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Acórdão do Tribunal de Última Instância
da Região Administrativa Especial de Macau



Recurso penal
N.° 35 / 2004

Recorrente: A







1. Relatório
O arguido A foi julgado, juntamente com outros três arguidos, no Tribunal Judicial de Base, no âmbito do processo comum colectivo n.° PCC-073-03-6 e condenado pela prática, em autoria, de:
- um crime de tráfico de drogas previsto e punido pelo art.° 8.°, n.° 1 do Decreto-Lei n° 5/91/M na pena de 8 anos e 1 mês de prisão e multa de 15,000 patacas, convertível em 90 dias de prisão caso não for paga;
- um crime de detenção de utensílio para consumir droga previsto e punido pelo art.° 12.° do Decreto-Lei n° 5/91/M na pena de 3 meses de prisão;
- um crime de detenção de drogas previsto e punido pelo art.° 23.°, al. a) do Decreto-Lei n.° 5/91/M na pena de 1 mês de prisão.
Em cúmulo, foi condenado na pena de 8 anos e 3 meses de prisão e de multa de 15,000 patacas, convertível em 90 dias de prisão.

Inconformado com essa decisão condenatória, o arguido recorreu para o Tribunal de Segunda Instância. Por seu acórdão de 22 de Julho de 2004 proferido no processo n.° 141/2004, foi negado provimento ao recurso.
Vem agora o arguido recorrer para este Tribunal de Última Instância, formulando as seguintes conclusões da motivação:
   “1. Imputa o ora recorrente, ao douto Acórdão recorrido:
   - o vício da contradição insanável na fundamentação, vício esse previsto no art.º 400.º, n.º 2, al. b) do Código de Processo Penal; e
   - erro na qualificação jurídica dos factos (violação do princípio “in dubio pro reo”), porquanto ao se condenar o recorrente pelo art.º 8.° do Decreto-Lei n.° 5/91/M quando a dúvida – relativamente à quantidade da droga que se destinava a consumo próprio dele recorrente e dos seus amigos, 3° e 4° arguidos – se impunha a sua condenação pelo art.° 9.° do mesmo diploma legal.
   Porquanto:
   2. Dos factos dados como provados pelo Tribunal a quo, nos pontos 7°, 24°, 25° e 27°, resulta que a canabis com o peso líquido de 0.774 e 14.549 gramas, encontrada no quarto n.° XXXX do Hotel, onde estavam hospedados os 3° e 4° arguidos, foi adquirida pelo 2° arguido ao 1° arguido, para ser consumida conjuntamente pelos 2°, 3° e 4° arguidos, mediante comparticipação no respectivo custo entre os 2°, 3° e 4° arguidos, sendo estupefaciente que a todos estes três arguidos pertencia.
   3. Desta forma é contraditório afirmar-se no ponto 17 da matéria de facto dada como assente, que a canabis encontrada no quarto n.° XXXX do Hotel, no dia 19 de Abril de 2003, foi adquirida pelos 3° e 4° arguidos ao segundo arguido.
   4. Dos factos dados como provados pelo Tribunal a quo, nos pontos 8, 9, 14 e 15, resulta que no dia 19 de Abril de 2003, os agentes da PJ acompanhados pelo 2° arguido se deslocaram à sua residência onde encontraram no seu quarto de dormir 0.710 gramas de canabis, e que nesse mesmo dia, os agentes da PJ acompanhados pelos 3° e 4° arguidos se deslocaram ao quarto n.° XXXX do Hotel onde foi encontrada 0.774 e 14.549 gramas de canabis.
