Acórdão do Tribunal de Última Instância
da Região Administrativa Especial de Macau
Recurso penal
N.° 41 / 2004
Recorrente: A
1. Relatório
O réu A foi pronunciado pela prática de um crime de auxílio de funcionário à evasão previsto e punido pelo art.° 314.°, n.° 1 do Código Penal.
Por acórdão do Tribunal Judicial de Base de 15 de Junho de 2004 proferido no processo de querela n.° PQR-089-03-5, o procedimento criminal foi julgado extinto nos termos dos art.°s 416.° e 417.° do Código de Processo Civil, ex vi art.° 1.°, §único do Código de Processo Penal de 1929 e, em consequência, o réu foi absolvido do crime a que foi pronunciado.
Inconformado com a decisão, o Ministério Público recorreu desse acórdão para o Tribunal de Segunda Instância. Por seu acórdão de 30 de Setembro de 2004 do processo n.° 203/2004, foi o recurso julgado procedente e revogada a decisão recorrida na parte em que se decidiu julgar extinto o procedimento criminal em causa e absolveu o réu do referido crime, a fim de os mesmos juízes do tribunal colectivo a quo proferirem nova decisão jurídica de acordo com a mesma factualidade já dada por fixada.
Vem agora o réu interpor recurso para este Tribunal de Última Instância com fundamento na violação do art.° 6.° do Decreto-Lei n.° 48/96/M e na errada aplicação do art.° 153.° do Código de Processo Penal de 1929.
Notificado para pronunciar sobre a eventual não admissibilidade do recurso para o Tribunal de Última Instância, o recorrente vem dizer que o recurso deve ser admitido e decidido, salientando a controvérsia da questão e que, perante todo o quadro de defesa dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, não deverá ficar a dever-se a motivos de ordem meramente formal ou procedimental a recusa por parte do tribunal de recurso em apreciar a questão.
O Ministério Público entende que o recurso não deve ser conhecido por inadmissibilidade da presente impugnação.
Foram apostos vistos pelos juízes-adjuntos.
2. Fundamentos
Admissibilidade do presente recurso
No presente processo de querela está em causa o crime de auxílio de funcionário à evasão previsto e punido pelo art.° 314.°, n.° 1 do Código Penal e o processo foi instaurado em 26 de Fevereiro de 1996, altura em que estava ainda em vigor o Código de Processo Penal de 1929.
Foi suscitada oficiosamente a questão de inadmissibilidade do presente recurso.
Para avaliar a admissibilidade do presente recurso, torna-se necessário atender ao art.° 72.° da Lei n.° 9/1999 – Lei de Bases da Organização Judiciária:
“1. A inadmissibilidade de recurso por efeito da criação ou da elevação da alçada dos tribunais, nos termos do artigo 18.º, não é aplicável aos processos pendentes à data da entrada em vigor da presente lei.
2. Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, as alíneas 2), 3) e 4) do n.º 2 do artigo 44.º são aplicáveis aos processos pendentes, sem decisão transitada em julgado, desde que fosse admissível recurso ordinário para o plenário do Tribunal Superior de Justiça.”
Por seu lado, dispõe assim o art.° 44.°, n.° 2, al. 3) da mesma Lei:
“2. Compete ao Tribunal de Última Instância:
1) ...
2) ...
3) Julgar os recursos dos acórdãos do Tribunal de Segunda Instância proferidos, em matéria criminal, em segundo grau de jurisdição, quando sejam susceptíveis de impugnação nos termos das leis de processo;
...”
Ou seja, em relação aos processos criminais pendentes no dia 20 de Dezembro de 1999, o Tribunal de Última Instância tem competência para julgar recurso dos acórdãos do Tribunal de Segunda Instância proferidos em segundo grau de jurisdição, desde que fosse admissível recurso ordinário para o plenário do Tribunal Superior de Justiça.
Prescrevia o art.° 14.°, n.° 2 da Lei n.° 112/91 de 29 de Agosto, na altura em vigor em Macau:
“2. Mantêm-se, relativamente ao território de Macau, com as necessárias adaptações, a competência do plenário do Supremo Tribunal de Justiça e do plenário das secções criminais do mesmo Tribunal nas matérias não previstas no número anterior.”
E as matérias previstas no n.° 1 deste artigo, competência do plenário do então Tribunal Superior de Justiça, são os seguintes:
a) Julgar o Presidente da Assembleia Legislativa e o Alto-Comissário contra a Corrupção e a Ilegalidade Administrativa por crimes praticados no exercício das suas funções;
b) Julgar as acções propostas contra juízes do Tribunal Superior de Justiça ou magistrados do Ministério Público que exerçam funções junto deste Tribunal e por causa delas;
c) Preparar e julgar processos por crimes dolosos cometidos pelos magistrados referidos na alínea anterior;
d) Uniformizar a jurisprudência do Tribunal Superior de Justiça nos termos da lei de processo;
e) Conhecer dos conflitos de competência entre as secções;
f) Julgar os recursos interpostos de deliberações do Conselho Superior Judiciário;
g) Julgar os recursos interpostos dos acórdãos das secções quando julguem em primeira instância;
h) Exercer as demais atribuições conferidas por lei.
Em comparação com as competências do plenário e do plenário das secções criminais do Supremo Tribunal de Justiça de Portugal previstas nos art.°s 26.° e 28.°, n.° 1 da Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais (Lei n.° 38/87 de 23 de Dezembro), eram as seguintes competências do plenário e do plenário das secções criminais do mesmo Tribunal que se mantinham em relação a Macau:
a) Julgar o Presidente da República Portuguesa, o Presidente da Assembleia da República Portuguesa e o Primeiro-Ministro português pelos crimes cometidos no exercício das suas funções;
b) Julgar processos por crimes e contravenções cometidos por juízes do Supremo Tribunal de Justiça e das relações e magistrados do Ministério Público que exerçam funções junto destes tribunais, ou equiparados.
Com a entrada em vigor da nova Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais de Portugal aprovada pela Lei n.° 3/99 de 13 de Janeiro, essa competência residual do Supremo Tribunal de Justiça de Portugal abrange apenas as situações referidas na al. a).
No fundo, desde a criação do antigo Tribunal Superior de Justiça de Macau até à instalação da RAEM, só cabia recurso ao Supremo Tribunal de Justiça de Portugal em processos criminais nos casos de crimes cometidos por mais altas figuras políticas do Estado Português e de crimes e contravenções cometidos por juízes dos tribunais superiores portugueses e magistrados do Ministério Público juntos destes tribunais ou equiparados.
Fora destes casos, o então Tribunal Superior de Justiça julgava os processos criminais em última instância, sem possibilidade de recorrer ao Supremo Tribunal de Justiça de Portugal.
Uma vez que o presente caso não se enquadra em nenhumas das situações mencionadas, não cabia recurso ao Supremo Tribunal de Justiça. Por conseguinte, o recurso não é admitido por irrecorribilidade da decisão nos termos do art.° 72.°, n.° 2 da Lei n.° 9/1999.
3. Decisão
Face ao exposto, acordam em não tomar conhecimento do recurso.
Custas pelo recorrente com taxa de justiça fixada em 3 UC (1500 patacas).
Aos 15 de Dezembro de 2004.
Juízes:Chu Kin (Relator)
Viriato Manuel Pinheiro de Lima
Sam Hou Fai
Processo n.° 41 / 2004 1