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Processo n.º 2/2005. Recurso jurisdicional em matéria penal.
Recorrente: Ministério Público.
Recorridos: A, B, C e D.
Assunto: Recurso para o Tribunal de Última Instância. Alteração da qualificação jurídica. Violação da lei. Cumprimento formal da lei. Violação substancial da lei. Graduação da pena.
Data do Acórdão: 23 de Fevereiro de 2005.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator), Sam Hou Fai e Chu Kin.
SUMÁRIO:
I – Para efeitos de admissibilidade de recurso para o Tribunal de Última Instância, em processo penal, nos termos da alínea f) do n.º 1 do art. 390.º do Código de Processo Penal, releva a penalidade aplicável à respectiva forma do crime – crime consumado ou tentativa, autoria ou cumplicidade.
II – O tribunal de recurso pode (deve) alterar a qualificação jurídica adoptada pela instância inferior ou pelo recorrente na motivação de recurso, desde que se mantenha dentro da questão suscitada no recurso.
III – Há violação da lei se o aplicador desta a cumpre formalmente, obedecendo à letra da lei, mas violando o seu espírito ou substância.
IV – Viola o disposto no art. 65.º, n. os 1 e 2 do Código Penal o tribunal que utiliza os seus poderes de graduação/redução das penas com fundamento que não condiz com o fim previsto nas referidas normas.
O Relator,
Viriato Manuel Pinheiro de Lima

   ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:
   
   I – Relatório
   O Tribunal Colectivo do Tribunal Judicial de Base, por Acórdão de 14 de Maio de 2004, decidiu o seguinte:
   A) Condenar o (1.º) arguido A pela prática, em co-autoria material e na forma consumada de três crimes p. e p. pelo art. 198.º n.° 2 alínea e) e pelo art. 197.º do Código Penal na pena de dois anos e seis meses de prisão por cada;
   B) Em cúmulo foi condenado na pena de quatro anos de prisão;
   C) Condenar o (2.º) arguido B pela prática, em co-autoria material e na forma consumada de dois crimes p. e p. pelo art. 198.º n.° 2 alínea e) e pelo art. 197.º do Código Penal na pena de dois anos e três meses de prisão por cada;
   D) Em cúmulo foi condenado na pena de três anos e dois meses de prisão;
   E) Condenar o (3.º) arguido C pela prática, em autoria material e na forma consumada de um crime p. e p. pelo art. 198.º n.° 2 alínea e) e pelo art. 197.º do Código Penal na pena de dois anos e três meses de prisão, por um crime p. e p. pelo art. 12.º da Lei n.° 2/90/M na pena de sete meses de prisão, por um crime p. e p. pelo art. 14.º da Lei n.° 2/90/M na pena de dois meses de prisão e por um crime p. e p. pelo art. 323.º n.° 2 do Código Penal na pena de nove meses de prisão;
   F) Em cúmulo foi condenado na pena de dois anos e nove meses de prisão;
   G) Condenar o (4.º) arguido D pela prática, em autoria material e na forma tentada de um crime p. e p. pelo art. 198.º n.° 2 alínea e) e pelo art. 197.º do Código Penal na pena de dois anos e três meses de prisão, que suspenderam na sua execução por três anos.
   
