(Tradução)
Âmbito de conhecimento da causa
Artigo 9º, n.º 1 da Lei da Imigração Clandestina
Dosimetria das penas dos crimes de emprego ilegal
Sumário
Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão, sem prejuízo da possibilidade de, em sede de recurso, o tribunal ad quem se pronunciar, caso entender conveniente, sobre qualquer dessas razões invocadas. O tribunal ad quem só vai resolver as questões concretamente postas pelo recorrente e delimitadas pelas conclusões da sua motivação de recurso.
Na situação real de Macau, o crime de emprego ilegal referido no artigo 9º, n.º 1 da Lei da Imigração Clandestina é crime mais popular, pelo que deve ser combatido severamente a nível abstracto. Porém, dado que o crime de emprego ilegal não faz parte do crime de violência, devendo-se, ao determinar a medida da pena, distinguir esse crime do crime violento.
Acórdão de 7 de Outubro de 2004
Processo n.º 215/2004
Relator: Chan Kuong Seng
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.
I. RELATÓRIO E FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA E JURÍDICA DA SENTENÇA RECORRIDA
No âmbito dos autos de Processo Sumário n.º PSM-068-04-3 do 3.º Juízo do Tribunal Judicial de Base em que era arguida (A), entretanto julgada sob acusação pública do Ministério Público, foi proferida em 28 de Julho de 2004 a respectiva sentença de primeira instância (cfr. o teor de fls. 26v a 27v dos autos):
“O Ministério Público acusou (A) da prática de dois crimes de emprego ilegal p. e p. pelo artigo 9º, n.º 1 da Lei n.º 2/90/M.
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Após a audiência, foram provados os seguintes factos:
“Em 27 de Julho de 2004, pelas 16H00, os guardas do Corpo de Polícia de Segurança Pública (B), n.º XXX, e (C), n.º XXX, dirigiram-se, por ordem superior, à fracção situada na [Endereço (1)], verificando que a porta da referida fracção não estava fechada e que muita fumaça de cozinha saía da fracção. Realizada uma averiguação na fracção, os guardas verificaram que a fracção foi decorada como uma cozinha que serve refeições para fora, e que, além da arguida (A), encontravam-se, na fracção, duas testemunhas (D) e (E), titulares de documento de viagem para Macau, que estavam a trabalhar na referida fracção.
A arguida (A) contratou a primeira testemunha como cozinheiro na referida fracção em 27 de Julho de 2004, com salário de MOP$2.000,00 e contratou a segunda testemunha como cozinheiro no início do ano corrente, com salário de MOP$2.000,00.
A fracção situada na [Endereço (1)], foi arrendada pela arguida com a renda mensal de HKD$2.800,00 para servir refeições para fora.
A arguida sabia perfeitamente que as duas testemunhas não possuíam documentos legais que lhes permitissem trabalhar na RAEM.
A arguida agiu de forma consciente, livre e deliberada.
E sabia perfeitamente que a sua conduta era proibida e punida por lei.
Eis a condição pessoal da arguida:
A arguida (A) possui como habilitação académica o 9º ano de escolaridade, auferindo mensalmente de cerca de MOP$2.000,00, e tendo a seu cargo dois filhos que respectivamente com 19 e 17 anos de idade, estão a estudar na escola.
Segundo o certificado de registo criminal, a arguida não é delinquente primária. Em 16 de Dezembro de 2003, a arguida tinha sido condenada, em cúmulo, no processo criminal sumário do 4º Juízo deste Tribunal n.º PSM-093-03-4, na pena de 5 meses de prisão, pela prática de um crime de acolhimento e de um crime de emprego ilegal, com a suspensão da execução por 18 meses.
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Factos não provados: nada a assinalar.
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O juízo feito por este Tribunal sobre os factos baseia-se nas declarações feitas pela arguida relativas aos factos imputados na acusação e nos depoimentos das testemunhas na audiência, bem como nas provas documentais constantes dos presentes autos.
Segundo os factos provados acima referidos, este Tribunal considera que a conduta da arguida (A) constitui dois crimes de emprego ilegal p. e p. pelo artigo 9º, n.º 1 da Lei n.º 2/90/M, e cada um destes crimes pode ser punido com pena de prisão máxima de dois anos.
