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Processo n.º 3/2004. Recurso jurisdicional em matéria penal.
Recorrentes: Ministério Público, D e E.
Recorridos: Ministério Público e Dr. I.
Assunto: Caso julgado formal. Pressuposto processual específico dos recursos. Erro notório na apreciação da prova. Questão nova. Conhecimento oficioso. Revéis. Recurso.
Data da audiência: 11 de Fevereiro de 2004.
Data do acórdão: 16 de Fevereiro de 2004.
SUMÁRIO:
  I – A decisão não impugnada sobre um pressuposto processual específico dos recursos, como é o da legitimidade do assistente para o recurso da parte penal do julgado, faz caso julgado formal e impede que o Tribunal se volte a pronunciar sobre a questão no processo.
  II – Mesmo que o vício do erro notório na apreciação da prova não tenha sido suscitado no recurso para o Tribunal de Segunda Instância, é de conhecer do mesmo se suscitado no recurso para o Tribunal de Última Instância, por ser de conhecimento oficioso.
  III – O tribunal de recurso não deve conhecer do recurso interposto pelo assistente ou pelo Ministério Público, na parte respeitante aos arguidos revéis que não foram notificados da sentença de primeira instância.
   O Relator,
   Viriato Manuel Pinheiro de Lima
   
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

I – Relatório
O Tribunal Colectivo do Tribunal Judicial de Base, por Acórdão de 8 de Novembro de 2002, decidiu o seguinte:
a) Condenou o 1.º arguido A na pena de nove (9) anos de prisão pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de rapto qualificado p. e p. pelo art.º 154.º n.º 1, alínea a) e n.º 2, conjugado com os arts. 152.° n.° 2 alíneas a) e b), 69.° e 70.°, todos do Código Penal de Macau; na pena de cinco (5) anos de prisão pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de posse e uso indevido de armas proibidas p. e p. pelo art.° 262.° n.° 1, conjugado com os arts. 69.° e 70.°, todos Código Penal de Macau e arts. 1.° e 6.° do Decreto-Lei n.° 77/99/M; na pena de três (3) anos de prisão pela prática, em co-autoria material e na forma tentada, um crime de extorsão qualificada p. e p. pelo art.° 215.°, n.° 2, alínea a), conjugado com os arts. 198.° n.° 2, alíneas a) e f), arts. 21.°, 22.°, 69.° e 70.° todos do Código Penal de Macau; na pena de cinco (5) anos de prisão pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de ofensa grave à integridade física p. e p. pelo art.° 138.° alíneas b) e c), conjugado com os arts. 69.° e 70.°, todos do Código Penal de Macau; e na pena de dois (2) anos e seis (6) meses de prisão pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime roubo p. e p. pelo art.º 204.° n.° 1, conjugado com os arts. 69.° e 70.°, todos do Código Penal de Macau.
Em cúmulo, foi o 1.° arguido A condenado na pena única e global de dezasseis (16) anos de prisão;
b) Condenou o 2.° arguido B na pena de oito (8) anos de prisão pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de rapto qualificado p. e p. pelo art.º 154.°, n.° 1, alíneas a) e n.° 2, conjugado com o art.º 152.° n.° 2, alíneas a) e b) do Código Penal de Macau; na pena de quatro (4) anos de prisão pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de posse e uso indevido de armas proibidas p. e p. pelo art.º 262.° n.° 1 do Código Penal de Macau e arts. 1.° e 6.° do Decreto-Lei n.° 77/99/M; na pena de dois (2) anos e seis (6) meses de prisão pela prática, em co-autoria material e na forma tentada, de um crime de extorsão qualificada p. e p. pelo art.º 215.° n.° 2, alínea a), conjugado com o art.º 198.° n.° 2, alíneas a) e f), e arts. 21.° e 22.°, todos do Código Penal de Macau; na pena de quatro (4) anos e seis (6) meses de prisão pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de ofensa grave à integridade física p. e p. pelo art.º 138.°, alíneas b) e c) do Código Penal de Macau; e na pena de dois (2) anos de prisão pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime roubo p. e p. pelo art.º 204.° n.° 1 do Código Penal de Macau.
Em cúmulo, foi o 2.° arguido B condenado na pena única e global de catorze (14) anos de prisão;
c) Condenou o 3.° arguido C na pena de sete (7) anos e seis (6) meses de prisão pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de rapto qualificado p. e p. pelo art.° 154.º n.° 1, alíneas a) e n.° 2, conjugado com o art.° 152.º n.° 2, alíneas a) e b) do Código Penal de Macau; na pena de três (3) anos e seis (6) meses de prisão pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de posse e uso indevido de armas proibidas p. e p. pelo art.° 262.º n.° 1, do Código Penal de Macau e arts. 1.º e 6.º do Decreto-Lei n.° 77/99/M; e na pena de dois (2) anos de prisão pela prática, em co-autoria material e na forma tentada, de um crime de extorsão qualificada p. e p. pelo art.° 215.º n,° 2, alínea a), conjugado com o art.° 198.° n.° 2, alíneas a) e f), e arts. 21.º e 22.º, todos do Código Penal de Macau.
Em cúmulo, foi o 3.° arguido C condenado na pena única e global de nove (9) anos e seis (6) meses de prisão;
d) Condenou o 4.° arguido D na pena de sete (7) anos e seis (6) meses de prisão pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de rapto qualificado p. e p. pelo art.° 154.º n.° 1, alíneas a) e n.° 2, conjugado com o art.° 152.º n.° 2, alíneas a) e b) do Código Penal de Macau; na pena de três (3) anos e seis (6) meses de prisão pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de posse e uso indevido de armas proibidas p. e p. pelo art.° 262.º n.° 1, do Código Penal de Macau e arts. 1.º e 6.º do Decreto-Lei n.° 77/99/M; na pena de dois (2) anos de prisão pela prática, em co-autoria material e na forma tentada, de um crime de extorsão qualificada p. e p. pelo art.° 215.º n.° 2, alínea a), conjugado com o art.° 198.° n.° 2, alíneas a) e f), e arts. 21.º e 22.º, todos do Código Penal de Macau; e na pena de dois (2) anos de prisão pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime roubo p. e p. pelo art.° 204.º, n.° 1 do Código Penal de Macau.
Em cúmulo, foi o 4.° arguido D condenado na pena única e global de dez (10) anos e seis (6) meses de prisão;
e) Condenou o 5.° arguido E na pena de sete (7) anos e seis (6) meses de prisão pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de rapto qualificado p. e p. pelo art.° 154.º n.º 1, alíneas a) e n.° 2, conjugado com o art.° 152.º n.° 2, alíneas a) e b) do Código Penal de Macau; na pena de três (3) anos e seis (6) meses de prisão pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de posse e uso indevido de armas proibidas p. e p. pelo art.° 262.º n.° 1, do Código Penal de Macau e arts. 1.º e 6.º do Decreto-Lei n.° 77/99/M; na pena de dois (2) anos de prisão pela prática, em co-autoria material e na forma tentada, de um crime de extorsão qualificada p. e p. pelo art.° 215.º n.° 2, alínea a), conjugado com o art.° 198.° n.° 2, alíneas a) e f), e arts. 21.º e 22.º, todos do Código Penal de Macau; e na pena de dois (2) anos de prisão pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime roubo p. e p. pelo art.° 204.º, n.° 1 do Código Penal de Macau.
Em cúmulo, foi o 5.° arguido E condenado na pena única e global de dez (10) anos e seis (6) meses de prisão;
f) Condenou o 6.° arguido F na pena de quatro ( 4) anos de prisão pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de rapto qualificado p. e p. pelo art.° 154.º n.° 1 alínea a) e n.° 2, conjugado com os arts. 152.º n.° 2, alíneas a) e b), 156.°, 66.° e 67.°, todos do Código Penal de Macau; na pena de um (1) ano e seis (6) meses de prisão pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de posse e uso indevido de armas proibidas p. e p. pelo art.° 262.º, n.° 1, conjugado com os arts. 66.° e 67.°, todos do Código Penal de Macau e arts. 1.º e 6.º do Decreto-Lei n.° 77/99/M; na pena de nove (9) meses de prisão pela prática, em co-autoria material e na forma tentada, de um crime de extorsão qualificada p. e p. pelo art.° 215.° n.° 2, alínea a), conjugado com os arts. 198.º, n.° 2, alíneas a) e f), arts. 21.°, 22.°, 66.° e 67.° todos do Código Penal de Macau; na pena de seis (6) meses de prisão pela prática, em autoria material e na forma consumada, de cada um dos dois crimes de falsificação de notação técnica p. e p. pelo art.° 247.° n.° 1, alínea a), conjugado com os arts. 66.° e 67.°, do Código Penal de Macau; e na pena de um (1) mês de prisão pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de detenção ilícita de produtos estupefacientes para consumo pessoal p. e p. pelo art.° 23.°, alínea a) do Decreto-Lei n.° 5/91/M, de 28 de Janeiro.
Em cúmulo, foi o 6.° arguido F condenado na pena única e global de cinco (5) anos e seis (6) meses de prisão;
g) Absolveu o 7.° arguido G do crime de rapto qualificado de que vinha acusado, por não provado, e condenou-o na pena de seis (6) meses de prisão pela prática, em co-autoria e na forma consumada, de um crime de falsificação de notação técnica p. e p. pelo art.° 247.°, n.º l, alínea a) do Código Penal de Macau;
h) Condenou o 8.° arguido H na pena de sete (7) meses de prisão pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de favorecimento pessoal p. e p. pelo art.° 331.°, n.° 1, do Código Penal de Macau.
Mas suspendeu a execução da pena por um período de dois anos.