   Interposto recurso jurisdicional pelo arguido C, o Tribunal de Segunda Instância (TSI), por Acórdão de 14 de Dezembro de 2004, deu provimento parcial ao recurso interposto pelo mesmo arguido e alterou as penas dos restantes arguidos, oficiosamente, da seguinte forma:
   A) O arguido A foi condenado pela prática, em co-autoria material e na forma consumada de três crimes p. e p. pelo art. 198.º n.° 2 alínea e) e art. 197.º do Código Penal na pena de dois anos de prisão cada;
   B) Em cúmulo, foi condenado na pena de dois anos e três meses de prisão;
   C) O arguido B foi condenado pela prática, em co-autoria material e na forma consumada de dois crimes p. e p. pelo art.º 198.º n.° 2 alínea e) e art. 197.º do Código Penal na pena de dois anos de prisão cada;
   D) Em cúmulo, foi condenado na pena de dois anos e dois meses de prisão;
   E) O arguido C foi condenado pela prática, em autoria material e na forma consumada de um crime p. e p. pelo art. 198.º n.° 2 alínea e) e art. 197.º do Código Penal na pena de dois anos de prisão, um crime p. e p. pelo art.º 12.º da Lei n.° 2/90/M na pena de sete meses de prisão, um crime p. e p. pelo art.º 14.º da Lei n.° 2/90/M na pena de dois meses de prisão e um crime p. e p. pelo art. 323.º n.° 2 do Código Penal na pena de um mês de prisão;
   F) Em cúmulo, foi condenado na pena de dois anos de prisão;
   G) O arguido D foi condenado pela prática, em autoria material e na forma tentada de um crime p. e p. pelo art. 198.º n.° 2 alínea e) e art. 197.º do Código Penal na pena de seis meses de prisão, que suspenderam na sua execução por três anos.
   
   Não conformado, recorre o Ministério Público para este Tribunal de Última Instância (TUI), terminando a sua motivação, com as seguintes conclusões:
   1 - Através do presente recurso, pretende-se impugnar a decisão do Tribunal de Segunda Instância na parte respeitante à qualificação jurídica dos factos e, consequentemente, à redução das penas aplicadas pelo Tribunal Judicial de Base para o crime de furto qualificado.
   2 - Salvo o devido respeito e independentemente da discussão sobre a questão de o Tribunal de recurso poder ou não alterar "ex officio" a qualificação jurídica procedida pelo Tribunal a quo que acha incorrecta, afigura-se-nos que, se o Tribunal entendeu não poder alterá-la oficiosamente, não parece haver razão para que seja reduzida a pena aplicada por este Tribunal, a não ser que existem outros fundamentos.
   3 - Comparando os comprimentos dos cabos eléctricos furtados nas diferentes ocasiões e tendo em conta os valores obtidos pelos arguidos pela venda dos fios de cobre extraídos nas duas primeiras vezes, parece-nos que se deve concluir, já que é permitido ao Tribunal tirar ilações da matéria de facto dada como assente, que o valor dos produtos furtados pelos arguidos na última vez é superior a 500 patacas, sendo certo que os cabos eléctricos valiam mais que os fios de cobre extraídos dos mesmos.
   4 - Afigura-se-nos correcta a subsunção jurídica dos factos no crime de furto qualificado.
   5 - E no que concerne aos factos praticados pelos 1º e 2º arguidos em várias ocasiões, entendemos que não devem ser qualificados como um crime de furto qualificado na forma continuada, pela falta de alguns pressupostos do crime continuado, sobretudo o dolo global e a persistência de uma solicitação exterior que facilite a execução e em consequência diminua consideravelmente a culpa do agente.
   6 - Nos autos ficou provado que não são mesmos os agentes que praticaram os vários casos de furto, sendo o primeiro furto praticado apenas pelo 1.º arguido, o segundo pelos 1.º e 2.º arguidos e o terceiro pelos 4 arguidos. E neste último caso ocorrido em 29-10-2003 os 1.º e 2.º arguidos conheceram os 3.º e 4.º arguidos e combinaram praticar o furto no mesmo dia.
   7 - Todas as vezes em que praticaram os crimes, os arguidos tinham de forçar a fechadura da porta principal do parque de estacionamento ou utilizar tesoura de ferro para cortar o corrente de ferro colocado na porta de ferro para poderem introduzir-se no respectivo parque onde furtaram os objectos.
   8 - Para nós, tais circunstâncias revelam a "renovação" de resolução criminosa por parte dos arguidos e a não existência de qualquer situação exterior facilitadora da execução dos crimes, pois que cada vez em que entraram no parque de estacionamento tinham de ultrapassar obstáculos colocados no local.
   9 - Daí que as condutas dos arguidos não devem ser integradas na figura do crime continuado, sob pena de violar o disposto no n 2.º do art.° 29.º do CPM.
   10 - Em relação à medida da pena, deve manter as penas parcelares e a pena unitária encontradas pelo Tribunal Judicial de Base para os arguidos, com excepção do 3.º arguido C, uma vez que este passou a ser condenado na pena de um mês de prisão pelo crime p.p. pelo art.° 323.º n.° 2 do CPM, pelo que se deve proceder ao novo cúmulo jurídico das penas.
   11 - Nos termos do n.° 2 do art.° 71.º do CPM, achamos adequada fixar uma pena não inferior a 2 anos e 5 meses de prisão para o arguido C, cuja execução não deve ser declarada suspensa.
   12 - O douto Acórdão ora recorrido padece de erro em qualificação jurídica dos factos dados como provados, violando o disposto no n.° 2 do art.° 29.º, no n.° 4 do art.° 198.º e no n.° 2 do art.° 71.º do CPM.
   Em resposta, o arguido A defendeu a improcedência do recurso.
   A Ex.ma Magistrada do Ministério Público emitiu parecer mantendo a posição assumida na motivação do recurso.
   
