autor material da prática em concurso real de 2 crimes de roubo, patente sendo a improcedência da pretensão em causa.

 — Vejamos agora o crime de “ameaça”.

Aqui, é o recorrente de opinião que o mesmo se encontra “absorvido” pelo(s) crime(s) de roubo.

Ora, tal como a facticidade atrás retratada explicita, os factos qualificados como “ameaça” foram cometidos após a consumação do(s) crime(s) de roubo, daí que, obviamente teriam que ser valorados autonomamente.

Por fim, quanto à alegada “falta de queixa”, basta ver que, expressamente, declarou a ofendida C que desejava procedimento criminal; (cfr. declarações para memória futura a fls. 77-v e fls. 33, para onde aquelas remetem).

Dest´arte, evidente sendo não merecer o Acórdão recorrido qualquer censura, impõe-se a rejeição do recurso; (cfr. artº 410º nº 1 do C.P.P.M.).

Decisão

5. Nos termos que se deixam expendidos, em conferência, acordam rejeitar o recurso, mantendo-se na íntegra a decisão recorrida.

Pagará o recorrente a taxa de justiça de 4 UCs e o mesmo montante pela rejeição; (cfr. artº 410º, nº 4 do C.P.P.M.).

Ao Ilustre Defensor oficioso, fixa-se, a título de honorários, o montante de MOP$1.000,00 (a cargo do recorrente).

Macau, aos 05 de Fevereiro de 2004
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Lai Kin Hong
Proc. 7/2004 Pág. 10

Proc. 7/2004 Pág. 9