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Recurso nº 287/2004 - Reclamação à conferência
Data : 3 de Fevereiro de 2005

Assuntos: - Conselho Superior de Advocacia
- Recurso contencioso
- Agravo impróprio
- Poder jurisdicional




    SUMÁRIO
1. O Conselho Superior de Advocacia exerce a competência disciplinar exclusiva sobre os advogados e advogados estagiários – artigo 4º nº 2 do Estatuto dos Advogados, e da decisão por ele tomada, pode, em 10 dias após a notificação da decisão, opor-se por duas vias alternativas:
- por via de reclamação, e da decisão desta reclamação pode-se interpor “recurso”;
- por via directa de “recurso”.
2. A lei manda o recurso da decisão do Conselho seguir os termos de agravo, considerando a natureza e estatuto especiais, mas isto nunca implica que a lei qualifique esse tipo do recurso como recurso jurisdicional, muito menos que ao Conselho Superior de Advocacia o Estatuto dos Advogados acima referido atribui este poder jurisdicional.
3. Equivale então o seu acto definitivo a um acto administrativo, mas não a um acto judicial, e, o recurso deste acto não deixa de ter natureza de recurso contencioso.
O Relator,
Choi Mou Pan

Recurso nº 287/2004 - Reclamação à conferência

Recorrente: A
Recorrido: Conselho Superior da Advocacia (律師業高等委員會)




Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.
   
   Por acórdão de 17/10/2003, proferido no Processo Disciplinar nº XXX, o Conselho Superior de Advocacia de Macau decidiu aplicar à Ilustre Advogada A uma sanção de Advertência prevista na al. a) do nº 1 do artigo 41º do Código Disciplinar.
   Por não conformar com a decisão, recorreu a mesma advogada para este Tribunal de Segunda Instância, nos termos do artigo 44º nº 3 do Código Disciplinar dos Advogados.
   Por distribuição presidida pelo Exmº Senhor Presidente deste Tribunal em 18/9/2003, foi o presente processo autuado como espécie nº 4 – recurso contencioso.
   E por despacho do relator de 21/10/2003, foi ordenada a citação da entidade recorrida – Conselho Superior de Advocacia – nos termos e para os efeitos do artigo 52º do Código de Processo Administrativo Contencioso.
   Citada a entidade recorrida, o Conselho Superior de Advocacia apresentou a sua reclamação à conferência nos termos do artigo 620º do C.P.C. ex vi artigo 1º do CPAC, alegando que:
“1. Das deliberações do Conselho Superior da Advocacia há recurso para o Tribunal de Segunda Instância, a processar como agravo e, no caso da pena aplicada ter sido a de suspensão, com efeito suspensivo (cfr. artº 10º, nºs 3 e 4, do Estatuto do Advogado, aprovado pelo Decreto-Lei nº 31/91/M, de 6 de Maio, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº 42/95/M, de 21 de Agosto).
2. Ainda que não repugne classificar, na sua essência, os actos do Conselho Superior da Advocacia como actos predominantemente de natureza administrativa.
3. Também se não poderá omitir que o legislador quis – deliberada e intencionalmente – dar às decisões do Conselho Superior de Advocacia uma natureza diferente.
4. Desde logo a terminologia usado pelo legislador no Capítulo V do Código Disciplinar dos Advogados: os termos julgamento e acórdão usados para definir quer a actividade decisória do CSA, quer o instrumento que corporiza as decisões por ele tomadas em sede disciplinar (cfr. artºs 38º e 39º daquele diploma), são indicadores dessa intenção distintiva, e que a legislação administrativa não consagrou em relação aos autores dos actos administrativos sujeitos ao regime de contencioso administrativo.
5. Depois e também, a natureza que o legislador atribuiu ao processamento dos recursos interpostos das decisões do CSA. Com efeito,
6. A solução por que o legislador optou, entre outras possíveis, foi a de lhe atribuir a natureza de recurso de agravo (cfr. nº 4 do artº 10º do Estatuto do Advogado), com as ilações daí decorrentes, naturalmente...
7. Nem se argumente que, face ao disposto na Lei nº 9/1999, designadamente no seu artº .3º, os recursos das deliberações do CSA têm, necessária e fatalmente, que seguir o regime do contencioso administrativo. De facto,
8. Já antes da entrada em vigor da Lei nº 9/1999 os únicos órgãos com competência para exercer o poder jurisdicional eram, tal como o continuam a ser hoje, os Tribunais e, todavia, ao legislador dos Decretos-Lei nºs 31/91/M e 42/95/M não repugnou consagrar a solução plasmada na artº 10º do Estatuto do Advogado.
9. Aliás, as atribuições cometidas aos Tribunais (cfr. artº 4º da Lei nº 9/1999, de 20 de dezembro) é que lhes conferem, em regime de exclusividade, a sua natureza de órgãos jurisdicionais.
10. Ainda que se possam, de resto, compreender certos pruridos conceptuais, tal não poderá justificar, crê-se, a completa inobservância, nesta matéria, do que o Estatuto do Advogado consagra. Aliás,
11. Não pode deixar de causar alguma perplexidade o ter-se ordenado a citação do Conselho Superior da Advocacia para contestar... quando, por parte do recorrente, a peça processual apresentada foi a de alegações e não petição inicial...
12. Ainda que este CSA defenda, no puro campo dos princípios, que os recursos interpostos das deliberações do Conselho Superior da Advocacia deveriam ser processados nos termos previstos no artº 617º do CPC, normativo que acolheu o anterior regime dos agravos.
13. Afigura-se, na presente fase processual e por mais consentâneo com o quadro legal vigente, determinar a redistribuirão dos presentes autos na espécie 8ª do artº 9º do Código do Processo Administrativo Contencioso, a ser processado como se de jurisdicional se tratasse.
Eis o que, com o douto suprimento de Vossas Excelências, se requer.”
   
