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Acórdão do Tribunal de Última Instância
da Região Administrativa Especial de Macau




Recurso de decisão jurisdicional em matéria administrativa
N.° 13 / 2003

Recorrente: A
Recorrido: Secretário para a Segurança





1. Relatório
   A interpôs recurso contencioso perante o Tribunal de Segunda Instância, pedindo a anulação do acto praticado pelo Secretário para a Segurança em 14 de Maio de 2001.
   Por acórdão do Tribunal de Segunda Instância de 24 de Abril de 2003 proferido no processo de recurso contencioso n.° 107/2001, foi negado provimento ao recurso.
   Inconformado com este acórdão, A vem recorrer para este Tribunal de Última Instância com a apresentação das seguintes conclusões de alegação:
“1. O acórdão recorrido julgou improcedente o recurso interposto, na parte que imputa ao acto administrativo sancionatório a preterição da formalidade de audiência prévia do interessado / recorrente.
2. A audiência dos interessados, prevista no artigo 93.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA) em vigor, para os procedimentos administrativos em geral, constitui, juntamente com o princípio da participação enunciado no artigo 10.º daquele preceito legal, a concretização do modelo de Administração aberta, que impõe a participação dos particulares, bem como das associações representativas na formação das decisões que lhes digam respeito.
3. Desta forma, antes de ser tomada a decisão final no procedimento, os particulares devem ter acesso, através de notificação própria, a todos os elementos necessários para que fiquem a conhecer todos os aspectos relevantes para a decisão, devendo ser informados, nomeadamente sobre o sentido provável desta – cfr. art.°s 93.º e 94.º do CPA.
4. No caso “sub judice”, a entidade recorrida não procedeu à audiência prévia do ora recorrente antes de ser tomada a decisão sancionatória de recusa de entrada a Macau.
5. Nos processos sancionadores, o princípio da audiência deverá ser cumprido oficiosamente pela Administração, mesmo que o procedimento administrativo o não consagre especificamente ou mesmo que o administrado não requeira o seu cumprimento.
6. É insustentável a tese de que por motivo de maior ou menor praticabilidade ou celeridade no procedimento administrativo, se possa defender para os não residentes a aplicação apenas “parcial” de tal procedimento – assim se fazendo tábua rasa do princípio da igualdade de todos perante a Lei.
7. Foi, pois, postergado, de forma absoluta, o direito de defesa do recorrente de contraditar a posição da Administração, razão por que ocorre e se verifica a existência do vício de forma, por violação de norma procedimental.
8. O acórdão recorrido ora em crise fazendo tábua rasa ao que acima deixou referido violou a lei, as normas contidas nos art.°s 93.º e 94.º do Código do Procedimento Administrativo em vigor.
9. As decisões da Administração que colidam com direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares só podem afectar essas posições em termos adequados e proporcionais aos objectivos a realizar.
10. Nos termos do recurso contencioso inicialmente interposto, foi imputado ao acto administrativo sancionatório em causa a violação do princípio da proporcionalidade uma vez que se entendia, e ainda se entende, que a medida da sanção administrativa aplicada peca por severidade em demasia.
11. Ainda que se entenda que a escolha da medida de polícia concreta a aplicar caiba dentro da esfera da discricionariedade do órgão administrativo competente para o efeito, há uma margem de sindicabilidade do acto assim proferido, quando haja manifesto erro ou injustiça notória.
12. Houve, no caso “sub judice” erro manifesto nos pressupostos de facto, e, ainda, injustiça notória, à face da preterição da formalidade de audiência prévia do interessado / recorrente.
13. Há, ainda, injustiça notória posto que se aplica ao recorrente uma medida administrativa sancionatória pesadíssima denegando-se-lhe o exercício do direito de audiência prévia, com fundamento – pretenso fundamento – de que tal não seria aplicável aos estrangeiros não residentes nesta Região Administrativa Especial de Macau. Olvida-se, por completo, fazendo, inclusivamente, tábua rasa do respeito devido ao princípio da igualdade de todos perante a Lei, sem destrinça.”
   Pedindo que seja julgado procedente o recurso e, em consequência, revogado o acórdão recorrido, dado provimento ao recurso contencioso e a revogação do acto impugnado.
   
