打印全文
(Tradução)

Rejeição do recurso

Sumário

  Caso o recurso seja manifestamente improcedente, é de rejeitá-lo.
  
  Acórdão de 23 de Setembro de 2004
  Processo n.º 225/2004
  Relator: Chan Kuong Seng
  
  
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R. A. E. M.

I. RELATÓRIO
Sob acusação pública deduzida pelo Ministério Público de Macau, o 4.º Juízo do Tribunal Judicial de Base procedeu ao julgamento do Processo Comum Colectivo n.º PCC-025-04-4 em que é arguido (A), proferindo o respectivo acórdão condenatório de 1.ª Instância no dia 11 de Junho de 2004, condenando o arguido pela prática de três crimes de furto qualificado p. e p. pelo art.º 198º, n.º 2, al. e) do Código Penal de Macau, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão cada e em cúmulo jurídico das referidas penas parcelares, foi o arguido condenado na pena única de 4 anos de prisão efectiva (cfr. o teor do acórdão constante de fls. 141 a 145 dos autos):
Inconformado com esse veredicto, veio o arguido recorrer para este Tribunal (TSI), concluindo a sua motivação e pedindo, de seguinte maneira:
“......
1. O recorrente (A) foi condenado pela prática de três crimes de furto qualificado p. e p. pelo art.º 198º, n.º 2, al. e) do Código Penal de Macau, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão cada e em cúmulo jurídico das referidas penas parcelares, foi condenado na pena única de 4 anos de prisão efectiva. Foi condenado ainda no pagamento à ofendida (B), a título de indemnização do dano patrimonial, no montante de MOP5.000,00, acrescido dos respectivos juros vincendos à taxa legal.
2. Além disso, o recorrente entende que se suscitam no acórdão do Tribunal Colectivo a quo as questões jurídicas estipuladas no artigo 400.º, n.º 1 do Código de Processo Penal de Macau.
3. Salvo o devido respeito, o recorrente não concorda com a decisão proferida pelo Tribunal Colectivo recorrido em relação a três crimes de furto qualificado que foram praticados na forma consumada.
4. O recorrente entende que dos factos dados como provados na audiência de julgamento resulta apenas que os 1.º e 2.º crimes de furto qualificado foram praticados na forma consumada pelo recorrente, não se afigura razoável demonstrar que o 3.º crime de furto qualificado foi praticado igualmente na forma consumada.
5. No caso sub judice (o facto respeitante ao 3.º crime), o recorrente entende que dos factos dados como provados resulta apenas que foi descoberto pelo agente policial aquando da saída daquela habitação na posse de objectos alheios, mas não se provou o sítio onde o recorrente estava, ie., dentro ou fora da habitação em causa. Se fosse descoberto dentro da habitação, o que implica que efectivamente naquele momento o recorrente não subtraiu os objectos devido à presença da polícia, não conseguindo realizar todo o processo (de subtracção de coisa alheia).
6. Porém, in casu, não obstante o contacto com coisa alheia, o recorrente foi descoberto pelo agente policial aquando da saída não atempada da habitação, o que faz com que não conseguisse subtrair qualquer objecto e fosse interrompido in loco o acto de furto, não obstante por circunstâncias alheias à vontade do recorrente.
7. Assim sendo, o 3.º crime de furto qualificado deve ser considerado como praticado na forma tentada.
8. Nestes termos, o recorrente entende que o acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 21.º, 22.º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal de Macau, por não considerar plenamente a forma de crime praticado pelo recorrente, pois, o Tribunal recorrido deve considerar o 3.º crime de furto qualificado como um crime praticado na forma tentada.
9. Se o Tribunal ad quem acompanhar o entendimento do recorrente, ou seja, o 3.º crime foi praticado na forma tentada. Ao determinar de novo o quantum de pena, deve ponderar os artigos 21.º, 22.º n.ºs 1 e 2 e 67.º n.º 1 al. b) do Código Penal de Macau para atenuar a pena já aplicada ao ora recorrente.
10. Ademais, o recorrente entende que o acórdão recorrido violou também o disposto no artigo 29.º, n.º 2 do Código Penal de Macau.
11. Na medida em que são próximos os tempos em que o recorrente praticou os três crimes de furto qualificado que foram praticados nas fracções onde se realizavam as obras de aperfeiçoamento do mesmo edifício, executados por forma essencialmente homogénea e no quadro da contínua existência de uma mesma “situação exterior” que solicita o agente a praticar o crime e que diminua consideravelmente a sua culpa.
12. Razões pelas quais, os factos dados como provados reúnem os quatro requisitos do crime continuado, sendo inadequado o acórdão recorrido quanto a incriminação pela prática de três crimes de furto qualificado e errada também a aplicação da lei. É exactamente por motivo do preenchimento dos quatro requisitos do crime continuado, os três crimes de furto qualificado constitui apenas um crime continuado.
13. Nestes termos, se o Tribunal superior acompanhar o entendimento do recorrente de que este praticou apenas um crime de furto qualificado na forma continuada, há-de determinar de novo o quantum de pena de acordo com o artigo 73.º do Código Penal de Macau no sentido de atenuar a pena já aplicada ao ora recorrente.
Solicita-se ao Venerando Tribunal superior que faça a habitual JUSTIÇA!” (cfr. o teor das conclusões da motivação de recurso a fls. 170 a 171 dos autos).
Em resposta a esse recurso, o Digno Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal recorrido exerceu a faculdade de responder ao recurso consagrado no n.º 1 do art.º 403.º do Código de Processo Penal (CPP).
“O Ministério Público vem responder às motivações de recurso apresentadas pelo arguido ora recorrente (A), nos termos do art.º 403.º do Código de Processo Penal:
Coloca o arguido (A) nas suas motivações de recurso para apreciação fundamentalmente 2 questões respeitantes à aplicação da lei no seio do acórdão, a saber:
1. O 3.º crime pelo qual o recorrente foi condenado foi praticado na forma tentada;
2. Os três crimes praticados pelo recorrente constituem apenas um crime continuado.
