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Acórdão do Tribunal de Última Instância
da Região Administrativa Especial de Macau




Recurso de decisão jurisdicional em matéria administrativa
N.° 27 / 2003


Recorrente: A
Recorrido: Secretário para a Segurança




1. Relatório
   O recorrente A interpôs recurso contencioso perante o Tribunal de Segunda Instância, pedindo a anulação do despacho do Secretário para a Segurança de 19 de Abril de 2002 que lhe aplicou a pena disciplinar de suspensão de funções durante um ano.
   O Tribunal de Segunda Instância, no seu acórdão de 15 de Maio de 2003 proferido no processo n.° 99/2002, negou provimento ao recurso.
   Inconformado com a decisão, vem agora o recorrente interpor recurso jurisdicional para este Tribunal de Última Instância, apresentado as seguintes conclusões de alegações:
“1. Em face da ausência de imputação culposa à conduta do recorrente, não deve ser considerada esta mesma conduta como infracção disciplinar, nomeadamente, por violação dos deveres de zelo (art.º 279.º, n.º 2, al. b) ETAPM), obediência (art.º 279.º, n.º 2, al. c) ETAPM) e lealdade (art.º 279.º, n.º 2, al. d) ETAPM), porquanto essa conduta foi motivada por um eventual excesso de zelo, violando o disposto no art.º 281.º ETAPM.
   2. Admitindo-se a factualidade apurada pelo acórdão recorrido, deveria este ter oficiosamente sindicado, quer a integração ou subsunção dessa factualidade na cláusula geral punitiva, quer a fixação da pena dentro do escalão respectivo (violando por isso mesmo o n.ºs 1 e 2 do art.º 316.º do ETAPM);
   3. Até porque, para além de critérios de oportunidade e conveniência deveria ter enquadrado a eventual conduta culposa do recorrente nos princípios de direito administrativo, designadamente, o da legalidade (art.º 3.º CPA), proporcionalidade (art.º 5.º CPA), igualdade (art.º 5.º CPA e art.º 25.º da Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau da República Popular da China), justiça (art.º 7.º CPA) e oportunidade – violando, por isso, o princípio da legalidade.
   4. Na pena aplicada ao recorrente, é notória a injustiça e manifesta a desproporção entre a sanção aplicada e a falta, eventualmente, cometida, pelo que deveria ter sido sindicada oficiosamente esta mesma pena no acórdão recorrido, substituindo-a por outra menos gravosa, no cumprimento do princípio da subsidiariedade e adequação conforme disposto nos art.ºs 8.º, n.º 2, al. b) do CPA, 316.º do ETAPM e 64.º e 65.º do Código Penal ex vi do disposto no art.º 277.º do ETAPM;
   5. A justiça é feita no caso concreto e não, como referiu o acórdão recorrido, equacionando abstractamente eventuais consequências algo gravosas, que em concreto não se conseguem descortinar;
   6. A existir culpa do recorrente, o acórdão recorrido podia e devia ter sindicado oficiosamente a fixação da pena, aplicando ao recorrente pena diversa de suspensão, nos termos supra expostos, violando por isso os art.ºs 8.º, n.º 2, al. b) do CPA, 316.º do ETAPM e 64.º e 65.º do Código Penal ex vi do disposto no art.º 277.º do ETAPM ;
   7. O douto acórdão recorrido violou o princípio da adequação e proporcionalidade (art.º 5.º CPA) ao não ter interpretado de forma sistemática e teleológica (art.º 8.º do Código Civil) as previsões contidas no ETAPM e ao não considerar mais adequada à conduta do recorrente a aplicação de outras penas disciplinares, nomeadamente a repreensão escrita ou a multa (art.º 300.º ETAPM),
   8. Em face do escalão onde a conduta do recorrente foi integrada, deveria o acórdão recorrido, pelo menos, ter considerado desproporcional a medida da pena em concreto determinada (violando o princípio da proporcionalidade art.ºs 5.º do CPA, 316.º do ETAPM e 64.º e 65.º do Código Penal ex vi do disposto no art.º 277.º do ETAPM e, consequentemente, o princípio da legalidade consubstanciado no art.º 3.º do CPA);
   9. Na verdade, equiparar a conduta do recorrente a actos muito mais gravosos (art.º 314.º ETAPM) cuja cominação é pena de suspensão no seu limite máximo, é furtar-se à obrigação de sindicância oficiosa da cláusula geral punitiva, por erro grosseiro e manifesto na sua interpretação e consequente aplicação (violando os artigos supra mencionados em 4., 6. e 8.) .
   10. Tendo, por isso mesmo, incorrido o acórdão a quo na errada aplicação da lei substantiva (al.s g) e f) do art.º 282.º do ETAPM, art.ºs 314.º e 316.º do ETAPM, art.ºs 64.º e 65.º do Código Penal, ex vi do disposto no art.º 277.º do ETAPM).
   11. Ao enquadrar erradamente a conduta do recorrente, violou o acórdão recorrido o disposto nos n.ºs 4, 5 e 6 do art.º 279.º do ETAPM.”
   Pedindo que seja julgado procedente o recurso, anulando o acórdão recorrido.
   