   O recorrido, nas suas alegações, formulou as seguintes conclusões:
“1. No presente recurso jurisdicional está fundamentalmente em causa a questão do vício de forma por omissão da formalidade prevista no art.º 93.º do CPA (audiência do interessado).
   2. Os restantes vícios apontados ao acto recorrido (violação dos princípios da proporcionalidade e da igualdade), porque actuam autonomamente, não se fundamentam com a ordem de razões aduzida no presente recurso.
   3. Em face das circunstâncias do caso concreto, e por razões de ordem e segurança públicas, é plenamente adequada e proporcional a aplicação ao recorrente da medida de recusa de entrada em Macau por 5 anos.
   4. O princípio da igualdade não se esgota na visão simplista de uma igualdade absoluta de tratamento em todo e qualquer tipo de situações.
   5. Designadamente o princípio da igualdade não impõe a “identidade de tratamento para situações manifestamente desiguais”, como é a do caso vertente, que não pode nem deve enquadrar-se no regime do art.º 93.º do CPA.
   6. O legislador do CPA não incluiu nem podia incluir o tipo de factualidade do caso “sub judice” na previsão do art.º 93.° do CPA.
   7. A não inclusão a que se refere o número anterior deve-se ao facto de a medida administrativa em causa configurar um acto de natureza policial / securitária cujos fins (preservação da segurança pública) plenamente explicam o desenquadramento do citado art.º 93.°.
   8. A factualidade concreta pode também, se se quiser, enquadrar-se na alínea b) do art.º 96.° do CPA, caso em que não há lugar à audiência do interessado.
   9. A recusa de entrada em Macau é uma medida tomada num quadro limite de natureza securitária para protecção da população e preservação da ordem e segurança públicas, o que justifica e aconselha a omissão de quaisquer formalismos que, como o do art.º 93.°, comprometem seriamente estes objectivos.
   10. A inexigibilidade e ou omissão da formalidade do art.º 93.° não cerceia quaisquer garantias de defesa porquanto estas se mantêm em pleno no âmbito do sistema de impugnação, na disponibilidade do interessado.
   11. Recentemente a RAEM proibiu a entrada de numerosos indivíduos suspeitos de se ligarem ao terrorismo, por força de uma resolução da ONU, sendo impensável o cumprimento do art.º 93.º do CPA.
   12. Porquanto o acto administrativo impugnado e bem assim o douto acórdão recorrido não padecem de qualquer vício.”
   Pedindo que seja negado provimento ao recurso.
   