   Notificado da reclamação, veio o recorrente pronunciar-se, oferecendo o merecimento dos autos.
   
   Foram colhidos os vistos dos Mmºs Juizes-Adjuntos. No seu termo de visto do 2º Mmº Juiz-Adjunto, foi sugerido ao relator para notificar o recorrente para regularizar a sua petição inicial a fim de satisfazer o requisitos legais.
   Por despacho do relator, foi de opinião de proceder tal notificação após a decisão da reclamação à conferência e foi levado assim para a presente conferência para decidir a questão nos termos do artigo 619º do Código de Processo Civil, uma vez fica vinculado pela sugestão do Mmº Juiz-Adjunto.
   Assim, cabe decidir na presente conferência a questão da oportunidade da notificação para a regularização da petição inicial. E depois é que eventualmente conhecemos da reclamação.
   Conhecendo.
I
   Tendo em conta a sugestão do 2º Mmº Juiz-Adunto, admite-se que a peça processual do recorrente apresentada não se mostra elaborada em conformidade com a exigência do artigo 42º do CPAC.
   Porém, como a entidade recorrida reclamou do despacho de citação proferido alegando que se trata de um recurso jurisdicional e não contencioso o recurso interposto da sua deliberação, estamos frontalmente confrontados com a questão de saber se se trata o presente processo de um recurso da 3ª espécie (recurso contencioso) ou da 4ª espécie (recurso jurisdicional), pelo que nos parece ser mais correcto decidir-se desde já da questão colocada na reclamação, relegando-se a decisão da sugerida notificação para momento posterior, tal como ocorreu no processo nº 220/2003 deste TSI.
   Pelo que, passamos a decidir a reclamação.
II
   Trata-se de uma única questão de direito, a saber qual espécie do recurso interposto do acórdão do Conselho Superior de Advocacia de Macau que aplicou a sanção disciplinar ao Advogado.
   Tivemos oportunidade de pronunciar sobre a questão idêntica no Acórdão de 8 de Janeiro de 2004 do processo nº 220/2003 e cremos que não teremos outros fundamentos para alteração o anterior consideração.
   Como se sabe, o Conselho Superior de Advocacia exerce a competência disciplinar exclusiva sobre os advogados e advogados estagiários – artigo 4º nº 2 do Estatuto dos Advogados (aprovado pelo D.L. nº 31/91/M de 6 de Maio, redacções dadas pelos D.L.s nº 29/92/M e nº 42/95/M).
   Da decisão tomada pelo mesmo Conselho, pode, em 10 dias após a notificação da decisão, opor-se por duas vias alternativas:
- por via de reclamação, e da decisão desta reclamação pode-se interpor “recurso”;
- por via directa de “recurso”.
Quer por uma quer por outra, o recurso será dirigido ao tribunal de segunda instância, e, conforme o disposto no artigo 10º do Estatuto dos Advogados, o recurso é processado como agravo e tem efeito suspensivo se ao arguido tiver sido aplicada pena de suspensão.
A expressão “o recurso é processado como agravo” traduz-se que o recurso da deliberação do Conselho segue os termos do agravo no processo civil (figura jurídica do Código de Processo Civil de 1961), simplificando, por este meio, os termos processuais do recurso.
Podemos dizer que se trata de um “agravo impróprio”, e não de segundo grau de jurisdição, não deixando de ter natureza intrínseca de ser contencioso, pois, como podemos afirmar, um agravo próprio pressupõe que o seu objecto seja a decisão judicial proferida pelo órgão que exerce o poder jurisdicional.
Prevê o artigo 37º da Lei de Bases de Organização Judiciária:
“Para efeitos de distribuição, existem no Tribunal de Segunda Instância as seguintes espécies:
1)
...
3) Recursos de decisões juridicionais em matéria administrativa, fiscal e aduaneira;
... .”
O termo “decisões jurisdicionais” traduz-se em decisões proferidas pelo órgão que exerce o “poder jurisdicional”.
E o termo “poder jurisdicional” contende com a palavra “jurisdição” que pode ser tomado em três sentidos: 1
Em primeiro lugar, numa perspectiva funcional designa o poder, reconhecido ao Estado de dirimir conflitos que surjam entre os particulares, ou entre estes e o próprio Estado … .
Em segundo lugar, numa perspectiva orgânica, jurisdição é o rótulo atribuído ao conjunto de actividades (órgãos) a quem o Estado distribuí a tarefa de dirimir conflitos de interesses. São, por outra palavras, os órgãos através dos quais o Estado exerce o seu poder jurisdicional ... os tribunais.
Finalmente, denomina-se jurisdição a actividade desenvolvida pelos tribunais no dirimir conflitos de interesses … o processo é a forma de realização da jurisdição.
O que é firme é que a lei atribui apenas aos Tribunais da RAEM para exercer exclusivamente o poder jurisdicional – artigo 82º da Lei Básica, o que é o princípio de separação de poderes, e artigo 3º da Lei de Bases da Organização Judiciária.
Diz o artigo 3º da Lei nº 9/1999 que “os Tribunais são os únicos órgãos com competência para exercer o poder jurisdicional” (sub. nosso).
Não podendo assim quaisquer outros órgãos que não são tribunais exercer este poder jurisdicional, os recursos das suas decisões não podem ser qualificados como recurso jurisdicional.
E é um destes órgãos o Conselho Superior de Advocacia.
Afirma-se que a lei preveja um processo especial para o recurso da sua deliberação, por forma de agravo, seguindo os termos de recurso de agravo (regime de então), considerando, quanto a nós, a natureza e estatuto especiais, mas isto nunca implica que a lei qualifique esse tipo do recurso como recurso jurisdicional, muito menos que ao Conselho Superior de Advocacia o Estatuto dos Advogados acima referido atribui este poder de “dizere juris”.
Equivale, então, o seu acto definitivo a um acto administrativo, mas não a um acto judicial, e, o recurso deste acto não deixa de ter natureza de recurso contencioso.
Pelo que, sem mais delongas, é de improceder a reclamação deduzida, devendo manter-se o que foi ordenado pelo despacho do relator.

Decide-se neste Tribunal de Segunda Instância em improceder a reclamação do Conselho Superior de Advocacia nos termos acima referidos.
Sem custas.
Macau, aos 3 de Fevereiro de 2005.
Choi Mou Pan
José Maria Dias Azedo
Lai Kin Hong (com declaração de voto)

Recurso nº 287/2004
I- Declaração de voto



  Apesar de subscrever a decisão do Acórdão no sentido de julgar improcedente a reclamação formulada pelo Conselho Superior da Advocacia, já não acompanho o Acórdão na parte que entende ser mais correcto decidir a reclamação antes de ordenar a notificação da recorrente para regularizar a sua petição de recurso sub pena de rejeição, conforme sugeri aquando da aposição do visto, pois são as razões lógicas e cronológicas que impõem que a regularização da petição defeituosamente formulada deva preceder a decisão de uma reclamação apresentada pela entidade recorrida citada para contestar.
  
  R.A.E.M., 03FEV2005
  Lai Kin Hong

1 Costa Pimenta, Introdução ao processo penal, 9-10, in João Melo Franco e Herlander Antunes Martins, Dicionário de Conceitos e Princípios Jurídicas. P. 520.
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TSI-287/2004 Página 14