   O recorrido formulou as seguintes alegações:
“1. A grande quantidade de provas produzidas no processo disciplinar comprova plenamente que o recorrente infringiu, durante longo prazo, a ordem do Director do Estabelecimento Prisional de Macau sobre a proibição de acesso à internet nos serviços, bem como tinha instalado, sem autorização, no computador que lhe foi distribuído para o uso de serviço, um software destinado a furtar dados e controlar computadores de outrem.
   2. Sobre isso, o recorrente não conseguiu negar ou impugnar os factos que lhe foram imputados.
   3. A conduta dele demonstra evidentemente o seu desinteresse pelo cumprimento dos deveres profissionais, e pode-se ver que tal conduta acabou por prejudicar gravemente a dignidade e o prestígio dos dirigentes dos seus serviços.
   4. Especialmente, como um trabalhador profissional da carreira de técnico superior de informática, o recorrente fez vista grossa à ordem superior e colocou o seu interesse pessoal acima do interesse dos serviços do Estabelecimento Prisional.
   5. Se um comportamento vil e recalcitrante como este não for plenamente punido, é certo que não se poderá corrigir o seu grave desvio moral e será difícil rearranjar e recuperar o ordenamento disciplinar e hierárquico, caso este for desmantelado.
   6. À sintetização e à apreciação das infracções do recorrente, aplica-se plenamente, como um caso típico, o previsto da al. e) do n.º 4 do art.º 314.º do Estatuto dos Trabalhadores de Administração Pública de Macau.
   7. Pelas necessidades do objectivo legal de punição disciplinar e em consideração do princípio de coerção geral da determinação da pena e da aplicação das circunstâncias atenuantes e agravantes, chegamos à conclusão de aplicação de pena, ou seja, a pena de suspensão máxima.
   8. É óbvio que não se verificou nenhuma evidente falta de proporcionalidade ou injustiça na aplicação da respectiva pena.
   9. Assim, chegamos à seguinte conclusão:
   10. A decisão recorrida não viola a disposição no art.º 316.º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau, visto que os factos citados e o fundamento legal são suficientes. Além disso, não viola o princípio de da proporciona1idade estabelecido no art.º 5.º do Código do Procedimento Administrativo.”
   Pedindo a manutenção da decisão recorrida, julgando improcedente o presente recurso.
   
   A Magistrada do Ministério Público junto do Tribunal de Última Instância emitiu o seguinte parecer:
“No seu recurso interposto, vem A assacar essencialmente ao douto acórdão recorrido:
   - violação do disposto nos n.ºs 4, 5 e 6 do art.º 279.º do ETAFPM;
   - violação do princípio da adequação e proporcionalidade consagrado no art.º 5.º n.º 2 do Código de Procedimento Administrativo (CPA).
   Não nos parece que lhe assiste razão.
   
   Resulta dos autos que ao recorrente foi imputada a violação dos deveres de zelo, de obediência e de lealdade.
   Alega o recorrente que a infracção disciplinar a si imputada se traduz no uso indevido de internet no local de trabalho e que nunca houve, por qualquer meio, ordem expressa de proibição do uso de internet por parte de qualquer superior hierárquico, o que não parece corresponder à verdade.
   Ora, face à matéria de facto provada, “o recorrente, voluntária, livre e conscientemente, violou ordem do director do E.P.M., instalando no computador que lhe está distribuído, sem autorização, pelo menos desde Outubro de 2000, um modem de acesso à internet, a esta acedendo contra ordem expressa e constatou-se que ali havia sido instalado ainda e mantido sem autorização software que poderia ser usado para aceder a dados de outros funcionários e controlar ilegalmente computadores pessoais de terceiros.
   O Director do EPM tinha referido, algumas vezes, nas reuniões, a proibição da utilização da internet no Estabelecimento Prisional, visto que essa utilização prejudicaria a segurança das informações do EPM, podendo dar origem a ataques e destruição do sistema da segurança daquele estabelecimento”.
   Ora, o problema que se coloca não é o simples uso de internet no local de trabalho, o que está em causa é a segurança do sistema informático do EPM, preservando eventuais ataques à informação contida nos computadores dos funcionários do EPM. E o recorrente, como técnico superior de informática, deve saber muito bem disto.
   Para além da utilização de internet, o recorrente ainda instalou e manteve instalado, sem autorização, software que poderia ser usado para aceder a dados de outros funcionários e controlar ilegalmente computadores pessoais de terceiros.
   A intenção de tal actuação, cremos, nunca pode ser interpretada como explicou o recorrente: para aperfeiçoamento dos seus conhecimentos técnicos e métodos de trabalho.
   E em relação à ordem de proibição do Director do EPM, apesar de não ser escrita, a mesma foi reiterada em várias reuniões, dirigidas a todos os funcionários do EPM e entendida por todos. No entanto, o recorrente, ciente do seu conteúdo e a razão de ser, não obedeceu a tal ordem, violando assim com culpa o dever de obediência previsto na lei.
   Tal como foi analisado no douto acórdão ora recorrido, “a proibição expressa de acesso à internet no EPM era uma realidade, de nada valendo o invocar-se a ausência de uma proibição escrita nesse sentido, formalidade, de todo, desnecessária”.
   A conduta do recorrente, ao utilizar o computador com o fim diferente daquele com o qual o computador foi distribuído pela Administração e na prossecução do interesse privado e não público, revela o seu incumprimento do objecto do serviço e também previsto na sua atribuição.
   Foi violado assim o dever de lealdade.
   
   No que concerne à alegada violação do princípio da proporcionalidade, cremos que também não assiste razão ao recorrente.
   O princípio da proporcionalidade consagrado no n.º 2 do art.º 5.º do CPA exige que “as decisões da Administração que colidam com direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares só podem afectar essas posições em termos adequados e proporcionais aos objectivos a realizar”.
   De acordo com este princípio, as limitações de direitos e interesses das pessoas devem revelar-se idóneas e necessárias para garantir os fins visados pelos actos dos poderes públicos.
   Como se sabe, há casos em que a Administração actua no âmbito de poderes discricionários (na modalidade de discricionariedade imprópria), como por exemplo, atribuição de uma classificação de serviço ao funcionário público, graduação da pena a aplicar em processo disciplinar.
   Nestes casos, não estando em causa matéria a resolver por decisão vinculada, a decisão tomada pela Administração fica fora de controle jurisdicional, salvo nos casos excepcionais.
   E como sustenta o Magistrado do MP no parecer dado no Tribunal de Segunda Instância, “se, no que respeita à apreciação da integração e subsunção dos factos na cláusula geral punitiva a actividade da Administração está sujeita à sindicância do Tribunal, o mesmo não se pode dizer quanto à aplicação das penas, sua graduação e escolha da medida concreta, existindo, neste âmbito, discricionariedade por parte da Administração, a qual passa pela opção entre emitir ou não o acto sancionatório e ainda pela escolha entre vários tipos e medidas possíveis.
   Neste último caso, não há controlo jurisdicional sobre a justeza da pena aplicada dentro do escalão respectivo, em cuja fixação o juiz não pode sobrepor o seu poder de apreciação ao da autoridade investida do poder disciplinar.
   A intervenção do juiz fica apenas reservada aos casos de erro grosseiro, ou seja, àquelas contingências em que se verifica uma notória injustiça ou uma desproporção manifesta entre a sanção infligida e a falta cometida, dado não poderem ser legitimados, em nenhuma circunstância, comportamentos da Administração que se afastem dos princípios da justiça e da proporcionalidade que necessariamente devem presidir à sua actuação”.
   E a jurisprudência também entende assim, tendo o TUI decidido que a intervenção do juiz na apreciação do respeito do princípio da proporcionalidade, por parte da Administração, só deve ter lugar quando as decisões, de modo intolerável, o violem. (cfr. recente Ac. de 15-10-2003, proc. n.º 26/2003)
   