   5. Dos factos dados como provados pelo Tribunal a quo, nos pontos 23, 24, 25, 26 e 27, ficou também provado que desde Fevereiro de 2003 tinha já sido adquirida a droga pelo 2° arguido ao 1° arguido mediante a comparticipação no respectivo custo entre os três arguidos, o 2°, 3° e 4° arguidos.
   6. Pelo que, as 0.774 e 14.549 gramas de canabis encontradas no quarto n.° XXXX do Hotel no dia 19 de Abril de 2003, nunca poderiam ter sido adquiridas só pelos 3° e 4° arguidos, porque foi adquirida pelos 2°, 3° e 4° arguidos para ser conjuntamente consumida pelos mesmos, mediante comparticipação no respectivo custo, sendo estupefaciente que a todos estes três arguidos pertencia.
   7. Existe assim, contradição insanável da fundamentação – vício previsto no art.° 400.°, n.° 2, al. b) do Código de Processo Penal – o que implica a anulação do julgamento e o reenvio do processo para novo julgamento.
   A não se entender assim,
   8. Deveria o Tribunal a quo, condenar o recorrente por tráfico de quantidades diminutas, porque não ficou apurado qual a quantidade de canabis que o recorrente cedeu a terceiros, aos 3° e 4° arguidos.
   9. O Colectivo dando como provado que os 2°, 3° e 4° arguidos decidiram conjuntamente consumir canabis e que comparticiparam nos custos na sua aquisição (pontos 7°, 24°, 25° e 27°), não tem matéria de facto para concluir que o 2° arguido traficou canabis em quantidade superior àquilo que seria necessário para consumir três dias.
   10. Também não se provou a quantidade destinada ao consumo dos 3° e 4° arguidos.
   11. Também não se provou qual a participação monetária de cada um dos arguidos na aquisição da droga.
   12. Destinando-se esta a ser consumida juntamente é de se presumir que a sua aquisição o foi em partes iguais, pelo que a droga encontrada no quarto do Hotel onde se encontravam hospedados os 3° e 4° arguidos também pertencia ao 2° arguido e se destinava também ao seu consumo.
   13. A quantidade de droga apreendida nos autos aos arguidos é inferior à quantidade necessária para o consumo durante três dias pelos três arguidos pelo que a entender-se ter cometido o arguido o crime de tráfego de droga ele integraria o crime previsto e punido no art.° 9.°, n.° 1 do DL n.° 5/91/M, ou seja um crime de tráfego de quantidades diminutas.
   14. É que está dado como provado nos autos que a droga adquirida era para consumo conjunto dos três arguidos.
   15. A douta decisão recorrida, violou assim a norma do art.° 8.° e a do art.° 9.° do DL n.° 5/91/M, vício que se imputa.
16. A douta decisão recorrida violou ainda, o princípio “in dubio pro reo” por condenar o arguido por um crime do art.° 8.° do DL n.° 5/91/M ao invés de o fazer pelo art.° 9.° do mesmo diploma legal.”
Pedindo a procedência do recurso e ser anulado o julgamento e ordenado o reenvio do processo para novo julgamento ou ser revogado o acórdão recorrido na parte que condenou o recorrente pela prática de um crime de tráfico de droga previsto e punido pelo art.° 8.°, n.° 1 do Decreto-Lei n.° 5/91/M, e passar a condenar o recorrente, para além dos crimes de detenção de utensílio para consumir droga e de detenção de droga, pela prática de um crime de tráfico de quantidades diminutas de drogas previsto e punido pelo art.° 9.°, n.° 1 do mesmo diploma.

