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Tribunal Judicial de Base da Região Administrativa Especial de Macau
Juízo Laboral
Acção de Processo Comum do Trabalho n.º LB1-11-0002-LAC



I. Relatório:
A, de nacionalidade Português, com residência temporária na [Endereço 1], em Macau, instaurou contra Autoridade Monetária de Macau (doravante A.M.C.M), a presente acção declarativa sob a forma de processo comum, emergente de contrato de trabalho, pedindo que a Ré, pelo seu despedimento ilícito, seja condenada a pagar-lhe a quantia total de MOP$847.600,00, acrescida de juros legais até integral e efectivo pagamento; sem prescindir, pede seja a Ré, para o caso de o pedido principal não proceda, condenada no pagamento da quantia de MOP$121.333,33, a título de indemnização rescisória.
Para fundamentar a sua pretensão alega, muito resumidamente, que entre 01.02.1985 a 31.12.1998 prestou a sua actividade profissional para a Ré (inicialmente Instituto Emissor de Macau), sob suas ordens, direcção e fiscalização, mediante uma contrapartida salarial, e que por força do tempo decorrido, depois de ter sido recrutado ao exterior – a Portugal –, aplicando-se a legislação laboral sucessivamente vigente neste território, deverá ser considerado como trabalhador pertencente ao quadro da Ré, pelo que a sua não renovação do contrato, sem quaisquer razões decorrentes da sua prestação laboral, equivaleu a um despedimento ilícito, daí retirando as consequências indemnizatórias supra indicadas.
A Ré, na sua contestação invocou a prescrição dos créditos laborais do Autor e, no essencial, impugnou os fundamentos da acção, alegando que o contrato de trabalho celebrado com o Autor não pode de modo nenhum permitir ser o mesmo considerado como trabalhador do quadro, na medida em que a sua contratação a Portugal – onde aliás o Autor manteve o lugar de origem até à sua reforma – configura uma situação particular não subsumível à de um trabalhador local, pelo que pugnou pela improcedência total da acção.
Decidida a improcedência da excepção relativa à prescrição, foi elaborado despacho saneador em que se afirmou a validade e regularidade da instância, e onde se seleccionou a matéria de facto relevante para a decisão da causa.
A audiência de julgamento decorreu com observância do formalismo legal, tendo o Tribunal, a final, respondido à matéria controvertida por despacho que não foi objecto de qualquer reclamação pelas partes.
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  Questões a decidir:
  - Qual a natureza do contrato de trabalho celebrado entre o Autor e a Ré;
  - Se o Autor, por força das sucessivas renovações do contrato, pode ser considerado como trabalhador pertencente ao quadro da Ré;
  - caso se responda afirmativamente à questão anterior, se se pode afirmar ter sido o Autor despedido ilicitamente ou se tem direito a uma indemnização rescisória.
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  II. Fundamentação de facto:
  1) Em 01.02.1985 entre o A. e a R. foi celebrado o contrato de folhas 21 a 24 o qual aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, no qual em síntese consta que o A. técnico informático da CIMPOR exerceria para a R. as funções de técnico de informática pelo período de 24 meses com início em 01.02.1985, sendo tácita e automaticamente renovável por iguais períodos desde que não seja denunciado por qualquer das partes, mediante o pagamento da R. àquele da remuneração ali prevista e demais regalias. (a)
  2) Àquele contrato aplicava-se, subsidiariamente, o Estatuto Privativo do Pessoal do então I.E.M. (b)
  3) Em 20/2/1987, A. e R. acordaram numa adenda ao contrato, segundo a qual o A passou a beneficiar do direito à atribuição de viatura e ao pagamento das despesas normais de utilização e conservação da mesma; (c)
  4) Em 1/7/1989, foi extinto o I.E.M., sucedendo-lhe, de imediato e por força da lei, a A.M.C.M., ora R., onde o A. foi integrado, sem qualquer formalidade, sendo mantido o contrato de trabalho anteriormente celebrado; (d)
  5) Em 1/4/1993, as partes acordaram num aditamento ao contrato, segundo o qual ao A. era atribuída a categoria de director, passando a auferir o vencimento correspondente a esta categoria; (e)
