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Recurso nº 183/2005
Recorrente: A



Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.:
O arguido A respondeu nos autos do Processo Comum Singular nº CR2-05-0014-PCS perante o Tribunal Judicial de Base.
Realizada a audiência de julgamento, o Tribunal decidiu que
- Condena o arguido A pela prática, em autoria material, na forma consumada e com dolo, de um crime de usura para jogo, p. e p. pelo art. 13.º n.º 1 da Lei n°. 8/96/M, conjugado o art. 219°, n°.1 do CPM, é fixado em 1 ano de pena de prisão efectiva. Além disso, como pena acessória, fique o arguido interdito de entrar nos casinos da RAEM, por um período de 3 anos , nos termos do artigo 15° da Lei n°.8/96/M.
- Condena o arguido ao pagamento em pagamento em MOP500, nos termos e para os efeitos do disposto no n° 2 do artigo 24° do DL n°.6/98/M, de 17 de Agosto.
Com esta decisão não conformou recorrente para este Tribunal o arguido, alegando, em síntese o seguinte:
1. O recorrente A recorreu da decisão de 1.ª instância proferida pela juíza em 31 de Maio de 2005 que o condenou pela prática de um crime de usura para jogo previsto pelo art. 13.º n.º 1 da Lei n.º 8/96/M (com referência ao art. 219.º n.º 1 do Código Penal de Macau) em co-autoria material e na forma consumada e com dolo, na pena de 1 ano de prisão efectiva e na pena acessória de interdição de entrada nos casinos da R.A.E.M por um período de 3 anos.
2. O recorrente alegou que existiram na referida decisão as questões jurídicas previstas pelo art. 400.º n.º 2 alíneas a) e c) do Código de Processo Penal, isto é, a insuficiência de factos provados para decisão e o erro notório incorrido na apreciação das provas, os quais provocaram a nulidade da decisão.
3. Na audiência de julgamento, não foi ponderado nem julgado que o recorrente explorou a situação de necessidade, anomalia psíquica, incapacidade, inépcia, inexperiência ou fraqueza de carácter do devedor ou relação de dependência para praticar o crime de usura para jogo previsto pelo art. 219.º n.º 1 do Código Penal de Macau.
4. Segundo o auto elaborado em 23 de Maio de 2004 na P.J de Macau, o auto de declaração para futura memória procedido em 24 de Maio de 2004 no Juízo de Instrução Criminal de Macau, é expressamente manifestado que o lesado B burlou, de forma premeditada, o dinheiro do amigo do recorrente.
5. A conduta do lesado no plano jurídico é com intenção ilícita, fazendo com que o recorrente caísse na armadilha previamente criada, pelo que o recorrente tinha sido premeditadamente colocado na situação ilícita.
6. No auto de declaração para futura memória do lesado, o recorrente apenas se encarregou de fazer apostas e cabia à outra senhora desconhecida e ao outro indivíduo que estava de pé por detrás desta retirar o juro na cada aposta, o que está em contradição óbvia com o descrito na audiência de julgamento “cabia ao arguido (ora recorrente) retirar o juro combinado”. Esta contradição constitui um dos requisitos para determinar o crime de usura para jogo.
7. Das referidas circunstâncias, a conduta do recorrente não constitui o crime de usura para jogo previsto pelo Código Penal, não devendo o mesmo ser punido com respectiva pena, pelo que a decisão de 1.ª instância contém os fundamentos do recurso previstos pelo art. 400.º n.ºs 1 e 2 alíneas a) e c).
8. Por isso, o juiz do tribunal ad quem deve revogar nos termos de lei a decisão de 1.ª instância e absolver o recorrente da acusação criminal.
9. Ou seja, se o juiz do tribunal ad quem não esteja de acordo com o fundamento do recurso, deve ponderar a função desempenhada pelo recorrente no presente processo, a baixa ilicitude da conduta, o acto do recorrente resultante da armadilha premeditadamente criada pelo lesado, o acto do recorrente já corrigido, o arrependimento profundo deste, bem como o facto de que a mulher e o pai têm sofrido doença e que os filhos frequentam na escola, para além de tomar em conta um trabalho fixo e estável que o recorrente actualmente possui (empreendeu as obras de decoração residencial), para conceder ao recorrente a suspensão de execução de pena por um período de 1 ano.
      Pede a procedência do presente recurso.
  
