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   ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:
   
   I – Relatório
   O Tribunal Colectivo do Tribunal Judicial de Base, por Acórdão de 20 de Janeiro de 2005, condenou o arguido A, como autor material de um crime previsto e punível pelo art. 8.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 5/91/M, de 28.1, e pelos arts. 69.º e 70.º do Código Penal, a título de reincidência, na pena de 11 (onze) anos de prisão e multa de MOP$25000,00 (vinte e cinco mil patacas), ou, em alternativa em 150 (cento e cinquenta) dias de prisão.
   
   Tendo interposto recurso para o Tribunal de Segunda Instância (TSI), este Tribunal, por Acórdão de 7 de Abril de 2005, rejeitou o recurso, por manifesta improcedência.
   Novamente inconformado, interpôs recurso para este Tribunal de Última Instância, pedindo:
   1. A alteração do enquadramento jurídico feito pelas instâncias, feita a convolação do crime do art.º 8.º para o do art. 9.º e condenado o recorrente apenas por um crime do art. 9.º do DL n.º 5/91/M.
   2. A anulação do julgamento e determinado o reenvio dos autos;
   3. De qualquer modo, a atenuação da pena aplicada, dado por verificado o circunstancialismo do art.º 18.º do mesmo Decreto-Lei.
   Para tanto, formulou as seguintes conclusões:
   1.ª Existe, no caso sub judicio, susceptibilidade de impugnação do douto Acórdão proferido pelo Venerando Tribunal de Segunda Instância.
   2.ª Imputa o ora recorrente ao douto Acórdão recorrido os vícios do erro notório na apreciação da prova, da contradição insanável na fundamentação e, consequência daqueles vícios, o do erro de direito ligado à qualificação jurídica dos factos (erro de julgamento), erro de direito na não ponderação e aplicação, no caso, da atenuante especial do art. 18.º do DL 5/91/M.
   3.ª O primeiro erro de direito que se imputa à douta decisão recorrida importa uma causa da sua nulidade por se verificar uma falta de indicação dos motivos de facto que determinaram o Ilustre Colectivo a incriminar os factos no art.º 8.º ao invés de o fazer no art. 9.º e, por isso, em violação do disposto no n.º 2 do art. 355.º do C.P.Penal.
   4.ª Atentos os valores quantitativos líquidos das substâncias apreendidas no acto de tráfico praticado pelo recorrente só poderia ser enquadrado no art. 9.º e não no art. 8.º do DL n.º 5/91/M.
   5.ª A incriminação pelo art. 8.º só pode ter sido possível a partir do entendimento de que o arguido ora recorrente não destinava parte dos produtos encontrados na sua residência a consumo próprio (após a necessária soma das quantidades líquidas dos produtos sintéticos apreendidos nos dois distintos momentos ao recorrente).
   6.ª Acontece, porém, que a sentença da 1.ª instância não oferece qualquer explicação - havendo omitido totalmente os motivos de facto da sua conclusão - para o facto de ter dividido em duas partes as substâncias apreendidas na residência do arguido e de concluir que uma parte se destinava a consumo próprio do arguido e outra não se destinava a consumo próprio do arguido.
   7.ª Para além dessa absoluta falta de indicação dos motivos de facto de tal distinção, a conclusão de que o arguido não destinava a consumo próprio as duas últimas substâncias mencionadas (MDMA e mecloqualona) mostra-se em visível contraste com o facto de haver o colectivo em 1.ª instância sido dado como provado que o arguido ora recorrente «chegou a consumir drogas, tais como canabis, mecloqualona, MDMA e nimetazepam» (nelas surgindo incluídas as duas substâncias que o tribunal retirou da esfera de consumo próprio do recorrente), importando uma condenação fundada numa mera presunção, em clara violação do princípio in dubio pro reo.
   8.ª Nos termos do art. 360.º do Código de Processo Penal, é nula a sentença "que não contiver as menções referidas no n.° 2 e na alínea b) do n.º 3 do art. 355.º"; ora, demonstrado estando que o douto tribunal de 1.ª instância não fez qualquer indicação dos motivos de facto que o determinaram a dividir em duas partes as substâncias apreendidas na residência do recorrente, demonstrada está a nulidade do acórdão.
   9.ª O princípio da livre convicção do julgador, não é insindicável, pois tem limites que se impõem à ampla liberdade que a lei confere ao julgador, porque a liberdade de apreciação da prova é uma liberdade que tem de estar de acordo com o dever de perseguição da verdade material, o que exige que a apreciação da prova tenha de ser feita de acordo com critérios objectivos e, por isso, susceptíveis de motivação e controlo.
   10.ª Era absolutamente essencial que o tribunal explicasse o raciocínio lógico que o levou a uma tal conclusão e que deixasse claro o processo cognoscitivo que o levou, de entre os produtos apreendidos na residência do arguido, a apurar quais destinava ao tráfico e quais destinava a seu próprio consumo.
   11.ª Para além dessa absoluta falta de indicação dos motivos de facto de tal distinção, a conclusão de que o arguido não destinava a consumo próprio as duas últimas substâncias mencionadas (MDMA e mecloqualona) mostra-se em visível contraste com o facto de haver o colectivo em 1.ª instância sido dado como provado que o arguido ora recorrente «chegou a consumir drogas, tais como canabis, mecloqualona, MDMA e nimetazepam» (nelas surgindo incluídas as duas substâncias que o tribunal retirou da esfera de consumo próprio do recorrente, importando uma condenação fundada numa mera presunção, em clara violação do princípio in dubio pro reo.
   12.ª Existem ainda nos autos elementos de informação documental que não foram ponderados pelas instâncias e que impunham que houvesse sido dada por verificada a circunstância atenuante modificativa do art. 18.º do Decreto-Lei n.º 5/91/M.
   13.ª O recorrente permitiu à PJ a captura de um traficante, o qual, ouvido na PJ e no Ministério Público, confessou que era o fornecedor do arguido ora recorrente, o que levou o MP a indiciá-lo por um crime p. e p. pelo art. 8.º do DL n.º 5/91/M (...) e, face à gravidade dos factos (...) a promover a aplicação da medida de coacção da prisão preventiva.
   14.ª Do exposto decorre que o arguido ora recorrente auxiliou, com a sua colaboração concreta, a recolha de provas que permitiram a captura de um traficante de droga, situação que a lei configura como um facto justificativo de livre atenuação da pena ou até mesmo de isenção da pena.
   15.ª Por razões que não resultam dos autos, o referido traficante não veio a ser acusado nos autos e submetido a julgamento mas uma tal opção das autoridades judiciárias não apaga, porém, o facto de haver o arguido ora recorrente beneficiado dessa excepcional circunstância atenuativa, ignorada ou desatendida pelas instâncias.
   16.ª Pelo que se impõe a ponderação desse facto com aplicação de uma medida proporcionada de atenuação da pena do recorrente (qualquer que seja a medida concreta dela que vier a ser encontrada).
   17.ª A decisão recorrida violou a norma do art. 355.º, n.º 2 do C. P. Penal e a norma do art. 8.º do DL n.º 5/91/M (pela sua aplicação) e as dos arts. 9.º e 18.º do mesmo DL (pela sua não aplicação). Violou ainda o princípio in dubio pro reo.
   