   A Magistrada do Ministério Público junto do Tribunal de Última Instância emitiu o seguinte parecer:
“O recorrente imputa ao douto acórdão proferido pelo Tribunal de Segunda Instância o vício de violação de lei por preterição da audiência prévia bem como a violação dos princípios da igualdade e da proporcionalidade.
   No despacho do Senhor Secretário para a Segurança, proferido em 14-5-2001 e impugnado pelo recorrente, ao recorrente foi aplicada a medida de interdição de entrada na RAEM pelo período de 5 anos, decisão esta que foi tomada sem prévia audição do recorrente.
   Como se sabe, nos termos do art.° 93.° do Código do Procedimento Administrativo, os interessados têm o direito de ser ouvidos antes de ser tomada a decisão final, com as excepções previstas nos art.°s 96.° e 97.° do mesmo diploma.
   E ao abrigo do disposto na al. b) do referido art.° 96.°, não há lugar a audiência dos interessados “quando seja razoavelmente de prever que a diligência possa comprometer a execução ou a utilidade da decisão”.
   Conforme escrevem os Dr.°s Lino Ribeiro e Cândido de Pinho no seu Código do Procedimento Administrativo de Macau, Anotado e Comentado, pág. 497, a situação prevista na al. b) do art.° 96.° “assenta uma vez mais em elementos circunstanciais que, a verificarem-se com alguma previsibilidade, podem tornar a decisão final de escassa utilidade ou difícil a sua execução” e “só o caso concreto com todos os elementos em presença fornecerão a matéria subsumível aos conceitos” incluídos nas alíneas do art.° 96.°.
   A proibição de entrada do recorrente em Macau foi determinada ao abrigo do art.° 14.º n.° 2, al. b) do DL n.° 55/95/M, que confere à Administração o poder de proibir a entrada no território às pessoas não admissíveis inscritas na lista elaborada pela PSP, com o contributo das polícias e tribunais, em virtude de condenação em pena privativa de liberdade de duração não inferior a 1 ano.
   Tal como foi entendido no douto Acórdão ora recorrido, a jurisprudência de Macau tem considerado que este normativo “consagra um ilícito criminal administrativo, ou seja, uma medida de polícia, já que visa intervir no exercício de actividades individuais susceptíveis de fazerem perigar interesses gerais, mas concretamente, a manutenção da ordem pública e segurança do Território, que podem ser postas em perigo com a entrada de não residentes e a sua permanência nele”. (cfr. ac. do antigo TSJM, de 20-10-1999, de 10-11-1999 e de 3-12-1999, Proc. n.º 1135, 1186 e 1208)
   Estando em causa uma medida de polícia e tendo em consideração que o acto administrativo posto em crise visa precisamente proibir a entrada em Macau de um indivíduo residente de Hong Kong, parece-nos que se pode concluir pela previsibilidade razoável de que a prévia audiência do recorrente poderá tornar reduzida a utilidade ou enfraquecida a eficácia do acto, sob pena de se frustrar os fins que presidem à adopção da medida e a utilidade da mesma.
   Tal como foi frisado pela entidade recorrida, “será bom lembrar que estamos no domínio de medidas tomadas num quadro limite de natureza securitária, procurando-se proteger a população contra indivíduos sobre os quais recaiem fortes suspeitas de fazerem perigar a ordem e segurança públicas, o que de todo justifica e aconselha a omissão de quaisquer formalismo que por si comprometam seriamente a prossecução daqueles objectivos”.
   Admite-se que a não audiência do recorrente pode prejudicar os seus interesses particulares, diminuindo-lhes as hipóteses de defesa. Porém, não deixa de poder recorrer a todo o mecanismo de impugnação hierárquica e contenciosa para defender-se.
   Assim sendo, face ao tipo e aos efeitos que o acto administrativo em causa visa produzir e considerando os interesses que estão em jogo, parece-nos que se está perante a situação prevista na al. b) do art.° 96.º do CPA, pelo que não há lugar à prévia audiência do recorrente.
   
   A alegada violação do princípio da igualdade está relacionada com a questão de audiência prévia do recorrente e é, a nosso ver, completamente insustentável, uma vez que a lei prevê casos em que o interessado pode não ser ouvido antes da decisão final e, como já foi demonstrado, se verifica em caso concreto a situação, não se vê na actuação da Administração a violação desse princípio.
   