  6) O referido contrato foi sendo, sucessivamente, renovado até 31/1/1998. (f)
  7) Por deliberação de 7/11/1997, decidiu a R, renovar o contrato com o A. de 1/2/1998 até 31/7/1998; (g)
  8) Por deliberação de 22/5/1998, a R renovou o contrato até 31/12/1998; (h)
  9) Em 29/9/1998 a R, por ofício da mesma data, comunicou ao A. que o contrato cessaria em 31/12/1998; (i)
  10) Na sessão de 23/12/98, pouco tempo antes de fazer cessar o contrato do A, a R deliberou conceder um louvor ao A, manifestando-lhe o seu maior apreço pelo excelente trabalho produzido e, como prova desse reconhecimento, decidiu oferecer-lhe uma moeda comemorativa em ouro “proof” do Ano Lunar do Tigre”; (j)
  11) Com a cessação do contrato, a R pagou ao A. os valores constantes de folhas 32 que aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais. (l)
  12) Durante todo o tempo que durou a relação de trabalho, quer com o I.E.M. quer depois com a A.M.C.M., o A agiu sempre sob a direcção dos órgãos destas entidades. (1º - acordo das partes)
  13) Durante o período referido em 1º o A. trabalhou nos locais e nos horários que lhe eram definidos e agiu de acordo com as ordens e instruções que lhe eram dadas pela R. (2º - acordo das partes)
  14) O A. recebia da R. uma remuneração mensal a qual se cifrava, em 31/12/1998, no valor de Mop$60.750,00 (sessenta mil setecentas e cinquenta patacas), constituída pela retribuição base no valor de Mop48.900,00, subsídio de função no montante de Mop$10.350,00 e diuturnidades no montante de Mop$1.500,00. (3º - acordo das partes)
  15) O A. era em 1984, como o foi depois disso, funcionário da CIMPOR, Cimentos de Portugal, E.P. (“CIMPOR”) em Portugal. (4º - acordo das partes)
  16) Antes de celebrar qualquer contrato, a Ré deu início ao processo especial de recrutamento em Portugal, solicitando (i) a necessária autorização à tutela e (ii) a requisição à entidade patronal do Autor, ou seja, à CIMPOR. (5º - acordo das partes)
  17) A tal solicitação respondeu a CIMPOR por telex datado de 4 de Dezembro de 1984, no qual informou a Ré que “foi autorizada a prestação de serviços do analista, Sr. A. (6º - acordo das partes)
  18) Foi também ao abrigo do regime especial de recrutamento em Portugal que as sucessivas renovações do contrato foram sendo autorizadas pela tutela. (7º - acordo das partes)
  19) As consequentes requisições foram também sendo aprovadas pela CIMPOR, para os anos de 1987 a 1995. (8º - acordo das partes)
  20) O referido no item anterior aconteceu apenas até 1994. (9º - acordo das partes)
  21) Porque se encontrava em regime especial de recrutamento e porque mantinha o seu vínculo laboral com a CIMPOR e com o sistema de segurança social de Portugal, o Autor também requereu em 4 de Fevereiro de 1985, a sua inscrição no Fundo de Previdência da Ré. (10º - acordo das partes)
  22) A Ré procedeu aos pagamentos das prestações devidas pelo Autor à Segurança Social em Portugal até ao momento em que o mesmo passou a auferir uma pensão de pré-reforma. (11º - acordo das partes)
  23) Porque o Autor manteve o seu vínculo laboral com a CIMPOR durante a sua estadia em Macau, a Ré procedeu aos pagamentos de prestações devidas para o Fundo de Pensões daquela entidade, em Portugal. (12º - acordo das partes)
  24) O tempo de serviço prestado em Macau pelo Autor foi contabilizado como tempo efectivo ao serviço da Cimpor. Em 16 de Setembro de 1994, celebrar com aquela, um acordo de pré-reforma, através do qual o mesmo cessaria ali as suas funções em 30 de Setembro daquele ano, passando a receber uma prestação mensal de pré-reforma no valor de 192.730$00 Escudos.
  25) Em 16.09.1994 o A. celebrou com a CIMPOR um acordo de pré-reforma nos termos do qual cessaria ali as suas funções com efeitos a 30.09.1994 passando a receber uma prestação mensal de pré-reforma de no valor de 192.730$00. (14º - acordo das partes)
  III. Fundamentação jurídica:
  Em face da matéria de facto que se mostra provada e do direito que lhe é aplicável, cumpre dar resposta às questões a decidir que supra se deixaram enunciadas.
  A questão fundamental a decidir na presente acção exige que se analise a natureza do vínculo laboral do Autor para com a Ré (ou com I.E.M.).