O Ministério Público, na sua resposta, entende que deve ser negado provimento ao recurso por não terem verificados os vícios apontados na motivação do recorrente.

   Nesta instância, o Ministério Público emitiu o seguinte parecer:
   “No recurso interposto para este Alto Tribunal de Última Instância, o arguido A continua a invocar, como fundamento do recurso, o vício da contradição insanável da fundamentação e o erro na qualificação jurídica dos factos.
   Analisando a motivação do recurso apresentada pelo recorrente, constata-se que ambos vícios por si imputados têm o mesmo ponto de partida, que é o entendimento de que a canabis, com peso de 15.323 gramas, encontrada no quarto n.° XXXX do Hotel pertencia não só ao ora recorrente, mas também aos restantes dois arguidos B e C, tendo sido adquirida conjuntamente por três, mediante comparticipação de todos no respectivo custo, para ser também conjuntamente consumida pelos mesmos e que, consequentemente, como não está apurada a quantidade concreta de canabis que o recorrente cedeu àqueles dois arguidos, o recorrente devia ter sido condenado pela prática do crime p.p. pelo art.° 9.° do DL n.° 5/91/M, por força do princípio in dubio pro reo.
   Não podemos concordar com este entendimento.
   
   Têm interesse, para resolução das questões colocadas pelo recorrente, os seguintes factos dados como provados:
   - A partir de Fevereiro de 2003, o arguido A começou a adquirir canabis para consumir juntamente com os arguidos B e C.
   - No dia 19 de Abril de 2003, os agentes da PJ encontraram, no frigorífico do quarto n.° XXXX do Hotel que os arguidos B e C alugavam, os materiais herbáceos que continham canabis com peso líquido de 0.774 e 14.598 gramas e os sementes vegetais que continham também canabis com peso líquido total de 4.798 gramas.
   - Os supracitados objectos foram adquiridos ao arguido A pelos arguidos B e C, a fim de serem consumidas pessoalmente.
   - Em Fevereiro de 2003, os arguidos B e C chegaram a Macau em gozo de férias, tendo ficado hospedados no quarto XXXX do Hotel, e tendo os arguidos A, B e C decidido consumirem juntamente canabis.
   - Sugerido pelo arguido A, os arguidos B e C concordaram em adquirir canabis através do arguido A, mediante comparticipação no respectivo custo entre os arguidos A, B e C, tendo assim realizado por 5 ou 6 vezes, e adquirindo por cada vez, a dose de cerca de uma onça.
   
   Perante tal matéria de facto provada, o recorrente tira a conclusão de que a canabis apreendida no dia 19-4-2003 e no quarto n.° XXXX do Hotel foi adquirida por si e também pelos arguidos B e C para ser consumida conjuntamente, sendo estupefaciente que a todos eles pertencia, pelo que é contraditório dar-se como provado que a canabis acima referida foi adquirida pelos arguidos B e C ao recorrente.
   Ora, é verdade que, na matéria de facto provada, o Tribunal a quo deu como assentes alguns factos que descreve um modo normal de aquisição e consumo conjunto de estupefacientes: o recorrente e os arguidos B e C decidiram consumir conjuntamente canabis, tendo estes dois concordaram em adquirir canabis através daquele, mediante comparticipação no respectivo custo de todos (incluindo o recorrente), e já tenham assim realizado por 5 ou 6 vezes, adquirindo por cada vez a dose de cerca de uma onça.
   No entanto, tal descrição sobre o modo normal de actuar não conduz necessária e inevitavelmente a que a canabis concretamente apreendida nos autos era para consumo conjunto de todos três – do recorrente e dos arguidos B e C: pode acontecer que, com uma porção da droga adquirida através do recorrente, a canabis apreendida nos autos se destinava apenas ao consumo daqueles dois arguidos e não também ao consumo do recorrente. E comparando a quantidade normalmente adquirida pelos arguidos (de cerca de uma onça por cada vez) e a quantidade apreendida nos autos, é de afastar aquele ideia de esta quantidade se destinar ao consumo dos três.
    Por outro lado, a afirmação de que a droga foi adquirida ao recorrente pelos arguidos B e C não contraria, antes corresponde, ao modo normal de aquisição, já que sempre foi através do ora recorrente que aqueles dois arguidos conseguiram canabis para consumo.
   E a comparticipação ou não de todos no custo de compra é irrelevante, uma vez que a previsão do art.° 8.° do DL n.° 5/91/M é muito abrangente, punindo não só o tráfico mas também as actividades de oferecer, distribuir, ceder ou proporcionar a outrem, mesmo sem intenção lucrativa.
   Assim sendo, não nos parece que existe a oposição entre os factos indicados pelo recorrente nem entre outros factos, provados ou não provados, pelo que não tem razão o recorrente quando invoca o vício de contradição insanável da fundamentação, que “consiste na contradição entre a fundamentação probatória da matéria de facto, bem como entre a matéria de facto dada como provada ou como provada e não provada” e se verifica “quando de acordo com um raciocínio lógico típico, seja de concluir que a fundamentação justifica uma decisão precisamente oposta ou quando, segundo o mesmo tipo de raciocínio, se conclua que a decisão não fica esclarecida de forma suficiente dada a colisão entre os fundamentos invocados” (cfr. Ac. do TUI, de 22-11-2000, no processo n.° 17/2000; Acs. do TSI, de 13-2-2003, no processo n.° 181/2002 e de 20-3-2003, no processo n.° 90/2002, entre outros).
   