É de referir que as duas conclusões invocadas pelo recorrente são contraditórias. Podemos afirmar antes de tudo que de acordo com a 1.ª conclusão o recorrente concordou com a consignação do Tribunal Colectivo quanto ao número de crimes cometidos, ie., a existência de três crimes de furto qualificado. Porém, o recorrente invocou que foram praticados na forma continuada enquanto concordou com a existência efectiva de vários crimes.
Não obstante a contradição verificada, entendemos que é necessário proceder à análise das motivações de recurso apresentadas pelo recorrente para expressar a posição do Ministério Público.
Quanto à 1.ª questão suscitada pelo recorrente, compulsando os autos, verifica-se que não foi inquirida a testemunha (C) (guarda policial n.º XXX) (se a inquirição fosse realizada, tudo seria melhor e mais completo), porém, das demais provas constantes dos autos resulta claramente que o arguido (A) foi apanhado pelo agente policial fora da fracção em causa (no meio do corredor) (de acordo com a prova escrita, nomeadamente o auto de notícia, o arguido já confessou sem reservas na audiência de julgamento os factos). Estamos a crer que a convicção dos crimes consumados é formada pelos juízes com base em tais provas (o acórdão recorrido já indicou que a convicção do Tribunal baseou-se nas provas, declaração prestada pelo arguido e os depoimentos das testemunhas).
Quanto aos critérios da consumação dos crimes contra o património, temos várias teorias, a saber: a teoria da “contrectatio”, a teoria da “apprehensio” ou “amotio”, a teoria da “ablatio” e a teoria da “illatio”. Na medida em que o crime de furto qualificado faz parte dos crimes contra a propriedade (bem jurídico) e os conteúdos essenciais dos direitos de propriedade incidem sobre a posse, o uso, a receita e a disposição, o afastamento do controlo efectivo do seu proprietário serve como critério para determinar se consuma esse crime. No caso sub judice, da audiência de julgamento sabe-se expressamente que na terceira vez do cometimento do crime o arguido saiu da fracção em causa na posse da coisa subtraída, o que implicou que essa coisa passou efectivamente para o poder do arguido, pelo que deve ser considerado crime consumado.
Ademais, o recorrente alegou que no caso vertente “não se provou o sítio onde o recorrente estava, ie., dentro ou fora da habitação em causa”, alegação essa que não corresponde à verdade. Podemos dizer por outra maneira, se isto fosse verdadeiro, também não podíamos chegar a conclusão de não-consumação do crime, ao contrário, devendo proceder-se ao novo julgamento dos factos para apurar que o recorrente naquela altura estava dentro ou fora da habitação em causa.
Face à análise acima exposta sobre esta matéria, entendemos que não se pode dizer infundada a consignação feita pelo acórdão recorrido, razão pela qual não procede o motivo invocado pelo recorrente de que o 3.º crime foi praticado na forma tentada e devendo, por isso, ser rejeitado o seu pedido.
Quanto à 2.ª questão colocada, também não podemos acompanhar os motivos e as conclusões suscitadas pelo recorrente.
Quanto à questão do crime continuado, dispõem-se expressamente os seus requisitos no n.º 2 do artigo 29.º do Código Penal de Macau, um dos requisitos difícil de interpretar bem e fácil de interpretar mal é a frase “e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente.”
O recorrente citou pontos de vista populares dos outros países e as sentenças proferidas pelos tribunais estrangeiros sobre o mesmo assunto para alegar esses requisitos, mas não podemos acolher o explanado pelo recorrente.
Entendemos que os requisitos estipulados pelo legislador se focam em “diminua consideravelmente a culpa do agente” e não “no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior”.
Nestes termos, estamos a crer que uma das razões essenciais que o legislador considerou para a criação do instituto do crime continuado se baseia na culpa do agente relativamente leve. Então, como se deve entender “executado no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa”? Em relação a isso elaborei um artigo intitulado “Breve Apreciação Relativa à Problemática das Quantidades nos Casos de Tráfico de Droga” I em que indicando que a resposta é possível de ser encontrada no artigo 66.º do Código Penal, que diz respeito à Atenuação Especial da Pena.
Realça-se que para constituir o crime continuado estipulado naquele artigo não bastam apenas a multiplicidade objectiva, a continuidade temporal, a homogeneidade e facilidade das circunstâncias externas dos crimes e a identidade de bens jurídicos ou tipos de crime. É de referir que actualmente há muitas pessoas que tenham definição semelhante ao recorrente quanto ao crime continuado, observam apenas a homogeneidade ou semelhança na forma da execução dos vários actos criminosos, negligenciando os factores externos que podem ou não diminuir a culpa do agente. Isto desvia completamente do objectivo do legislador aquando da criação do instituto do crime continuado e causando objectivamente o defeito da aplicação da lei por desequilíbrio entre o crime cometido e a pena aplicada.
No caso vertente, importa apurar se existe situação que pode diminuir consideravelmente a culpa do agente. Compulsando os autos, afigura-se-nos que não se verifica o quadro da solicitação de uma mesma situação exterior.
Face ao acima exposto, é de entender que os crimes cometidos no caso em apreço pertencem aos vários crimes típicos da mesma natureza e não constituem o crime continuado definido no art.º 29. º, n.º 2, do CP.
*
Conclusão:
Entendemos que:
Não podem proceder as duas questões invocadas pelo recorrente e não sendo correctas as respectivas conclusões aí obtidas, devendo o Tribunal de Segunda Instância rejeitar o recurso e com a consequente manutenção do decido.” (cfr. o teor da resposta constante de fls. 173 e 173v dos autos).
Subido o recurso para este TSI, o Digno Procurador-Adjunto junto desta Instância teve vista do processo nos termos do art.º 406.º do CPP, pugnando pela rejeição do recurso (cfr. o teor do parecer constante de fls. 182 a 183 dos autos).
Subsequentemente, foi pelo relator do presente recurso feito o exame preliminar dos autos à luz do art.º 407.º, n.º 3, do CPP. Em seguida, foram postos pelos dois Mm.ºs Juízes-Adjuntos os seus vistos nos autos de acordo com o art.º 408.º, n.º 1, do CPP.
Ora, cumpre decidir do recurso sub judice nos termos infra.

