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Acórdão do Tribunal de Última Instância
da Região Administrativa Especial de Macau




Recurso de decisão jurisdicional em matéria administrativa
N.° 4 / 2004

Recorrente: A
Recorrido: Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura






1. Relatório
   A interpôs recurso contencioso perante o Tribunal de Segunda Instância, pedindo a anulação do despacho de 18 de Junho de 2001 praticado pelo Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura.
   Com o acórdão do Tribunal de Segunda Instância de 23 de Maio de 2002 do processo n.° 172/2001, foi negado provimento ao recurso.
   A recorrente recorreu para o Tribunal de Última Instância e obteve vencimento, segundo o acórdão deste de 27 de Novembro de 2002 proferido no processo n.° 12/2002, sendo revogado o acórdão de segunda instância.
   Chamado novamente a decidir, o Tribunal de Segunda Instância voltou a negar provimento ao recurso contencioso, por seu acórdão de 23 de Outubro de 2003.
   Inconformado com este último acórdão, a recorrente vem recorrer para este Tribunal de Última Instância com a apresentação das seguintes conclusões de alegação:
“1. O contrato de comodato, celebrado entre a entidade recorrida e a recorrente é um contrato administrativo com objecto passível de contrato de direito privado, ou seja, é um contrato de direito público da Administração, atendendo a que um dos sujeitos da relação contratual é uma pessoa colectiva pública e porque está sujeito a um regime de direito administrativo, embora enfraquecido (aplicabilidade dos princípios gerais da actividade administrativa), e, simultaneamente, é um contrato de direito privado da Administração, em virtude do seu objecto (imediato) revestir a natureza de contrato de direito privado, já que é regulado pelas disposições do Direito privado, salvo no que respeita à inclusão das cláusulas contratuais.
   2. O facto de o comodato ser um contrato administrativo com objecto passível de contrato de direito privado (na linguagem utilizada pela versão actual do CPA), não implica subtracção a vinculações jurídico-públicas, visto que o facto de se inserir na actuação de gestão privada da Administração, o sujeita aos princípios gerais da actividade administrativa, nomeadamente, o princípio da prossecução do interesse público (CPA, art.º 4.º). Por conseguinte:
   A) não é pelo facto de ter «por fim a prossecução imediata do interesse público», na medida em que visa «garantir o Direito Universal ao Ensino de todos os residentes na RAEM» (art.º 34.º, n.º s 1 e 4 da Lei n.º 11/91/M de 29 de Agosto), que deixa de ser um contrato de direito privado da Administração (ou um contrato administrativo com objecto passível de contrato de direito privado).
   B) Acresce que, o art.º 34.º da Lei n.º 11/91/M, reporta-se às «instituições educativas» (n.º 1) e às «instituições educativas particulares» (n.º 4) e não aos «Edifícios, Propriedade do Território, cedidos em regime de comodato, para funcionamento das instituições educativas particulares sem fins lucrativos». Ou seja, e tal como o juiz a quo bem distingue a fls. 70 do seu Acórdão: uma coisa são as «instalações» (o imóvel); outra, é o «estabelecimento de ensino» (as instituições educativas).
   C) O mesmo se pode também dizer relativamente ao facto de o contratado estar «subordinado às directivas da DSEJ» por força do art.º 32.º, n.º 1, do DL n.º 38/93/M, ex vi do estatuído no n.º 1 do Ponto I das “Condições de Utilização de Edifícios Propriedade do Território”, visto que a aludida disposição legal se aplica ao «funcionamento das instituições educativas particulares», o qual «obedece às normas legais e regulamentares aplicáveis, bem como às directivas da DSEJ e está sujeito à sua inspecção pedagógica».
   D) O princípio da legalidade, previsto no art.º 3.º do CPA, que é o que está em causa, é, de igual modo, um dos princípios aplicáveis aos contratos administrativos com objecto passível de contrato de direito privado, como anteriormente dissemos. Ora, este princípio obriga ao respeito das disposições legais que foram incorporados nas “Condições de Utilização”, isto é, que fazem parte das cláusulas inseridas no contrato.