Ao recurso responderam o Ministério Público que concluiu que:
1. Através da leitura dos referidos factos comprovados pelo tribunal a quo na audiência de julgamento, os factos comprovados indubitavelmente abrangem todos os requisitos constitutivos do crime de usura para jogo, factos objectivos e subjectivos, o arguido – ora recorrente do presente processo cometeu em co-autoria um crime de usura para jogo p. e p. pelo art. 13.º n.º 1 da Lei n.º 8/96/M.
2. Consideram unanimamente tanto doutrina como jurisprudência de Macau: Da insuficiência de provas, entende-se que apenas com base nos referidos factos, não se pode extrair a decisão do direito ou o tribunal não consegue apurar todos os factos referidos pela acusação, contestação e pelo debate na audiência de julgamento.
3. Tal como está previsto no art. 13.º da Lei n.º 8/96/M (usura para jogo): Quem, com intenção de alcançar um benefício patrimonial para si ou para terceiro, facultar a uma pessoa dinheiro ou qualquer outro meio para jogar, é punido com pena correspondente à do crime de usura.
4. A constituição deste crime não requer que o agente explore a situação de necessidade, anomalia psíquica, incapacidade, inépcia, inexperiência ou fraqueza de carácter do devedor ou relação de dependência deste, fizer com que ele prometa ou se obrigue a conceder, sob qualquer forma, a se favor ou a favor de outra pessoa, vantagem pecuniária que for, segundo às circunstâncias do caso, manifestamente desproporcionada face à contraprestação. Aqui reside a distinção entre o crime de usura para jogo e o crime de usura previsto pelo art. 219.º do Código Penal.
5. Portanto, o tribunal a quo com base nos factos provados, aplicou de forma correcta o disposto do art. 13.º n.º 1 da Lei 8/96/M, condenando o réu pela prática de um crime de usura para jogo. É verdade que a decisão recorrida não contém o vício previsto pelo art. 400.º n.º 2 alínea a) do Código de Processo Penal.
6. O recorrente considerou que os factos provados na decisão recorrida são insuficientes para esta decisão condenatória, extraindo uma conclusão decorrente da confusão dos requisitos constitutivos do crime de usura para jogo com os do crime de usura previsto pelo art. 219.º do Código Penal, designadamente o vício no entender do recorrente puramente resulta da mal interpretação do mesmo dos referidos dispositivos legais.
7. Como é sabido de todos, o “erro notório na apreciação das provas” é aquele que é evidente, que não escapa ao homem comum, de que um observador médio se apercebe com facilidade Só que a incompatibilidade dos factos provados é percebida com facilidade por homem comum face à referida decisão, ou seja, quando o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou ou não provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável, o tribunal incorre o erro óbvio na apreciação das provas.
8. O vício, nomeadamente, o erro notório na apreciação das provas indicado pelo art. 400.º n.º 2 alínea c) do Código de Processo Penal, tal como outros dois vícios referidos pela mesma cláusula, deve resultar dos elementos constantes dos autos, por si só ou conjugados com as regras de experiência comum.