  Resulta provado que o Autor foi contratado pelo IEM, com efeitos a partir de 1 de Fevereiro de 1985, pelo período de 2 anos, sendo tácita e automaticamente renovável por iguais períodos desde que não denunciado por qualquer das partes, mediante o pagamento da Ré ao Autor da remuneração ali prevista e demais regalias (cf. facto provado n.º 1 e o clausulado constante do contrato celebrado entre as partes e consta a fls. 21 e ss., sendo aqui de destacar as suas cláusulas 4.ª e 5.ª), tendo ainda as partes previsto que se aplicavam ao contrato entre si celebrado, subsidiariamente, as normas constantes do Estatuto Privativo do Pessoal e demais normas e regulamentos internos do I.E.M., desde que a isso se não opusessem as cláusulas do contrato (cf. cláusula 7.ª do contrato de trabalho).
  Resulta ainda provado, no caso concreto do Autor, ter sido contratado pela Ré, enquanto trabalhador de uma entidade portuguesa, a empresa Cimpor, qualidade que não perdeu, tendo a Ré, para esse efeito, dado início ao processo especial de recrutamento em Portugal, solicitando a necessária autorização à tutela e a requisição à entidade patronal do Autor, tendo esta informado “por telex datado de 4 de Dezembro de 1984, no qual informou a Ré que foi autorizada a prestação de serviços do analista Sr. A” (cf. factos provados 15 a 17, sendo que a citação feita pertence a este último facto). Resulta ainda provado que foi ao abrigo do regime especial de recrutamento em Portugal que as sucessivas renovações do contrato foram sendo autorizadas pela tutela e as consequentes requisições foram também sendo aprovadas pela Cimpor para os anos de 1987 a 1995 (cf. factos provados 18) e 19) e “porque se encontrava em regime especial de recrutamento e porque mantinha o seu vínculo laboral com a Cimpor e com o sistema de segurança social de Portugal, o Autor também requereu em 4 de Fevereiro de 1985 a sua inscrição no Fundo de Previdência da Ré, tendo a Ré procedido aos pagamentos das prestações devidas pelo Autor à Segurança Social em Portugal até ao momento em que o mesmo passou a auferir uma pensão de pré-reforma, já que o tempo de serviço prestado em Macau pelo Autor foi contabilizado como tempo efectivo ao serviço da Cimpor (cf. factos provados 21) a 23), passando a receber, a partir de 30 de Setembro de 1994 a tal título a quantia de 192.730$00 mensais (cf. factos provados 23) a 25).
  Os aditamentos feitos ao contrato de trabalho celebrado entre as partes constam de fls. 25 a 27 e limitaram-se a melhorar as condições concedidas ao Autor, não alterando as demais cláusulas, nomeadamente quanto ao seu prazo de duração e forma da sua cessação.
  Pretende o Autor seja o seu contrato de trabalho reconhecido como sem termo, por força do efeito conjugado das normas constantes dos artigos 2.º, al. f) e 43.º, n.º 3, al. f) do D.L. n.º 24/89/M, de 3 de Abril.
  Pretende assim o Autor, através da presente acção, ver reconhecido um contrato de trabalho celebrado em Macau como sem termo – quando em Portugal manteve sempre um outro contrato de trabalho, que sempre se manteve em vigor até à sua situação de pré-reforma, e que serviu de base à sua vinda para Macau, pois foi esse contrato de trabalho que justificou precisamente a sua contratação a Portugal. Podia o Autor cumular assim dois contratos de trabalho sem termo, coexistindo assim no tempo? Cremos que não.
  Com efeito, entendemos existir no presente caso uma clara subordinação do contrato de trabalho1 celebrado entre o Autor e a Ré relativamente ao contrato de trabalho existente entre o Autor e a Cimpor, sem o qual o Autor não teria vindo trabalhar, nos termos em que veio, para Macau e, nessa medida, o clausulado no contrato sobrepõe-se às normas vigentes no ordenamento jurídico de Macau; aliás, o próprio contrato de trabalho aqui em causa apenas prevê a aplicação subsidiária do Estatuto Privativo da Ré (sem aludir à legislação vigente, sendo essa eventual aplicação pugnada pelo Autor a título subsidiário), sendo, naturalmente, sempre aplicáveis as normas reguladoras das relações de trabalho, na medida em que estivessem em causa direitos indisponíveis do Autor ou normas imperativas, insusceptíveis de violação por parte da Ré, o que aliás resulta do próprio contrato de trabalho, conforme a sua cláusula 6.ª (o que, manifestamente, não nos parece ser o caso). Quer isto dizer, a precariedade do contrato de trabalho celebrado entre o Autor e a Ré (ou melhor, a entidade que a antecedeu e que foi sucessivamente renovado até à sua cessação) é uma característica intrínseca a esse mesmo contrato e permite assim enquadrá-lo relacionalmente – numa relação de dependência –, com o contrato que vigorava em Portugal entre o Autor e a sua entidade patronal.