   Na sua resposta, o Ex.mo Procurador-Adjunto defendeu a rejeição do recurso, por manifesta improcedência.
   No seu parecer, o Ex.mo Procurador-Adjunto manteve a posição assumida na resposta à motivação de recurso.
   
   II – Os factos
   Os factos que as instâncias deram como provados e não provados e a respectiva motivação, são os seguintes:
   A partir de Janeiro de 2004, o arguido A começou a vender drogas a B.
   Em 28 de Abril de 2004, pelas 22H00, a Polícia organizou B para telefonar ao arguido A, mentindo ao dizer que necessitou de drogas e tendo combinado com o mesmo que iria proceder, em 29 de Abril, pelas 0H00, ao tráfico de drogas, em frente à porta do Edif, sito no [Endereço (1)].
   Em 29 de Abril, pelas 0H10, o arguido A chegou ao local combinado acima referido, tendo sido interceptado pela polícia.
   Durante a intercepção, o arguido A deitou um embrulho de plástico transparente no chão.
   A polícia de imediato apanhou este embrulho de plástico transparente, tendo encontrado no interior cinco comprimidos e três embalagens de plástico transparente com pós de cor branca, respectivamente com peso (incluindo a embalagem) de 1,13g, 1,38g e 1,34g.
   Após o exame laboratorial, os cinco comprimidos contêm MDMA, substância abrangida pela Tabela II-A anexa ao Decreto-Lei n.º 5/91/M, com peso líquido total de 1,883g (com peso de 0,783g segundo análise quantitativa), as três embalagens supracitadas de pós de cor branca contêm ketamina, substância abrangida pela Tabela II-C anexa ao mesmo Decreto-Lei, com peso líquido total de 2,957g (com peso de 2,881 g segundo análise quantitativa).
   As drogas supracitadas foram adquiridas pelo arguido A junto de um indivíduo de identidade desconhecida, nos quais cinco comprimidos e uma embalagem de ketamina iriam ser vendidos a B enquanto o resto também não servia para consumo próprio.
   A polícia depois de ter detido o arguido A, foi à residência sita no [Endereço (2)] e ali procedendo a uma busca, tendo encontrado nesta fracção autónoma:
   1. um cigarro enrolado fabricado pelo próprio;
   2. uma nota no valor nominal de MOP$10,00 que embrulhou pós de cor branca;
   3. oito comprimidos da cor preta;
   4. nove comprimidos da cor laranja-clara;
   5. quatro embalagens de pós da cor branca;
   6. três embalagens do plástico transparente.
   Após o exame laboratorial, o cigarro enrolado fabricado pelo próprio contem marijuana, substância abrangida pela Tabela I-C anexa ao Decreto-Lei n.º 5/91/M, com peso líquido de 0,239g; todos os pós de cor branca acima referidos contêm ketamina, substância abrangida pela Tabela II-C anexa ao mesmo Decreto-Lei, com peso líquido de 17,940g (com peso de 17,541g segundo análise quantitativa); os oito comprimidos da cor preta acima referidos contêm MDMA, substância abrangida pela Tabela II-A anexa ao mesmo Decreto-Lei, com peso líquido total de 3,020g (com peso de 1,277g segundo análise quantitativa); os nove comprimidos da cor laranja-clara contêm nimetazepam, substância abrangida pela Tabela IV anexa ao mesmo Decreto-Lei, com peso líquido total de 1,534g.
   As drogas supracitadas foram adquiridas pelo arguido A junto do indivíduo da identidade desconhecida, nos quais o cigarro enrolado de marijuana fabricado pelo próprio e ketamina embrulhada na nota no valor nominal de MOP$10,00, nove comprimidos de cor laranja-clara que contêm nimetazepam serviam para consumo próprio enquanto as demais drogas adquiridas e detidas, designadamente, oito comprimidos de cor preta que contêm MDMA e quatro embalagens de pós de cor branca que contêm ketamina não serviam para consumo próprio.
   O embrulho de plástico transparente supracitado é utensílio utilizado pelo arguido A para embrulhar drogas.
   O arguido A agiu livre, voluntária, consciente e deliberadamente.
   Ele sabia bem a natureza e característica das drogas acima referidas. As suas condutas não são permitidas por nenhuma lei.
   Ele tinha conhecimento perfeito de que sua conduta era proibida e punida por lei.
*
   Outros factos provados:
   O arguido consumia as drogas tais como marijuana, ketamina, MDMA, nimetazepam etc.
   Na investigação, o arguido forneceu activamente à Polícia o local para esconder drogas.
   Na audiência de julgamento, o arguido confessou parcialmente os factos imputados.
   De acordo com o último CRC do arguido, o mesmo não é primário.
   Em 4 de Junho de 1998, o arguido, no PCC n.º CC.88/98 do 5.º Juízo deste Tribunal (hoje em dia, CR2-98-0042-PCC) foi condenado na pena de 7 anos de prisão e MOP$5.000,00 (cinco mil patacas) de multa ou não sendo paga nem substituída por trabalho, em 100 dias de prisão, pela prática de um crime de tráfico e actividades ilícitas, executada de imediato. O acórdão depois de ser confirmado pelo antigo Tribunal Superior de Justiça de Macau, em 26 de Outubro de 1998, passou a ser transitado em julgado. Em 17 de Novembro de 1997, o arguido cometeu o crime de tráfico e actividades ilícitas supracitado.