   No caso sub judice e face aos factos apurados no processo disciplinar, a Administração aplicou ao recorrente a pena de suspensão de um ano de serviço, pena esta que, a nosso ver, não se revela manifestamente desproporcional aos factos cometidos pelo recorrente.
   Nos termos do art.º 314.º n.º 4, al. e) do ETAPM, a pena de suspensão de 241 dias a 1 ano será aplicável nos casos de procedimento que atente gravemente contra a dignidade e prestígio do titular do cargo ou da função, sendo aplicável aos funcionários ou agentes que usarem ou permitirem que outrem use ou se sirva de quaisquer bens pertencentes à Administração, cuja posse ou utilização lhes seja confiada, para fim diferente daquela a que se destinam, requisitos estes que estão preenchidos nos presentes autos.
   Sendo técnico superior de informática do EPM, o recorrente tem que cumprir os seus deveres na prossecução dos interesses públicos, tanto comuns como específicos. No entanto, o seu comportamento não se mostra adequado a esta finalidade.
   Repetimos que, não se demonstra nos autos o objectivo, alegado pelo recorrente, de aperfeiçoar as suas capacidades de trabalho.
   Na aplicação de pena em causa, a Administração teve em consideração as circunstâncias agravantes previstas nas al.s b) e h) do n.º 1 do art.º 283.º do ETAPM, nomeadamente a acumulação de infracções.
   Tendo em conta o interesse público visado pela Administração Pública e a factualidade apurada nos autos, é de crer que o sacrifício dos direitos e interesses do recorrente com a punição da pena de suspensão de 1 ano de demissão não é nada desproporcional, e muito menos manifestamente.
   
   Pelo exposto, deve-se negar provimento ao presente recurso.”
   
   
   Foram apostos vistos pelos juízes-adjuntos.
   
   
   
   2. Fundamentos
   2.1 Foram dados como provados os seguintes factos pelo Tribunal de Segunda Instância:
“O Recorrente é funcionário público há quatro anos, pertencendo ao quadro há já três anos.
   O Recorrente era funcionário dos Serviços de Justiça, onde desempenhava as funções de técnico informático, tendo sido transferido para os Serviços de Informática do Estabelecimento Prisional de Macau em 1/8/2000.
   O Recorrente teve sempre classificação de serviço de muito bom, desde que iniciou a sua carreira na função pública e a de regular no ano de 2000.
   No dia 7 de Dezembro de 2000, no Estabelecimento Prisional de Macau, o responsável pelo sector de informática, B, entrou na sala n.º 112, sala do server, do edifício administrativo e, ao tentar usar o telefone, constatou que este não dava qualquer sinal.
   Quando foi ver o que se passava, verificou que a linha telefónica estava ligada a um computador independente.
   O Senhor B chamou, então, dois colegas para verem o sucedido – C e D.
   Este último examinou o que se passava, tendo concluído que a linha telefónica em questão havia sido ligada a um computador, que este tinha modem e que o computador em causa estava ligado à internet.
   Após investigações conduzidas por B, este concluiu que a instalação do modem não foi nem autorizada nem aprovada.
   Nesta sequência, B elaborou um relatório e enviou ao Director do referido estabelecimento.
   As autoridades daquele estabelecimento analisaram o relatório e as provas fornecidas.
   Nesta sequência, em 13 de Dezembro de 2000, o Director daquele estabelecimento proferiu despacho ordenando que o responsável pelos serviços de informática e o responsável pelos serviços administrativos e financeiros copiassem o conteúdo do harddisk do computador em causa, bem como do computador pessoal do Recorrente que está na sala 110.
   Suspeitando que fosse algo realmente grave, o Director do estabelecimento enviou, em 15 de Dezembro de 2000, um ofício ao director da Polícia Judiciária para que interviesse na investigação.
   Na sequência do qual, no dia 18 de Dezembro de mesmo ano, e na ausência do recorrente, foram retirados o computador, disquetes, documentos e informações para investigação.
   Esse material foi devolvido no dia 5 de Janeiro de 2001.
   O recorrente foi convidado pela PJ a colaborar nas investigações, pedido ao qual acedeu prontamente.
   Durante a investigação da PJ, o computador pessoal do recorrente foi retirado de sua casa e foi também examinado.
   Concluídas as diligências de investigação, a PJ entregou o caso ao Ministério Público, que por sua vez veio a arquivar o processo por falta de provas por despacho de 3 de Maio de 2001.
   
   O Recorrente, voluntária, livre e conscientemente, violou ordem do director do E.P.M., instalando no computador que lhe estava distribuído, sem autorização, pelo menos desde Outubro de 2000, um modem de acesso à internet, a esta acedendo contra ordem expressa e constatou-se que ali havia sido instalado ainda e mantido sem autorização software que poderia ser usado para aceder a dados de outros funcionários e controlar ilegalmente computadores pessoais de terceiros.
   O Director do EPM tinha referido, algumas vezes, nas reuniões, a proibição da utilização da internet no Estabelecimento Prisional, visto que essa utilização prejudicaria a segurança das informações do EPM, podendo dar origem a ataques e destruição da sistema da segurança daquele estabelecimento.
   Posteriormente, a 24 de Maio de 2001, foi instaurado contra o recorrente um processo disciplinar, com o n.º PD18/SC-EPM/2001, por despacho do Director daquele estabelecimento.
   No processo, feitas as diligências consideradas necessárias, foi o recorrente acusado dos seguintes factos:
   - acesso à internet, contra ordens superiores, utilizando uma linha telefónica independente, através do computador da sala do server (sala 112) e do seu computador pessoal;
   - acesso a arquivos confidenciais de alguns dos funcionários daquele estabelecimento;
   - instalação do software Cain e Trojan para decifrar os códigos pessoais de acesso aos computadores de colegas seus – facto que teria sido registado pelo software PC activity monitor Pro;
   - utilização deste software para furtar códigos e controlar computadores alheios (por ser comumente utilizado pelas hackers);
   - do registo informático do harddisk do seu computador constava que havia sido instalado o software Sub Seven;
   - não ter informado ou pedido autorização para a instalação dos referidos softwares, não ter demostrado a sua necessidade, e aqueles serem normalmente usados por hackers
   - acessos frequentes à net, ICQ e e-mail.
    No âmbito do processo disciplinar instaurado, concluído o relatório, propôs o Relator a aplicação ao infractor, ora recorrente, da pena de demissão.
    