9. Após a análise da referida decisão recorrida, não há erro notório entendido pelo recorrente e existente entre os factos que se teve como provados ou não provados e a conclusão, antes pelo contrário a decisão recorrida é proferida conforme as regras de experiência comum com base nos juízos correspondentes, lógicos e concatenantes, não padecendo do vício previsto pelo art. 400.º n.º 2 alínea c) do Código de Processo Penal.
10. Se bem que “cabia ao arguido (recorrente) retirar o juro combinado”, este facto pelo tribunal comprovado esteja em contradição óbvia com o facto de que “cabia à outra senhora desconhecida e ao outro indivíduo que estava de pé por detrás desta retirar o juro na cada aposta”, é óbvio que esta contradição não resulta dos elementos constantes dos autos nem dos conjugados com as regras de experiência comum, mas sim proveniente da diferença entre os factos provados pelo tribunal e os que devem ser provados na opinião do próprio recorrente.
11. De facto, na audiência de julgamento, o arguido confessou no jogo, encarregado de retirar o juro combinado, depois entregou este a uma senhora desconhecida que estava sentada ao lado da mesa de jogo para fazer contas e guardar, o que corresponde à declaração prestada pelo arguido próprio na fase de inquérito. O tribunal comprovou os referidos factos consoante a declaração prestada pelo arguido na audiência de julgamento e os respectivos dados constantes dos autos.
12. Portanto, o recorrente na sua motivação negou sua declaração prestada na audiência de julgamento e a confissão dos referidos factos, tendo exposto outro tipo de facto no seu recurso e achado o erro notório incorrido na apreciação de provas pelo tribunal a quo, o que é evidentemente inaceitável.
13. Conforme o art. 48.º do Código Penal, a suspensão da execução da pena deve preencher os seguintes requisitos fundamentais; 1) requisito formal, isto é, a pena de prisão aplicada em medida não superior a 3 anos; 2) requisito material, ou seja, o prognóstico social favorável ao arguido, ou ainda, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, o tribunal pode tirar a seguinte conclusão: a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
14. No presente caso, arguido (recorrente) não é primário, com vários antecedentes que incluem a condenação pela prática do crime de usura para jogo, isto quer dizer, a decisão, proferida pelo tribunal que aplicou ao arguido a multa e a suspensão da execução da pena, não produziu um forte efeito de advertência ou ameaça no arguido, nem que afaste o arguido do novo cometimento do crime sem violar a lei criminal; o arguido (recorrente) não confessou completamente e sem reserva os factos criminosos imputados, sem ter manifestado o arrependimento pelos actos praticados; no entretanto, não existe nenhuma circunstância necessária que possa atenuar a ilicitude de factos ou culpa do agente ou obviamente as penas aplicadas.
15. Disso se pode ver que não há razões fortes que justifiquem a concessão da suspensão da execução de pena, seja na esfera da personalidade, das condutas anteriores e posteriores ao crime, seja no plano de prevenção geral e especial, da finalidade visada pela punição. Ou seja, a simples censura do facto ou ameaça da prisão – suspensão da execução da pena, neste caso, não é um meio eficaz de realizar de forma adequada e suficiente as finalidades.
16. Portanto, a decisão de não conceder a suspensão da execução da pena aplicada ao arguido, proferida pelo tribunal a quo tendo em plena consideração a situação actual do presente caso, é correcta e adequada, sem que seja necessariamente alterado.
  Pelo exposto, o recurso interposto pelo recorrente é legalmente infundado, devendo ser rejeitado e com manutenção da decisão recorrida. (o art. 410.º n.º 1 do Código de Processo Penal)
  