   II – Os factos
   Os factos que as instâncias deram como provados e não provados são os seguintes:
   O 1.º arguido e o 2.º arguido conheceram-se por volta de Outubro de 2003, e em virtude de ambos ter perdido dinheiro no jogo, conspiraram em praticar actividades de furto no interior do parque de estacionamento subterrâneo situado no troço n.° 1 do [Endereço (1)].
   Durante a madrugada do dia 23 do mesmo mês o 1.° arguido entrou no parque de estacionamento após ter forçado a fechadura da respectiva porta principal. No interior do parque de estacionamento, o arguido cortou parte dos cabos eléctricos submarinos de alta voltagem que estavam ali colocados (com comprimento não inferior a 250m, pertencentes à Sociedade), a seguir, tirou a película plástica que revestia os aludidos cabos subterrâneos, donde extraiu os fios de cobre. Após o que, removeu dali os fios de cobre e transportou-os, sucessivamente, para uma loja desconhecida de recolha de artigos inutilizados, onde vendeu-os por duas mil e tal patacas, quantia essa que o guardou.
   Durante a madrugada do dia 27 do mesmo mês, os dois arguidos entraram no parque de estacionamento após ter forçado a fechadura da respectiva porta principal. No interior do parque de estacionamento, os arguidos cortaram parte dos cabos eléctricos submarinos de alta voltagem que estavam ali colocados (com comprimento não inferior 125m, pertencentes à Sociedade), a seguir, tiraram a película plástica que revestia os aludidos cabos subterrâneos, donde extraíram os fios de cobre. Após o que, os referidos dois arguidos removeram dali os fios de cobre e transportaram-nos para uma loja de recolha de artigos antigos denominada "X" situada no [Endereço (2)], onde venderam-nos por mil e tal patacas, quantia essa foi depois repartida pelos dois arguidos em partes iguais.
   Os cabos eléctricos que os 1.° e 2.º arguidos cortaram e removeram, cuja quantia não foi apurada.
   No dia 29 de Outubro de 2003, o 1.º e o 2.º arguidos conheceram o 3.º e o 4.º arguidos num jardim situado na zona de Nam Wan, e combinaram, por volta de 23h50 daquela noite, para se encontrarem todos juntos por fora do aludido parque de estacionamento, tendo utilizado tesoura de ferro para cortar o corrente de ferro colocado na porta de ferro e depois introduziram-se no respectivo parque de estacionamento.
   Os quatro arguidos, depois de entrar no parque de estacionamento, cortaram os cabos eléctricos submarinos de alta voltagem de diâmetros diferentes, com um comprimento não inferior a 120m (que também eram pertencentes à referida sociedade ofendida) e depois abriram parte da película plástica dos cabos eléctricos, donde retiraram os fios de cobre aí encontrados.
   Os cabos eléctricos cortados nesta ocasião valiam em quantia não apurada.
   Os quatro arguidos, quando estavam a pôr em duas carrinhas de mão os cabos eléctricos que tinham retirado e se preparando para deixar o local, foram interceptados por agentes da Policia Judiciária.
   Além disso, o 3.º arguido tinha sido expulso da RAEM, em 22 de Agosto de 2003, por ter permanecido aqui clandestinamente, tendo-lhe sido dado conhecimento de que não podia voltar a entrar ou permanecer na RAEM dentro do prazo de dois anos.
   No dia 29 de Outubro de 2003, o 3.º arguido, após ser interceptado por agente da PJ, declarou que se chamava C1, nascido a 7 de Março de 1970.
   No dia 31 de Outubro do mesmo ano, o 3.º arguido, no Juízo de Instrução Criminal da RAEM, na altura em que se sujeitou ao interrogatório sobre os seus elementos de identificação, continuou a identificar-se como sendo C1, nascido a 7 de Março de 1970.
   O 1.º e o 2.º arguidos estavam bem cientes e agiram consciente e voluntariamente ao retirar, no curto espaço de tempo, bens pertencentes a outrem, por meio de danificação da porta do recinto a que se destinava para depósito de mercadorias.
   O 3.º e o 4.º arguidos estavam bem cientes, e agiram consciente e voluntariamente, juntamente com o 1.º e 2.º arguidos, ao retirar objectos pertencentes a outrem, por meio de danificação da porta do recinto a que se destinava para depósito de mercadorias.
   O 3.º arguido também de forma ciente, voluntária e consciente prestou falsas declarações sobre a sua identidade junto de autoridade policial e órgão judiciária da RAEM, a fim de não vir a ser detectado que antes tinha sido expulso e interditado de voltar a entrar na RAEM, tendo entrado novamente na RAEM dentro do prazo que lhe fora estipulado.
   Os referidos arguidos sabiam perfeitamente que a sua conduta era proibida e punida por Lei.
   A ofendida Sociedade deseja indemnização pelos danos sofridos.
   O 1.º arguido era desempregado.
   É casado e tem o pai a seu cargo.
   Confessou os factos e não é primário.
   O 2.º arguido era empregado de mesa e auferia o vencimento mensal de cinco mil dólares de HK.
   É casado e tem a mulher a seu cargo.
   Confessou os factos e não é primário.
   O 3.º arguido era operário e auferia o vencimento mensal de mil e quinhentas e sessenta reminbis.
   É casado e tem a mulher e a filha a seu cargo.
   Confessou os factos e não é primário.
   O 4.º arguido era agricultor.
   É solteiro e tem o filho a seu cargo.
   Confessou os factos e é primário.
   Não ficaram provados os seguintes factos: os restantes factos da acusação.
   