   Em 17 de Novembro de 1997, o arguido começou a cumprir a pena em prisão, até 23 de Julho de 2002 e foi libertado condicionalmente com o prazo de libertação condicional até 17 de Novembro de 2004.
   Durante o período da libertação condicional, o arguido dedicava-se ao sector de cabeleireiro e reparação de computadores, auferindo mensalmente MOP$5.000,00 (cinco mil patacas).
   O arguido cria uma filha menor que fica ao cuidado da mãe do arguido.
   O arguido antes de cumprir o curso do 5.º ano do ensino primário, abandonou o estudo por não querer estudar mais."
   E na mesma sentença foram os seguintes os Factos não provados:
   Os restantes factos importantes constantes da acusação que não correspondem aos factos provados:
   Em 29 de Abril de 2004, pelas 0H10, todas as drogas que o arguido A tinha deitado no chão serviam para serem vendidas a B.
   O cigarro enrolado de marijuana fabricado pelo próprio, ketamina embrulhada na nota no valor nominal de MOP$10,00 e nove comprimidos de cor laranja-clara que contêm nimetazepam, estas drogas que foram adquiridas e detidas pelo arguido A e encontradas pela polícia na residência do arguido, não serviam para consumo próprio.
   Além disso, ainda não se comprovou:
   Duas embalagens de ketamina que o arguido adquiriu e deteve e tinha deitado no chão, oito comprimidos de cor preta que contêm MDMA e quatro embalagens de pós de cor branca que contêm ketamina, encontrados na residência do arguido, serviam para consumo próprio.
*
   Juízo de factos:
   O arguido na audiência de julgamento, confessou que tinha adquirido drogas que foram apreendidas pela Polícia quando da intercepção, junto do indivíduo de identidade desconhecida, nos quais a parte era fornecida a B, ainda confessou que tinha escondido as drogas encontradas na sua residência, mas tendo explicado que estas serviam para consumo próprio.
   Os elementos da PJ que se encarregavam do inquérito proferiram a declaração na audiência de julgamento, descrevendo objectivamente o comportamento do arguido quando o mesmo foi interceptado e detido.
   O defensor do arguido entendeu que a Polícia organizou B para telefonar ao arguido, pedindo a obtenção das drogas, o que constitui o acto de provocar a intenção criminosa do arguido.
   Como é descrito no Sumário do Acórdão do Processo n.º 2/2002, proferido em 27 de Junho de 2002, pelo Tribunal de Última Instância:
   De acordo com o disposto no n.º 1 do art.º 36.º do Decreto-Lei n.º 5/91/M; no âmbito da investigação criminal, os agentes de investigação podem simular a colaboração com os criminosos para recolher provas de crimes de tráfico de droga através da aquisição, directamente ou por meio de terceiros, da droga fornecida por aqueles. Trata-se de norma destinada especialmente ao combate, com eficácia, dos crimes relacionados com droga. Mas a execução dos respectivos actos, no âmbito definido pela referida norma, não deve violar o disposto no art.º 113.º do CPP sobre os métodos proibidos de prova.
   Este tipo de actos de investigação pode consistir em colaborar com uma actividade criminosa já em curso para obter conhecimento sobre as situações dessa actividade. Contudo, os referidos actos de investigação não se podem tornar em impulso ou instigação para a prática da actividade criminosa. Há que distinguir com rigor entre proporcionar uma ocasião para descobrir um crime que já existe, daquela em que se provoca uma intenção criminosa que ainda não existia.
   Quando a intenção do arguido de praticar continuamente a actividade de tráfico de droga forma-se com a total liberdade e a compra simulada de droga montada pela polícia não provoca a actividade criminosa que tem realizado ou a intenção do arguido de praticar crime, mas apenas as revelou, não constitui a recolha de prova mediante meio enganoso prevista na al. a) do n.° 2 do art. 113º do CPP, nem excede o âmbito permitido pelo art.º 36.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 5/91/M
   No presente processo, já foi confirmado que a partir de Janeiro de 2004, o arguido A começou a vender drogas a B, a intenção do arguido de praticar continuamente a actividade de tráfico de droga forma-se com a total liberdade, por isso, o acto de que a polícia organizou B para telefonar ao arguido e pediu a obtenção das drogas pertence às condições de proporção de uma ocasião para descobrir um crime que já existe, mas não é da provocação de uma intenção criminosa que ainda não existia.
   Sintetizadas objectivamente as declarações do arguido e da testemunha, examinadas as provas documentais, provas materiais apreendidas e as demais provas, o Tribunal Colectivo confirmou os factos supracitados.
   Após a análise, uma vez que a quantidade de drogas adquiridas e detidas pelo arguido era enorme e o arguido também praticou o acto de prestar a outrem as drogas, por este motivo, o Tribunal Colectivo confirmou que para além das drogas da quantidade diminuta, as demais drogas de grande quantidade adquiridas e detidas pelo arguido não serviam para consumo próprio.
   