Quanto ao pedido cível, o Tribunal Judicial de Base:
- Absolveu o arguido G do pedido de indemnização;
- Condenou os A, B, C, D, E e F a pagarem, solidariamente, ao assistente o montante de MOP$350.000,00 a título de danos não patrimoniais;
- Condenou os mesmos a pagarem, solidariamente, a indemnização pelas despesas efectuadas e a efectuar pelo assistente para o tratamento médico das lesões sofridas, resultantes do rapto, cuja liquidação se processará aquando da execução da sentença nos termos do art.° 71.° do CPPM; e
- Quanto aos arguidos A, B, D e E, condenou estes a pagar, solidariamente, o montante de MOP$58.700,00 a título de danos patrimoniais sofridos pelo assistente.
E a tais montantes acrescerão os juros legais, a contar da data da citação até o seu integral e efectivo pagamento.

O Tribunal de Segunda Instância, em 30 de Abril de 2003, proferiu um acórdão interlocutório, onde tomou as seguintes decisões (na parte em que releva para o presente recurso):
A) Não conheceu dos recursos interpostos pelos 1.º e 2.º arguidos, respectivamente, A e B, por terem sido julgados à revelia e ainda não notificados da sentença;
B) Indeferiu o pedido de renovação de prova deduzido pelo assistente I.
Relativamente a esta última decisão, o Ministério Público suscitara uma questão prévia, de falta de legitimidade do assistente para recorrer quanto à parte penal da decisão de primeira instância.
O Tribunal de Segunda Instância desatendeu a questão suscitada, tendo decidido que o assistente tinha legitimidade e interessem em agir para interpor recurso quanto à parte penal da decisão.
O referido acórdão interlocutório não foi impugnado e transitou, portanto, em julgado.

O Tribunal de Segunda Instância, por Acórdão de 24 de Julho de 2003, conheceu dos recursos jurisdicionais interpostos pelo assistente I e pelos 4.º e 5.º arguidos, respectivamente, D e E, e proferiu as seguintes decisões:
- Negou provimento ao recurso interposto pelos arguidos D e E;
- Concedeu parcial provimento ao recurso interposto pelo assistente, e:
Na parte penal:
1) Convolando a qualificação jurídica feita pelo Acórdão recorrido relativamente ao crime de roubo, condenou os 1.º, 2.º, 4.º e 5.º arguidos pela prática de um crime de roubo p. e p. pelo artigo 204.º n.° 2 b) conjugando com o n.° 1 e 198.º 2 a) do Código Penal, mas por esta alteração da qualificação não altera as respectivas penas, sem prejuízo da decisão infra;
2) Alterando as penas parcelares aplicadas aos seguintes crimes, condenou os primeiros 6 arguidos, dentro dos limites mínimos e limites máximos dos respectivos crimes que os arguidos foram condenados:
1) O 1.º arguido A:
- pelo crime de rapto, tendo sido condenado na pena de 9 anos de prisão, passou a ser condenado na pena de 11 anos de prisão;
- pelo crime de extorsão qualificada tentada, tendo sido condenado na pena de 3 anos de prisão, passou a ser condenado na pena de 4 anos de prisão;
- pelo crime de ofensa grave à integridade física, tendo sido condenado na pena de 5 anos de prisão, passou a ser condenado na pena de 6 anos e 6 meses de prisão;
- pelo crime de roubo, tendo sido condenado na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, passou a ser condenado na pena de 3 anos e 6 meses de prisão;
- mantendo-se a pena de 5 anos de prisão aplicada ao crime de posse de armas proibidas.
Em cúmulo, tendo sido condenado na pena única e global de 16 anos de prisão, passou a ser condenado na pena única e global de 21 anos de prisão.
2) O 2.º arguido B:
- pelo crime de rapto qualificado, tendo sido condenado na pena de 8 anos de prisão, passou a ser condenado na pena de 10 anos de prisão;
- pelo crime de extorsão qualificada tentada, tendo sido condenado na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, passou a ser condenado na pena de 3 anos e 6 meses de prisão;
- pelo crime de ofensa grave à integridade física, tendo sido condenado na pena de 4 anos e 6 meses de prisão, passou a ser condenado na pena de 6 anos de prisão;
- pelo crime de roubo, tendo sido condenado na pena de 2 anos de prisão, passou a ser condenado na pena de 3 anos de prisão;
- mantendo-se a pena de 4 anos de prisão aplicada ao crime de posse de armas proibidas.
Em cúmulo, tendo sido condenado na pena única e global de 14 anos de prisão, passou a ser condenado o mesmo arguido na pena única e global de 18 anos e 6 meses de prisão.
3) O 3.º arguido C:
- pelo crime de rapto, tendo sido condenado na pena de 7 anos e 6 meses de prisão, passou a ser condenado na pena de 9 anos e 6 meses de prisão;
- pelo crime de extorsão qualificada tentada, tendo sido condenado na pena de 2 anos de prisão, passou a ser condenado na pena de 3 anos de prisão;
- mantendo-se a pena de 3 anos e 6 meses de prisão aplicada ao crime de posse de armas proibidas.
Em cúmulo, tendo sido condenado na pena única e global de 9 anos e 6 meses de prisão, passou a ser condenado o mesmo arguido na pena única e global de 13 anos de prisão.
4) O 4.º arguido D:
- pelo crime de rapto, tendo sido condenado na pena de 7 anos e 6 meses de prisão, passou a ser condenado na pena de 9 anos e 6 meses de prisão;
- pelo crime de extorsão qualificada tentada, tendo sido condenado na pena de 2 anos de prisão, passou a ser condenado na pena de 3 anos de prisão;
- pelo crime de roubo, tendo sido condenado na pena de 2 anos de prisão, passou a ser condenado na pena de 3 anos de prisão;
- mantendo-se a pena de 3 anos e 6 meses de prisão aplicada ao crime de posse de armas proibidas.
Em cúmulo, tendo sido condenado na pena única e global de 10 anos e 6 meses de prisão, passou a ser condenado o mesmo arguido na pena única e global de 15 anos de prisão.
5) O 5.º arguido E:
- pelo crime de rapto, tendo sido condenado na pena de 7 anos e 6 meses de prisão, passou a ser condenado na pena de 9 anos e 6 meses de prisão;
- pelo crime de extorsão qualificada tentada, tendo sido condenado na pena de 2 anos de prisão, passou a ser condenado na pena de 3 anos de prisão;
- pelo crime de roubo, tendo sido condenado na pena de 2 anos de prisão, passou a ser condenado na pena de 3 anos de prisão;
- mantendo-se a pena de 3 anos e 6 meses de prisão aplicada ao crime de posse de armas proibidas.
Em cúmulo, tendo sido condenado na pena única e global de 10 anos e 6 meses de prisão, passou a ser condenado o mesmo arguido na pena única e global de 15 anos de prisão.
6) O 6.º arguido F:
- pelo crime de rapto, tendo sido condenado na pena de 4 anos de prisão, passou a ser condenado na pena de 5 anos de prisão;
- pelo crime de extorsão qualificada tentada, tendo sido condenado na pena de 9 meses de prisão, passou a ser condenado na pena de 1 ano e 9 meses de prisão;
- mantendo-se a pena de 1 ano e 6 meses de prisão aplicada ao crime de posse e uso de armas proibidas, a pena de 6 meses de prisão aplicada ao crime de falsificação de notação técnica e a pena de 1 mês de prisão aplicada ao crime de detenção ilícita de estupefacientes para consumo pessoal.
Em cúmulo, tendo sido condenado na pena única e global de 5 anos e 6 meses de prisão, passou a ser condenado o mesmo arguido na pena única e global de 6 anos e 9 meses de prisão.
E manteve as penas aplicadas aos restantes arguidos, bem assim a restante condenação respeitante à parte do crime.
Na parte Civil:
- Condenou os primeiros 6 arguidos, solidariamente, a pagar ao assistente:
1) a indemnização pelos prejuízos (danos de lucro cessantes), ocorridos naqueles períodos em que o assistente não estava impossibilitado de trabalhar, a liquidar em execução da sentença, e mantendo-se a restante decisão, e
2) a indemnização de, a título de danos não patrimoniais, MOP$500.000,00 (quinhentas mil patacas).