   III - O Direito
   1. Delimitação do objecto do recurso
   Os quatro arguidos foram condenados em primeira instância pela prática de furtos qualificados: o 1.º arguido por três crimes, o 2.º arguido por dois crimes, o 3.º arguido por um crime e o 4.º arguido por um crime na forma tentada (embora nos factos não se tope qualquer diferença na actuação dos 3.º e 4.º arguidos. Esta circunstância não releva agora, já que o Ministério Público se conformou e não recorreu da decisão do Tribunal Judicial de Base). O 3.º arguido foi condenado, ainda, por crimes de outra natureza.
   O TSI discordou da qualificação. Por um lado, entendeu que os furtos não eram qualificados, por não se ter apurado o valor dos bens furtados, pelo que se teria de considerar um valor não superior a MOP$500,00, o que, nos termos do art. 198.º, n.º 4 do Código Penal, desqualificaria os furtos. Por outro lado, entendeu que haveria continuação criminosa, pelo que tanto o 1.º, como o 2.º arguidos, só teriam cometido um crime de furto e não três e dois, respectivamente.
   Simplesmente, como só o 3.º arguido recorreu para o TSI e não suscitou estas questões (limitou-se a pedir a suspensão das penas ou a sua redução), o mesmo TSI decidiu que não podia conhecer delas oficiosamente, pelo que manteve as decisões atinentes à condenação por crimes de furto qualificado (e não furto simples ou não qualificado) e em concurso real (e não em continuação criminosa).
   Sucedeu, no entanto, que o TSI, apesar disso, isto é, apesar de ter afirmado expressamente que a lei processual não lhe permitia alterar tais qualificações, veio a reduzir as penas aplicadas aos furtos por essas mesmas razões, ou seja, por os furtos serem de valor diminuto (não qualificados) e por serem apenas um, em continuação criminosa (e não três e dois, em concurso real, respectivamente, relativamente, aos 1.º e 2.º arguidos).
   Adiante expressaremos a nossa opinião sobre estas decisões. Nesta sede, de delimitação do objecto do recurso, importa, apenas, salientar que não iremos apreciar se os furtos foram qualificados ou não, ou se foram praticados pelos 1.º e 2.º arguidos em continuação criminosa ou em concurso real. É que o TSI decidiu que não podia alterar as qualificações jurídicas feitas pelo tribunal de primeira instância, por não terem sido objecto de recurso. E, por outro lado, o ora recorrente, o Ministério Público, concorda com as qualificações jurídicas feitas. Assim, já que o ora recorrente não impugna as qualificações mantidas pelo TSI, o TUI não irá questioná-las, visto não se tratar de matéria de conhecimento oficioso. Na verdade, como se disse no Acórdão deste Tribunal, de 16 de Março de 2003, no processo n.º 1/2003, o tribunal de recurso pode alterar oficiosamente a qualificação jurídica do tribunal recorrido, desde que se mantenha dentro da questão suscitada no recurso. Mas se a questão não é suscitada no recurso, não pode, em regra, o tribunal de recurso conhecer dela, a menos que se trate de matéria de conhecimento oficioso. Ora, as questões não são suscitadas no presente recurso, visto que o recorrente concorda com a solução atinente às qualificações. E não se trata de matéria de conhecimento oficioso.
   Deste modo, não iremos questionar a qualificação dos furtos como qualificados, nem que se trataram de vários crimes, em concurso real, no que concerne aos 1.º e 2.º arguidos.
   Está em causa, portanto, no presente recurso, a questão de saber se o acórdão recorrido violou a lei ao reduzir as penas parcelares e os cúmulos jurídicos dos arguidos, com excepção da pena pelo crime do art. 323.º, n.º 2, do Código Penal, a que foi condenado o 3.º arguido, não objecto de recurso.
   