   Quanto à qualificação jurídica dos factos, salvo o devido respeito, também entendemos que improcede o fundamento do recorrente, uma vez que, na sequência das considerações acima tecidas, parece muito claro ficar já apurada nos autos a quantidade cedida pelo recorrente aos arguidos B e C, que é toda a quantidade apreendida no quarto n.° XXXX do Hotel, com peso muito superior ao limite fixo pela jurisprudência para consumo individual durante 3 dias, que é, como se sabe, 8 gramas para marijuana.
   Não merece censura a qualificação jurídica operada pelo Tribunal a quo.
   
   Termos em que se deve julgar improcedente o presente recurso.”

   
   Foram apostos vistos pelos juízes-adjuntos.
   
   
   
   2. Fundamentos
   2.1 Matéria de facto
   Foram dados como provados pelo Tribunal Judicial de Base e Tribunal de Segunda Instância os seguintes factos:
   “No dia 17 de Abril de 2003, cerca das 20H00, no rés-do-chão do [Endereço(1)], o arguido D foi interceptado e verificado pelos agentes da PJ.
   Os agentes da PJ suspeitavam que o arguido D se dedicasse à actividade de tráfico de drogas, levaram-no para a sua residência sita na [Endereço(1)] para proceder à busca.
   Os agentes da PJ encontraram na residência do arguido D três pacotes do objectos herbáceo, oito comprimidos e alguns sementes vegetais.
   Após exame laboratorial, verificou-se que os supracitados três pacotes de objectos herbáceo continham Canabis, sendo substância referida na Tabela I-C, do Decreto-Lei n.° 5/91/M, com peso líquido total de 28.924 gramas; os oito comprimidos continham composição de Nitrazepam substância referida na Tabela IV do mesmo diploma, com peso líquido total de 1.537 gramas e, os sementes vegetais continham Canabis, substância referida na Tabela I-C do Decreto-Lei n.° 5/91/M, com peso líquido total de 1.912 gramas.
   As supracitadas drogas foram adquiridas ao indivíduo não identificado pelo arguido D, contudo, as quais não eram para o fim de consumo pessoal mas sim para fornecer a terceiros.
   E depois, na sede da Polícia Judiciária, os agentes encontraram no corpo do arguido D uma quantia no valor de MOP$4.300,00 (quatro mil e trezentas patacas), quantia essa era o benefício que o arguido obteve na transacção de drogas com outra pessoa.
   A partir de Fevereiro de 2003, o arguido A começou a adquirir canabis para consumir juntamente com os arguidos B e C.
   No dia 19 de Abril de 2003, cerca da uma hora na madrugada, no parque de estacionamento do Edif.(1) onde os arguidos A, B e C foram interceptados pelos agentes da PJ.
   De seguida, os agentes da PJ, acompanhados pelo arguido A, deslocaram-se à sua residência sita na [Endereço(2)] para procederem à busca.
   Finalmente, foram encontrados no quarto de dormir do arguido A, um pacote de objecto herbáceo embrulhado pela película aderente e um cachimbo em madeira.
   Após exame laboratorial, verificou-se que o supracitado objecto herbáceo continha Canabis, sendo substância referida na Tabela I-C do Decreto-Lei n.° 5/91/M, com peso líquido de 0.710 gramas. Quanto ao material contido no cachimbo, o qual também continha Canabis.
   O arguido A utilizava o supracitado cachimbo como utensílio para consumir droga.
   As drogas acima referidas foram adquiridas ao arguido D pelo arguido A, a fim de serem consumidas pessoalmente.
   Ao mesmo tempo, os agentes da PJ, acompanhados pelos arguidos B e C, deslocaram-se para proceder à busca ao quarto n.° XXXX do Hotel que os mesmos alugavam.
   Os agentes da PJ encontraram no frigorífico do quarto, uma caixa metálica, de cor amarela, forma quadrada, contendo no interior alguns materiais herbáceos, e uma caixa metálica de cor amarela, forma rectângula, contendo nela materiais herbáceos embrulhados pela película aderente, e em cima da mesa de cabeceira, foram encontrados um cachimbo colocado num frasco de forma cabaceira, duas caixas de mortalha RIZLA+ para cigarro, uma caixa de mortalha OLA para cigarro, um filtro para fumar de cor prateada e uma caixa em papel contendo nela alguns sementes vegetais.