O Ministério Público veio interpor recurso, concluindo que:
1 - O objecto do presente recurso cinge-se à parte do douto acórdão em que o Tribunal conheceu do recurso interposto pelo assistente na parte respeitante aos arguidos A e B.
2 - No douto Acórdão ora recorrido e face ao recurso interposto pelo recorrente, o Tribunal decidiu aplicar aos arguidos A e B, respectivamente, a pena de 11 anos de prisão e 10 anos de prisão pelo crime de rapto qualificado p.p. pelos art.º 154.º n.° 1, al.s a) e c) e n.° 2, art.º 152.º n.° 2, al.s a) e b) do CPM; a pena de 4 anos de prisão e 3 anos e 6 meses de prisão pelo crime de extorsão qualificada tentada p.p. pelos art.º 215.º n.° 2, al. a), art.º 198.º n.° 2, al.s a) e f) e arts. 21.º e 22.º do CPM; a pena de 6 anos e 6 meses de prisão e 6 anos de prisão pelo crime de ofensa grave à integridade física p.p. pelo art.º 138.º al.s b) e c) do CPM; a pena de 3 anos e 6 meses de prisão e 3 meses de prisão pelo crime de roubo qualificado p.p. pelo art.° 204.º n.° 2, al. b), conjugado com o art.° 198.º n.° 1 al. a) e o art.° 196.º al. a) do CPM; manter a pena de 5 anos de prisão e 4 anos de prisão aplicada ao crime de posse de armas proibidas p.p. pelo art.° 262.º n.° 1 do CPM e pelos arts. 1.º e 6.º do DL n.° 77/99/M; e em cúmulo jurídico, a pena única e global de 21 anos de prisão e 18 anos e 6 meses de prisão.
3 - Como resulta dos autos, os referidos arguidos foram julgados à revelia, pelo que o recurso interposto pelo Ilustra mandatário que os representa foi considerado prematuro, não tendo sido ainda conhecido.
4 - Face à situação de revelia dos arguidos, parece-nos que também não é de conhecer em recurso, interposto pelo Ministério Público ou pelo assistente, da responsabilidade criminal dos arguidos julgados à revelia e condenados, que ainda não foram notificados do Acórdão condenatório.
5 - Nos termos do n.° 3 do art.° 317.º do CPPM, em caso de julgamento à revelia "a sentença é notificada ao arguido logo que seja detido ou se apresente voluntariamente em juízo".
6 - O recurso interposto pelos arguidos não foi ainda conhecido, aguardando pela notificação do Acórdão de primeira instância para começar a contar o prazo de recurso, pelo que, depois de tomar conhecimento do Acórdão, os arguidos poderão ainda eventualmente interpor recurso.
7 - Por mesmo raciocínio, pode-se dizer que os arguidos não têm também conhecimento da interposição do recurso pelo assistente, podendo ainda exercer o seu direito de resposta, consagrado no art.° 403.º do CPPM.
8 - Não faz sentido conhecer agora, face ao recurso interposto pelo assistente, da responsabilidade criminal dos arguidos, por um lado, e por outro não conhecer o recurso interposto pelos mesmos arguidos, julgando-o prematuro.
9 - O não conhecimento, por ora, do recurso do assistente na parte respeitante aos arguidos em causa pode evitar contradição de julgados.
10 - O Tribunal a quo não devia tomar conhecimento do recurso interposto pelo assistente na parte respeitante aos arguidos A e B, que só deve ser conhecido conjuntamente com o recurso interposto pelos arguidos, aguardando assim pela notificação aos arguidos do acórdão proferido em primeira instância.
11 - O douto Acórdão ora recorrido enferma da nulidade, por excesso de pronúncia, prevista no art.° 571.º n.° 1, al. d) do Código de Processo Civil (aplicável ao presente caso por força do disposto no art.° 633.º n.° 1 do CPCM e no art.º 4.º do CPPM), porque na realidade o Tribunal a quo conheceu a questão da pena suscitada pelo assistente respeitante aos referidos arguidos, que não devia ser objecto do seu conhecimento.
12 - Violou assim o preceituado nas normas supra indicadas.
O assistente respondeu a esta motivação.
Não conformados, também, recorrem os 4.º e 5.º arguidos, respectivamente, D e E, para este Tribunal, terminando a sua motivação com as seguintes conclusões:
1. o douto Tribunal a quo não podia ter modificado, na sua espécie ou medida, as sanções constantes da decisão recorrida;
2. ao fazê-lo, o douto acórdão recorrido violou o disposto no n.º 1 do art.º 399.º do C.P.P. (proibição de reformatio in pejus);
3. o assistente carece de legitimidade para recorrer quanto à parte penal;
4. verificou-se, tal como desenvolvidamente se expôs na motivação supra, erro notório na apreciação da prova, já que os elementos que dos autos constam, por si ou conjugados com as regras da experiência comum, impunham conclusões diferentes daquelas por que o Tribunal a quo optou;
5. a condenação dos ora recorrentes representa um erro judiciário trágico, mas que poderá ser ainda parcialmente corrigido com a absolvição dos recorrentes;
6. a proceder, como se espera, a invocada teoria do erro notório na apreciação da prova, verificar-se-á, igualmente, a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
7. o douto acórdão recorrido deverá ser substituído por outro onde, acolhendo os fundamentos do presente recurso, se decida pela absolvição dos ora recorrentes.

O Ministério Público respondeu à motivação do recurso, defendendo a manutenção da decisão.
Neste Tribunal, a Ex.ma Procuradora-Adjunta manteve a posição assumida na resposta à motivação do recurso.