   É o seguinte o teor do relatório lavrado no âmbito do referido processo disciplinar n.º PD18/SC-EPM/2001 intentado contra o arguido A, Técnico Superior de Informática do EPM, desempenhando as suas funções no EPM em regime de nomeação definitiva:
   
“RELATÓRIO
   O presente procedimento disciplinar foi instaurado nos termos do despacho de 24 de Maio de 2001 do Director do Estabelecimento Prisional de Macau, e fui eu nomeado o instrutor para proceder à instrução do processo. Além disso, o Director do EPM ordenou, pelo despacho de 26 de Setembro de 2001, a proceder as diligências subsidiárias de prova do procedimento disciplinar para apurar a responsabilidade disciplinar do arguido;
   Elabora-se o presente relatório, nos termos dos dispostos no n.º 1 do artigo 388.º, n.º 1 e 2 do artigo 337.º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau aprovado pelo Decreto-Lei n.º 87/89/M de 21 de Dezembro de 1989 e alterado pelo Decreto-Lei n.º 62/98/M de 28 de Dezembro de 1998, e segundo os seguintes fundamentos;
   A instrução do procedimento disciplinar inicia-se no prazo legal, informando devidamente os informados previstos no n.° 3 do artigo 328.º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau (v. fls. 8 e 9 do documento);
   As diligências previstas no artigo 329.º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau foram executadas, procederam-se também a outras diligências necessárias para a averiguação da verdade, nomeadamente fazendo juntar aos autos o certificado do registo, disciplinar do arguido (v. fls. 13 e 14 do documento);
   Terminadas as diligências da fase da instrução, o instrutor elaborou a acusação, informando o arguido nos termos do disposto no n.°1 do artigo 333º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau, marcando-se-lhe o prazo para apresentar a sua defesa escrita (v. fls. 26 a 29 e 32 do documento);
   O arguido apresentou a sua defesa escrita no prazo, na qual foram expostas as razões e opiniões pessoais sobre o conteúdo da acusação, porém, não indicou na referida defesa escrita o rol de testemunhas, nem juntar nenhum documento ou requerer as diligências de prova em relação ao conteúdo da acusação (v. fls. 32 do documento);
   Visto que o arguido não indicou na sua referida defesa escrita o rol de testemunhas, nem juntar nenhum documento ou requerer as diligências de prova em relação ao conteúdo da acusação, o instrutor concluiu o presente relatório do procedimento disciplinar no prazo legal, apresentando devidamente os autos ao Director do EPM que havia ordenado a instauração do procedimento disciplinar (v. fls. 39 do documento);
   Como a aplicação da pena ao arguido referida no relatório pertence à competência do Secretário para a Segurança, o Director do EPM submeteu os autos à decisão do Ex. Sr. Secretário, nos termos do n.° 3 do artigo 337.º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau.
   Todavia, para verificar os factos e pressupostos legais em que se baseia a aplicação de punição disciplinar, o Secretário para a Segurança, após uma análise do respectivo processo, ordenou o EPM a proceder as diligências subsidiárias de prova, para apurar as infracções do arguido e juntar aos autos as respectivas informações, elaborando a acusação complementar e procedendo à audiência (v. fls. 41 e 42 do documento);
   Segundo a ordem do Secretário para a Segurança, o Director do EPM ordenou que eu próprio e B, responsável do grupo de informática do EPM, procedêssemos às diligências de prova em relação ao presente procedimento disciplinar (v. fls. 43 do documento);
   Após a conclusão das respectivas diligências subsidiárias de prova, B, responsável do grupo de informática do EPM, apresentou e juntou aos autos os documentos provados e informações, bem como as fotografias, os extractos de documentos e hardware que mostraram a instalação, pelo arguido, do software destinado a descodificar códigos (passwords) e o decurso de descodificação dos códigos (passwords) dos colegas (v. fls. 44 a 95 do documento);
   Quanto às informações juntadas aos autos e apresentadas pelo B, foram ouvidos o E, oficial administrativo principal do EPM, F, terceira-oficial e G, chefe de Secção de Finanças, por este instrutor (v. fls. 96, 98, 100 e 102 do documento);
   Após a conclusão da audiência, este instrutor elaborou um relatório para o Director do EPM e uma acusação complementar com base nos factos que serviram para provar as infracções do arguido (v. fls. 104 a 106 e 108 a 110 do documento);
   Para completar o conteúdo da acusação, o arguido foi informado nos termos do n.° 1 do artigo 333.º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau, sendo-lhe marcado o prazo para a apresentação da defesa escrita (v. fls. 111 e 112 do documento);
   No dia 20 de Novembro de 2001, o advogado constituído do arguido examinou o processo no seu escritório em 48 horas. Sob a colaboração do B, responsável do grupo de informática, o arguido examinou no EPM, no dia 23, as informações constantes do Hardware do computador como prova (v. fls 111 a 153 do documento);
   No dia 3 de Dezembro de 2001, o arguido apresentou, através do seu advogado constituído, a sua defesa escrita no prazo marcado, na qual foram expostas, na forma articulada, as razões e opiniões pessoais sobre o conteúdo da acusação. Embora não tivesse apresentado o rol de testemunhas na referida defesa, apresentou documentos e informações em relação ao conteúdo da acusação, formulando o pedido das diligências de prova (v. fls. 154 a 204 do documento);
   Em relação ao pedido das diligências de prova formulado pelo arguido, foi ouvido o Director do EPM. Quanto ao conteúdo informático de computador, o signatário pediu o apoio do B, responsável do informática do EPM, para concluir o trabalho. O responsável apresentou o respectivo relatório no 21 de Dezembro de 2001 (v. fls. 209 a 267 do documento e fls. 207 do auto de notícia);
   No relatório do B, responsável do grupo de informática, todas as diligências de prova exigidas pelo arguido foram fundamentalmente compridas, procedendo-se a uma analise concreta sobre o respectivo conteúdo, pedindo o apoio da “H Co.” para proceder ao exame destinado a resolver o problema técnico de software. No fim, foram obtidas as informações em causa (v. fls. 209 a 267 do documento);
   Visto que o instrutor insistiu, no seu relatório elaborado, que a aplicação da pena ao arguido pertence à competência do Secretário para a Segurança, o Director do EPM remeteu, nos termos do n.° 3 do artigo 337.° do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau, os autos à decisão do Secretário para a Segurança (v. fls. 268 a 276 do documento);
   Todavia, depois de analisar o respectivo processo, o Secretário para a Segurança ordenou o EPM a expor ao arguido as informações sobre os factos apurados nas diligências de prova e os respectivos dados, para que não se verificassem factos que enfraquecessem o direito de defesa do arguido e a falta de execução da respectiva audiência, marcando-se-lhe o prazo de apresentação da sua defesa escrita ou de audiência (v. fls. 277 a 282 do documento);
   No dia 1 de Fevereiro de 2002, o arguido apresentou a sua defesa escrita no prazo marcado, na qual foram expostas em forma de articulação as razões e opiniões pessoais sobre o conteúdo da acusação. Ao mesmo tempo, foram apresentados o rol de testemunhas e alguns documentos e informações relativas ao conteúdo da acusação, além de mais um pedido das diligências de prova (v. fls. 283 a 288 do documento);
   Em relação ao rol de testemunhas e às diligências de prova apresentados pelo arguido, o instrutor ouviu os funcionários do EPM: I, J, K, L e B. Além disso, o instrutor pediu o apoio do B, responsável do grupo de informática do EPM, para concluir o trabalho das respectivas diligências de informática. B apresentou o respectivo relatório no dia 20 de Fevereiro de 2002 (v. fls. 289 a 305 do documento e do auto de notícia);
   Após a realização das diligências previstas no artigo anterior, como entende que não existem nenhum outro facto ou informação que possam modificar substancialmente o conteúdo do relatório apresentado no dia 7 de Janeiro de 2002, o instrutor decidiu manter o conteúdo do referido relatório. Informou a respectiva decisão ao arguido e ao seu advogado constituído, marcando-lhe o prazo para a apresentação da sua defesa escrita (v. fls. 306 e 307 do documento);
   Embora o arguido e o seu advogado constituído tivessem apresentado, respectivamente, o pedido de examinar os autos, só o arguido examinou todo o conteúdo dos autos do procedimento disciplinar no dia 19 de Março de 2002, após o deferimento do pedido (v. fls. 308 a 313 do documento);
   No dia 22 de Março de 2002, o arguido apresentou a defesa escrita no prazo marcado, na qual foram expostas em forma de articulação, as razões e opiniões pessoais sobre o conteúdo da acusação, mas não apresentou o rol de testemunhas ou os documentos e informações sobre o conteúdo da acusação, nem as diligências de prova (v. fls. 314 a 316 do documento);
   Após o debate das diligências subsidiárias de prova, foram verificados os seguintes factos que merecem consideração:
   No dia 7 de Dezembro de 2000, quando B responsável do grupo de informática do EPM, entrou na sala 112 (trata-se de uma sala de “SERVER”) do edifício administrativo do EPM, a fim de tratar assuntos, ao utilizar a linha directa do telefone desta sala, percebeu que o referido telefone não estava em funcionamento, pensava inicialmente que a linha de telefone não estava bem ligada, mas, depois de realizar uma inspecção, descobriu que a linha do telefone em causa estava ligada a um outro computador individual, computador esse está ligado ao SERVER do sistema informático do EPM através de uma linha exclusiva. Portanto, pediu o apoio aos colegas C e D a fim de verificar o facto (v. fls. 5 do documento, fls. 20 e 22 do auto de notícia);
   Após a verificação feita pelo D, Técnico Superior do EPM, verificou que a respectiva linha de telefone estava ligada a um computador da sala, e o computador, estava ligado a um computador da sala, e o computador, estava ligado a um Modem e à internet (v. fls. 20 e 22 do auto de notícia);
   O director do EPM tinha enfatizado, muitas vezes, nas reuniões, a proibição de utilização da internet no EPM, visto que a utilização referida prejudicará a segurança das informações do EPM, podendo inclusive a dar origem a ataques e destruição do sistema de segurança do EPM (v. fls. 210 e 211 do documento, fls. 17, 20, 22, 24, 25 e 207 do auto de notícia);
   Para apurar a existência de infracção de utilização da internet no EPM, com a verificação feita por B, foi descoberta a instauração do referido Modem sem a autorização do EPM, e que este não estava ligada exclusivamente à rede dos Serviços das Finanças, e a linha exclusiva da DSF é ligada através de um sistema de ligação exclusiva (v. fls. 20 do auto de notícia);
   Por isso, B, responsável do grupo de informática, apresentou o relatório escrito ao Director do EPM no dia 13 de Dezembro de 2000. Ao mesmo tempo, segundo a ordem do Director do EPM, B, o mesmo responsável, tirou fotografias como prova das ligações do computador ao Modem (v. fls. 5 do documento, fls. 20 e 207 do auto de notícia);
   Depois de analisar as informações em causa pelo EPM, pode-se presumir que o arguido do presente processo está suspeito de ter ligado o referido computador ao Modem e à internet, pelo que o Director proferiu o despacho no dia 13 Dezembro de 2000, ordenando B, responsável do grupo de informática, e I, chefe da Divisão Administrativa e Financeira, para que tivessem cópia das informações do Hardware do computador acima referido e as do computador destinado a uso pessoal (instalado na sala n.º 110 do edifício administrativo do EPM), a fim de serem garantidos. (v. fls. 6 do documento, fls. 20, 25, 207 e 210 do auto de notícia);
   Para aprofundar a investigação e conhecimento das influências e danos causados ao EPM, o Director do EPM enviou um ofício à Polícia Judiciária, no dia 15 de Dezembro de 2000, para solicitar a intervenção desta entidade na respectiva inspecção, de forma que esta entidade transportou, no dia 18 do mesmo mês, os equipamentos de computador, discos compactos, documentos e as informações referidos no ponto anterior, a fim de investigá-los, e devolveu-os ao EPM no dia 5 de Janeiro de 2001 (v. fls. 3 a 4 do documento, fls. 17, 20, 22 e 207 do auto de notícia);
   Ao mesmo tempo, a Polícia Judiciária convidou o arguido para ir à Polícia Judiciária a fim de apoiar a investigação, durante a qual, buscou o computador pessoal do arguido da casa dele. Após a investigação, a Polícia Judiciária submeteu o processo à investigação do Ministério Público. Porém, o arguido foi informado pelo Ministério Público em Maio de que no referido processo, não há provas suficientes para provar a revelação, pelo arguido, de informações sigilosas do EPM a outrem, aliás, o arguido consegue justificar a sua ligação à internet, portanto, o Ministério Público decidiu o arquivamento do referido processo. (v. fls. 17 e 207 do auto de notícia);
   Todavia, o arguido confessou que, a partir do Outubro de 2000, começou a utilizar a internet no EPM, dizendo que além da sua ligação à internet para download os antivirus software ou driver program que facilitavam o seu trabalho, visitava também a alguns websites, bem como os de jornais e divertimentos. Aliás, o Modem usado para ligar à internet foi comprado e instaurado por seu próprio (v. fls. 17, 52 a 54, 61, 64 e 69 do auto de notícia);
   O arguido ligou, sem a autorização do EPM, o Modem aos equipamentos de computador do EPM, visitando frequentemente à internet e ICQ, bem como quote.e-finet.com, macau.ctm.net, softsecurity.com, regnow.com, ctmgsm.com, yahoo.com, Sina.com, hkitexpo.com, iimacau.org.mo etc. (v. fls. 46 a 48, 51, 52, 53, 61, 62, 64 e 68 do documento);
   Além de ligar à internet através da linha exclusiva de telefone na sala de SEVER do edifício administrativo do EPM, o arguido utilizava habitualmente os softwares, bem como Wimoute e Wingate (gatekeeper) para estabelecer o gateway, de forma que o arguido pode ligar à internet através da linha telefónica ligada ao computador da sala do SERVER (v. fls. 210 e 211 do documento);
   O arguido entrou, por várias vezes e sem prévias autorização, nos ficheiros confidenciais dos funcionários do EPM através do software CAIN, bem como os seus ficheiros confidenciais, como por exemplo, do E, chefe de Secção de Finanças, e da F, terceira-oficial (v. fls. 49 a 58, 64, 211, 212, 228, 238, 239, 242, 244, 247 e 248 do documento);
   O arguido utilizou o software CAIN para descodificar os códigos (passwords) de seus colegas, de forma que possa entrar nos ficheiros confidenciais deles, actos esses foram registados pelo software PC Activity Monitor Pro (v. fls. 73 a 93 e 261 a 267 do documento, fls. 102 e 103 do auto de notícia);
   Nos termos das respectivas informações, o software PC Activity Monitor Pro tem a função de registar todos os processos de utilização do computador, e o software Sub Seven é um software program excelente para furtar código (password) e controlar os computador de outras pessoas. Ao mesmo tempo, trata-se de um software muito usado por Hackers (v. fls. 73 a 93, e 261 a 267 do documento);
   Nos registos das informações do hardware do computador utilizado pelo arguido, verificou-se claramente o software program Sub Seven (Sub 7) instaurado no referido computador; além disso, o arguido tinha entrado na website Softsecurity.com onde lhe deu acesso ao software program PC Activity Monitor Pro, aliás, encontra-se o programa “PC Activity Monitor - (PC ACME Pro) v4.0 Pro (build 1777)” (v. fls. 53, 74, 75, 210 a 212 e 261 a 267 do documento);
   Porém, o arguido nunca informou o EPM da instauração dos softwares referidos no ponto anterior no seu computador, nem para isso pediu a autorização da mesma entidade Além disso, não demonstrou a necessidade da instauração dos referidos softwares nos seus trabalhos quotidianos. Aliás, os softwares referidos são usados frequentemente por "Hackers" (v. fls. 73 a 93 do documento, fls. 207 do auto de notícia);
   Segundo as informações fornecidas pelo arguido e, com base no facto de que o arguido emitiu as informações pessoais através do ICQ, bem como as informações do seu número de estudante, pode-se presumir que os extractos dos documentos apresentados pelo grupo de informática do EPM foram dos registos do computador distribuído ao uso do arguido (v. fls. 69 a 71,210 do documento, fls. 102 e 103 dos autos);
   Por outro lado, o responsável do grupo de informática do EPM, B, segundo a ordem do Director do EPM, abriu os dois ficheiros copiados de hardware e descobriu os registos de acessos à internet, ICQ e e-mail, todavia, não conseguiu ler os conteúdos deles (v. fls. 210 do documento, fls. 20 e 207 do auto de notícia);
   Segundo o entendimento do B, responsável do grupo de informática, o software CAIN que existia na cópia do hardware é um software destinado a descodificar códigos (passwords), quanto ao software TROJAN, sendo este um software destinado a adquirir o poder de controlar o computador de outros. B relatou o assunto ao Director do EPM para a decisão dele (v. fls. 20 e 212 do auto de notícia);
   Perante os actos acima referidos:
   O arguido do presente processo, A, violou os dispostos no n.°s 1e 2, al. b), c), d) e e), n.°s 4, 5, 6 e 7 do art.° 279.º, n.° 2, al. d), j) e l) do art.° 314.º, n.°s 1 e 2, al. b), d) e h) do art.° 315.º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 87/89/M de 21 de Dezembro de 1989 e, alterado pelo Decreto-Lei n.° 62/98/M de 28 de Dezembro de 1998, pelo que, deve ser punido pelas penas de aposentação compulsiva ou demissão;
   As circunstâncias atenuantes previstas no Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública não são aplicáveis ao arguido A, e aplicáveis são as circunstâncias agravantes previstas nas alíneas a), b), c) e j) do n.º 1 do artigo 283.º do mesmo Estatuto.
   Conclusão
   1. Após a consideração global das circunstâncias atenuantes e agravantes aplicadas ao arguido e com base nos factos referidos no ponto 17 do presente relatório, propomos que se aplique a punição de demissão ao arguido A nos termos dos dispostos no n.º 1 e 2 do artigo 316.º, última parte do n.º 3 do artigo 315.º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública;
   2. Nos termos do artigo 280.º, artigo 322.º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública e do n.º 1 da Ordem Administrativa n.º 13/2000, a aplicação da punição prevista no número anterior é da competência do Secretário para a Segurança.
   Aos 3 de Abril de 2002, em Estabelecimento Prisional de Macau.
   O instrutor
   (M)”
   
