Processo n.º 44/2004. Recurso jurisdicional em matéria penal.
Recorrente: A.
Recorrido: Ministério Público.
Assunto: Recurso em processo penal para o Tribunal de Última Instância. Âmbito do recurso. Concurso de infracções. Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada. Objecto do processo.
Data do Acórdão: 15 de Dezembro de 2004.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator), Sam Hou Fai e Chu Kin.
SUMÁRIO:
I - A expressão “mesmo em caso de concurso de infracções” constante das alíneas f) e g) do n.º 1 do art. 390.º do Código de Processo Penal, significa que, para que seja admissível recurso de decisão do Tribunal de Segunda Instância para o Tribunal de Última Instância, é necessário que a penalidade aplicável, em abstracto, a cada crime, exceda 8 ou 10 anos de prisão, respectivamente, nos casos das alíneas f) e g) do n.º 1 do art. 390.º, ainda que esteja em causa um concurso de infracções.
II – O Tribunal de Última Instância não pode conhecer de decisões irrecorríveis, nos termos das alíneas f) e g) do n.º 1 do art. 390.º do Código de Processo Penal, ainda que, no recurso, conheça de decisões que admitem recurso.
III – Ocorre o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada quando a matéria de facto provada se apresente insuficiente para a decisão de direito adequada, o que se verifica quando o tribunal não apurou matéria de facto necessária para uma boa decisão da causa, matéria essa que lhe cabia investigar, dentro do objecto do processo, tal como está circunscrito pela acusação e defesa, sem prejuízo do disposto nos arts. 339.º e 340.º do Código de Processo Penal.
O Relator,
Viriato Manuel Pinheiro de Lima
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:
I – Relatório
O Tribunal Colectivo do Tribunal Judicial de Base, por Acórdão de 18 de Maio de 2004, decidiu o seguinte:
A) Absolveu o 1.º arguido A pelos pronunciados
- três crimes de coacção, p. e p. pelo art. 148° nº 1 do Código Penal (contra as ofendidas B, C e D);
- dois crimes de exploração de prostituição, p. e p. pelo artº 8°, n° 1 da Lei n° 6/97/M de 30 de Julho (em relação às ofendidas C e D).
B) Absolveu o 2º arguido E pelos pronunciados:
- três crimes de coacção, p. e p. pelo art. 148° nº 1 do Código Penal (contra as ofendidas B, C e D);
- um crime de roubo, p. e p. pelo artº 204°, n° 1 do Código Penal.
C) Absolveu a 5ª arguida F pelo pronunciado:
- um crime de favorecimento pessoal, p. e p. pelo artº 331°, n° 1 do Código Penal.
D) Condenou o 1º arguido A pela prática, de:
- na forma consumada e em co-autoria material (com o 2° arguido E), um crime de ofensa simples à integridade física, p. e p. pelo artº 137°, n° 1 do Código Penal (contra a ofendida B), na pena de 9 meses de prisão;
- na forma consumada e em co-autoria material (com o 2° arguido E), um crime de coacção sexual, p. e p. pelo artº 158° do Código Penal (contra a ofendida B, por ter ordenado esta ofendida para pôr o tubo plástico na vagina e masturbar-se), na pena de 4 anos de prisão;
- na forma consumada e em autoria material, um crime de ofensa simples à integridade física, p. e p. pelo artº 137°, n° 1 do Código Penal (contra a ofendida C), na pena de 6 meses de prisão; e
- na forma consumada e em autoria material, dois crimes de violação, p. e p. pelo artº 157°, n° 1, al. b) do Código Penal (contra as ofendidas B e C) que absorvem os dois crimes de coacção sexual, p. e p. pelo artº 158° do Código Penal (contra as ofendidas B e C, por ter ele ordenado às ofendidas a praticar coito oral com o arguido G), na pena de 5 anos de prisão cada.
Em cúmulo, condenou o arguido numa única pena de 11 anos de prisão efectiva.
E) Condenou o 2º arguido E, pela prática de:
- na forma consumada e em co-autoria material (com o 1° arguido A), um crime de ofensa simples à integridade física, p. e p. pelo artº 137°, n° 1 do Código Penal (contra a ofendida B), na pena de 9 meses de prisão; e
- na forma consumada e em co-autoria material (com o 1° arguido A), um crime de coacção sexual, p. e p. pelo artº 158° do Código Penal (contra a ofendida B, por ter ordenado esta ofendida para pôr o tubo plástico na vagina e masturbar-se), na pena de 4 anos de prisão.
Em cúmulo, condenou o arguido numa única pena de 4 anos 6 meses de prisão efectiva.