II – Os factos

Os factos que as instâncias deram como provados e não provados são os seguintes:
1.º
Desde finais do ano de 2000, o arguido A, em conluio com J (irmão mais velho da esposa do arguido F) e os arguidos B, C, D, E e F, de acordo mútuo e em conjugação de esforços, planearam mutuamente sequestrar o advogado português I.
2.º
Ao concretizarem o acto acima referido, tinham os arguidos como objectivo extorquir o ofendido I ou seus familiares, para obtenção de resgate.
3.º
Os arguidos combinaram recorrer, em comum, da violência e de armas para levar ao efeito o aludido plano, bem como partilhar o resgate uma vez concretizado o plano.
4.º
Para concretizar tal plano, os arguidos combinaram, em comum, assumirem tarefas diferentes. Os arguidos A, J, B, C e F reuniam-se periodicamente no apartamento do B e do C, sito no [Endereço (1)], a fim de discutirem em conjunto sobre as formas de realização do plano.
5.º
Os arguidos A e B responsabilizaram-se por tomar de arrendamento o apartamento habitacional sito no [Endereço (2)], cujo destino é esconder o refém (o ofendido).
6.º
A mando do arguido A, J respensabilizou-se pela preparação de grande quantidade de armas, incluindo duas granadas, metralhadoras, espingardas de modelo AK47, pelo menos duas pistolas e revólver, bem como os respectivos cartuchos.
7.º
Baseando-se das informações fornecidas pelo arguido A, especialmente acerca do número da chapa de matrícula da viatura utilizada pelo ofendido, ao arguido C coube inteirar-se dos costumes do dia-a-dia do ofendido e vigiá-lo, nomeadamente, nas proximidades do seu escritório, a fim de averiguar o seu horário de entrada e saída e o seu percurso até casa.
8.º
Ao arguido A coube contactar os arguidos D e E, vindos da R.P.C., sendo estes últimos responsáveis pela vigilância do ofendido no local onde o tinham escondido.
9.º
Ao arguido F coube preparar dois veículos para serem usados como meio de transporte durante a realização do plano e levar o ofendido ao local onde o esconderam.
10.º
Assim, em data não apurada do mês de Fevereiro de 2001, o arguido F em conluio com o arguido G retirou duma rua vizinha do local onde este último trabalhava (Casa de Lavagem Automática de Viaturas, sita no [Endereço (3)], um automóvel ligeiro aí então estacionado, da marca "TOYOTA", modelo "CORONA", de cor verde escura, toda coberta de pó, contendo uma chapa de matrícula sob n.° MG-XX-XX(1) no seu interior, bem como substituiu a sua bateria por uma outra de segunda mão.
11.º
No dia 21 de Fevereiro de 2001, o arguido G alegou perante K, esposa de L, patrão da casa de lavagem automática de viaturas, necessitar de um novo par de chapas de matrícula para a viatura do seu amigo F (chapa de matrícula MG-XX-XX(2)). O arguido G sabia perfeitamente que F não possuía qualquer viatura com chapa de matrícula MG-XX-XX(2).
12.º
Assim, K telefonou à oficina de automóveis (1), sita no [Endereço (4)], a fim de solicitar o fabrico de um par de chapas de matrícula MG-XX-XX(2), e esta, por sua vez, contactou a firma (pneus), estabelecida no [Endereço (5)], para o mesmo objectivo.
13.º
No dia 22 de Fevereiro de 2001, à tarde, nas proximidades do [Endereço (1)], o arguido G entregou pessoalmente ao arguido F o novo par de chapas de matrícula sob n.° MG-XX-XX(2).
14.º
No dia 28 de Fevereiro de 2001, cerca das 13:00 horas, o arguido F disse ao arguido G para conduzir a referida viatura (da marca "Toyota", de cor verde escura, cuja chapa de matrícula original já tinha sido substituída pela chapa de matrícula MG-XX-XX(2)) até à casa de lavagem automática de viaturas, para limpeza.
15.º
No dia 22 de Fevereiro de 2001, à tarde, os arguidos A, B, C, F e J, combinaram um encontro no acima referido apartamento, a fim de discutir os pormenores do plano de rapto e escolher as armas de fogo, que se encontravam no apartamento, a serem utilizadas durante a execução do plano.
16.º
Não tendo o arguido F conseguido encontrar uma outra viatura, este decidiu utilizar o automóvel ligeiro particular com chapa de matrícula MG-XX-XX(3), de cor cinzenta, registada em nome da sua mulher M.
17.º
Para que o número da chapa de matrícula da dita viatura não viesse a ser descoberto, o arguido F, na manhã do dia 28 de Fevereiro de 2001, de forma urgente, encomendou ao N, proprietário da oficina de automóveis (2), sita no [Endereço (6)], o fabrico de um novo par de chapas de matrícula sob n.º MG-XX-XX(4).
18.º
Pensando N que o arguido F realmente. possuía uma viatura com chapa de matrícula MG-XX-XX(4), em nome da sua oficina, telefonou imediatamente a uma outra oficina de automóveis (1), sita no [Endereço (4)], solicitando o fabrico de um par de chapas de matrícula sob n.° MG-XX-XX(4). Por sua vez, esta última oficina de automóveis, contactou com a firma (pneus), sita no [Endereço (5)], pedindo fazer um par de chapas de matrícula MG-XX-XX(4).
19.º
Na tarde do mesmo dia, o arguido F deslocou-se pessoalmente à oficina de automóveis (2), onde levantou o novo par de chapas de matrícula sob n.° MG-XX-XX(4).
20.º
Já na tarde de 28 de Fevereiro de 2001, os arguidos A, B, C e F se encontravam reunidos no [Endereço (2)]. O arguido A muniu-se de uma metralhadora, uma pistola de cor de prata e uma granada, o arguido B de uma espingarda AK47 e um revólver de calibre ".38", e o arguido C de uma pistola de cor preta e uma granada.
21.º
No dia 28 de Fevereiro de 2001, cerca das 19:30, o arguido C, conforme o planeado, sentou-se num banco de madeira da Praça de Jorge Álvares, sita na Avenida do Doutor Mário Soares, vigiando as movimentações do ofendido I junto da entrada do edifício onde se encontra instalado o seu escritório.
22.º
Enquanto isso, o arguido J, conduzindo a viatura registada em nome de M, mulher do arguido F, e já com a chapa de matrícula MG-XX-XX(2) nela instalada (cujo verdadeiro número de matrícula é MG-XX-XX(3)), estacionou a mesma viatura na Avenida da República, nas proximidades da residência do Cônsul Geral de Portugal em Macau, preparando-se para a acção.
23.º
E o arguido F conduzindo a viatura da marca "Toyota", de cor verde escura, já com a chapa de matrícula MG-XX-XX(4) nela instalada (cuja verdadeira chapa de matrícula é MG-XX-XX(1)), transportou os arguidos A e B para o rés-do-chão do edifício industrial.
24.º
Posteriormente, os arguidos A e B dirigiram-se juntamente à Avenida da República onde se puseram em emboscada defronte do Restaurante.
25.º
Nessa noite, entre 21 :00 horas e 21 :30 horas, o arguido C ao ver o ofendido I ausentar-se do seu escritório conduzindo sozinho a viatura, telefonou imediatamente com o seu telemóvel para os arguidos F e J para actuarem.
26.º
Face a isso, o arguido F pôs-se imediatamente a conduzir, seguindo por detrás a viatura do ofendido com chapa de matrícula MC-XX-XX(1) até à Avenida da República.
27.º
Quando o arguido J viu chegar o ofendido I ao volante da sua viatura nas proximidades do restaurante, efectuou imediatamente a manobra de inversão de sentido de marcha, a fim de parar em frente da viatura do ofendido e impedir que a viatura deste continue a marchar.
28.º
Nessa mesma altura, o arguido F, conduzindo a viatura da marca "Toyota", de cor verde escura, já com a chapa de matrícula original substituída pela chapa de matrícula MG-XX-XX(4), embateu intencionalmente contra a parte traseira da viatura do ofendido I.
29.º
Face a isso, o ofendido I saiu da sua viatura para verificar o estado do seu automóvel após o embate.
30.°
Nisto, o arguido A, munido de arma de fogo, juntamente com o arguido B, correu para perto do ofendido e apontou com a sua arma de fogo sobre a figura do ofendido, ameaçou-o para que não oferecesse resistência.
31.º
Porém, o ofendido ofereceu contínuas resistências, gritando por socorro, e quando este se aproximou à parte traseira da viatura com chapa de matrícula MG-XX-XX(4), conduzida pelo arguido F, o arguido A disparou contra o ofendido, atingindo a sua coxa direita e fazendo com que o mesmo, imediatamente, ficasse impedido de se movimentar.
32.º
Posteriormente, os arguidos A e B levaram o ofendido para o interior da viatura conduzida pelo arguido F. Posto o qual, estes primeiros dois arguidos sentaram-se em cada um dos lados do assento traseiro da viatura, carregando o ofendido no chão.
33.º
Durante o percurso do transporte, o ofendido I tentou retirar a arma de fogo que se encontrava na posse do arguido A, no entanto, o arguido B começou imediatamente a agredir de forma violenta o ofendido, servindo desta agressão uma "lição" ao ofendido. Na altura, o arguido A agarrava o ofendido.
34.º
As lesões originadas pelos disparos de tiro e as fracturas mencionadas nos pontos 2 e 1 do relatório de exame médico, causadas, respectivamente, pelos ataques dos arguidos A e B, resultaram ao ofendido as lesões descritas nos relatórios de exame médico constantes de fls. 1623 a fls. 1625 e de fls. 1309 a fls. 1310, que aqui se dão por integralmente reproduzidos. Estas lesões determinaram directa e necessariamente ao ofendido incapacidade para o trabalho e 150 dias para a recuperação, causando-lhe graves consequências, bem como levaram com que o mesmo ficasse gravemente lesado em termos físicos e adoecesse permanentemente.
35.º
O arguido F conduziu a viatura com chapa de matrícula MG-XX-XX(4), regressando ao parque de estacionamento sito no [Endereço (2)]. Os arguidos A e B seguraram o ofendido I ao saírem da viatura, e depois subiram pelas escadas para o apartamento do [Endereço (2)].
36.º
Na altura, já os arguidos D e E aguardavam no referido apartamento.
37.º
Acto contínuo, o arguido F conduziu a viatura da marca "Toyota", de cor verde escura, com chapa de matrícula MG-XX-XX(4) para a Rua Central da Areia Preta onde abandonou esta viatura no parque de estacionamento para camiões de transporte de contentores, localizado num terreno de construção junto do edifício.
38.º
Seguidamente, o arguido F telefonou ao arguido J pedindo-lhe que o fosse buscar ao local acima mencionado.
39.º
Cerca das 22:30 horas do mesmo dia, o arguido J conduziu a viatura que tinha sido utilizado na prática do crime, com a chapa de matrícula MG-XX-XX(2), de cor cinzenta (ou seja, a viatura pertencente à mulher do arguido F," cuja verdadeira chapa de matrícula é MG-XX-XX(3)) para o referido local onde buscou o arguido F.
40.º
Antes de abandonarem o local, o arguido J removeu a chapa de matrícula MG-XX-XX(2) e entregou-a ao arguido F, tendo este colocado na porta-bagagem da viatura que conduzia, ou seja a "Toyota" de cor verde escuro, com a chapa de matrícula MG-XX-XX(4) nela colocada. Posto o qual, os dois fugiram do local.
41.º