  
    Nesta instância, a Digna Procurador-Adjunto apresentou o seu douto parecer que se transcreve o seguinte:
    “Na motivação, o recorrente A, tendo pretextado a insuficiência da matéria de facto provado para decisão e o erro notório incorrido pelo Tribunal Judicial de Base na apreciação do facto, requereu que o Tribunal de Segunda Instância “revogasse” a decisão recorrida, alterasse-a para a absolvição do crime acusado, além de propor a suspensão da execução da pena como seu pedido suplementar.
    Estamos de pleno acordo com o entendimento e a opinião do Magistrado do M.P na sua resposta face à motivação do recurso, considerando que a motivação do recorrente, sem que seja legalmente fundada, é obviamente improcedente.
    De facto, o vício de insuficiência da matéria de facto provado para decisão posto em causa pelo recorrente é baseado no seu mal entendimento do crime que lhe foi imputado, ou seja, o recorrente embora saiba literalmente o crime de usura para jogo p. e p. pelo art. 13.º n.º 1 da Lei n.º 8/96/M (com referência ao art. 219.º n.º 1 do Código Penal de Macau), pressupõe, na sua análise da questão, os requisitos constitutivos do crime de usura previsto pelo art. 219.º do Código Penal, o que constitui um ponto de partida errado, conduzindo a uma conclusão falsa.
    Segundo o art. 13.º n.º 1 da Lei n.º 8/96/M Quem, com intenção de alcançar um benefício patrimonial para si ou para terceiro, facultar a uma pessoa dinheiro ou qualquer outro meio para jogar, é punido com pena correspondente à do crime de usura.
    Obviamente, o crime de usura referido no respectivo dispositivo apenas se relaciona com a questão de pena. Aqui, os legisladores, com uso da técnica legislativa de não fixação directa da moldura penal, adaptam a pena que visa ao crime de usura igualmente ao crime de usura para jogo previsto pelo art. 13.º da Lei n.º 8/96/M. Além disso, os legisladores não tinham mais intenção de usar os requisitos constitutivos do crime de usura como se fossem os do crime de usura para jogo, pelo que é obviamente errado analisar o segundo com os requisitos constitutivos do primeiro.
    Comparando o respectivo teor dos referidos dispositivos legais, sabemos perfeitamente que são muito diferentes os requisitos constitutivos dos dois crimes, como no crime de usura para jogo, os legisladores não exigem que o agente explore a situação de necessidade, anomalia psíquica, incapacidade, inépcia, inexperiência ou fraqueza de carácter do devedor, ou relação de dependência. Por isso, o tribunal não precisa ponderar se o devedor do presente caso estava nesta situação especial ou se o recorrente explorava esta situação do devedor, sem que necessariamente comprove estes factos.
    Ademais, o disposto do art. 219.º n.º 4 do Código Penal também não é aplicável ao crime de usura para jogo.
    É obviamente nada razoável o ponto de vista do recorrente que baseando-se nos requisitos constitutivos do crime de usura previsto pelo Código Penal, pôs em causa o crime de usura para jogo que lhe foi imputado, tendo alegado a insuficiência da matéria de factos pelo tribunal a quo comprovados para decisão.
    Após a análise dos factos pelo tribunal comprovados, consideramos que os factos são suficientes para satisfazer todos os requisitos constitutivos do crime de usura para jogo previsto pelo art. 13.º da Lei n.º 8/96/M, não é nada imprópria a qualificação jurídica do recorrente feita pelo tribunal a quo.
    Em relação ao erro notório incorrido pelo tribunal a quo na apreciação das provas, o fundamento concebido pelo recorrente está ancorado na contradição notória entre os factos, isto é, o lesado na declaração para futura memória assinalou que cabia a uma senhora e outro indivíduo desconhecido retirar juro de empréstimo, mas na audiência de julgamento, foi esclarecido que o recorrente se encarregou de retirar o juro combinado.
    Como é sabido de todos, as jurisprudências da R.A.E.M unanimamente consideram que o erro notório na apreciação de provas refere-se ao erro incorrido pelo tribunal nos factos provados, isto quer dizer, o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou ou não provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável, ou seja, o tribunal na apreciação de provas violou as regras sobre o valor de prova necessariamente observadas. Este erro deve ser evidente, não escapa ao observador médio, de que qualquer homem comum se apercebe com facilidade.
    Na apreciação de provas, a convicção livre é o princípio que se tem aplicado no processo criminal, devendo o tribunal apreciar as provas em conformidade com sua convicção livre, salvo disposição legal em contrário.
    In casu, o recorrente tendo se fundamentado na declaração prestada pelo lesado, retirou uma conclusão obviamente errada de que o tribunal a quo incorreu o erro notório na apreciação de provas.
    Mas como indicado pelo tribunal a quo na sua decisão, o tribunal não formou sua convicção apenas com base na declaração do lesado, mas provou os factos do processo após a síntese do materiais, provas documentais, as alegações do recorrente e das testemunhas.