   III - O Direito
   1. As questões a resolver
   A primeira questão é a de saber se face às quantidades de produtos estupefacientes apreendidos na rua ao arguido e que se destinavam a venda (5 comprimidos de MDMA com peso líquido de 1,883 gramas, sendo 0,783 gramas do referido produto activo e um produto com Ketamina, com peso líquido de 2,881 gramas), o crime praticado é o do art. 9.º do Decreto-Lei n.º 5/91/M e não o do art. 8.º, n.º 1 do mesmo diploma legal, como se decidiu no acórdão recorrido.
   A segunda questão é a de saber se, partindo do pressuposto de que o recorrente tem razão - que, face às quantidades de produtos estupefacientes apreendidos na rua ao arguido e que se destinavam a venda, a sua conduta teria de ser enquadrada no art. 9.º do Decreto-Lei n.º 5/91/M – se a sentença de primeira instância não oferece qualquer explicação para o facto de ter dividido em duas partes as substâncias apreendidas na residência do arguido e de concluir que uma parte se destinava ao consumo próprio do arguido e outra não se destinava ao seu consumo próprio, violando, assim, o disposto no n.º 2 do art. 355.º do Código de Processo Penal.
   O último problema reside em decidir se foi violado o disposto no art. 18.º do Decreto-Lei n.º 5/91/M, por não se ter atenuado especialmente a pena ao recorrente, por ter permitido a captura, pela Policia Judiciária, de um traficante de estupefaciente.
   