   Por despacho do Exmo Senhor Secretário para a Segurança, de 19 de Abril de 2002 foi proferido o seguinte despacho n.º 13/SS/2002:
   “No processo disciplinar instaurado contra o arguido, A, Técnico Superior de Informática de 2ª classe do Estabelecimento Prisional de Macau, ficou plenamente verificado que o arguido violou voluntária, livre e conscientemente a ordem do Director do Estabelecimento Prisional de Macau, tendo instalado, sem autorização, pelo menos desde Outubro de 2000, o Modem adquirido por conta dele ao computador que lhe foi distribuído para o uso de serviço, a fim de fazer acesso à internet. Além disso, percebeu-se que o mesmo tinha instalado, sem autorização, o software no computador em causa, software esse que é considerado inútil para o trabalho do arguido, mas pode ser usado para furtar dados e controlar ilegalmente computadores pessoais de outra pessoa.
   Sendo trabalhador da Administração Pública, ao desempenhar a função assumida, o arguido deve não apenas zelar pelo cumprimento dos deveres comuns, mas também prestar serviços de interesse públicos específicos. Todavia, ele efectuou os actos contra os interesses do serviço e sem contribuições, o que só pode levar os dirigentes e chefes a perder confiança nele.
   Os factos imputados acima referidos, relevam plenamente que o arguido violou deliberadamente a ordem do Director de EPM, dada e reiterada ao chefe do serviço e ao arguido próprio, sobre a proibição de fazer acesso à internet, demonstrando também o seu incumprimento do objectivo previsto na sua atribuição, nomeadamente a utilização do computador distribuído pela Administração Pública.
   Porém, tendo-se analisado as medidas da recolha de provas e audiências do processo disciplinar, reorganizadas várias vezes, não se conseguiu verificar que o arguido tivesse furtado e revelado as informações confidenciais do EPM (como a indicação constada no despacho do arquivamento do órgão judiciário), de forma que, tendo em conta a oportunidade de eficácia de punição do processo disciplinar e, sem prejuízo da instauração do processo disciplinar oportuna contra as infracções eventuais que não podem ser imputadas na altura.
   Pelo exposto, dado que as graves infracções imputadas já provadas violaram os dispostos nas alíneas b), c) e d) do n.º2 e n.º1 do artigo 279º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau aprovado pelo Decreto-Lei n.º 87/89/M de 21 de Dezembro, correspondentes aos deveres dispostos no n.º4, 5º e 6º do mesmo artigo, e que, após a apreciação, aplicam-se as circunstâncias agravantes previstas nas alíneas b) e h) do n.º1 do artigo 283º do mesmo estatuto e, nos termos das competências conferidas pelo artigo 322º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau, pela alínea 6) do anexo 4 do n.º2 do artigo 4º do Regulamento Administrativo n.º6/1999 e pelo n.º1 da Ordem Executiva n.º 13/2000 e, do disposto na alínea e) do n.º4 do artigo 314º do mesmo estatuto, decidi aplicar a punção de suspensão de serviço ao arguido por um ano.
   Notifique o arguido que deste despacho e cabe recurso contencioso para o Tribunal de Segunda Instância no prazo de 30 dias.
   Gabinete do Secretário para a Segurança, aos 19 de Abril de 2002.
   Secretário para a Segurança
   Cheong Kuok Va”
   