II. FUNDAMENTAÇÃO DO PRESENTE ACÓRDÃO
Tendo em consideração que o tribunal ad quem só vai resolver as questões concretamente postas pelo recorrente e delimitadas pelas conclusões da sua motivação de recurso, não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão (apud nomeadamente os acórdãos deste TSI: de 25/7/2002 no Processo n.º 47/2002; de 17/5/2001 no Processo n.º 63/2001; de 3/5/2001 no Processo n.º 18/2001; de 7/12/2000 no Processo n.º 130/2000, e de 27/1/2000 no Processo n.º 1220).
Para resolver as questões colocadas pelo recorrente, há que relembrar, de antemão, toda a matéria de facto já dada por assente no texto do acórdão ora posto em crise:
Na 1.ª dezena de Novembro de 2003, o arguido (A) forçou, por meio de chave de fenda e alavanca, a fechadura da porta de uma fracção em obras de aperfeiçoamento, sita no Edifício XXX Garden, bloco X, X.º andar X e subtraindo as ferramentas para obras aí guardadas, a saber:
- duas serras circulares (de marca M vermelho);
- uma broca pneumática;
- uma broca eléctrica;
- um polidor.
Os objectos acima referidos pertencem a (B) e têm um valor total de MOP5.000,00 (cfr. fls. 2 e 49v).
Na 2.ª dezena de Novembro de 2003, o arguido forçou, por meio de chave de fenda e alavanca, a fechadura da porta de uma fracção em obras de aperfeiçoamento, sita no Edifício XXX Garden, bloco X, X.º andar X e subtraindo as ferramentas para obras aí guardadas, a saber:
- uma broca eléctrica (de marca BOSCH);
- uma serra circular (de marca M vermelho) ;
- uma serra pneumática (de marca BOSCH);
- três agrafadores elétricos;
- um polidor (de marca BOSCH);
- um martelo Schmidt;
- uma chave de fenda pneumática.
Os objectos acima referidos pertencem a (D) e têm um valor total de MOP5.000,00 (cfr. fls. 2 e 51v).
Pelas 18 horas do dia 7 de Dezembro de 2003, o arguido forçou, por meio de chave de fenda e alavanca, a fechadura da porta de uma fracção em obras de aperfeiçoamento, sita no Edifício XXX Garden, bloco X, X.º andar X e subtraindo as ferramentas para obras aí guardadas, a saber:
- três brocas eléctricas (de marca BOSCH);
- uma broca pneumática (de marca BOSCH);
- uma serra circular (de marca MAKITA).
Os objectos acima referidos pertencem a (E) e (F) e têm um valor total de MOP6.000,00 (cfr. fls. 1 e 1v, 47v e 68).
O arguido foi interceptado pelo guarda policial n.º XXX aquando da saída do local da ocorrência na posse de tais objectos.
O arguido forçou, por meio de chave de fenda e alavanca, a fechadura da porta da fracção em causa, introduzindo na mesma para subtrair objectos alheios a fim de ofender o direito de propriedade patrimonial da outra pessoa.
Ora, quanto à solução das questões colocadas pelo recorrente, depois de ter analisado os factos dados como provados pelo Tribunal recorrido, este Tribunal entende que é de subscrever desde já a seguinte opinião do Digno Procurador-Adjunto junto deste tribunal:
Na presente lide recursória, cabe ao Tribunal resolver as seguintes duas questões: 1.ª - Será praticado na forma tentada o crime de furto executado no dia 7 de Dezembro de 2003? 2.ª - Serão praticados pelo recorrente na forma continuada os vários actos de furto qualificado que lhe foram acusados?
No que diz respeito ao crime tentado, o recorrente suscitou as razões de que não saiu do local da ocorrência (ou seja, a fracção sita no edifício XXX Garden, bloco X, X.º andar X onde o recorrente introduzira e praticara efectivamente o acto de furto) no memento em que foi descoberto e interceptado pelo agente policial, pelo que não conseguiu realizar todo o processo de “subtracção de coisa alheia” e devendo, em consequência, ser condenado pela prática de actos de furto na forma tentada.
Não podemos acompanhar tal entendimento.
Para determinar se um acto de furto é praticado na forma consumada ou tentada, o essencial reside na subtracção ou não do bem patrimonial alheio. Acto este — subtracção do bem patrimonial alheio - que é o requisito constitutivo do crime de furto, se consubstancia no afastamento do mesmo do controlo efectivo do seu proprietário através do cometimento do acto criminoso do agente, o que implica que o domínio e controlo efectivo desta coisa por parte do seu proprietário tinham desaparecido e o agente passa a tomar o domínio e controlo efectivo desta coisa (cfr. “Comentário Conimbricense do Código Penal”, Volume II, p.43).
De acordo com o entendimento tanto da teoria como da prática judicial, se o agente ter tomado efectivamente o controlo do objecto subtraído, ou seja, uma vez que este objecto subtraído se encontra afastado do controlo do seu proprietário e entrado na esfera patrimonial do agente e efectivamente por este dominado e controlado, constituindo desde já o crime consumado.