O ofendido I, que se encontrava amordaçado com fita adesiva, olhos vendados e mãos e pés atados com fitas plásticas, foi forçado a entrar a um dos quartos do apartamento.
42.º
Os arguidos A e B em conluio com os arguidos D e E subtraíram todos os bens valiosos que o ofendido I trazia consigo, nomeadamente, uma esferográfica da marca "Dupont", um relógio de pulso da marca "Rolex", um computador de bolso da marca "PALM III C", um gravador digital da marca "Samsung" e MOP$6.000,00 (seis mil patacas) em numerário.
43.º
Os arguidos A e B apoderaram-se imediatamente das MOP$6.000,00 (seis mil patacas) em numerário, e os restantes objectos foram abandonados na casa de banho.
44.º
Os arguidos A e B disseram aos arguidos D e E para vigiarem o ofendido no apartamento. Na altura, cada um destes dois arguidos trazia uma pistola à cintura.
45.º
Posteriormente, os arguidos A e B exigiram, em alta e séria voz, ao ofendido o resgate na quantia de vinte milhões (não tendo especificado o tipo de moeda), caso contrário, iriam matá-lo.
46.º
Tal exigência foi imediatamente recusada pelo ofendido, pelo que foi agredido pelos arguidos.
47.º
A partir dessa noite, o ofendido esteve sob vigia, rotativamente, pelos arguidos D, E e outros arguidos, ficando, assim, privado da liberdade de movimentos.
48.º
No dia 2 de Março de 2001, os arguidos D e E, através da Companhia de Fomento Predial (1), local onde trabalhava O, alugaram o apartamento do [Endereço (7)], a fim de poderem descansar e dormir nesta localidade durante o período de vigilância ao ofendido.
49.º
Durante o período de vigilância ao ofendido, os arguidos D e E saíram, por várias vezes, para comprar refeições e trazê-las para o local onde o refém se encontrava escondido. Destas vezes, o arguido D, por duas vezes, e no átrio do edifício, chegou a apanhar o elevador juntamente com um morador do X.º andar do mesmo edifício, de nome P aliás P1. Os dois subiram pelo mesmo elevador ao X.º andar, tendo estes saído do referido elevador ao mesmo tempo.
50.º
Desde 28 de Fevereiro de 2001, de entre os arguidos, houve quem, de vez em quando, tivesse agredido o ofendido, obrigando-o a contactar os seus familiares para a entrega do resgate. Perante esta situação, e contra a vontade do ofendido, o mesmo chegou a contactar com a sua filha, redigindo-a uma carta em língua portuguesa que foi entregue um dos arguidos.
51.º
Na madrugada do dia 5 de Março de 2001, o arguido F foi detido pela P.J..
52.º
Sob a cooperação sincera do arguido F, declarando, de livre vontade, aos agentes da P.J. sobre o local onde o refém se encontrava escondido, a P.J. juntamente com o Grupo de Operação Específica da P.S.P. dirigiu- se ao apartamento em causa no dia 5 de Março de 2001, pelas 6:30 horas, onde resgataram o ofendido.
53.º
Na altura, no apartamento, o arguido J encontrava-se a vigiar o ofendido, porém, por se encontrar com medo de vir a ser detido pela Polícia, o mesmo pôs-se em fuga. Contudo, ao trepar pela janela, o mesmo arguido, por descuido, quedou-se pela janela abaixo onde veio a falecer. Já prostrado no chão, as mãos do arguido J ainda traziam luvas de operário.
54.º
Posteriormente, os arguidos D e E foram detidos pela Polícia na entrada do [Endereço (2)].
55.º
No dia 5 de Março de 2001, o arguido A telefonou para a casa do arguido H, dizendo-lhe para que se deslocasse ao apartamento dos arguidos B e C, sito em Macau no [Endereço (1)], a fim de apurar se se encontrava o local sob vigilância policial.
56.º
O arguido H tinha conhecimento sobre o plano de rapto premeditado pelo arguido A e outros, e por esta razão, anuiu imediatamente ao pedido do arguido Lei e dirigiu-se ao referido apartamento. Mais tarde, o arguido H comunicou ao arguido A sobre o facto de que a Polícia se encontrava junto do [Endereço (1)], e disse-lhe para que pusesse em fuga.
57.º
O arguido H refugiou-se para a R.P.C., no fito de evitar vir a ser insistentemente questionado pela polícia sobre o paradeiro do arguido A e outros, bem como, evitando que os arguidos viessem a ser perseguidos e capturados.
58.º
No dia 9 de Março de 2001, os agentes da P.J. encontraram a viatura do J, de cor dourada, com chapa de matricula MC-XX-XX(2), no parque de estacionamento localizado nas proximidades do [Endereço (8)].
59.º
Na tarde desse mesmo dia, na arrecadação do apartamento do [Endereço (9)], alugado pelo J junto de Q, este, responsável da Companhia de Fomento Predial (2), na renda diária de MOP$800,00 (oitocentas patacas); os agentes da P.J. encontraram uma caixa para depósito de vestuário e um saco de plástico de cor preta guardado no compartimento latente existente na parede, onde continham uma grande quantidade de armas que foram utilizadas pelos arguidos na prática do rapto do ofendido I que são o seguinte:
1) uma granada;
2) duas espingardas metralhadoras;
3) cinco carregadores para espingardas metralhadoras;
4) uma pistola metralhadora com o respectivo carregador;
5) uma espingarda;
6) um revólver;
7) duas pistolas com os respectivos carregadores;
8) seiscentos e catorze cartuchos; e
9) peças acessórias.
60.º
No dia 5 de Março de 2001, os agentes da P.J. encontraram no apartamento do arguido F, sito no [Endereço (10)], um saco de plástico contendo substâncias herbáceas, com o peso líquido de 1,598g. Efectuado o exame laboratorial, confirmou-se que se tratava de "cannabis", substância constante da Tabela I-C anexada ao Decreto-Lei n.° 5/91/M.
61.º
O referido produto foi adquirido pelo arguido F em Zhuhai - R.P.C., para consumo próprio.
62.º
O arguido F conhecia perfeitamente a natureza e as características do referido produto, bem sabendo que a sua posse para consumo próprio é proibido por lei.
63.º
Os arguidos A, B, C, D, E e F agiram de comum acordo e em conjugação de esforços.
64.º
Os arguidos A, B, C, D, E e F sequestraram, com violência, o ofendido I e contra a vontade do mesmo reterem-no num compartimento fixo e fechado durante o período entre a noite do dia 28 de Fevereiro de 2001 e as 6:35 horas do dia 5 de Março de 2001, bem como ofenderam gravemente o corpo do ofendido. O objectivo destes arguidos era raptar o ofendido, a fim de exigir junto deste e dos seus familiares dinheiro para o resgate.
65.º
O arguido F forneceu, de forma espontânea, sincera e de livre vontade, às autoridades competentes todos os elementos necessários, nomeadamente, sobre o local onde o refém havia sido escondido, para que as respectivas autoridades conseguissem salvar o ofendido sem sobressaltos. Ao actuar desta forma, o arguido prestou ajuda determinante na libertação do ofendido.
66.º
Os arguidos A, B, C, D, E e F utilizaram, em conjunto, com violência e de comum acordo, as armas de fogo apreendidas para a concretização do plano de rapto.
67.º
Os arguidos A, B, C, D, E e F sabiam perfeitamente da natureza e características das armas de fogo que detinham e que foram utilizadas em conjunto, bem como sabiam que a utilização destas armas nas referidas actividades podia causar mortes ou feridos. A posse ou uso injustificada destas armas por estes arguidos é proibida por lei.
68.º
Os arguidos A, B, C, D, E e F agiram de comum acordo e em conjugação de esforços para obterem benefícios ilegítimos, tendo para tal, utilizado meios de ameaça e coacção grave, obrigando o ofendido efectivar o pagamento de vinte milhões por eles exigidos, bem sabendo que o ofendido não tinha o dever jurídico de assim fazer.
69.º
Os arguidos A, B, C, D, E e F actuaram entre si com a intenção de obter benefícios ilegítimos.
70.º
O que não conseguiram por motivos alheios aos mesmos.
71.º
Os arguidos A, B, C, D, E e F ao agirem, sempre traziam as armas consigo, exibindo-as e escondendo-as.
72.º
Ao disparar contra o ofendido I, o arguido A agiu livre, voluntária e deliberadamente, com intenção de ofender gravemente a integridade física do mesmo, causando-lhe doenças permanentes.
73.º
Ao agredir o ofendido I, o arguido B agiu livre, voluntária e deliberadamente, com intenção de ofender gravemente a integridade física do mesmo, causando-lhe doenças permanentes.
74.º
Os arguidos A, B, D e E, em mútuo acordo e em conjugação de esforços, roubaram bens valiosos ao ofendido.
75.º
Os arguidos A e B, com a intenção de apoderação ilícita de bens, e em circunstâncias em que o ofendido se encontrava atado e impedido de movimentos, apoderaram-se dos bens do ofendido.
76.º
Os arguidos D e E auxiliaram os arguidos A e B, e sob ordem destes, retiraram os bens do corpo do ofendido. Os mesmos sabiam perfeitamente que a intenção dos arguidos A e B era a apoderação de bens alheios.
77.º
Ao fabricar notação técnica falsa, isto é, fabricar a chapa de matrícula MG-XX-XX(4), e em cooperação com o arguido G, fabricou em conjunto uma outra notação técnica falsa, isto é, a chapa de matrícula MG-XX-XX(2), o arguido F agiu com intenção de causar prejuízo a terceiros ou a esta Região.
78.º
Os arguidos F e G sabiam perfeitamente que as referidas chapas de matricula se tratavam de notação técnica falsa e que a sua utilização é proibida por lei, mas, mesmo assim, ambos procederam com dolo à falsificação destas chapas de matricula e ao seu uso.
79.º
Ao deterem e exibirem as mencionadas notações técnicas, os arguidos F e G agiram com a intenção de pôr em causa a fé pública e confiança destas notações, prejudicando os interesses desta Região e de outra pessoa, a fim de obterem para si ou para outra pessoa benefícios ilegítimos.
80.º
O arguido H forneceu informações e impediu diligências e actividade probatória de autoridade competente, a fim de frustrá-las total ou parcialmente, fê-lo com a intenção de o arguido A e outros arguidos não virem a ser submetidos a pena.
81.º
Todos os arguidos agiram livre e voluntariamente.
82.º
Sabiam perfeitamente que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
***
O 7.º arguido G recebeu do 6.º arguido umas centenas de patacas pelos serviços acima provados.
O 1.º arguido A disparou dois tiros que feriram o assistente, um de raspão na parte exterior da coxa esquerda e, outro, que lhe perfurou o lado interior da coxa direita, estilhaçando-se, a bala, no interior da perna.
O tiro na coxa esquerda provocou ao lesado uma cicatriz notória de 3cm×2,5cm.
O ferimento provocado pelo tiro na coxa direita requereu intervenção cirúrgica para remover alguns dos estilhaços do projéctil e debelar a infecção originada pelo disparo, deixando uma cicatriz notória, com depressão acentuada, de 2,5cm×l,5cm e continuam alojados mais de uma dezena de estilhaços da bala.