   O recorrente entende que o acto administrativo impugnado violou também o princípio da proporcionalidade porque a medida da sanção administrativa que lhe foi aplicada peca por severidade em demasia.
   Como é sabido, o princípio da proporcionalidade, consagrado no n.° 2 do art.° 5.º do CPA, pode ser dissecado em três subprincípios: da idoneidade, da necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito.
   Conforme como foi posta a questão pelo recorrente, parece-nos que o que está em causa no nosso caso é o princípio da proporcionalidade em sentido estrito.
   “A aferição da proporcionalidade, em sentido estrito, põe em confronto os bens, interesses ou valores perseguidos com o acto restritivo ou limitativo, e os bens, interesses ou valores sacrificados por esse acto. Pretende-se saber, à luz de parâmetros materiais ou axiológicos, se o sacrifício é aceitável, tolerável”. (cfr. Vitalino Canas, Dicionário Judiciário da Administração Pública, vol. VI, pág. 628)
   No despacho impugnado pelo recorrente, a entidade competente autora do acto invocou as diversas condenações que o recorrente sofreu em Hong Kong, entre as quais avulta a condenação na pena de 7 anos de prisão efectiva pelos crimes de posse e tráfico de estupefacientes.
   Ora, conforme as informações oferecidas pela Autoridade de Hong Kong e face à matéria de facto dada como assente, o recorrente foi condenado: em 13-10-1980, pela prática do furto, na caução de boa conduta no montante de duzentos dólares de Hong Kong pelo período de seis meses; em 1-10-1981 por posse e tráfico de estupefaciente, tendo sido conduzido ao Centro de Tratamento de Toxicodependência; em 26-10-1983 por posse de estupefaciente, tendo sido conduzido ao Centro de Tratamento de Toxicodependência; em 14-10-1986, por posse de estupefaciente e posse de equipamentos próprios para consumo de estupefaciente, na medida global de caução de boa conduta pelo período de doze meses; em 15-3-1988, por posse e tráfico de estupefaciente, na pena de sete anos de prisão efectiva e em 21-3-1988, por posse de estupefaciente e por resistir à detenção, na pena de trezentos dólares de Hong Kong de multa para cada um desses dois delitos.
   Não obstante o passado do tempo desde a última condenação do recorrente, a Administração considerou que “é legítimo temer-se pela continuação, ou ressurgimento, da sua tendência para delinquir” e depois concluiu haver riscos que se potenciam para a segurança da população e bens da RAEM.
   Assim, não nos parece que a proibição do recorrente entrar em Macau durante cinco anos é manifestamente excessiva, tendo em conta a reiterada prática dos crimes bem como a natureza e a gravidade do crime de tráfico de estupefacientes. Ou seja, não se pode afirmar com certeza que o sacrifício imposto ao recorrente é manifestamente desproporcionado ao benefício que a Administração pretendia atingir com a prática do acto recorrido.
   Pelo exposto, entendemos que o recurso interposto não merece provimento.”
   
   
   Foram apostos vistos pelos juízes-adjuntos.
   
   
   