    Partindo das provas expostas na audiência de julgamento, não se vê nenhuma prova segundo a lei fora da apreciação livre do tribunal, nem as provas vinculativas ao tribunal e não passível da apreciação livre do tribunal a quo. Portanto, o tribunal a quo pode, em plena conformidade com a sua convicção propriamente formado, dar como provado e não provado os determinados factos.
    O recorrente questionou que o tribunal a quo não adoptou o depoimento pelo lesado prestado, o que é absolutamente infundado, como a adopção de uma determinada prova só deve ser decidida após a síntese e a apreciação de todas as provas exercida pelo tribunal, sendo por isso inquestionável.
    Com a análise das matérias da prova utilizadas na formação da convicção pelo tribunal a quo constante do processo, em conjugação com as regras de experiência comum, não entendemos que destas provas, resultam necessariamente a conclusão de que o tribunal incorreu o erro na confirmação dos factos, sendo certo que o tribunal não cometeu nenhum erro evidente que se apercebe o cidadão comum com facilidade.
    Não podemos deixar de referir que segundo a acta de audiência de julgamento, embora o recorrente negasse que tinha fornecido o dinheiro para jogo, confessou a participação nos factos criminosos constantes da acusação. O tribunal a quo na exposição dos fundamentos também assinalou que o recorrente confessou que acompanhava o lesado a fazer aposta, retirou o juro combinado e entregou-o a outra senhora. Sem dúvida, o recorrente confessou que participou na actividade de usura ilícita que lhe foi acusada, pelo que o tribunal deve atender à alegação do mesmo.
    Na realidade, no presente recurso, o recorrente está a pôr em causa a confirmação dos factos feita pelo tribunal a quo a fim de poder tentar pôr em causa a convicção livre do juiz através de exprimir suas opiniões divergentes relativas aos factos provados, o que não é permissível pela lei.
    O recorrente ainda considerou que o tribunal deve suspender a execução da pena que lhe foi aplicada.
    Em relação à aplicação da suspensão da execução da pena, a situação do recorrente indubitavelmente preenche o requisito formal para conceder a suspensão da execução da pena.
    Porém, segundo o art. 48.º do Código Penal, a suspensão da execução da pena não é um instituto que seja automaticamente aplicado à pena de prisão inferior a 3 anos. A sua aplicação é ainda determinada pelas outras condições previstas pela lei, sobretudo a verificação dos requisitos materiais: o tribunal antes de declarar a suspensão da execução da pena de prisão, deve tomar em conta a personalidade, as condições da vida, as condutas anteriores e posteriores ao crime e circunstâncias criminosas. O tribunal só pode declarar a suspensão da execução da pena de prisão quando considerar que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
    Por outras palavras, depois de ponderar as circunstâncias atrás enumeradas no seu todo, se ainda não conseguir ter uma convicção de que o agente não cometerá crime no futuro (isto reflecte que a simples ameaça de prisão não basta para evitar a repetição do crime do arguido), o tribunal não deve declarar a suspensão da execução da pena de prisão.
    Como é sabido de todos, nos termos do art. 40.º n.º 1 do Código Penal, a aplicação de penas e medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
    De modo geral, classificamos as finalidades de pena em prevenção geral e prevenção especial: o primeiro, enquanto o objectivo primordial da pena, não apenas visa a ameaça e a punição dos actos criminosos e do agente de crime, como também através da aplicação da pena, visa produzir efeitos positivos de restaurar e fortalecer a consciência jurídica dos cidadãos, garantir o vigor das normas jurídicas violadas por prática do crime bem como a expectativa depositada na segurança pública e individual, proteger os interesses públicos e individuais violados resultantes do acto criminoso; o segundo através da aplicação da pena ao agente do crime, sobretudo a execução da pena, visa a educação do agente, levando o mesmo a gravar na memória as consequências graves trazidas por si próprio, de tal modo que realize as finalidades de reprimir a repetição do crime e reintegrá-lo na sociedade.
    Da referida decisão recorrida depreende-se que o tribunal a quo não declarou a suspensão da execução da pena devido aos comportamentos do recorrente e às circunstâncias criminosas, sobretudo ao seu registo criminal (o que revela em certa medida a personalidade do recorrente): para além do cometimento dos outros tipos de crime, o recorrente, por violar o disposto no art. 13.º da Lei n.º 8/96/M, foi condenado respectivamente em Junho de 1998 e em Junho de 2001 na pena com suspensão da execução por um período de 2 anos. Porém, o recorrente não apreendeu a lição, continuou a cometer o crime do mesmo tipo.
    Pode-se ver que a simples censura do facto e a ameaça da prisão já não bastam para evitar o novo cometimento do crime e realizar a finalidade de prevenção especial.
    