  E quando o assistente já estava completamente dominado, o 2.º arguido B deu-lhe um golpe violento na coxa direita, que lhe provocou imediata fractura completa do fémur, com hemorragia interna, que foi a agressão que maior sofrimento lhe causou e que o deixou com uma deficiência notória na perna direita.
  A vítima foi sujeito a intervenção cirúrgica, de mais de 6 horas, contudo não foi possível "extensorizar" os músculos contraídos e imobilizados durante os 5 dias subsequentes à fractura, pelo que houve um desvio superior a 15.º graus na consolidação óssea, atrofia muscular, encurtamento de 1,5 cm na perna direita e, em virtude daquela intervenção cirúrgica, uma cicatriz notória de 18 cm.
  Em virtude da fractura do fémur direito, do consequente edema, e da lesão dos terminais nervosos, perdeu a sensibilidade na parte interna do terço inferior da perna direita e respectivo tornozelo, até meio do pé.
  Deslocou-se a Lisboa para se submeter a uma nova intervenção em 18 de Fevereiro de 2002, no Hospital de S. José, para a correcção da consolidação da fractura do fémur direito.
  E está previsto que terá ainda de ser submetido a nova intervenção cirúrgica para a remoção de placa e dos nove parafusos.
  Os bens valiosos que o ofendido trazia consigo, nomeadamente, uma esferográfica da marca "Dupont", um relógio de pulso da marca "Rolex", um computador de bolso da marca "PALM III C", um gravador digital da marca "Samsung", fato, colete, camisa e gravata, avaliavam, no seu total, em cerca de MOP$52.700,00 e o numerário de MOP$6,000,00 (seis mil patacas) foram retirados pelos 1.°, 2.°, 4.° e 5.° arguidos.
Antes do rapto, o assistente era pessoa saudável, contudo, passou a sentir-se constrangido nos seus movimentos, devido ao encurtamento da sua perna direita.
O lesado sofreu física e psicologicamente, ao longo do cativeiro e mesmo depois, sentindo dores e angústias, ansiedade, inquietação e preocupado com a segurança da sua pessoa, da sua família e dos seus haveres.
E procedeu à contratação de segurança pessoal, desde 15 de Novembro de 2001, acarretando-lhe uma despesa mensal média de MOP$25.000,00, incluindo os salários de dois trabalhadores, rendas da habitação onde residem e despesas de condomínio, electricidade, água e de gás.
E até 8 de Março de 2002, o lesado já despendeu com aqueles encargos o total de MOP$100.000,00.
No ano de 2001, o lesado no exercício da sua actividade profissional teve o prejuízo de cerca de MOP$558.487,40.
A RAEM para além de ter suportado as despesas referentes ao tratamento médico do lesado em Macau, ainda disponibilizou agentes policiais até a presente data, para assegurar a segurança do assistente.
***
O 3.º arguido C apenas confessou ter vigiado os movimentos do lesado, a mando do 1.º arguido e ter comunicado a hora de saída do mesmo no dia dos factos ao 6.º arguido, através de telemóvel.
Aufere, mensalmente, cerca de MOP$10.000,00 e tem a seu cargo o pai, a esposa e uma filha menor. Possui como habilitações o curso primário.
O 4.º arguido D não confessa os factos.
Encontra-se desempregado e tem a seu cargo os seus pais. Possui como habilitações o curso secundário incompleto.
O 5.º arguido E não confessa os factos.
Encontra-se desempregado e tem a seu cargo os seus pais. Possui como habilitações o curso secundário incompleto.
O 6.º arguido F confessa os factos e mostra-se arrependido.
Encontra-se desempregado e tem a seu cargo a esposa e uma filha menor. Possui como habilitações o curso secundário incompleto.
O 7.º arguido G apenas confessa os factos referentes à falsificação da chapa de matrícula e mostra-se arrependido.
Aufere, mensalmente, cerca de MOP$4.000,00 e não tem ninguém a seu cargo. Possui como habilitações o curso primário incompleto.
O 8.º arguido H confessa os factos e mostra-se arrependido.
Aufere, mensalmente, cerca de MOP$5.000,00 e tem a seu cargo a esposa, o filho e os pais. Possui como habilitações o curso primário incompleto.
***
Nos CRCs dos 1.º e 8.º arguidos juntos aos autos constam o seguinte:
O 1.º arguido A,
- por sentença de 17/06/1988 do Processo Sumário-Crime, n.° 1166/88 do 3.º cartório, foi condenado na pena de 10 dias de prisão, substituída por multa a quatro patacas por dia e de duzentas patacas de multa, perfazendo o montante de duzentas e quatro patacas, como autor duma infracção p. e p. pelo art.° 46.º, n.° 1 do Código da Estrada;
- por sentença de 08/04/1991 do Processo Correccional, n.° 454/90 do 2.º Cartório, foi julgado à revelia e condenado como autor duma transgressão p. e p. pelo art.° 46.º, n.° 1 do Código da Estrada e dum crime p. e p. pelo art.° 188.º do Código Penal, nas penas de um mês de prisão, substituída por multa à razão de doze patacas por dia, em alternativa, de vinte dias e de quatrocentas patacas de multa, em alternativa, de treze dias de prisão e de um mês de prisão, substituída por multa à razão de doze patacas por dia, em alternativa, de vinte dias de prisão, respectivamente, ou seja, na multa global de mil cento e vinte patacas, em alternativa, de cinquenta e três dias de prisão. Mais foi condenado no mínimo de Imposto de Justiça e em sessenta patacas de emolumentos ao seu defensor oficioso;
- por acórdão de 25/02/1992 do Processo de Querela, n.° 801/91 do 2.º Cartório, foi condenado como autor de um crime p. e p. pelo art.° 11.º, n.° 3 da Lei 2/90/M, de 03 de Maio, na pena de dois anos de prisão maior. Mais foi condenado no mínimo de Imposto de Justiça;
- por acórdão de 28/09/1992 do Processo de Querela, n.° 1118/92 do 3.º Cartório, foi condenado, como co-autor material de um crime do art.° 434.º do C. Penal, na pena de dez anos de prisão maior. Atendendo à condenação anterior (Querela n.° 801/91 do 2.º Juízo) e em cúmulo jurídico, condenado na pena única de onze anos de prisão; e
- por acórdão de 28/09/1992 do Processo de Querela, n.° 1118/92 do 3.º Cartório deste Tribunal confirmado por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, condenado pela co-autoria material de um crime do art.° 434.º do C. Penal na pena de dez anos de prisão maior. Em cúmulo jurídico com a pena aplicada na Querela n.° 801/91 do 2.º Juízo desta Comarca, condenado na pena única de onze anos de prisão maior;
*
O 8.º arguido H,
- por acórdão de 30/06/1992 do Processo de Querela, n.° 234/92 do 1.º Cartório, foi condenado como co-autor de um crime de posse ilícita de estupefacientes p. e p. pelos arts. 8.º n.° 1 e 10.º g) do D.L. 5/91/M de 28 de Janeiro, na pena de oito anos de prisão maior e cinco mil patacas de multa, em alternativa cento sessenta e seis dias de prisão; e
- por sentença de 10/05/1996 do Processo Lib. Condicional, n.° 6/96 do 3.º Cartório, foi concedida liberdade condicional pelo período que lhe falta para o cumprimento integral da pena.
*
Quanto aos 2.º arguido B, 3.º arguido C, 4.° arguido D, 5.° arguido E, 6.° arguido F e 7.° arguido G, nada constam em desabono dos seus CRCs juntos aos autos.
***
2. Não se provaram os seguintes factos:
- O arguido G aceitou efectuar os serviços acima mencionados (ou seja os referidos nos pontos 10 a 15 da presente pronúncia), em virtude de o arguido F haver prometido que, após a conclusão dos trabalhos, iria investir capital na instalação de uma oficina de automóveis para o arguido G ou pagando a este uma recompensa na quantia de HKD$100.000,00 (cem mil Hong Kong dólares);
- O arguido G sabia perfeitamente que a viatura e as chapas de matrícula em causa seriam usados durante o rapto; e
- O arguido G forneceu, com dolo, materiais aos arguidos, para mero auxílio e facilitação à realização dos actos assumidos pelos arguidos.
E não se provaram quaisquer outros factos relevantes da pronúncia e do pedido de indemnização cível e que não estejam em conformidade com a factualidade acima assente.
***
3. A convicção do Tribunal baseou-se na prova constante dos autos, na análise crítica e comparativa das declarações dos 3.°, 4.°, 5.°, 6.°, 7.° e 8.° arguidos prestadas em audiência e aquelas prestadas pelos 3.° e 6.° no TIC e lidas em audiência, e no depoimento das testemunhas inquiridas.
Releva assim, o depoimento dos 6.° arguido que descreveu detalhadamente o caso desde a fase de planeamento na residência dos 2.º e 3.º arguidos, a distribuição de tarefas e a participação de cada um dos 1.º, 2.º, 3.º, 4.º e 5.º co-arguidos no rapto, mormente o de apenas saber da participação dos 4.º e 5.º arguidos quando os encontrou armados no apartamento onde tinha colocado a vítima.
O depoimento do 7.º arguido também foi importante para confirmar a versão do 6.º arguido quanto à participação dos 4.º e 5.º arguidos, uma vez que estes sempre se afirmaram pela sua inocência e que não conheciam nem tinham visto os outros arguidos e o falecido J em lado algum. O G afirmou peremptoriamente que viu o 5.º arguido numa discoteca de "Chu Hoi" na companhia do J e outros indivíduos desconhecidos.
E o depoimento da própria vítima também corroborou para uma melhor compreensão do que tinha passado durante o rapto, nos dias do cativeiro, as intenções dos raptores, assim como o de ter confirmado o reconhecimento da voz de um dos seus captores nas instalações da Polícia Judiciária (cfr. 2273 e ss.). Para além disso, também descreveu o seu estado físico e psíquico depois dos acontecimentos, bem como das lesões sofridas.
  Quanto ao depoimento de P1, se bem que este tenha negado o teor do auto de reconhecimento efectuado nas instalações da Polícia Judiciária (cfr. 618), contudo o Tribunal não pode deixar de ter em consideração essa prova face não só ao esclarecimento feito pelo autor do auto, o agente R, e o estado psíquico da testemunha na audiência (v.g. cfr. o seu pedido a fls. 2627), mas ainda o facto de que esta diligência foi efectuada de acordo com o estipulado no art.º 134.º do CPPM.
  Relevam ainda os depoimentos dos agentes da Polícia Judiciária, designadamente, quanto à descoberta da pista que os levou à detenção do 6.º arguido e com a colaboração deste na descoberta do local onde foi encarcerado a vítima. Por outro lado, eles também descreveram a conduta e o diálogo entre os 4.º e 5.º arguidos nas suas instalações que os levaram a suspeitar de que eles sabiam de algo relacionado com o crime de rapto. E também descreveram as diligências efectuadas para a descoberta do local onde os arguidos armazenavam as suas armas.
E o depoimento dos médicos foram esclarecedores quanto ao tratamento médico que a vítima teve e tem ainda de se sujeitar, bem como as consequências das lesões sofridas e o prognóstico do seu estado de saúde.
Por fim, as declarações de S foram esclarecedores quanto às perdas da vítima na sua actividade profissional referente ao ano de 2001, todavia o mesmo também mencionou que a vítima tinha perdas na sua actividade em 2000.