   2. Por outro lado, não cabe recurso relativamente ao 4.º arguido. Este foi condenado, em primeira instância, pela prática, em autoria material e na forma tentada de um crime p. e p. pelo art. 198.º n.° 2 alínea e) e pelo art. 197.º do Código Penal na pena de dois anos e três meses de prisão, suspensa na sua execução por três anos. O MP não impugnou, como já se disse, a condenação do arguido por mera tentativa. O acórdão recorrido manteve a qualificação jurídica e alterou a pena para seis meses de prisão, suspensa na sua execução por três anos.
   Pois bem, não cabe recurso para o TUI, dos acórdãos proferidos pelo TSI, em recurso, por crime a que seja aplicável pena de multa ou pena de prisão não superior a oito anos [art. 390.º, n.º 1, alínea f) do Código de Processo Penal].
   Ao autor de crime de furto qualificado previsto no n.º 2 do art. 198.º do Código Penal cabe a pena máxima de 10 anos de prisão, mas ao autor de tentativa do mesmo furto qualificado cabe a pena máxima de 6 anos e 8 meses de prisão e ao cúmplice de tentativa deste furto qualificado cabe a pena máxima de 4 anos, 5 meses e 10 dias de prisão [arts. 198.º, n.º 2, 22.º, n.º 2, 67.º, n.º 1, alínea a), 26.º, n.º 2 e 67.º, n.º 1, alínea a), todos do Código Penal].
   Sendo o critério legal, no que toca à admissibilidade de recurso para o TUI, em processo penal, o da gravidade da pena máxima,1 em abstracto,2 aplicável ao crime, é claro que releva, para este efeito, a penalidade aplicável à respectiva forma do crime – crime consumado ou tentativa, autoria ou cumplicidade.
   Ou seja, para efeitos do disposto no art. 390.º, n.º 1, alínea f) do Código de Processo Penal, dos três exemplos apontados, só no primeiro caso cabe recurso para o TUI. Logo, cabendo ao crime do 4.º arguido a pena aplicável máxima de 6 anos e 8 meses de prisão, não é admissível recurso para o TUI.
   