    Por outro lado, ao determinar se concede a suspensão da execução da pena, não podemos deixar de considerar as necessidades de censura e de prevenção do crime.
    Como disse o Senhor Professor Doutor Dias, mesmo que se faça juízo favorável ao agente na perspectiva da prevenção especial – a reintegração na sociedade, o tribunal também não deve declarar a suspensão da execução da prisão se isto viole a exigência de censura e prevenção do crime. Não estamos a considerar a questão de culpa, mas sim a questão de prevenção geral atendendo à necessidade mínima e irrenunciável da defesa do ordenamento jurídico. (cfr. Direito Penal Português, pag. 340).
    Embora em contraste com outros crime que põem em perigo a vida da pessoa, o crime por recorrente cometido não é grave, porém, considerando a prática com frequência deste tipo do crime e sua alta possibilidade de repetição, além de ponderar o bem jurídico protegido pelos legisladores através da aplicação da pena bem como a exigência imediata de prevenir e combater o crime do mesmo tipo dai decorrente, achamos que é muito necessário restabelecer tanto quanto possível a confiança e o respeito que se tem nas disposições legais violadas e no ordenamento jurídico normal, para assegurar o funcionamento ordinário do casino e desenvolvimento ordenado e saudável da indústria de jogo.
    
    Face ao exposto, consideramos necessário aplicar ao recorrente a pena de prisão efectiva, como não se verificando as razões convincentes a ser ponderadas pelo tribunal para declarar a suspensão da execução da pena.
    Pelo exposto, entendemos que se deve rejeitar o recurso interposto pelo recorrente devido à sua improcedência, com manutenção da decisão original.”
    
    Cumpre conhecer.
    Foram colhidos os vistos dos Juizes-Adjuntos.
    
    À matéria de facto, foi dada por assente a seguinte factualidade:
- Em 24 de Maio de 2004, na madrugada, no Hotel Lisboa, B pediu a um indivíduo desconhecido um empréstimo destinado ao jogo. No entanto, um indivíduo alcunhado de “C” emprestou a B HKD30.000,00 destinado ao jogo.
- Foi fixada a condição de empréstimo segundo o qual B para além de devolver o capital, deveria retirar de cada aposta 15% a título de juros (sic.)
    
- Para isso, B, acompanhado pelo arguido A, foi jogar na sala D do Casino do Hotel Lisboa. Na aposta, o arguido retirou o juro combinado e entregou a uma senhora desconhecida que estava sentada ao lado da mesa de jogo para fazer contas e guardar.
- O arguido poderia adquirir do juro por ele retirado o interesse pecuniário cerca de 500 patacas.
- O arguido sabia bem que C já tinha emprestado a B HKD30.000,00 destinado ao jogo para além de conhecer as referidas condições de empréstimo.
- O arguido praticou livre, voluntária, consciente e dolorosamente os referidos actos.
- O arguido no casino, colaborou conjuntamente com outrem, prestando a B o empréstimo, a fim de obter para si benefícios ilegítimos.
- O arguido A sabia bem que os referidos actos eram proibidos e punidos pela lei.
Além disso, ainda foi apurado:
- O arguido é operário de decoração, mediante o salário de MOP$4.000,00 a 5.000,00, tem pai e mulher e dois filhos a seu cargo.
- Segundo o último C.R.C, o arguido não é primário.
- Nos registos dos crimes anteriormente cometidos pelo arguido, incluem:
 - O arguido por cometer um crime de injuria qualificada, foi condenado, em 11 de Julho de 2000, através do processo criminal sumário n.º PSM-068-00-6, na pena de 70 dias de multa que já foi paga em 29 de Janeiro de 2001.
 - O arguido por cometer um crime de usura para jogo, foi condenado em 28 de Junho de 2001 através do processo n.º PCC-084-00-4, na pena de 9 meses de prisão com suspensão da execução da pena por 2 anos e na pena acessória de interdição de entrada no casino por período de 2 anos.
 Além disso, o arguido tinha outros registos criminosos ligados à usura para jogo.
    Factos não provados:
- Pertence ao arguido A HKD30.000,00 destinado ao jogo e emprestado a B.
- Na acusação, não se verifica outros factos importantes não provados.
    O tribunal formou a sua convicção segundo os materiais, provas documentais, exposição das testemunhas, as opiniões da defensora e do Ministério Público.
    