F) Condenou o 3º arguido G, pela prática de:
- na forma consumada e em autoria material, dois crimes de violação, p. e p. pelo artº 157°, n° 1, al. a) do Código Penal (contra as ofendidas B e C), que absorvem os dois crimes de coacção sexual, p. e p. pelo artº 158° do Código Penal (contra as ofendidas B e C, por ter praticado coito oral com essas duas ofendidas), na pena de 5 anos de prisão cada.
Em cúmulo, condenou o arguido numa única pena de 7 anos de prisão efectiva.
G) Condenou o 4º arguido H, pela prática de:
- na forma consumada e em autoria material, dois crimes de coacção sexual, p. e p. pelo art’ 158° do Código Penal (por ter apalpado os peitos das ofendidas B e C), na pena de 2 anos e 6 meses cada.
Em cúmulo, condenou o arguido numa única pena de 3 anos e 3 meses de prisão efectiva.
Interposto recurso jurisdicional pelos arguidos A e G, o Tribunal de Segunda Instância (TSI), por Acórdão de 30 de Setembro de 2004, negou provimento ao recurso interposto pelo G, mas julgou parcialmente procedente o recurso do A, tendo considerado que os factos foram cometidos em comparticipação pelos 1.º, 2.º, 3.º e 4.º arguidos, com excepção de agressão ocorrida à entrada do centro de massagens; mas manteve a condenação do recorrente por todos os crimes, com as mesmas penas.
Não conformado, recorre o arguido A para este Tribunal de Última Instância (TUI), terminando a sua motivação, com as seguintes conclusões:
1. Entendeu o Douto Tribunal a quo que da factualidade apurada teria que necessariamente concluir-se pela existência de comparticipação criminosa por parte dos 1.º a 4.º arguidos, porquanto dali resulta uma decisão e execução criminosa conjuntas.
2. Apesar de ter reconhecido o erro de direito cometido pelo Tribunal de Primeira Instância, o Tribunal a quo não extraíu daqui qualquer consequência para o julgamento da matéria de facto ou da decisão de direito proferida na Primeira Instância.
3. Impunha-se, com a resolução em definitivo da questão da comparticipação, que se aquilatasse da forma e âmbito de tal comparticipação por parte dos arguidos 1.º a 4.º nos factos por que vinham pronunciados.
4. Era crucial que o Tribunal a quo tivesse anulado o julgamento e procedido ao reenvio para apuramento das circunstâncias em que ocorreram a planificação e execução conjuntas dos crimes em causa.
5. Apesar da culpa resultar dos factos provados, ela não funciona automaticamente a partir da ocorrência destes: ela constitui o pressuposto jurídico da aplicação da pena e resulta do nexo de imputação ético-jurídica que liga o facto ilícito à vontade do agente.
6. O Tribunal a quo não poderia decidir que há comparticipação e depois manter a decisão do Tribunal de Primeira Instância qua tale, deixando de apurar qual o grau de culpa dos arguidos na execução do acordo conjunto.
7. O Tribunal a quo, antes de se decidir pela manutenção das penas aplicadas, deveria proceder à reavaliação dos factos e da sua qualificação à luz do regime da comparticipação, e atendendo a todas as circunstâncias que depõem a favor ou contra o agente, concluir pela necessidade de apuramento de novos factos integradores da medida em que cada um participou na planificação e execução dos crimes.
8. Não o tendo feito, o acórdão recorrido enferma do vício de falta de fundamentação ao não avaliar o grau de culpa do recorrente, mas tendo, não obstante, decidido manter a pena de prisão determinada pela Primeira Instância, violando assim o art. 28.° e o art. 40.°, n.º 2 do CP.
9. Faltando, no presente caso, os motivos de facto e de direito, atinentes à culpa do agente, que levaram o Tribunal a quo a concluir pela manutenção da pena aplicada, tal falta deverá determinar a nulidade do acórdão nos termos do disposto nos artigos 355.°, n.º 2 e 360.°, a) do CPP pois de qualquer sentença deverão constar os motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão.
10. Deveria, assim, proceder-se ao reenvio do processo para o Tribunal de Segunda Instância para que seja colmatada tal falta, contudo, in casu, não se verificam os elementos fácticos que permitam que o Tribunal a quo proceda à fundamentação porque não estão ainda concreta e definitivamente apuradas as circunstâncias em que operou a comparticipação.
11. Não havendo fundamentação possível porque há necessidade de complementação da matéria de facto, que permitirá apurar o grau de culpa e, consequentemente, a medida da pena a aplicar ao recorrente, deverá essa Alta Instância remeter de imediato o processo à Primeira Instância para repetição do julgamento a fim de apurar os novos factos integradores do grau de participação de cada arguido na planificação e execução conjunta dos crimes.