   3. Normas violadas
   O acórdão recorrido violou a lei. Na verdade, embora discordasse do entendimento do tribunal de primeira instância, de que os furtos fossem qualificados e que tivessem sido praticados em concurso real, o acórdão recorrido entendeu que não podia alterar essa matéria, por não ter sido objecto de recurso. Mas levou em conta tais circunstâncias para reduzir as penas e para proceder a cúmulo jurídico altamente favorável aos arguidos. Como é evidente, não podia fazê-lo. É que respeitar o aspecto formal da lei – a sua letra - mas violá-la na sua substância ou no seu espírito, não deixa de ser uma violação da lei. Se o tribunal de recurso entende – bem ou mal – que a lei prescreve que ele (tribunal de recurso) tem determinados poderes e não outros, este tem de se conformar e retirar daí todas as ilações. Não se pode fazer entrar pela janela, o que se recusou a entrada pela porta.
   Quer dizer, o TSI utilizou os seus poderes de graduação/redução das penas com fundamento que não condiz com o fim que a lei (art. 65.º, n. os 1 e 2 do Código Penal) visou ao conferir-lhe tais poderes.
   Foram, pois, violados o art. 65.º, n. os 1 e 2 do Código Penal, que estabelece os critérios para a determinação da medida da pena, e o princípio geral de direito de que a violação da lei resulta tanto da sua violação directa, como da sua violação indirecta que consiste no cumprimento da letra da lei, mas violando o seu espírito.
   