   2. MDMA. Quantidade diminuta de estupefaciente.
   Ao contrário do que alega o recorrente, a quantidade líquida necessária para o consumo individual durante três dias de MDMA, que a jurisprudência do Tribunal de Última Instância tem considerado, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 9.º, n. os 1 e 3 do Decreto-Lei n.º 5/91/M, é de 300 mg e não de 900 mg, como está expresso no Acórdão de 16 de Julho de 2004, no Processo n.º 24/2004.
   Ora, como o recorrente aceita, ele detinha para venda 0,783 gramas do princípio activo de MDMA. Tanto basta para que a sua conduta integre o crime do art. 8.º, n.º 1 e não o do art. 9.º do Decreto-Lei n.º 5/91/M.
   Acresce que ele também detinha – que não para consumo próprio – 2,881 gramas do princípio activo de Ketamina. Ora, sendo certo que este Tribunal no Acórdão de 5 de Março de 2003, Processo n.º 23/2002, considerou que para os efeitos do art. 9.º do Decreto-Lei n.º 5/91/M, a quantidade líquida necessária para o consumo individual durante três dias de Ketamina é de 1000 mg, aquele facto, por si só, também bastaria para condenar o recorrente pelo referido tipo legal do art. 8.º do Decreto-Lei n.º 5/91/M.
   Na verdade, o facto que tem de ser provado para que se dê a integração neste tipo, não é a detenção (ou outro acto previsto na mesma norma) de estupefaciente para venda, mas apenas a detenção (ou outro acto) que não seja para consumo pessoal ou próprio, como resulta da interpretação conjugada dos arts. 8.º e 23.º do Decreto-Lei n.º 5/91/M.
   