12. Para que haja concurso aparente de normas é necessário que ambas as normas em causa protejam o mesmo interesse ou bem jurídico e que uma das normas afaste a aplicabilidade da outra.
13. Resulta da factualidade provada que a forma usada pelo recorrente, conjuntamente com os restantes arguidos, para constranger as ofendidas a terem relações sexuais com um deles, foi o uso de força física e ameaça grave.
14. O uso de força física encontra-se naturalmente consubstanciado pelas várias agressões sofridas pelas ofendidas desde que foram encontradas à entrada do centro de massagens até ao constrangimento à cópula, enquanto a ameaça grave advem do facto de serem constantemente ameaçadas de mais agressões caso não obedecessem às ordens dos arguidos.
15. O crime de violação protege, de forma imediata, a autodeterminação sexual e, de forma mediata, também a integridade física e simultaneamente a livre determinação, o que recai também na alçada do crime de ofensas à integridade física e do crime de ameaça.
16. Quer a violência física quer a ameaça produzidas sobre as ofendidas tiveram sempre por intenção amedrontá-las ao ponto das mesmas ficarem impossibilitadas de resistir aquando da violação propriamente dita, pelo que foram actos conducentes ao mesmo fim.
17. É esta a única razão porque as vítimas acabam por anuir na relação sexual com o arguido G: o receio de voltarem a ser objecto de violência física.
18. Da mesma forma por que o recorrente não foi condenado ou sequer acusado do crime de ameaça, não deveria também ter sido condenado pelo crime de ofensas à integridade física pois este é consumido pelo crime de violação.
19. O recorrente deveria ter sido absolvido dos dois crimes de ofensas à integridade física, a serem consumidos pelos dois crimes de violação perpetrados sobre as mesmas ofendidas.
20. O Tribunal a quo violou, assim, interpretando-as erradamente, as normas previstas pelos arts. 29.°, n.º 2; 137.°, n.º 1 e 157.º do CP.
21. Os factos relativos à coacção sexual sofrida pela ofendida B (obrigá-la a introduzir um tubo na vagina - sem que tal tenha chegado a consumar - e a masturbar-se), deveriam ser consumidos pelo crime de violação, à semelhança do que aconteceu aos outros dois crimes de coacção sexual porque vinha pronunciado o recorrente.
22. Dado protegerem ambos os mesmos bens jurídicos, não se perscruta a razão porque se deu relevância jurídico-criminal a uns em detrimento dos outros, pois o mesmo critério deveria ter sido usado para absolver o recorrente de todos os crimes de coacção sexual por que vinha pronunciado, sendo estes absorvidos pelo crime de violação previsto pelo art. 157.°, n.º 1, al. b) do CP.
23. Sendo o próprio Tribunal a afirmar que os crimes de violação e de coacção sexual protegem o mesmo bem jurídico, e verificando-se, quanto ao crime de coacção sexual, ora em causa, os mesmos elementos fácticos que se verificam relativamente aos dois crimes de coacção sexual que se entenderam ser absorvidos pelo crime de violação, é impossível descortinar qual a razão de se manter a destrinça, que conduz naturalmente a uma injustiça material, pois levou ao agravamento da pena aplicada ao recorrente por via da condenação autónoma de um dos crimes de coacção sexual.
24. A situação de obrigar alguém à prática de coito oral é menos grave do que obrigar outrem a introduzir um tubo na vagina (sem que tal facto tenha sido consumado) ou a masturbar-se.
25. Tais factos são de natureza menos grave, porque menos intimidatória da liberdade sexual do que obrigar-se alguém ao coito oral, que, por isso, deveriam ser considerados como tendo sido praticados no âmbito da mesma situação e momento, enquadrando-se na violência que acompanha necessariamente o crime de violação, e no constrangimento a que a vítima é sujeita.
26. O crime de coacção sexual só merecerá punição autónoma se o agente se limitar a constranger outrem à prática de actos sexuais de relevo sem que leve a efeito a cópula propriamente dita, caso em que não poderá ser punido pela prática do crime de violação.
27. No presente caso, é visível a existência de todo um itinerário próprio do crime de violação, que começa no momento em que as ofendidas são agredidas e depois obrigadas a despirem-se, passa pelo constrangimento da B a que introduzisse o tubo na vagina e que se masturbasse, de seguida pela prática de coito oral pelas duas ofendidas e finalmente pela cópula propriamente dita.
28. Tudo se passou no decurso de um mesmo momento, sem quaisquer interrupções pelo meio e sem que se tenham alterado os intervenientes, no quadro da solicitação de uma mesma situação que vem diminuir consideravelmente a culpa do agente, que deveria ser punido então pela prática, já de si grave, de dois crimes de violação.