   Em 24 de Abril de 2002 este despacho com cópia do relatório acima referido foram notificados ao Recorrente.”
   
   
   2.2 Violação do dever de zelo
   O recorrente entende que a utilização da internet teve por objectivo único o potenciar do seu trabalho, tornando-o mais eficaz e permitia o aperfeiçoamento dos seus conhecimentos e métodos de trabalho. Concluiu que a haver alguma infracção por parte do recorrente seria o excesso do mesmo dever de zelo.
   
   Segundo o prescrito no art.° 279.°, n.° 4 do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau (ETAPM) aprovado pelo Decreto-Lei n.° 87/89/M:
   “O dever de zelo consiste em exercer as suas funções com eficiência e empenhamento e, designadamente, conhecer as normas legais e regulamentares e as instruções dos seus superiores hierárquicos, bem como possuir e aperfeiçoar os seus conhecimentos técnicos e métodos de trabalho.”
   
   Da matéria de facto provada resulta que o recorrente, em violação da ordem do director do Estabelecimento Prisional de Macau (EPM), acedia à internet no local do seu trabalho com um modem próprio, instalado sem autorização no computador que lhe estava distribuído pelo serviço. E havia sido instalado e mantido sem autorização software que poderia ser usado para aceder a dados de outros funcionários e controlar ilegalmente computadores pessoais de terceiros.
   Visto isso, é manifesto que falta fundamento a argumentação do recorrente. É inegável que a utilização da internet pode ter efeito de aumentar a eficácia do trabalho e receber rapidamente informações de todas as espécies. No entanto, a questão tem de ser apreciada tendo em conta a situação concreta em torno do sujeito visado. É fácil de compreender as exigências de segurança do sistema informático e dos dados informatizados de um departamento da Administração Pública tão sensível como a prisão. Por outro lado, é também um dado adquirido que a ligação à rede de internet traduz logo que está a ser posta em risco a segurança do próprio computador e dos que a ele ligados, da sua funcionabilidade e de todos os elementos neles registados, como os dados informatizados e os programas.
   Para além de existir ordem expressa do director do EPM de proibição de aceder à internet no Estabelecimento Prisional, um técnico informático, como o recorrente, não deve ignorar esse risco. Como o técnico informático do EPM, não pode deixar de interiorizar bem as instruções e ordens relativas ao uso de computador e da internet nos seus serviços, para valer pela segurança do respectivo sistema informático.
   Não se mostra violado pelo tribunal recorrido o disposto no art.° 279.°, n.° 4 do ETAPM que prevê o dever de zelo.
   