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A determinação da medida da pena deve ser feita nos termos dos artigos 40º e 65º do Código Penal de Macau.
A determinação da pena concreta deve ser feita conforme a culpa do agente e as exigências de prevenção criminal, considerando nomeadamente o grau de ilicitude, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como a intensidade do dolo, os fins ou motivos que o determinaram, as condições pessoais do arguido e a sua situação económica, a conduta anterior ao facto e a posterior a este, bem como outras circunstâncias determinadas.
Nestes termos, in casu, tendo em consideração as circunstâncias acima referidas, este Tribunal considera ser o mais adequado que a arguida seja condenada na pena de 5 meses de prisão por cada crime e, em cúmulo, na pena única de 7 meses de prisão. E, como o artigo 44.º, n.º 1, segunda parte do Código de Penal prevê, isto é, a execução da prisão é exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes, este Tribunal decide que não se substitui a pena de prisão pela multa.
***
Pelo exposto, este Tribunal decide:
Condenar a arguida (A), como autora de dois crimes de emprego ilegal p. e p. pelo art.º 9, n.º1 da Lei n.º 2/90/M, na pena de cinco meses de prisão por cada um dos referidos crimes e, em cúmulo, na pena única de sete meses de prisão efectiva com a execução imediata.
Condenar ainda a arguida a pagar a taxa de justiça e custas fixadas em 1UC, bem como uma quantia de MOP$100,00 (cem patacas) a título de honorários ao defensor.
Notifique e remete a certidão de registo criminal.
Notifique a presente decisão ao Processo Criminal Sumário do 4º Juízo n.º PSM-093-03-4.
Passe mandados de condução da arguida ao Estabelecimento Prisional de Macau.
…”
Inconformada com esse veredicto, veio a arguida recorrer para este Tribunal (TSI), considerando na sua motivação de recurso a fls. 40 a 42 dos autos que é excessiva a pena a ela imposta, violando assim o disposto no artigo 64.º do CPM e peticionando a este Tribunal ad quem a redução da pena anteriormente condenada pelo Tribunal a quo, pela prática de dois crimes de emprego, de 5 meses de prisão de cada para 2 meses de prisão de cada, e a pena global anteriormente condenada pelo mesmo Tribunal em cúmulo jurídico a ser reduzida para a pena única não superior a 3 meses de prisão efectiva.
A propósito do recurso interposto pela arguida, o Digno Magistrado do M.º P.º junto do Tribunal Judicial de Base exerceu o direito conferido pelo art.º 403.º n.º 1 do CPPM, dando resposta ao recurso a fls. 55 dos autos:
“A arguida (A) interpôs recurso da sentença proferida pelo Tribunal Judicial de Base em que foi condenada pela prática de dois crimes p. e p. pelo art.º 9, n.º1 da Lei n.º 2/90/M, na pena de cinco meses de prisão por cada um dos crimes e, em cúmulo, na pena única de sete meses de prisão efectiva, considerando a pena excessiva.
O Código Penal, nos seus artigos 64º a 66º, prevê o critério geral da medida de pena.
Segundo os factos dados como assentes: a arguida praticou dois crimes de emprego ilegal p. e p. pelo art. 9, n.º1 da Lei n.º 2/90/M, tendo já antes sido condenada por idêntico crime (e por mais um outro crime de acolhimento) na pena de prisão (suspensa na sua execução), os crimes in casu foram praticados dentro do período da suspensão de execução da pena.
Os factos acima referidos demonstram relativamente alto o grau de ilicitude, a condenação anterior não a levou a cumprir a lei, o que impõe a aplicação de uma censura jurídica mais severa.
Porém, dado que o crime de emprego ilegal não faz parte do crime de violência, nem constituindo ameaça directa para a paz (segurança) social, devendo-se, ao determinar a medida da pena, distingir esses crimes dos crimes violentos ou crimes que prejudicam a paz pública.
Nos termos do art.º 9, n.º 1 da Lei n.º 2/90/M, sendo a pena abstracta para o crime de emprego ilegal não superior a dois anos de prisão e em caso de reincidência, de dois a oito anos de prisão.
Não se tratando das circunstâncias da sucessão de crimes (reincidência).