29. O Tribunal a quo incorreu, assim, em erro de direito, ao não fazer consumir o crime de coacção sexual pelo crime de violação, interpretando, erradamente, as normas previstas pelos arts. 29.°, n.º 2; 157.° e 158.° do CP.
Em resposta, a Ex.ma Magistrada do Ministério Público defendeu a improcedência do recurso.
A Ex.ma Magistrada do Ministério Público emitiu parecer apoiando a tese defendida na resposta do Ministério Público à motivação do recurso.
O relator entendeu ser irrecorrível a parte do acórdão atinente às condenações pelos crimes de ofensas à integridade física, previstos e puníveis pelo art. 137.º, n.º 1 do Código Penal, com a penalidade de prisão até 3 anos ou com pena de multa, e de coacção sexual, previsto e punível pelo art. 158.º do Código Penal, com a penalidade de 2 a 8 anos de prisão, tendo para tal invocado a doutrina deste Tribunal de Última Instância (TUI), nos processos n. os 20/2003 e 25/2003 respectivamente, de 17 de Setembro e de 15 de Outubro, ambos de 2003.
Ouvido o recorrente, veio opor-se ao não conhecimento do recurso, nessa parte.
II – Os factos
Os factos que as instâncias deram como provados e não provados são os seguintes:
2. No mês de Abril de 2003, as ofendidas C e D vieram do Vietname com o objectivo de trabalhar em Macau como massagistas.
3. As referidas ofendidas, mediante o arguido A, arrendaram um apartamento, sito no Endereço (1).
4. As referidas ofendidas trabalhavam num estabelecimento denominado por "XXXXXX", em português, "Centro de Massagens Eléctricas", sito na Rua.
9. No dia 20/05/2003 à noite, os arguidos A, E, G, H e um indivíduo chamado "I" encontraram-se num estabelecimento designado por "Karaoke & Bar".
10. No dia 21/05/2003, cerca de 04H00 da madrugada, os arguidos A, E, G, H e o "I" ausentaram-se do referido bar e seguiram na viatura do arguido A, conduzido por este, de marca de "Mercedes Benz", para o Centro de Massagens Eléctricas.
11. Chegado ao local, junto da entrada do referido Centro de Massagens, ao verem as ofendidas B, C e D, os arguidos A e E cercaram-nas e agrediram a ofendida B, a socos e pontapés.
12. Depois, pedido pelo arguido A, as ofendidas B, C e D, acompanhadas pelo arguido E, apanharam um taxi para a residência sita no Endereço (1) (sendo esta a residência das últimas duas ofendidas e a da testemunha J), tendo os arguidos A, G, H e o "I" seguido atrás do taxi, na viatura acima referida, do arguido A.
14. Uma vez chegados ao referido apartamento, na sala de estar, os arguidos A e E agrediram novamente a ofendida B, a soco e pontapés.
15. Além de agredir a ofendida B, o arguido A deu bofetadas às ofendidas C e D.
16. Depois, os arguidos A, G, H obrigaram as ofendidas B, C e D a despir-se, e para tal o arguido A disse-lhes com voz em tom sério e alto: "Se não se despirem, vão ser agredidas até a morte!" ("如不脫衣服就打死你們!"); o arguido G disse à ofendida B com voz em tom sério e alto: "Dispa-se rapidamente, senão vamos bater-te!" ("快啲剝衫唔係就打你!") e o arguido H disse a esta: "Faz, rápida!" ("快啲做!").
17. As ofendidas B, C e D tiveram muito medo de ser agredidas novamente, por isso, acabaram por obedecer ao que os arguidos A, G, H tinham ordenado, despindo-se e ficando completamente nuas.
18. Ao mesmo tempo, o arguido E, sem consentimento da ofendida B, tirou da mala desta os seguintes objectos: um bilhete de avião da Vietnam Airlines, em nome da ofendida J; um bilhete de identidade do Vietnam, também em nome da ofendida J, uma caderneta de cor azul, uma agenda de cor de rosa e uma agenda pessoal, com fecho em tecido azul, contendo fotografias (cfr. o auto de apreensão a fls. 99 e 103).
19. A seguir, o arguido A mandou o arguido E para ir buscar um tubo plástico de escoamento duma máquina para lavar roupas (v. auto de exame directo a fls. 52, cuja fotografia se encontra a fls. 53) e, os dois arguidos ordenaram à ofendida B, para que metesse o tubo na sua vagina e se masturbasse em frente de todos os presentes.
20. Como o tal tubo era demasiado grosso e comprido, à ofendida B tentou várias vezes metê-lo na vagina, causando-lhe muitas dores, o que não conseguiu.
21. Depois, o arguido A mandou a ofendida B masturbar-se com a mão, em frente de todos os outros presentes, o que fez, utilizando para esse efeito o dedo indicador da mão esquerda, por ter medo de ser agredida se não obedecesse a ordem.