   4. Fixação das penas
   Tendo o acórdão recorrido violado a lei ao alterar penas parcelares e cúmulos jurídicos com fundamento não previsto legalmente, a consequência é a de se manterem as penas fixadas pelo Tribunal Judicial de Base. Porém, o 3.º arguido C foi o único que recorreu para o TSI, tendo pedido a suspensão da pena e a sua redução, a título de atenuação especial.
   Iremos apreciar estas questões, nos termos do art. 393.º do Código de Processo Penal.
   O 3.º arguido, C, foi condenado em primeira instância, pela prática, em autoria material e na forma consumada de um crime p. e p. pelo art. 198.º n.° 2 alínea e) e pelo art. 197.º do Código Penal na pena de dois anos e três meses de prisão, por um crime p. e p. pelo art. 12.º da Lei n.° 2/90/M na pena de sete meses de prisão, por um crime p. e p. pelo art. 14.º da Lei n.° 2/90/M na pena de dois meses de prisão e por um crime p. e p. pelo art. 323.º n.° 2 do Código Penal na pena de nove meses de prisão. Em cúmulo foi condenado na pena de dois anos e nove meses de prisão.
   O TSI alterou a condenação por um crime p. e p. pelo art. 323.º n.° 2 do Código Penal para a pena de um mês de prisão, não objecto de recurso. E pela prática, em autoria material e na forma consumada de um crime p. e p. pelo art. 198.º n.° 2 alínea e) e art. 197.º do Código Penal condenou-o na pena de dois anos de prisão. As penas por um crime p. e p. pelo art. 12.º da Lei n.° 2/90/M - sete meses de prisão e por um crime p. e p. pelo art. 14.º da Lei n.° 2/90/M - dois meses de prisão não foram alteradas.
   Em cúmulo, foi condenado na pena de dois anos de prisão.
   É da experiência comum que o objecto furtado tinha um valor razoável, embora não concretamente apurado. Na verdade, tratavam-se de cabos eléctricos submarinos de alta voltagem (fls. 226 e 227), sendo o seu interior de cobre, que os arguidos retiraram. Não se tratava do vulgar fio eléctrico utilizado para ligar electrodomésticos. No primeiro furto o cabo tinha comprimento não inferior a 250 metros. O cobre retirado foi vendido por mais de duas mil patacas. No 2.º furto, o comprimento do cabo era não inferior a 125 metros e o cobre retirado foi vendido por mais de mil patacas. No 3.º furto, o que está agora em causa, o comprimento do cabo era não inferior a 120 metros.
   É da experiência comum que os objectos furtados e vendidos posteriormente são-no sempre por valor muito inferior ao de mercado quando, como é o caso, se pode concluir da proveniência criminosa dos bens. Por outro lado, os valores indicados referem-se ao cobre vendido, apenas um dos componentes dos cabos, pelos que estes teriam sempre um valor superior.
   Com estes factos, qualquer pessoa pode deduzir que o objecto furtado teria um valor razoável sempre superior, em qualquer dos casos, a MOP$500,00, pelo que, se o TSI tivesse decidido – para efeitos de qualificação dos furtos - que o valor era diminuto, teria havido erro notório na apreciação da prova.
   O crime foi praticado em co-autoria.
   O arguido confessou os factos, mas a confissão não é particularmente relevante, pois foi preso em flagrante pela Polícia Judiciária. Não é primário.
   Parece-nos razoável a pena fixada em primeira instância de dois anos e três meses de prisão, não havendo qualquer fundamento para a sua redução, muito menos para a sua atenuação especial.
   Afigura-se-nos que o cúmulo jurídico ajustado é de dois anos e cinco meses de prisão.
   Não se vê motivo para a suspensão da pena por a simples censura do facto e a ameaça de prisão não realizarem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, atentos os vários crimes cometidos e o facto de não ser primário (art. 48.º, n.º 1 do Código Penal).
   As questões suscitadas pelo 3.º arguido no recurso para o TSI, por se fundarem em motivos estritamente pessoais, não aproveitam aos restantes arguidos, sendo que o Tribunal não conheceu oficiosamente de outras questões [art. 392.º, n.º 2, alínea a) do Código de Processo Penal].
   
   IV – Decisão
   Face ao expendido, dão provimento parcial ao recurso e revogam o acórdão recorrido, ficando a subsistir o acórdão do Tribunal Colectivo do Tribunal Judicial de Base, com excepção:
   - da pena aplicada pelo TSI ao 3.º arguido C pela prática de um crime p. e p. pelo art. 323.º n.° 2 do Código Penal - pena de um mês de prisão - não objecto do presente recurso;
   - da pena aplicada pelo TSI ao 4.º arguido D - pena de seis meses de prisão, suspensa na sua execução por três anos - de que se não admite o recurso;
   - e do cúmulo jurídico relativamente ao 3.º arguido C que é, agora, fixado em dois anos e cinco meses de prisão.
   Custas pelo 1.º arguido A, fixando a taxa de justiça em 2 UC. Fixam em MOP$1.500,00 patacas os honorários ao ilustre defensor oficioso do 1.º arguido e em MOP$300,00 patacas os honorários dos restantes ilustres defensores oficiosos dos arguidos.
   
   Macau, 23 de Fevereiro de 2005
   
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) - Sam Hou Fai - Chu Kin
1 Cfr. os acórdãos do TUI de 17 de Setembro de 2003, Processo n.º 20/2003, 15 e 24 de Outubro de 2003, respectivamente, Processos n.os 25/2003 e 24/2003 e 15 de Dezembro de 2004, Processo n.º 44/2004.
2 Mas não em concreto. É irrelevante, por exemplo, para a determinação da moldura da pena aplicável ao crime, para efeitos de se saber se cabe recurso para o TUI, que o tribunal a quo tenha atenuado especialmente a pena, nos termos do art. 67.º do Código Penal.
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Processo n.º 2/2005

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Processo n.º 2/2005