Com base na análise acima feita e nas prevenções geral e especial, concordamos com a pena efectiva a ela aplicada, todavia, tendo em consideração a pena decidida na sentença recorrida um pouco mais grave, sugerimos ao tribunal ad quem uma atenuação adequada da pena condenada, aplicando-lhe uma pena de quatro meses de prisão por cada um dos crimes cometidos e, em cúmulo, na pena única de seis meses e dez dias de prisão efectiva.”
Subido o recurso para este TSI, o Digno Procurador Adjunto junto desta Instância teve vista do processo nos termos do art.º 406.º do CPPM, não manifestando, no seu douto Parecer constante de fls. 93 a 96 dos autos, qualquer objecção à leve redução da pena em que a ora arguida foi condenada.
Subsequentemente, foi pelo relator do presente processo feito o exame preliminar dos autos à luz do art.º 407.º, n.º 3, do CPPM, entendendo que o presente Tribunal pode conhecer do mérito do recurso.
Em seguida, foram postos pelos dois Mm.ºs Juízes-Adjuntos os seus vistos nos autos de acordo com o art.º 408.º, n.º 1, do CPPM.
Depois, o tribunal colectivo realizou a audiência de julgamento nos termos dos art.ºs 411.º e 414.º do CPPM, durante a qual, tanto o representante do Ministério Público como o da recorrente, ora arguida apresentaram alegações orais sobre o objecto do recurso.
Cumpre agora decidir do recurso sub judice nos termos infra.
II. FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO DO PRESENTE ACÓRDÃO
Cabe desde já notar que este Tribunal só vai resolver as questões concretamente postas pela recorrente e delimitadas pelas conclusões da sua motivação de recurso (apud nomeadamente os Acórdãos deste TSI, de 19/2/2004 no Proc. n.º 32/2004, de 12/2/2004 no Proc. n.º 297/2003, de 11/12/2003 no Proc. n.º 266/2003, de 23/10/2003 no Proc. n.º 214/2003, de 24/10/2002 no Proc. n.º 130/2002, de 25/7/2002 no Proc. n.º 47/2002, de 17/5/2001 no Proc. n.º 63/2001, de 3/5/2001 no Proc. n.º 18/2001, de 7/12/2000 no Proc. n.º 130/2000 e de 27/1/2000 no Proc. n.º 1220), e considerando a doutrina do saudoso Professor José Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, Volume V, Reimpressão, Coimbra Editora, Lim., 1984, pág. 143, aplicável mesmo aos recursos penais, de que “Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (cfr. neste sentido, nomeadamente os acórdãos deste TSI: de 19/2/2004 no Proc. n.º 32/2004, de 12/2/2004 no Proc. n.º 297/2003, de 11/12/2003 no Proc. n.º 266/2003, de 23/10/2003 no Proc. n.º 214/2003, de 24/10/2002 no Proc. n.º 130/2002, de 25/7/2002 no Proc. n.º 47/2002, de 30/5/2002 no Proc. n.º 84/2002, de 30/5/2002 no Proc. n.º 87/2002, de 17/5/2001 no Proc. n.º 63/2001 e de 7/12/2002 no Proc. n.º 130/2000, sem prejuízo, obviamente, da possibilidade de o tribunal ad quem se pronunciar, caso entender conveniente, sobre qualquer das razões invocadas nas conclusões da motivação de recurso). o objecto do presente recurso a conhecer é constituído pela questão de saber: Seria excessiva a pena condenada pelo Tribunal “a quo”?
Ora, quanto a esta questão, é de referir aqui o seguinte parecer do Digno Procurador-Adjunto emitido no Processo n.º 218/2004 deste Tribunal:
Como se sabe, nos termos do artigo 40.º, n.º 1 do Código Penal, a aplicação de penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. Em situação geral, os fins das penas englobam dois aspectos: prevenção geral e prevenção especial, a prevenção geral assume o primeiro lugar como finalidade da pena, servindo não apenas para intimidar às actividades criminais e aos delinquentes potenciais através de castigos ou sanções, mas também para recuperar e robustecer a consciência jurídica dos cidadãos através da aplicação das penas, a fim de salvaguardar as expectativas comunitárias na validade e vigência das normas violadas pelos actos criminais e na segurança social e individual, bem como proteger os interesses públicos ou privados violados pelos crimes cometidos; enquanto a prevenção especial está direccionada ao delinquente concreto castigado com uma pena, especialmente através da execução da pena para que este aprenda lição, lembrando as graves consequências que lhe provoca pela prática de actos criminais, a fim de evitar o cometimento de novos crimes no futuro e reinserir-se na sociedade.