22. Mesmo durante a masturbação, a ofendida B ainda foi agredida pelos arguidos A e E.
23. Depois, o arguido A ordenou à ofendida D que ficasse no seu quarto.
24. A seguir, o arguido A ordenou à ofendida B que despisse as calças de ganga ao arguido G, e que praticasse coito oral com este, na sala de estar, em frente de todos os presentes.
25. A ofendida B, e porque teve muito medo, não se atreveu a recusar, pelo que, obedeceu ao que o arguido A tinha ordenado, praticando, assim, coito oral com o arguido G.
26. O arguido A chamou todos os presentes para entrarem no quarto, onde obrigou a ofendida C a praticar coito oral com o arguido G na presença de todos.
27. De seguida, o arguido A mandou as ofendidas B e C, para que juntassem e praticassem cópula com o arguido G ao mesmo tempo, e no decurso da cópula, os arguidos A e G obrigaram-nas a mudar sucessivamente das diferentes posições, e estas fizeram-no por ter receio de serem agredidas se não obedecessem.
28. Enquanto as ofendidas B e C estavam a ser obrigadas a praticar cópula com o arguido G, os arguidos A, E, H, e o "I" presenciavam a cena e gritavam em euforia.
29. No decurso da cópula com o arguido G, o arguido H aproveitou para, com as suas mãos, apalpar e esfregar com força, os seios das ofendidas B e C.
30. O arguido G tinha posto o seu membro viril nas bocas e penetrado, com este, dentro das vaginas das ofendidas B e C, embora não houvesse ejaculação.
31. Após o arguido G terminar a cópula, os arguidos A, E, G, H e o "I" ausentaram-se do local, mas antes de sair, o arguido A disse às ofendidas C e D para não deixar a ofendida B sair do apartamento, todavia, face a solicitações desta última, as ofendidas C e D acabaram por deixar sair a ofendida B, tendo assim, esta ofendida, oportunidade para participar à polícia.
32. As ofendidas B e C praticaram coito oral e vaginal com o arguido G, a medo e contra as suas vontades.
33. Quando praticava coito oral e vaginal com o arguido G, a ofendida B chorava, mas depois foi impedida pelo arguido A.
34. No decurso do coito oral e vaginal, as ofendidas B e C suportaram dores físicas e sofrimento psicológico.
35. A ofendida B sofreu feridas na face direita, cotovelo esquerdo e duas feridas de 0.5 cm e 1 cm, na vulva, tendo sido entendido, na opinião do médico legal, que a mesma ofendida tinha sofrido violência sexual (v. relatório de fls.25).
36. Um preservativo usado apreendido nos autos tem vestígio que podia ter sido do arguido G (conforme o relatório do exame do LPC a fls. 409 a 412).
37. No dia 23 de Maio de 2003, pelas 15H35, no Juízo de Instrução Criminal, sito no Dynasty Plaza, 4º andar, no NAPE, a arguida F, esposa do arguido A, sem qualquer consentimento e à revelia dos avisos afixados no local próprio, aproveitando a ausência do guarda da P.S.P., que se tinha deslocado à casa de banho, entrou na sala de testemunhas onde as ofendidas C, D e J estavam à espera para serem inquiridas.
38. Na sala, a arguida F falou, em mandarim às ofendidas C, D e J: "é melhor não "acusarem" o meu marido senão tu e meu marido também não ficarão descansados!" ("你們最好不要(告)我老公,否則你和我老公都不好過!").
39. Como a ofendida C percebia mandarim, traduziu logo as ditas palavras às ofendidas D e J.
41. A arguida F só deixou de falar com elas quando o guarda da PSP, regressou.
42. As ofendidas B e C, em consequência da agressão, sofreram as lesões descritas e examinadas a fls. 25 e 38, que aqui se dão por reproduzidas para todos os efeitos legais.
45. Os arguidos A e E actuaram por mútuo acordo e em conjugação de esforços, ao constrangerem a ofendida B, a fim desta praticar acto sexual de relevo, isto é, a masturbar-se com um tubo plástico de escoamento de uma máquina de lavar roupas e a seguir, masturbar-se com a mão, na presença de todos.
46. Os arguidos A e G actuaram por mútuo acordo e em conjugação de esforços, ao constrangerem as ofendidas B e C, a fim de estas praticarem acto sexual de relevo, isto é, coito oral com o arguido G, na presença de todos.
47. O arguido A sabia que não podia constranger as mulheres/ofendidas B e C, a ter relações sexuais de cópula com terceiro, contra suas vontades, mediante o uso de força física e ameaça grave, colocando-as na impossibilidade de resistir.