   Após exame laboratorial, verificou-se que os materiais herbáceos continham canabis, com peso líquido de 0.774 e 14.598 gramas, respectivamente, sendo substância referida na Tabela I-C do Decreto-Lei n.° 5/91/M, e quanto aos sementes, os quais também continham canabis, com peso líquido total de 4.798 gramas.
   As supracitadas drogas foram adquiridas ao arguido A pelos arguidos B e C, a fim de serem consumidas pessoalmente, e pelo arguido A foram as drogas adquiridas ao arguido D.
   Os supracitadas objectos tais como cachimbo, o frasco de vidro de forma cabaceira, as duas caixas de mortalha RIZLA+ para cigarro, uma caixa de mortalha OLA para cigarro bem como o filtro de cor prateada para fumar eram utensílios que os arguidos B e C utilizavam para consumir drogas.
   Os arguidos D, A, B e C com dolo, agiram voluntário, livre e conscientemente ao praticarem as condutas acima referidos.
   Os mesmos tinham perfeito conhecimento da natureza e característica da droga acima referida.
   As condutas dos mesmos não eram autorizadas por qualquer legislação.
   Os mesmos sabiam bem que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
*
   Através do seu irmão E, o 2º arguido conheceu o 3º arguido em 1993, no Canadá, tendo ambos aí chegado a consumir juntos canabis, tendo por seu turno conhecido o 4º arguido em 2003 por intermédio do 3º arguido.
   À data dos factos, os 2º, 3º e 4º arguidos já eram consumidores de canabis já uns anos a esta parte, tendo todos iniciado o consumo no Canadá.
   Em Fevereiro de 2003, os 3º e 4º arguidos chegaram a Macau em gozo de férias, tendo ficado hospedados no quarto XXXX do Hotel, e tendo os 2º, 3º e 4º decidido consumirem juntamente a canabis.
   Antes da chegada a Macau dos 3º e 4º arguidos, o 2º arguido tinha adquirido canabis junto do 1º arguido.
   Por isso, sugerido pelo 2º arguido, os 3º e 4º arguidos concordaram em adquirir a canabis através do 2º arguido, junto do 1º arguido, mediante comparticipação no respectivo custo entre os 2º, 3º e 4º arguidos, tendo assim realizado por 5 ou 6 vezes, e adquirindo por cada vez, a dose de cerca de uma onça, pelo preço de MOP$2.500,00.
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   O 1º arguido consumia canabis há cerca de 7 a 8 anos.
   No CRC nada consta a seu desabono.
   Confessou parcialmente os factos.
   Era, antes de ser detido preventivamente, empregado de barbearia, e auferia mensalmente 4.500,00 a 5.000,00 patacas.
   Tem como habilitações literárias o curso primário completo.
   No CRC do 2º arguido nada consta a seu desabono.
   Confessou parcialmente os factos.
   Trabalha na loja de ferramentas do seu pai, tendo um rendimento mensal de 10.000,00 patacas.
   Tem como habilitações literárias a frequência do 1º ano do curso universitário.
   Nos CRCs dos 3º e 4º arguidos nada consta a seu desabono.”
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   Factos não provados:
   “Não se provaram quaisquer outros factos relevantes, quer da acusação quer das contestações apresentadas, e que não estejam em conformidade com a factualidade acima assente.”
   
   
   2.2 A contradição insanável da fundamentação
   Tal como especificou no seu recurso para a segunda instância, o recorrente limita o presente recurso à sua condenação por autoria de um crime de tráfico de drogas previsto e punido pelo art.° 8.°, n.° 1 do Decreto-Lei n.° 5/91/M. E considera igualmente que o acórdão recorrido padece do vício da contradição insanável da fundamentação previsto no art.° 400.°, n.° 2, al. b) do Código de Processo Penal (CPP) e do erro na qualificação jurídica dos factos por violação do princípio “in dubio pro reo” relativamente à quantidade da droga destinada ao consumo próprio e dos seus amigos.
   