   2. Fundamentos
   2.1 Foram dados como provados os seguintes factos pelo Tribunal de Segunda Instância:
“A (ora recorrente) é cidadão de Hong Kong (cfr. fls. 17v do processo instrutor).
E aí chegou ele a ser condenado:
- em 13 de Outubro de 1980, por prática do furto, na “caução de boa conduta” no montante de duzentos dólares de Hong Kong pelo período de seis meses;
   - no Primeiro de Outubro de 1981 por posse e tráfico de estupefaciente, tendo sido conduzido, pois, ao Centro de Tratamento de Toxicodependência;
   - em 26 de Outubro de 1983 por posse de estupefaciente, tendo sido conduzido, por isso, ao Centro de Tratamento de Toxicodependência;
   - em 14 de Outubro de 1986, por posse de estupefaciente e posse de equipamentos próprios para consumo de estupefaciente, na medida global de “caução de boa conduta” pelo período de doze meses;
   - em 15 de Março de 1988, por posse e tráfico de estupefaciente, na pena de sete anos de prisão efectiva;
   - em 21 de Março de 1988, por posse de estupefaciente e por resistir à detenção, na pena de trezentos dólares de Hong Kong de multa para cada um desses dois delitos. (Cfr. o teor da informação prestada em inglês pelas autoridades policiais competentes de Hong Kong a pedido das autoridades competentes de Macau, constante de fls. 13, e traduzida em português a fls. 11, ambas do processo instrutor).
Contra o mesmo recorrente foi proferido em 26 de Fevereiro de 2001 pelo Senhor Comandante do CPSP o seguinte despacho, sem que aquele tenha sido ouvido antes acerca do assunto (cfr. mormente o teor de fls. 19 do processo instrutor, e sic):
«DESPACHO
ASSUNTO: Info./Proposta n.° 3/2001, Pº 222.01, de 31 de Janeiro.
Através do contributo das autoridades policiais da vizinha RAE de Hong Kong, existe a informação de que há fortes indícios que o cidadão de Hong Kong, A, titular do HKIC n.° DXXXXXX(X), pertence a uma associação secreta.
Assim, e da concreta avaliação da história individual, donde constam condenações pelas autoridades judiciais da RAEHK, onde sobressai uma por posse e tráfico de estupefacientes, em ordem a prover à segurança e ordem públicas da Região, entende-se que face aos riscos que nele se potenciam para aqueles bens jurídicos, seja interdito de entrar em Macau, nos termos das disposições conjugadas da alínea b), do n.° 2, do art.° 14.º do DL n.° 55/95/M, de 31 de Outubro, e da alínea b), do n.° 1 do art. 33.º, da Lei n.° 6/97/M, de 30 de Julho, pelo período de 5 (cinco) anos.
Notifique-se o cidadão A, que deste meu despacho cabe recurso hierárquico necessário para o Secretário para a Segurança da RAEM, a ser interposto no prazo de 30 dias a contar da data de notificação, e que, caso desrespeite a medida imposta, comete o crime de desobediência, previsto e punido pelo art.º 312.º do Código Penal de Macau.
CPSP, aos 26 de Fevereiro de 2001.
                   O Comandante,
                     [...]»
Inconformado, o recorrente interpôs recurso hierárquico desse despacho, o qual veio a ser decidido pelo Senhor Secretário para a Segurança da RAEM (ora entidade recorrida) através do Despacho de 14 de Maio de 2001 exarado nos seguintes termos (cfr. o teor de fls. 3 a 5 dos autos, e sic):
«DESPACHO
Assunto: Recurso hierárquico necessário do despacho do Comandante do CPSP, de 26/02/2001, que aplicou a medida de interdição de entrada na RAEM ao cidadão A.
Por considerar que a decisão impugnada não enferma de qualquer vício nos seus aspectos substanciais, afigurando-se correcta e adequada dos pontos de vista da legalidade, da proporcionalidade e da conveniência, decido mantê-la integralmente.
Atendendo, todavia, a que o mesmo acto formalmente não se encontrará totalmente isento de reparos, nos termos consentidos pelas disposições conjugadas dos art.°s 126.°, 130.° e 131.° do DL n.º 57/99/M, de 11 de Outubro, decido substituí-lo pelo que segue:
* * *
Atento o teor da Proposta n.° 3/01-Pº.-222.01 do CPSP (junta aos autos de p.a.) e seus documentos de suporte, constata-se que o cidadão A, titular do HKIC n.° DXXXXXX(X), entre 1980 e 1988, sofreu diversas condenações, na RAE de Hong Kong, pela prática de crimes, entre as quais avulta a condenação na pena 7 anos de prisão efectiva, pelos crimes de posse e tráfico de estupefacientes.
Não lhe é conhecida qualquer actividade profissional, sendo de presumir a sua condição de desempregado, e admite dedicar-se à angariação de jogadores para um casino local (vulgo bate-fichas), que é uma prática não autorizada e geralmente associada a actividades delituosas.
Porquanto, pese embora o tempo já decorrido desde a última condenação, é legítimo temer-se pela continuação, ou ressurgimento, da sua tendência para delinquir.
Assim, face aos riscos que nele se potenciam para a segurança da população e bens da RAEM, que me cumpre proteger e preservar, decido, ao abrigo do art.° 14.°, n.º 2, b), do DL n.º 55/95/M, de 31 de Outubro, proibir a entrada, do cidadão em causa, nesta Região Administrativa Especial, pelo período de 5 (cinco) anos.
Notifique.
Gabinete do Secretário para a Segurança de Região Administração Especial de Macau, aos 14 de Maio de 2001.
O Secretário para a Segurança
(assinatura)”
   
   
   2.2 Prévia audiência do interessado antes de tomada da decisão final
   Foram suscitadas nas alegações do recorrente as questões de preterição da audiência prévia e de violação dos princípios da igualdade e da proporcionalidade.
   Relativamente à primeira questão, o recorrente entende que a entidade recorrida, ao não proceder oficiosamente à audiência prévia daquele antes de decidir sobra a proibição da sua entrada em Macau, prejudicou o seu direito de defesa, em violação do princípio de participação e do disposto no art.° 93.° do Código do Procedimento Administrativo (CPA).
   