  Destarte, a Ré, com o prazo previsto no contrato celebrado com o Autor, portanto de 60 dias, foi preparando este para a eventualidade de a sua relação laboral cessar, sendo a esta luz que se devem interpretar as deliberações tomadas em 7 de Novembro de 1997 (onde se decidiu renovar o contrato celebrado com o Autor de 1 de Fevereiro de 1998 até 31 de Julho de 1998, portanto, limitando no tempo a renovação do contrato, que assim não foi feita por mais dois anos, mas que é perfeitamente compatível com a previsão constante no mesmo contrato quanto à possibilidade de denúncia unilateral de todo contrato, a todo o tempo, com prazo de 60 dias, por parte da Ré, conforme a sua cláusula 4.ª), a 22 de Maio de 1998, renovando o contrato até 31 de Dezembro de 1998 e a 29 de Setembro de 1998 comunicando a sua cessação com efeitos a partir de 31 de Dezembro de 1998 (cf. factos provados 7) a 9). Isto é, a renovação feita pela Ré por somente mais 6 meses – que se pode interpretar como denúncia dos restantes 18 meses de contrato – respeitou assim o prazo de 60 dias que estava previsto no contrato; se lhe era permitido, nesse prazo, denunciar o contrato com efeitos a partir de 1 de Fevereiro de 1998, cessando definitivamente o mesmo, por maioria de razão, se tem de entender ser-lhe permitido, como fez, renovar apenas por mais 6 meses, assim denunciando implicitamente os demais 18 meses, que eram supostos no contrato inicialmente celebrado, que previa o prazo global de 24 meses; aliás, nenhuma notícia há nos autos de o Autor ter agido, fosse por que modo fosse, contra tal forma de renovação do contrato, nem, diga-se, à data, quanto à cessação do seu contrato de trabalho com a Ré, o que só veio a ponderar cerca de 13 anos depois com a propositura da presente acção.
  O Autor sempre soube que o seu contrato de trabalho “principal” – porque causal do contrato celebrado em Macau e, por isso, este deve ser considerado “subordinado” – podia ser reactivado, quer por força do uso do prazo de denúncia por parte da aqui Ré no prazo contratualmente previsto, quer por força da não autorização para a sua continuação neste território por parte da Cimpor ou da tutela desta; quer isto dizer, que a situação particular do Autor, no nosso entender, e salvaguardando sempre melhor opinião, não permite concluir ser a sua situação equivalente a um qualquer outro trabalhador, mesmo contratado no exterior, que não tivesse, à semelhança do Autor, um contrato de trabalho a “protegê-lo” em caso de não renovação do que vigorava neste Território.
  Dado que o contrato de trabalho em causa nos presentes autos o não converteu num contrato sem termo, e dadas as suas especiais particularidades de regime que decorrem dos seus termos contratuais, nos termos vistos, entendemos que não faz sentido entender que o Autor teria direito à indemnização resultante do regime que respeita à denúncia unilateral, constante do art. 47.º, n.º 4, al. h) do DL 24/89, de 3 de Abril.
  Concluindo, cremos assim ter ficado medianamente evidente o seguinte:
  - o contrato de trabalho celebrado entre o Autor e a Ré tem natureza subordinada em relação ao que o Autor tinha com a sua entidade patronal em Portugal;
  - as sucessivas renovações do contrato de trabalho em discussão nos presentes autos não o converteram num contrato de trabalho sem termo;
  - a denúncia do contrato feita pela Ré não pode ser entendido, a qualquer título, como um despedimento ilícito e, portanto, não só não dá direito à correspondente indemnização, nem, por ter sido uma denúncia que respeitou os termos contratuais, pode justificar a atribuição de uma indemnização por força da denúncia unilateral.
   Nestes termos entendemos não haver fundamento para o pedido formulado pelo Autor, razão por que se impõe a improcedência total da acção, o que se decidirá.
  IV. Decisão:
  Nestes termos e pelos fundamentos expostos, julga-se a acção totalmente improcedente e, em consequência, absolve-se a Ré do pedido formulado, quer a título principal, quer a título subsidiário.
  Custas pelo Autor.
  Registe e notifique.
  Macau, 24 de Fevereiro de 2014
  Juiz
  Mário Pedro Martins da Assunção Seixas Meireles
   (Elaborei e revi integralmente)