   Para o recorrente, existe contradição insanável da fundamentação porque, por um lado, está provado que a canabis encontrada no quarto n.° XXXX do Hotel foi adquirida pelos 3° e 4° arguidos (B e C) ao recorrente e, por outro lado, resulta dos factos provados n.°s 7°, 24°, 25° e 27° que tal canabis era para ser consumida pelos recorrente e 3° e 4° arguidos conjuntamente e foi adquirida mediante comparticipação no respectivo custo pelos três.
   
   Entende-se que o vício da contradição insanável da fundamentação consiste na contradição entre a fundamentação probatória da matéria de facto, bem como entre a matéria de facto dada como provada ou como provada e não provada. A contradição tem de se apresentar insanável ou irredutível que não possa ser ultrapassada com o recurso à decisão recorrida no seu todo e às regras da experiência comum.
   A contradição suscitada pelo recorrente reside na sua conclusão, resultada da conjugação dos factos provados, de que a canabis apreendida no Hotel foi adquirida e era para ser consumida pelos recorrente e 3° e 4° arguidos.
   Para apreciar, no presente caso, a eventual existência da contradição insanável da fundamentação, é necessário atender à seguinte matéria de facto apurada.
   Ficaram provados que, na sequência das operações policiais desencadeadas no dia 19 de Abril de 2003:
   “Finalmente, foram encontrados no quarto de dormir do arguido A, um pacote de objecto herbáceo embrulhado pela película aderente e um cachimbo em madeira.
   Após exame laboratorial, verificou-se que o supracitado objecto herbáceo continha Canabis, sendo substância referida na Tabela I-C do Decreto-Lei n.° 5/91/M, com peso líquido de 0.710 gramas. Quanto ao material contido no cachimbo, o qual também continha Canabis.”
   “Ao mesmo tempo, os agentes da PJ, acompanhados pelos arguidos B e C, deslocaram-se para proceder à busca ao quarto n.° XXXX do Hotel que os mesmos alugavam.
   Os agentes da PJ encontraram no frigorífico do quarto, uma caixa metálica, de cor amarela, forma quadrada, contendo no interior alguns materiais herbáceos, e uma caixa metálica de cor amarela, forma rectângula, contendo nela materiais herbáceos embrulhados pela película aderente, e em cima da mesa de cabeceira, foram encontrados um cachimbo colocado num frasco de forma cabaceira, duas caixas de mortalha RIZLA+ para cigarro, uma caixa de mortalha OLA para cigarro, um filtro para fumar de cor prateada e uma caixa em papel contendo nela alguns sementes vegetais.
   Após exame laboratorial, verificou-se que os materiais herbáceos continham canabis, com peso líquido de 0.774 e 14.598 gramas, respectivamente, sendo substância referida na Tabela I-C do Decreto-Lei n.° 5/91/M, e quanto aos sementes, os quais também continham canabis, com peso líquido total de 4.798 gramas.
   As supracitadas drogas foram adquiridas ao arguido A pelos arguidos B e C, a fim de serem consumidas pessoalmente, e pelo arguido A foram as drogas adquiridas ao arguido D.”
   Desta matéria de facto provada resulta inequivocamente que as substâncias encontradas no quarto do Hotel, com o total de 20.17g de canabis, foram adquiridas pelos 3° e 4° arguidos ao recorrente, e nunca no sentido de que tal quantidade de canabis foi adquirida pelos três arguidos em comparticipação do respectivo custo e destinada ao consumo dos mesmos.
   