   
   2.3 Violação do dever de obediência
   O recorrente refere nas suas alegações que, conforme resulta da prova produzida, nunca houve, por qualquer meio, ordem expressa de proibição do uso de internet por parte de qualquer superior hierárquico.
   
   O que não corresponde à verdade. Dos factos provados resulta que “o director do EPM tinha referido, algumas vezes, nas reuniões, a proibição da utilização da internet no Estabelecimento Prisional, visto que essa utilização prejudicaria a segurança das informações do EPM, podendo dar origem a ataques e destruição da sistema da segurança daquele estabelecimento.”
   Perante a proibição expressa de aceder à internet no Estabelecimento emitida pelo director do EPM, a conduta do recorrente consiste precisamente na desobediência da ordem superior.
   
   
   2.4 Violação do dever de lealdade
   Nesta parte, o recorrente alega que a utilização da internet tinha como fim último aumentar a rendibilidade, não só pessoal, como do seu departamento, numa perspectiva de futuro aperfeiçoamento do sistema informático do EPM.
   
   O dever de lealdade consiste em “desempenhar as suas funções de acordo com as instruções superiores em subordinação aos objectivos de serviço e na perspectiva da prossecução do interesse público” (art.° 279.°, n.° 6 do ETAPM).
   Para além de não ficar provada a potencialidade de aperfeiçoar o sistema informático do EPM, a actuação do recorrente não comporta qualquer utilidade para o interesse público. De facto, não se sabe a que páginas cibernéticas acedia o recorrente, mas os programas informáticos como Cain, Trojan são aptos para decifrar os códigos pessoais de acesso aos computadores de colegas seus e furtar códigos e controlar computadores alheios, comumente utilizados pelas hackers. Não está demonstrada qualquer necessidade destes programas para o serviço.
   O recorrente, ao aceder à internet contra a ordem do director do EPM, manter instalado programas informáticos potencialmente comprometedores para a segurança do sistema informático, desviou dos fins a que o computador que lhe havia sido distribuído pelo serviço se destinava, violando, assim, o dever de lealdade.
   
   
   2.5 A adequação da pena disciplinar aplicada
   O recorrente considera que na pena aplicada é notória a injustiça e manifesta a desproporção entre a sanção aplicada e a falta imputada, ao não aplicar ao mesmo pena mais leve, como a repreensão escrita ou multa, o acórdão recorrido violou princípios de adequação e proporcionalidade.
   
   Ora, a aplicação pela Administração de penas disciplinares, dentro das espécies e molduras legais, é, em princípio, insindicável contenciosamente, salvo nos casos de erro manifesto, notória injustiça ou violação dos princípios gerais do Direito Administrativo como os da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade.
   Toda a argumentação do recorrente baseia-se em que o uso do computador de serviço para aceder à internet é um acto normalíssimo para um técnico informático e é uma função óbvia do aparelho de computador.
   No entanto, não é por simples razão de aceder à internet que foi aplicada a pena de suspensão ao recorrente. O sentido do acto varia conforme as circunstâncias concretas. Os actos em questão de aceder à internet e de manter sem autorização software capazes de aceder a dados reservados de outros funcionários e controlar ilegalmente computadores pessoais de terceiros, sempre realizados no seu computador do serviço, devem ser considerados em relação às suas situações em concreto, ou seja, um técnico informático do EPC onde existe regras específicas de segurança sobre o seu sistema informático.
   
   As penas aplicáveis aos funcionários e agentes pelas infracções disciplinares são repreensão escrita, multa, suspensão, aposentação compulsiva e demissão (art.° 300.°, n.° 1 do ETAPM.
   Não há dificuldade em afastar logo a aplicabilidade de repreensão escrita e multa, pois a conduta provada do recorrente nunca pode ser considerada simplesmente como faltas leves que não tenham trazido prejuízo ou descrédito para o serviço ou casos de negligência ou má compreensão dos deveres funcionais, nos termos dos art.°s 312.° e 313.°, n.° 1 do ETAPM.
   
   Por outro lado, o art.° 314.°, n.° 1 do ETAPM prescreve que: “A pena de suspensão será aplicável aos casos que revelem culpa e grave desinteresse pelo cumprimento dos deveres profissionais.”
   A entidade recorrida fundamenta o seu acto nomeadamente na al. e) do n.° 4 do referido art.° 314.°: “usar ou permitir que outrem use ou se sirva de quaisquer bens pertencentes à Administração, cuja posse ou utilização lhes seja confiada, para fim diferente daquele a que se destinam.”, a que é aplicável a pena de suspensão de 241 dias a 1 ano.
   Para o recorrente, a pena de suspensão máxima de um ano viola o princípio da proporcionalidade.
   
   A pena fixada deve corresponder ao grau do desvalor da conduta do infractor, tendo em conta todas as circunstâncias relacionadas com a prática da infracção. Daí que a pena deve ser proporcional à gravidade da conduta disciplinarmente ilícita.
   Embora não ficou provado que a segurança do sistema e dos dados pessoais informatizados do EPM foi afectada pelo acto de aceder à internet praticado pelo recorrente, este acto realizado sem autorização com o seu computador de serviço e a manutenção neste de software com capacidade de decifrar códigos de acesso aos computadores de outros funcionários do serviço e de controlar computadores alheios criou efectivamente risco para a segurança do sistema informático do EPM. Tal perigo não foi hipotético mas concreto. Isso não é certamente o objectivo de afectar um computador de serviço pelo EPM para o recorrente.
   Não se verifica qualquer erro manifesto ou violação do princípio da proporcionalidade na fixação da pena disciplinar ao recorrente.
   
   
   
   3. Decisão
   Face ao exposto, acordam em julgar improcedente o recurso.
   Custas pelo recorrente com a taxa de justiça fixada em 4 UC (duas mil patacas).
   
   
   Aos 28 de Julho de 2004.




           Juízes:Chu Kin (Relator)
Viriato Manuel Pinheiro de Lima
Sam Hou Fai
Magistrada do Ministério Público
presente na conferência: Song Man Lei


Processo n.° 27 / 2003 34