No caso sub judice, o recorrente subtraiu já da fracção autónoma para si as ferramentas para obras de outra pessoa aí guardadas e foi interceptado aquando da saída do local da ocorrência na posse de tais objectos. Depois de ter ponderado o decurso da ocorrência, nomeadamente as circunstâncias como o local da ocorrência que é uma fracção em obras e ninguém estava lá naquela altura, bem como a saída do recorrente do local da ocorrência na posse de tais ferramentas para obras, entendemos que não resta dúvida de que efectivamente o recorrente apropriou e controlou os objectos subtraídos, a consumação ou não do acto realizado pelo recorrente não depende da sua saída ou não do local da ocorrência.
Não pode proceder as razões invocadas pelo recorrente em relação à ideia do crime continuado, pois não se verifica no caso vertente a existência cumulativa dos requisitos essenciais para a integração do conceito legal de crime continuado.
De acordo com o art.º 29.º n.º 2 do Código Penal e a jurisprudência da R.A.E.M., a constituição do crime continuado depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos:
- a realização plúrima do mesmo tipo ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico;
- a homogeneidade na forma de execução;
- a proximidade temporal das respectivas condutas;
- a unidade de dolo; e
- a persistência de uma solicitação exterior que facilite a execução, e em consequência, diminua consideravelmente a culpa do agente.
Apesar de termos concordado com a teoria e a jurisprudência citadas pelo recorrente nas suas motivações de recurso, não podemos acolher que no caso concreto os vários actos de furto praticados pelo recorrente constituem crime continuado.
Dos factos dados como provados resulta que efectivamente o recorrente praticou por forma homogénea e nos tempos relativamente próximos os três crimes de furto qualificado, actos esses que satisfazem determinados requisitos do crime continuado. Porém, para não falar se tais actos foram praticados pelo recorrente por dolo unitário, entendemos que, in casu, pelo menos inexiste nenhum “quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que facilita a execução de crimes por várias vezes pelo recorrente e que em consequência diminua consideravelmente a sua culpa subjectiva.
O recorrente alegou que “tomou claro conhecimento de que na altura se realizavam as obras de aperfeiçoamento nas várias fracções do Edifício XXX, tendo aproveitado a situação em que o guarda do edifício não presta atenção para entrar no mesmo e proceder a furto”, o que constituiu o quadro da solicitação de uma mesma situação exterior. Não desmentimos que as obras de aperfeiçoamento realizadas nas fracções em causa poderiam ter determinada ligação aos actos de furto executados pelo recorrente, contudo, este facto absolutamente não pode ser considerado situação exterior que facilita execução. Dos elementos constantes dos autos não resulta que os actos criminosos foram solicitados devido às obras realizadas nas fracções em causa; ao contrário, o recorrente veio escolher, de propósito, as fracções em obras de aperfeiçoamento para executar os seus actos criminosos a partir do determinado objectivo (como a diminuição do risco de ser descoberto). Mesmo que lograsse o 1.º acto de furto, também não podia constituir a “solicitação” ora em discussão.
O mais importante é que os fundamentos essenciais de que a lei considera como crime continuado residem em que a execução repetida dos crimes depende da persistência de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa subjectiva do agente.
Tendo em consideração as circunstâncias do caso concreto, não podemos chegar a conclusão de que a intensidade do dolo do recorrente deve ser diminuída consideravelmente devido à persistência de condições objectivas e devendo, em consequência, ser reduzido o grau de censura aos actos praticados pelo recorrente. Razão pela qual o recorrente não pode ser condenado na forma continuada pela prática de vários actos de furto, pois perante nós está o concurso de crimes, o recorrente deve ser condenado pela prática de vários crimes.
Face à improcedência dos dois motivos de recurso acima expostos, devendo, também por causa da improcedência do pressuposto, ser indeferido o pedido apresentado pelo recorrente sobre a atenuação da pena aplicada. (cfr. o teor do Parecer de fls. 182 a 183 dos autos).
Nestes termos, entendemos que deve rejeitar o recurso interposto pelo arguido dada a sua manifesta improcedência.