III - O Direito
1. As questões, eventualmente, a resolver.
Recurso do Ministério Público:
Importa saber se o TSI podia conhecer, como conheceu, do recurso do assistente, na parte relativa a arguidos revéis, ainda não notificados da sentença, e de cujo recurso o TSI não conheceu exactamente por ainda não terem sido notificados.
Recurso dos 4.º e 5.º arguidos, respectivamente, D e E:
- Se o assistente tinha legitimidade para recorrer para o TSI quanto à parte penal do julgado em primeira instância;
- Se houve erro notório na apreciação da prova que levou à condenação dos arguidos.

2. Começar-se-á pelo recurso dos arguidos, porque, eventualmente, poderia conduzir a que não se conhecesse do recurso do Ministério Público.1
Quanto à primeira questão, a de saber se o assistente tinha legitimidade para recorrer para o TSI quanto à parte penal do julgado em primeira instância, o acórdão interlocutório do TSI, pronunciou-se expressamente sobre a mesma, a propósito da decisão de indeferimento do pedido de renovação de prova deduzido pelo assistente I, como se dá conta a p. 7 e 8 do presente acórdão.
Como também aí se diz, o Tribunal de Segunda Instância desatendeu a questão suscitada, tendo decidido que o assistente tinha legitimidade e interesse em agir para interpor recurso quanto à parte penal da decisão.
A legitimidade do recorrente é, como se sabe, um dos pressupostos processuais específicos dos recursos.
O referido acórdão interlocutório não foi impugnado e transitou, portanto, em julgado.
Por conseguinte, não podem, agora, os arguidos, pretender que se volte a apreciar a questão. Está resolvida e faz caso julgado formal, que obsta, como é bem de ver, à sua reapreciação (art. 575.º do Código de Processo Civil, aplicável subsidiariamente, nos termos do art. 4.º do Código de Processo Penal).