48. O arguido G bem sabia que não podia manter relações sexuais de cópula com as mulheres/ofendidas B e C, contra as suas vontades, mediante o uso de força física e ameaça grave, colocando-as na impossibilidade de resistir, e, com intenção de satisfazer a sua lascívia.
49. O arguido H bem sabia que não podia constranger as ofendidas B e C a fim de estas consigo ou com outrem, praticarem acto sexual de relevo.
51. O arguido A bem sabia que não podia molestar fisicamente as ofendidas B e C, sabendo não existirem razões válidas para tais agressões.
52. O arguido E bem sabia que não podia molestar fisicamente a ofendida B, sabendo não existirem razões válidas para tais agressões.
53. O arguido E, sabia, igualmente, que não podia subtrair e retiver o documento de identificação de outrem, e assim fez com intenção de causar prejuízo à titular do documento.
55. Os arguidos A, E, G e H agiram livre, voluntário e deliberadamente.
56. Os arguidos A, E, G e H tinham perfeito conhecimento de que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
*
Mais se provou:
Nos CRC dos arguidos nada consta a seu desabono.
Não confessaram os factos.
O 1º arguido é comerciante, tendo um rendimento mensal cerca de 200.000 patacas.
Tem a seu cargo dois filhos menores, de 3 e 4 anos de idade.
Tem como habilitações literárias a frequência o 3º ano do curso universitário, na Faculdade de Gestão Hoteleira na França.
O 2º arguido é operário de construção civil, com rendimento muito baixo.
Não tem ninguém a seu cargo.
Tem como habilitações literárias o curso primário.
O 3º arguido dedica no negócio familiar de jade em Taiwan, tendo um rendimento mensal cerca de 10.000 Hong Kong dólares.
Não tem ninguém a seu cargo.
Tem como habilitações literárias a frequência do 1º ano do curso secundário.
O 4º arguido é bate ficha nos casinos, auferindo 10.000 patacas por mês.
Não tem ninguém a seu cargo.
Tem como habilitações literárias a frequência do 5º ano do curso primário.
A 5ª arguida é gerente do restaurante em Shanghai, auferindo um vencimento mensal de 30.000 remimbis.
Tem, juntamente com o 1º arguido, a seu cargo dois filhos menores.
Tem como habilitações literárias o curso universitário do comércio internacional.
*
Factos não provados:
Os restantes factos relevantes da pronúncia e das contestações, e que não estejam em conformidade com a factualidade acima assente, nomeadamente:
1. O arguido A domina a língua vietnamita e é "cabeça das prostitutas" ("雞頭"), raparigas oriundas de Vietnam.
3. Desde a sua chegada, as ofendidas C e D foram acolhidas pelo arguido A.
4. Depois, elas foram apresentadas pelo arguido A a fim de trabalharem no Centro de Massagens Eléctricas.
5. O arguido A exigiu às ofendidas C e D para prestarar serviços sexuais a clientes naquele estabelecimento.
6. No início, como as ofendidas C e D não aceitaram tal pedido, o arguido A não lhes deu refeição, até que as mesmas acabaram por aceitar a prestação de serviços sexuais aos clientes, poucos dias depois.
7. Durante o período em que trabalhavam no referido Centro de Massagens Eléctricas, as ofendidas C e D tiveram cópula com mais de 30 clientes, cuja recompensa foi recebida pelo arguido A, tendo este dado as mesmas o montante de 200 patacas por semana para refeições.
8. Todos os dias, na hora da saída, o arguido A dirigia-se ao referido estabelecimento, a fim de verificar se as ofendidas C e D se tinham faltado ao trabalho.
12. O arguido A mandou o arguido E para vigiar as ofendidas B, C e D, tendo-lhes obrigado para deslocar de táxi à residência sita no Edf..
13. Como tiveram muito medo de ser agredidas, as referidas três ofendidas não se atreveram a fugir e obedeceram ao que o arguido A tinha ordenado, seguindo num taxi juntamente com o arguido E para o referido apartamento.
38. Na sala de testemunhas, a arguida F falou com as ofendidas C, D e J.
39. A ofendida C ficou com muito medo.
40. Ao perceberem-se do que a arguida F tinha dito, as ofendidas D e J ficaram com muito medo.
43. Os arguidos A e E actuaram por mútuo acordo e em conjugação de esforços, obrigaram às ofendidas B, C e D para se deslocar a um certo local, contra suas vontades, tendo por objectivo "castigá-las".
44. Para tal os referidos arguidos recorreram à violência e ameaça com mal importante, para que não se atrevessem de oferecer resistência.
50. O arguido A sabia que não podia e explorava a actividade de prostituição em relação às ofendidas C e D.
53. O arguido E, sabia, igualmente, que não podia retirar com força, bem sabendo que tais objectos não lhe pertenciam, querendo fazê-los seus.