   Pela entidade recorrida foi praticado o acto impugnado da proibição de entrada do recorrente em Macau durante 5 anos.
   
   Em termos gerais, está consagrado o direito de audiência dos particulares no procedimento administrativo. De acordo com o art.° 93.°, n.° 1 do CPA:
   “1. Salvo o disposto nos artigos 96.º e 97.º, concluída a instrução, os interessados têm o direito de ser ouvidos no procedimento antes de ser tomada a decisão final, devendo ser informados, nomeadamente, sobre o sentido provável desta.”
   Segundo esta norma, a Administração deve, em princípio, ouvir os interessados depois da conclusão da instrução mas antes de tomada da decisão final, de modo a permitir-lhes apresentar a sua posição sobre a questão tratada no procedimento, participando na decisão da Administração que lhes diz respeito.
   
   No entanto, o princípio da audiência prévia dos interessados sofre importantes limitações estabelecidas nos art.°s 96.° e 97.° do CPA, em que estão previstos os casos de inexistência e dispensa do mesmo direito.
   Prescreve assim o art.° 96.° do CPA:
   “Não há lugar a audiência dos interessados:
   a) Quando a decisão seja urgente;
   b) Quando seja razoavelmente de prever que a diligência possa comprometer a execução ou a utilidade da decisão;
   c) Quando o número de interessados a ouvir seja de tal forma elevado que a audiência se torne impraticável, devendo nesse caso proceder-se a consulta pública, quando possível, pela forma mais adequada.”
   O artigo seguinte dispõe:
   “O órgão instrutor pode dispensar a audiência dos interessados nos seguintes casos:
   a) Se os interessados já se tiverem pronunciado no procedimento sobre as questões que importem à decisão e sobre as provas produzidas;
   b) Se os elementos constantes do procedimento conduzirem a uma decisão favorável aos interessados.”
   
   Interessa, para a apreciação do presente recurso, analisar as situações previstas nas al.s a) e b) do art.° 96.° do CPA.
   Ora, a urgência e o prejuízo da audiência para a execução ou utilidade da decisão devem ser avaliadas em conjunto com as circunstâncias concretas.
   Está em causa uma decisão da Administração de proibir a entrada em Macau de um cidadão de Hong Kong, ora recorrente, ao abrigo do n.° 2 do art.° 14.° do Decreto-Lei n.° 55/95/M.
   Prescreve assim o referido artigo:
   “1. Quem, depois de autorizado a entrar e permanecer em Macau, nos termos dos artigos anteriores, iluda as disposições legais que regulam a concessão de autorização de residência, saindo e entrando no Território com periodicidade e intervalos de tempo reduzidos, pode ter proibida a sua entrada por despacho do Governador.
   2. Pode também ser proibida a entrada no Território às pessoas não admissíveis inscritas na lista elaborada pela PSP, com o contributo das polícias e tribunais, em virtude de:
   a) Expulsão do Território, nos termos legais;
   b) Condenação em pena privativa de liberdade de duração não inferior a 1 ano;
   c) Existência de fortes indícios de terem praticado um delito grave.”
   
   Do n.° 2 do referido artigo, pode-se concluir, desde logo, que a medida de proibição da entrada em Macau das pessoas não admissíveis se funda na protecção da ordem ou segurança pública de Macau.
   Embora seja qualificável como medida de polícia, a decisão de proibição de entrada em Macau não deixa de ser um acto administrativo resultado de um procedimento administrativo sujeito às regras gerais consagradas no CPA, salvo as excepções legalmente previstas.
   Por isso, o visado de uma medida de polícia deve, em princípio, ser ouvido no respectivo procedimento, se não ocorrer as situações previstas nos art.°s 96.° e 97.° do CPA ou noutras disposições legais que dispensem essa formalidade.
   