III. DISPOSITIVO
Em suma do acima exposto, acordam em rejeitar o recurso, com consequente manutenção da decisão a quo.
Custas do recurso pelo recorrente, que incluem 2 UC (MOP$1.000,00) de taxa de justiça (fixada nos termos conjugados dos art.ºs 72.º, n.º 1, e 69.º, n.º 1, do Regime das Custas nos Tribunais) e 3 UC (MOP$1.500,00) de sanção pecuniária devida pelo recorrente por causa da rejeição do seu recurso, aplicada por força do disposto no art.º 410.º, n.º 4, do Código de Processo Penal e no art.º 4.º, n.º 1, alínea g), do Decreto-Lei n.º 63/99/M, de 25 de Outubro, aprovador do mesmo Regime das Custas. Fixam-se em MOP$600,00 (seiscentas patacas) os honorários ao Ex.mo Defensor Oficioso do recorrente.
Notifique a própria pessoa da recorrente através do Estabelecimento Prisional de Macau.

Chan Kuong Seng (Relator) – José Maria Dias Azedo – Lai Kin Hong
I Revista “Investigação e Sistema Jurídico” Vol. III (N° 21) de Setembro de 2003, publicada pela Directoria da PJ, p. 5 a 8.
---------------

------------------------------------------------------------

---------------

------------------------------------------------------------