    
Conhecendo.
    O recorrente assacou a decisão recorrida pelo vícios de insuficiência de factos provados para decisão e o erro notório incorrido na apreciação das provas, os quais provocaram a nulidade da decisão nos termos do art. 400.º n.º 2 alíneas a) e c) do Código de Processo Penal, pois na audiência de julgamento, não foi ponderado nem julgado que o recorrente explorou a situação de necessidade, anomalia psíquica, incapacidade, inépcia, inexperiência ou fraqueza de carácter do devedor ou relação de dependência para praticar o crime de usura para jogo previsto pelo art. 219.º n.º 1 do Código Penal de Macau.
    Para tanto, o recorrente invocou que o auto elaborado na P.J e o auto de declaração para futura memória demonstra que o lesado B burlou, de forma premeditada, o dinheiro do amigo do recorrente e que o recorrente apenas se encarregou de fazer apostas e cabia à outra senhora desconhecida e ao outro indivíduo que estava de pé por detrás desta retirar o juro na cada aposta, o que está em contradição óbvia com o descrito na audiência de julgamento “cabia ao arguido (ora recorrente) retirar o juro combinado”, contradição esta que constitui um dos requisitos para determinar o crime de usura para jogo, ou seja, das referidas circunstâncias, a conduta do recorrente não constitui o crime de usura para jogo previsto pelo Código Penal.
    Manifestamente não tem razão.
    Em primeiro lugar, o que alegou o recorrente quantos aos elementos constantes do auto da PJ e de declaração de memória futura, que não se trata de uma prova vinculada, cabe à livre convicção do Tribunal, nos termos do artigo 114º do Código de Processo Penal, convicção esta que não pode ser objecto de sindicação.
    Ainda por cima, o que alegou o recorrente não se encontra assentes na matéria provada para a decisão e se apresenta uma pretensão do recorrente para manifestar a sua mera discordância com a decisão de matéria de facto.
    Tanto, da indicação da prova para a formação da convicção do tribunal, não resultou a violação a experiência comum da vida nem resultou uma decisão ilógica e irracional, como, dos factos dados como provados, não se verifica qualquer lacuna da matéria de facto para uma decisão judiciosa, por isso não se pode imputar à decisão recorrida pelos vícios de error notório na apreciação de prova e insuficiência para a decisão da matéria de facto.
    No fundo, o que o recorrente alegou contende com a qualificação jurídica dos factos, ou seja, os factos não integra o crime de usura, pois entende o recorrente que não está provado que o recorrente explorava a situação de necessidade, anomalia psíquica, incapacidade, inépcia, inexperiência ou fraqueza de carácter do devedor ou relação de dependência para que se pudesse subsumir os facto no crime de usura para jogo previsto pelo art. 219.º n.º 1 do Código Penal de Macau.
    Dispõe o art. 13.º n.º 1 da Lei n.º 8/96/M:
    “Quem, com intenção de alcançar um benefício patrimonial para si ou para terceiro, facultar a uma pessoa dinheiro ou qualquer outro meio para jogar, é punido com pena correspondente à do crime de usura.”
    Quer dizer, o crime aí previsto dispõe os seus elementos constitutivos distintos do mesmo crime previsto no Código Penal, limintando-se porém a punir o mesmo crime na pena idêntica.
    Prevê o art. 219.º n.º 1 do Código Penal de Macau:
    “Quem, com intenção de alcançar um benefício patrimonial para si ou para outra pessoa, explorando situação de necessidade, anomalia psíquica, incapacidade, inépcia, inexperiência ou fraqueza de carácter do devedor, ou relação de dependência desde fizer com que ele prometa ou se obrigue a conceder, sob qualquer forma, a seu favor ou a favor de outra pessoa, vantagem pecuniária que for, segundo as circunstâncias do caso, manifestamente desproporcionada face à contraprestação, é punido com pena de prisão até 3 anos”.
    O artigo 13º da Lei nº 8/96/M pune o crime de “usura” apenas ocorrido nos casinos, o que se distinta quanto ao âmbito da aplicação do crime de usura previsto no Código Penal, que é mais exigente quanto aos elementos constitutivos, ou seja incluindo os elementos referidos pelo recorrente.
    Para constituir o crime de usura para jogos previsto no artigo 13º da Lei nº 8/96/M, basta um acto de “facultar a outrém dinheiro para jogar com intenção de alcançar um benefício patrimonial para si ou para terceiro.”
    Está provado que o ofendido pediu o empréstimo do dinheiro de um indivíduo desconhecido para jogo, o arguido ora recorrente fez acompanhar o ofendido no jogo, cumprindo, na cada aposta, retirar o juro combinado e entregar “a uma senhora desconhecida que estava sentada ao lado da mesa de jogo para fazer contas e guardar”.
    E provou-se também que o arguido, sabendo bem que já se tinham emprestado ao ofendido dinheiro destinado ao jogo para além de conhecer as referidas condições de empréstimo, poderia adquirir do juro por ele retirado o interesse pecuniário cerca de 500 patacas.
    Com estes factos é inequivocamente o arguido ora recorrente cometeu o crime previsto no referido artigo 8º, punível com pena prevista no artigo 219º do Código Penal, até 3 anos de prisão.
    