   Para avaliar a possibilidade do exercício do direito de audiência, há de distinguir duas hipóteses.
   No decorrer do procedimento administrativo para decidir a proibição de entrada em Macau, se o visado estiver no exterior da Região de Macau e a Administração dispõe do meio de contacto do mesmo, este deve ser ouvido no procedimento nos termos do art.° 93.°, n.° 1 do CPA. Caso for desconhecido o contacto do interessado que está fora de Macau, naturalmente inexiste, neste caso, a sua audiência no procedimento.
   O objectivo da medida consiste em prevenir a entrada em Macau de indivíduos que são expulsos da Região ou que possam causar perigo para a ordem ou segurança públicas de Macau. A sua execução pressupõe que o visado esteja no exterior de Macau.
   Se porventura o interessado pretende entrar em Macau enquanto está a decorrer o procedimento para decidir a sua proibição de entrada durante certo período de tempo, a Administração bem pode ponderar e decidir a admissibilidade ou recusa da sua entrada em Macau nesse preciso momento, tendo em conta o disposto no referido n.° 2 do art.° 14.° do Decreto-Lei n.° 5/91/M ou actualmente no art.° 4.° da Lei n.° 4/2003, dispensará a audiência nesta decisão de recusa pontual de entrada face à normal urgência da situação, ao abrigo da al. a) do art.° 96.° do CPA, sem prejuízo do andamento e eventual audiência do interessado no procedimento já iniciado anteriormente com o fim de decidir a sua proibição de entrada no futuro.
   
   Na hipótese de o visado já estar na Região de Macau, naturalmente também deve diligenciar no sentido de procurar ouvi-lo, se outras razões para tal não impeçam, uma vez que, para este caso, o que se pretende evitar é já a sua nova entrada em Macau. Nesta situação, a proibição da entrada será a consequência da eventual ordem de expulsão ou a medida a executar depois de o visado sair da Região.
   No entanto, a realização do direito de audiência para o interessado que já está em Macau não pode prejudicar a aplicação de outras disposições sobre a permanência ou fixação de residência em Macau, nomeadamente quanto ao prazo concedido para poder ficar em Macau e a execução da ordem de expulsão, precisamente porque tal aplicação está ligada à executoriedade da proibição de entrada em Macau.
   
   De acordo com o art.° 93.° do CPA, a audiência deve ser realizada depois de finda a instrução até à tomada da decisão final. Para o caso em apreço, é necessário averiguar a possibilidade da sua realização face à situação concreta do interessado, para além de outras circunstâncias que podem determinar a inexistência ou dispensa da sua audiência.
   No entanto, nem da matéria apurada, nem dos elementos constantes do processo administrativo resulta que a Administração, ora recorrido, chegou a apurar a existência do direito à audiência e muito menos a proceder as diligências no sentido de permitir o recorrente a exercê-lo.
   Assim, omitidas as formalidades essenciais do procedimento administivo que culminou no acto recorrido, este deve ser anulado por verificação de tal vício de forma.
   Consequentemente, deve ser dado provimento ao presente recurso, fica prejudicado o conhecimento de outros fundamentos do recurso.
   
   
   
   3. Decisão
   Face ao exposto, acordam em julgar procedente o recurso e revogar o acórdão recorrido, dando, por conseguinte, provimento ao recurso contencioso e anulando o acto impugnado.
   Não são tributados o recorrente no recurso contencioso por obter agora vencimento e o recorrido no presente recurso por estar legalmente isento das custas.
   
   
   Aos 18 de Fevereiro de 2004.




           Juízes:Chu Kin (relator)
Viriato Manuel Pinheiro de Lima
Sam Hou Fai
Magistrada do Ministério Público
presente na conferência: Song Man Lei

Processo n.° 13 / 2003 20