54. A arguida F bem sabia que não podia tentar impedir ou frustrar a actividade probatória, ameaçando as ofendidas C, D e J, para não "acusarem" o arguido A, ora seu marido, tendo assim, como intenção, evitar que o mesmo fosse submetido a pena.
55. A arguida F agiu livre, voluntário e deliberadamente.
56. A arguida F tinha perfeito conhecimento de que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
III - O Direito
1. As questões a resolver. Irrecorribilidade.
São três as questões suscitadas pelo recorrente:
i) Se o acórdão recorrido é nulo por falta de fundamentação de facto e de direito, por não ter avaliado a culpa do recorrente – ao concluir pela existência de comparticipação criminosa por parte dos 1.º a 4.º arguidos – e, não obstante, ter decidido manter as penas aplicadas ao recorrente;
ii) Se os dois crimes de ofensas à integridade física foram consumidos pela condenação do recorrente pela prática de dois crimes de violação contra as mesmas ofendidas;
iii) Se o crime de coacção sexual sofrida pela ofendida B foi consumido pela condenação do recorrente pela prática de um crime de violação contra a mesma ofendida.
As duas últimas questões não serão conhecidas por, nessa parte, o acórdão recorrido não ser impugnável.
Na verdade, o TSI confirmou a decisão de primeira instância no que tange aos crimes de ofensas à integridade física, previstos e puníveis pelo art. 137.º, n.º 1 do Código Penal, com a penalidade de prisão até 3 anos ou com pena de multa, e de coacção sexual, previsto e punível pelo art. 158.º do Código Penal, com a penalidade de 2 a 8 anos de prisão.
Nos processos n. os 20/2003 e 25/2003 deste Tribunal de Última Instância, respectivamente, de 17 de Setembro e de 15 de Outubro, ambos de 2003, decidimos não serem recorríveis acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelo TSI, que confirmem decisão de primeira instância, em processo por crime a que seja aplicável pena de prisão não superior a 10 anos, mesmo em caso de concurso de infracções, face à previsão da alínea g) do n.º 1 do art. 390.º do Código de Processo Penal.
Aí se entendeu que:
“... a interpretação a dar à expressão “mesmo em caso de concurso de infracções” é a de que é necessário que a penalidade aplicável a cada crime exceda 8 ou 10 anos de prisão, respectivamente, nos casos das alíneas f) e g) do n.º 1 do art. 390.º, ainda que esteja em causa um concurso de infracções.
É esta, aliás, a opinião de GERMANO MARQUES DA SILVA,1 a propósito de norma semelhante do Código português, quando refere que “...a expressão mesmo em caso de concurso de infracções significa aqui que não importa a pena aplicada no concurso, tomando-se em conta aqui a pena abstractamente aplicável a cada um dos crimes...”.
Não se afigura, pois, admissível o recurso no que respeita às questões suscitadas a propósito dos crimes de ofensas à integridade física, previstos e puníveis pelo art. 137.º, n.º 1 do Código Penal, e do crime de coacção sexual, previsto e punível pelo art. 158.º do Código Penal.
Veio, contudo, o recorrente defender a tese de que “... admissível sendo o recurso, o tribunal pode e deve sempre conhecer de todas as questões de direito suscitadas ainda que não se prendam directamente com o crime que abriu a porta do recurso, por força do princípio do conhecimento amplo fixado no art.º 392.º, n.º 1, do C. P. Penal.
4. No caso dos autos, no entanto, a situação assume uma particular natureza porque, diferentemente da questão geral, as questões atinentes aos crimes de ofensas à integridade física e de coacção sexual estão intrinsecamente ligadas ao crime principal, de violação discutindo-se a existência de concurso (real ou aparente) que impõem sempre uma análise conjugadas dos vários crimes por que foi condenado o recorrente, não se tratando, sequer, de uma discussão autónoma em relação a esses outros tipos-de-ilícito”.
Não se subscreve este entendimento.
Quanto à primeira questão, entende-se que o facto de uma decisão do acórdão recorrido ser recorrível, isso não implica que todas as decisões constantes do mesmo acórdão o sejam. Na verdade, a recorribilidade das decisões condenatórias do TSI, proferidas, em processo penal, em segundo grau de jurisdição, dependem da gravidade das infracções (art. 390, n.º 1, alíneas f) e g) do Código de Processo Penal). Seria incongruente, pois, admitir recurso das decisões sobre crimes menos graves ou simples bagatelas penais, tais como contravenções, apenas porque o TUI conhece do recurso na parte atinente aos crimes mais graves, para o conhecimento dos quais a sua competência não se discute.