Na determinação da medida da pena, o tribunal deve cumprir o disposto no artº 65º do CP:
“1. A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção criminal.
2. Na determinação da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuseram a favor do agente ou contra ele, considerando nomeadamente:
a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;
b) A intensidade do dolo ou da negligência;
c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica;
e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar consequências do crime;
f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deve ser censurada através da aplicação da pena.
3…”.
Por palavras simples, são 3 as fases de determinação concreta da pena: fixa-se a pena aplicável ao crime praticado pelo agente (pena punível); determina-se a medida concreta da pena que vai aplicar dentro da moldura penal abstracta; há ainda situação em que se escolham as espécies da pena que efectivamente deve ser cumprida (e.g. será a pena de prisão substituída por multa, será aplicada a suspensão da execução da pena de prisão, etc.).
No caso sub judice, o tribunal recorrido consignou que a arguida praticou dois crimes de emprego ilegal p.p. pelo artº 9º nº 1 da Lei nº 2/90/M (Lei da Imigração Ilegal), cada crime é punível na pena não superior a 2 anos de prisão.
Como é sabido que na situação real de Macau, o referido crime de emprego ilegal é crime mais popular, pelo que deve ser combatido severamente a nível abstracto.
Analisadas as circunstâncias do caso vertente, entendemos que é muito elevado o dolo da arguida (ora recorrente) quanto à prática dos actos criminosos acima referidos, já não sendo primária, nem confessou os factos criminosos cometidos, não se lhe deve, portanto, aplicar uma pena mais atenuada.
Porém, como opinado pelo Digno Delegado do Ministério Público junto do tribunal recorrido, o crime de emprego ilegal não faz parte do crime de violência, devendo-se, ao determinar a medida da pena, distinguir esse crime do crime violento.
Nestes termos, e tomando-se globalmente em conta as circunstâncias do caso concreto, entendemos que poderá ser reduzida a pena que lhe foi imposta anteriormente pelo Tribunal a quo, pela prática de dois crimes de emprego, de 5 meses de prisão de cada para 4 meses de prisão de cada (nota: dada a necessidade das prevenções criminais, não deve a pena de prisão ser substituída por respectiva multa — cfr. as excepções previstas na última parte do n.º 1 do artigo 44.º do CP), e em consequência, poderá ser reduzida a pena global anteriormente condenada pelo mesmo Tribunal em cúmulo jurídico de 7 meses de prisão efectiva, para a pena única de 5 meses de prisão efectiva, pena essa que consideramos adequada nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 71.º do mesmo Código (nota: não devendo a pena de prisão ser suspensa na sua execução — cfr. o n.º 1 do artigo 48.º do CP).
III. DECISÃO
Em sintonia com todo o acima expendido, acordam em julgar parcialmente procedente o recurso da arguida (A), passando, por conseguinte, a ser reduzida a pena anteriormente condenada pelo Tribunal a quo, pela prática de dois crimes de emprego previsto no art.º 9.º, n.º 1, da Lei n.º 2/90/M, de 5 meses de prisão de cada para 4 meses de prisão de cada, e a pena global anteriormente condenada pelo mesmo Tribunal em cúmulo jurídico de 7 meses de prisão efectiva, a ser reduzida para a pena global de 5 meses de prisão efectiva.
Custas a cargo da arguida com a taxa de justiça pelas respectivas partes improcedentes, das quais estão incluídas 1 UC (ou seja, MOP500,00).
Passe mandados de detenção para efeitos de notificação pessoal da arguida do presente acórdão e de condução da mesma ao Estabelecimento Prisional de Macau para cumprimento da pena de prisão supra citada.
Comunique o presente acórdão ao Juiz titular do Processo Sumário n.º PSM-093-03-4 do 4.º Juízo do Tribunal Judicial de Base para os efeitos tidos por convenientes.
Chan Kuong Seng (Relator) - José M. Dias Azedo - Lai Kin Hong