   É verdade que o tribunal deu como provados ainda:
   “A partir de Fevereiro de 2003, o arguido A começou a adquirir canabis para consumir juntamente com os arguidos B e C.”
   “Através do seu irmão A, o 2º arguido conheceu o 3º arguido em 1993, no Canadá, tendo ambos aí chegado a consumir juntos canabis, tendo por seu turno conhecido o 4º arguido em 2003 por intermédio do 3º arguido.
   À data dos factos, os 2º, 3º e 4º arguidos já eram consumidores de canabis já uns anos a esta parte, tendo todos iniciado o consumo no Canadá.
   Em Fevereiro de 2003, os 3º e 4º arguidos chegaram a Macau em gozo de férias, tendo ficado hospedados no quarto XXXX do Hotel, e tendo os 2º, 3º e 4º decidido consumirem juntamente a canabis.
   Antes da chegada a Macau dos 3º e 4º arguidos, o 2º arguido tinha adquirido canabis junto do 1º arguido.
   Por isso, sugerido pelo 2º arguido, os 3º e 4º arguidos concordaram em adquirir a canabis através do 2º arguido, junto do 1º arguido, mediante comparticipação no respectivo custo entre os 2º, 3º e 4º arguidos, tendo assim realizado por 5 ou 6 vezes, e adquirindo por cada vez, a dose de cerca de uma onça, pelo preço de MOP$2.500,00.”
   Esta última parte de factos provados descreve como o recorrente e os 3° e 4° arguidos começaram a consumir canabis e o modo normal de os mesmos adquirirem e consumirem canabis em Macau conjuntamente.
   Mas dela não pode retirar a conclusão de que tais 20.17g de canabis encontrada pela polícia no quarto do Hotel era para ser consumida pelos três arguidos e comprada com o dinheiro dos três porque falta suporte na matéria de facto provada, não se pode afirmar, com base nisso, a existência da contradição, muito menos insanável, nos factos provados.
   No quadro do presente caso, a aquisição de 20.17g de canabis pelos 3° e 4° arguidos ao recorrente já faz este incorrer na prática do crime de tráfico de drogas previsto e punido pelo art.° 8.°, n.° 1 do Decreto-Lei n.° 5/91/M.
   
   Acresce que, relativamente àquelas 5 ou 6 vezes de aquisição de canabis, uma vez que foram os 3° e 4° arguidos que concordaram adquirir canabis através do recorrente, embora com a comparticipação dos custos entre os três, a aquisição e a consequente entrega de canabis aos 3° e 4° arguidos pelo recorrente implica que este já praticou o crime de tráfico de drogas, pois quem, na falta de autorização e fora do caso de consumo para ele próprio, agente do crime, ceder pura e simplesmente ou proporcionar drogas a outrem, seja qual for o título, é punido como traficante de drogas (art.° 8.°, n.° 1 do Decreto-Lei n.° 5/91/M). Mostra, em consequência, irrelevante a comparticipação nos custos de aquisição de drogas entre o agente do crime e os receptários.
   
   
   2.3 Erro na qualificação jurídica
   O recorrente suscitou outra questão, o erro na qualificação jurídica por falta de apuramento da quantidade de canabis cedida pelo recorrente aos 3° e 4° arguidos e consequentemente deveria o recorrente ser apenas condenado pelo crime de tráfico de quantidades diminutas de drogas previsto no art.° 9.°, n.° 1 do Decreto-Lei n.° 5/91/M. Esta questão tem o mesmo pressuposto que a primeira, que é todo o canabis ser destinado ao consumo dos três arguidos.
   Face aos fundamentos já expostos para a decisão dada à primeira questão, a segunda também não pode proceder.
   De facto, não foi apurada a quantidade de canabis que o recorrente entregou aos 3° e 4° arguidos naquelas 5 ou 6 vezes de aquisição em que cada vez a dose adquirida era de cerca de uma onça (28.35g).
   Mas basta atender à quantidade de canabis de 20.17g, encontrada no quarto do Hotel que foi entregue pelo recorrente aos 3° e 4° arguidos, que já é muito superior 6g a 8g, quantidade necessária para consumo individual durante três dias deste tipo de droga,1 para poder concluir que a quantidade traficada pelo recorrente não é diminuta.
   
   O recurso interposto pelo recorrente deve ser rejeitado por manifesta improcedência.
   
   
   
   3. Decisão
   Face aos expostos, acordam em rejeitar o recurso.
   Nos termos do art.° 410.°, n.° 4 do CPP, condenam o recorrente a pagar 4 UC (duas mil patacas). E ainda em 5 UC (duas mil quinhentas patacas) da taxa de justiça e outras custas.
   
   
   Aos 13 de Outubro de 2004.


           Juízes:Chu Kin (Relator)
Viriato Manuel Pinheiro de Lima
Sam Hou Fai

1 Cfr. acórdão do TUI de 26/9/2001 do processo n.° 14/2001.
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Processo n.° 35 / 2004 20