De resto, o art. 392.º, n.º 1, do Código de Processo Penal nada tem que ver com a questão em apreço, limitando-se a dizer que “Sem prejuízo do disposto no artigo seguinte, o recurso interposto de uma sentença abrange toda a decisão”.
Esta norma deve ser entendida no sentido de que, na falta de indicação em contrário, o recurso de sentença abrange toda a decisão e interpretada conjuntamente com o n.º 1 do art. 393.º do Código de Processo Penal (“É admissível a limitação do recurso a uma parte da decisão quando a parte recorrida puder ser separada da parte não recorrida, por forma a tornar possível uma apreciação e uma decisão autónomas”) e aproximada do n.º 2 do art. 589.º do Código de Processo Civil, que dispõe: “Se a parte dispositiva da sentença contiver decisões distintas, pode o recorrente restringir o recurso a qualquer delas, especificando no requerimento a decisão de que recorre; na falta de especificação, o recurso abrange tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente”.
Na verdade, está implícito que o recurso abrange toda a decisão, desde que esta seja recorrível.
Ou seja, a norma em questão não tem o entendimento de que se a sentença contiver decisões distintas, a recorribilidade de uma parte da sentença implica o conhecimento, por parte do tribunal de recurso, de decisões irrecorríveis.
Quanto à segunda questão, e não obstante se reconhecer uma ligação entre as várias decisões, importa esclarecer que o recorrente foi condenado em penas parcelares pela prática de dois crimes de ofensas à integridade física, previstos e puníveis pelo art. 137.º, n.º 1 do Código Penal, de um crime de coacção sexual, previsto e punível pelo art. 158.º do Código Penal, e de dois crimes de violação, p. e p. pelo artº 157°, n° 1, al. b) do Código Penal.
O que o recorrente pretende é que o TUI revogue as condenações pela prática de dois crimes de ofensas à integridade física, previstos e puníveis pelo art. 137.º, n.º 1 do Código Penal e de um crime de coacção sexual, previsto e punível pelo art. 158.º do Código Penal, embora com o fundamento de que foram consumidos pela condenação pelos crimes de violação.
Portanto, o que o recorrente pretende é que o TUI conheça da condenação por crimes de que não cabe recurso para o TUI. Ora, tal não é possível.
2. Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada. Objecto do processo.
Há, apenas, que apreciar a questão da alínea i), que é a de saber se o acórdão recorrido é nulo por falta de fundamentação de facto e de direito, por não ter avaliado a culpa do recorrente – ao concluir pela existência de comparticipação criminosa por parte dos 1.º a 4.º arguidos – e, não obstante, ter decidido manter as penas aplicadas ao recorrente.
É manifesta a falta de razão do recorrente. Face aos factos provados, o acórdão recorrido considerou que os quatro primeiros arguidos agiram em comparticipação. Quer dizer, o acórdão recorrido qualificou juridicamente os factos provados como integrando uma situação de comparticipação criminosa, aliás, tal como o recorrente pedira. Não há qualquer falta de fundamentação de facto e de direito do acórdão, porque este avaliou a culpa do recorrente. Simplesmente, entendeu que a situação de comparticipação não o beneficiava, por não ser abonatória a seu favor e acrescentou que até poderia agravar a sua situação – o que não fez atento, certamente, o principio da proibição da reformatio in pejus - tendo relevado o paralelo com o Código anterior, em que a comparticipação era considerada uma circunstância agravante.
E o acórdão recorrido não poderia ter reenviado o processo para novo julgamento para averiguar factos novos já que não havia quaisquer factos a averiguar, dado que a comparticipação já resultava dos factos provados e o Tribunal apenas se limitou a qualificar juridicamente a situação. Ainda que assim não fosse, não seria possível averiguar novos factos, não descritos na acusação nem na contestação, desde que não se verificasse, como não se verificava, o condicionalismo dos arts. 339.º e 340.º do Código de Processo Penal, como se decidiu nos acórdãos deste Tribunal de 20 de Março de 2002 e de 30 de Janeiro de 2003, respectivamente, Processos n. os 3/2002 e 18/2002.
IV – Decisão
Face ao expendido, acordam:
A) Não conhecer do recurso no que respeita às questões suscitadas a propósito dos crimes de ofensas à integridade física, previstos e puníveis pelo art. 137.º, n.º 1 do Código Penal, e do crime de coacção sexual, previsto e punível pelo art. 158.º do Código Penal:
B) Rejeitar o recurso na parte restante.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 6 UC, suportando, ainda, 6 UC pela rejeição.
Macau, 15 de Dezembro de 2004
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) - Sam Hou Fai - Chu Kin
1 GERMANO MARQUES DA SILVA, Curso de processo penal, Editorial Verbo, Lisboa, 2000, 2.ª ed., vol. III, p 325.
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Processo n.º 44/2004