3. Erro notório na apreciação da prova
Quanto à segunda questão suscitada pelos arguidos, a de saber se houve erro notório na apreciação da prova que levou à condenação dos arguidos, que, a proceder, na sua tese, levaria à verificação de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (sic).
Ora, percorrendo a motivação do recurso destes arguidos para o TSI não encontramos o fundamento agora trazido a este Tribunal de Última Instância.
Embora se trate de questão nova, conhecer-se-á dela por se tratar de matéria de conhecimento oficioso.
Este Tribunal tem considerado que existe erro notório na apreciação da prova quando se retira de um facto uma conclusão inaceitável, quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada ou tarifada, ou quando se violam as regras da experiência ou as legis artis na apreciação da prova. E tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passe despercebido ao comum dos observadores.2
Os arguidos fundamentam o vício suscitado em passagens das declarações prestadas por escrito nos autos pelos intervenientes processuais, por declarações alegadamente prestadas em audiência pelos mesmos e na menos valia do reconhecimento feito pelo assistente (na opinião dos arguidos).
Ora, como se vê, não há aqui qualquer erro notório na apreciação da prova. O que há é a discordância dos arguidos relativamente à valoração que o tribunal colectivo fez da prova produzida.
Improcede o vício suscitado.

4. Conhecimento do recurso interposto pelo assistente quanto aos arguidos revéis, não notificados da sentença.
Recurso do Ministério Público:
Importa saber se o TSI podia conhecer, como conheceu, do recurso do assistente, na parte relativa a arguidos revéis, ainda não notificados da sentença, e de cujo recurso o TSI não conheceu exactamente por ainda não terem sido notificados.
E a resposta é negativa. Vamos ver porquê.
É pacífico que, para os arguidos julgados à revelia, o prazo para a interposição de recurso de sentença condenatória, só começa a correr após a notificação desta sentença.
Efectivamente, de acordo com o disposto no n.º 3 do art. 317.º do Código de Processo Penal “A sentença é notificada ao arguido logo que seja detido ou se apresente voluntariamente em juízo”. Ou seja, a lei não se basta com a notificação da sentença ao defensor, o que bem se compreende visto que o arguido é notificado para o julgamento por editais e anúncios e estamos no domínio do processo penal.
Ora, o prazo para interposição de recurso é de 10 dias e conta-se a partir da notificação da decisão ou do depósito da sentença na secretaria (art. 401.º, n.º 1 do Código de Processo Penal). Relativamente aos revéis, tem de se entender que o prazo para interposição de recurso se conta a partir da notificação da decisão ao próprio arguido.
Por isso, o TSI não conheceu do recurso interposto pelo defensor dos arguidos revéis.
Mas a ser assim, como todos aceitam que seja, incluindo o assistente, é evidente que não se pode conhecer do recurso interposto pelos restantes intervenientes processuais, Ministério Público, se for o caso, e assistente, na parte em que impugnem o julgado respeitante aos revéis. Como se iria conhecer da sua responsabilidade, se eles ainda podem vir a pôr em crise a sentença da primeira instância, na parte que lhes respeita?
O assistente veio propor uma solução que afronta princípios do processo penal. Na tese do assistente, quanto aos arguidos, o acórdão do TSI passaria a constituir a sentença de primeira instância e seria o acórdão do TSI que impugnariam se pretendessem recorrer, quando fossem notificados.
Mas não pode ser.
Em primeiro lugar ser-lhes-ia negado um grau de recurso, pois só poderiam recorrer para o Tribunal de Última Instância, enquanto que se tivessem estado presentes no julgamento teriam dois graus de recurso eventuais. Mas este argumento não é decisivo, pois sempre se poderia dizer que, a final, a sua situação seria apreciada pelo mesmo Tribunal, o Tribunal de Última Instância.
Mas, o que é inaceitável é o facto de a tese do assistente suprimir aos revéis o recurso em matéria de facto, designadamente a possibilidade de renovação da prova, pois é sabido que o recurso para o Tribunal de Última Instância é restrito à matéria de direito,3 salvo o disposto nos n. os 2 e 3 do art. 400.º do Código de Processo Penal, sendo certo que não é admissível a renovação da prova a que alude o art. 415.º do mesmo diploma legal.4
Por outro lado, também não colhe a objecção do assistente de que, em caso de revelia, a lei não veda a possibilidade de recurso ao Ministério Público e ao assistente. E daí que tivessem de interpor o recurso, mesmo quanto aos revéis.
Isso é certo, mas basta ficar suspenso o conhecimento do recurso interposto pelos intervenientes processuais no que toca aos revéis, para a objecção não colher.
Acresce que, se por acaso, o TSI viesse a entender que conduta dos arguidos, incluindo a dos revéis, não era punível, tal aproveitaria aos revéis que seriam, também, absolvidos, deixando de ter legitimidade para recorrer.
Em conclusão, não é possível conhecer do recurso interposto pelo assistente na parte respeitante aos revéis que não foram notificados da sentença de primeira instância.
Tendo-o feito, incorreu o TSI em excesso de pronúncia, que conduz à nulidade da decisão, nessa parte, nos termos dos arts. 571.º, n.º 1, alínea d), parte final e 633.º do Código de Processo Civil, aplicáveis subsidiariamente, de acordo com o disposto no art. 4.º do Código de Processo Penal.
Procede o recurso do Ministério Público.

IV – Decisão
Face ao expendido:
A) Nega-se provimento ao recurso interposto pelos 4.º e 5.º arguidos, respectivamente, D e E;
B) Dá-se provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público, declarando-se nulo o acórdão recorrido na parte em que conheceu do recurso do assistente relativamente aos 1.º e 2.º arguidos, respectivamente, A e B, revéis.
Custas pelos 4.º e 5.º arguidos, respectivamente, D e E e pelo assistente, cabendo a cada um dos dois primeiros 3 UC e ao último 5 UC.
Fixam-se os honorários ao Ex.mo defensor dos 4.º e 5.º arguidos, Dr. Mário Paz, em mil e quinhentas patacas.
Macau, 16 de Fevereiro de 2004

Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) - Sam Hou Fai - Chu Kin
1 Se, por exemplo, se entendesse que os factos provados não constituíam crime e que todos os arguidos, incluindo os revéis, deviam ser absolvidos.
2 Cfr., entre outros, os acórdãos de 30 de Janeiro e 15 de Outubro de 2003, respectivamente, nos Processos n. os 18/2002 e 16/2003.
3 Nos termos dos arts. 47.º, n.º 2 e 39.º da Lei de Bases da Organização Judiciária.
4 Neste sentido o acórdão do Tribunal de Última Instância, de 29 de Setembro de 2000, no Processo n.º 13/2000, em Acórdãos do Tribunal de Última Instância da R.A.E.M., 2000, p. 447.
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Processo n.º 3/2004

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Processo n.º 3/2004