   3. Prejudicado o exame da segunda questão. Princípio do aproveitamento dos actos processuais.
   Está, deste modo, prejudicado o exame da questão de saber se ocorreu nulidade da sentença de primeira instância, por falta de indicação da motivação de facto, já que o recorrente a imputa apenas à parte atinente às substâncias estupefacientes que o arguido detinha em sua casa. Ora, como se viu, as substâncias detidas por ele na rua são, por si, suficientes para integrarem a sua conduta no crime pelo qual foi condenado, o previsto e punível pelo art. 8.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 5/91/M.
   Efectivamente, ainda que a sentença fosse nula na parte referida, a declaração da nulidade seria restrita à parte afectada e não atingiria a restante parte, por força do princípio geral de Direito da conservação dos actos jurídicos e, em particular, do princípio do direito processual do aproveitamento dos actos processuais, que se colhe, entre outros do n.º 3 do art. 109.º do Código de Processo Penal (a declaração de nulidade não obsta ao aproveitamento de todos os actos que ainda puderem ser salvos do efeito daquela) e da parte final do n.º 2 do art. 147.º do Código de Processo Civil (a nulidade de uma parte do acto não prejudica as outras partes que dela sejam independentes).1
   Claro que a menor ou maior quantidade de estupefaciente detido pode ter alguma influência na medida da pena, dentro do mesmo tipo criminal. Contudo, o recorrente não suscitou qualquer questão atinente.
   
   4. Art. 18.º do Decreto-Lei n.º 5/91/M. Poder de cognição do TUI em matéria de facto.
   Alega o recorrente que foi violado o disposto no art. 18.º do Decreto-Lei n.º 5/91/M, por não se ter atenuado especialmente a pena ao recorrente, por ter permitido a captura, pela Policia Judiciária, de um traficante de estupefaciente.
   Para rejeitar de imediato esta tese nem se mostra necessário recorrer à jurisprudência deste Tribunal acerca do condicionalismo da aplicação da atenuação ou isenção da pena, ao abrigo da mencionada norma legal, que resulta, por exemplo, do Acórdão de 28 de Julho de 2004, no Processo n.º 20/2004. É que o Tribunal de Última Instância não tem poder de cognição em matéria de facto, salvo nos casos especiais previstos na lei (arts. 47.º, n.º 2 da Lei de Bases da Organização Judiciária - Lei n.º 9/1999 - e 400.º, n. os 2 e 3 do Código de Processo Penal). Ora, da matéria de facto considerada provada pelos tribunais com poder de cognição em matéria de facto, o TSI e o Tribunal Judicial de Base [Arts. 39.º e 23, n.º 6, alínea 1) da Lei de Bases da Organização Judiciária e 355.º, n. º 2 do Código de Processo Penal], não consta qualquer facto relacionado com a captura de outros traficantes de estupefacientes. Logo, improcede a questão suscitada.
   
   IV – Decisão
   Face ao expendido, rejeitam o recurso por manifesta improcedência.
   Custas pelo recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 4 UC, suportando, ainda, 5 UC pela rejeição.
   
   Macau, 1 de Junho de 2005.
   
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) - Sam Hou Fai - Chu Kin
1 Sobre este princípio, A. ANSELMO DE CASTRO, Direito Processual Civil Declaratório, Coimbra, Almedina, 1982, volume III, p. 111.
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1
Processo n.º 12/2005