    Finalmente, quanto à suspensão de execução da pena de prisão, digamos ainda que se evidencia a improcedência do recurso.
    O artigo 48º do CPM confere ao julgador o poder-dever de suspender a execução da pena de prisão quando a pena de prisão aplicada o tenha sido em medida não superior a três anos e conclua que a simples censura do facto e ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, isto, tendo em conta a personalidade do agente, as condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste.
    Ou seja, para que uma pena não superior a 3 anos de prisão possa ser suspensa é necessário que o julgador, reportando-se ao momento da decisão e não ao da prática do crime, possa fazer um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento do arguido, no sentido de que a ameaça da pena seja adequada e suficiente para realizar as finalidades da punição.1
    A sentença considerou que “[t]endo em consideração os comportamentos anteriores e posteriores ao crime do arguido A, as circunstâncias criminosas, o facto do arguido não ser primário, isto é, pela prática do crime de usura para jogo, foi condenado, através do processo n.º PCC-084-00-4, na pena de 9 meses de prisão com suspensão de execução da pena por 2 anos; até ao termo do prazo para suspensão da execução da pena, o arguido tornou a praticar os factos imputados no presente processo, disso pode-se concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão não realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Por isso, o tribunal considerou que deve efectivamente executar a pena aplicada ao arguido do presente processo. (o art. 48.º do Código Penal de Macau)”.
    Esta consideração do Tribunal a quo nada é de censurar, pois, para nós, tendo ponderado todos os factos constantes dos autos, é de considerar não se poder decretar a suspensão de execução de pena de prisão, porque, quanto a nós, não basta uma simples censura do crime por que foi condenado e a suspensão se opõe às necessidades de reprovação e prevenção do crime, quer geral quer especial.
    Pelo que, pela manifesta improcedência dos fundamentos, rejeita o recurso.
    
    Acordam neste Tribunal de Segunda Instância em rejeitar o recurso interposto pelo arguido A.
    Custas pelo recorrente, com a taxa de justiça de 4 UC’s e o igual montante da remuneração nos termos do artigo 410º nº 4º do Código de Processo Penal.
    Atribui-se ao Ilustre defensor oficioso a remuneração em MOP$800,00.
    
Macau, RAE, aos 18 de Maio de 2006

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Choi Mou Pan
(Relator)

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João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira
(Primeiro Juiz-Adjunto)

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Lai Kin Hong
(Segundo Juiz-Adjunto)
    
1 In Maia Gonçalves , Código Penal Português, anotado e comentado, 10ª Edição-1996, p. 233 em que citou o Ac. do STJ de Portugal de 11 de Maio de 1995, do processo 47577/3ª.
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