   E) Também, o facto de o contrato ter «formalidades e particularidades muito próprias», sujeição a «processo de candidatura», nos termos do Despacho n.º 94/GM/91 de 25 de Março, conjugado com o art.º 161.º do CPA» (critério da forma e formalidades), não releva como critério para o qualificar como contrato administrativo, no sentido em que a entidade recorrida e o juiz a quo o entendem.
   F) Com efeito, a falta das formalidades exigidas pela legislação administrativa não converte em civil um contrato que se pretendia administrativo. Por outro lado, a exigência de formalidades não é exclusiva dos contratos administrativos, podendo atingir os contratos civis da Administração e os próprios contratos celebrados por entidades privadas submetidas ao controlo administrativo, além de que, em relação à formação dos contratos privados, a doutrina recuperou a ideia de processo.
   G) Acresce que, o Despacho 94/GM/91, respeita à concessão de benefícios aos estabelecimentos de ensino particular de fins não lucrativos, e não aos «Edifícios, Propriedade do Território, cedidos em regime de comodato, para funcionamento das instituições educativas particulares sem fins lucrativos».
   H) De igual modo, o facto de o contrato ter «como objecto um imóvel propriedade da Administração de Macau», não põe em crise a qualificação do comodato como contrato de direito privado, já que, se a entidade recorrida podia ter escolhido a figura da concessão do uso privativo do domínio público – que é um contrato administrativo atípico ou inominado – e, em seu lugar, escolheu a figura do comodato que, regendo-se pelas disposições do Código Civil, é um contrato de direito privado da Administração ou um contrato administrativo de objecto passível de contrato de direito privado, isto significa que um imóvel propriedade da Administração de Macau, podia ser objecto daqueles contratos que, apesar de administrativos, revestem natureza diferente, pelo que não é razão para qualificar o comodato como contrato administrativo, e não como contrato de direito privado, na distinção simples que é feita pela entidade recorrida e pelo Tribunal a quo.
   I) Quanto ao critério das cláusulas exorbitantes, que consistiria no facto de que «um equipamento social (escolar) comporta cláusulas exorbitantes, nomeadamente a imposição que é feita ao contraente particular de não cobrar propinas aos alunos», importa referir que «Não aplicar a fim diverso daquele a que a coisa se destine», é uma das «obrigações do comodatário», tal como resulta, não de normas administrativas, mas do art.º 1063.º, al. c) do Código Civil. Ora, se o fim do contrato de comodato, celebrado entre a entidade recorrida e a recorrente consistiu em ceder um edifício propriedade do Território, «para funcionamento de instituições educativas particulares sem fins lucrativos». «Sem fins lucrativos» implica precisamente a obrigação de não cobrar propinas aos alunos. O que está em causa é, pois, a prossecução de um interesse público, e não a imposição de uma suposta cláusula exorbitante, autónoma daquele.
   J) Por último, ao socorrer-se da figura do comodato, prevista no Código Civil, a Administração actuou no exercício da gestão privada e não no exercício da gestão pública.
   3. O contrato administrativo com objecto passível de contrato de direito privado, reveste natureza jurídica diferente da de um contrato administrativo com objecto próprio ou exclusivo ou de um contrato administrativo com objecto passível de acto administrativo: estes regem-se integralmente pelo regime administrativo, designadamente, o que resulta das disposições do CPA; aquele, embora sujeito aos princípios gerais da actividade administrativa, previstos no CPA, é lhe, em tudo o mais, aplicável as disposições gerais da lei civil relativas aos negócios jurídicos ou aos contratos bilaterais, salvo se o CPA, especialmente dispor em contrário. É o que resulta, desde logo, do art.º 165.º, n.º 2 do CPA (actual art.º 173.º, n.º 2).
   4. É esse o entendimento unânime da Doutrina portuguesa: «As questões de interpretação e validade das cláusulas contratuais devem observar o disposto nas normas supletivas da lei civil. O âmbito de aplicação desta norma [do n.º 2 do art.º 165.º] são os contratos administrativos com objecto passível de contrato privado». (cf. Lino Ribeiro e Cândido de Pinho, Código do Procedimento Administrativo de Macau, pp. 978-979). «Os actos ou declarações do contraente administrativo sobre a interpretação ou validade de cláusulas contratuais, esses não vinculam a contraparte e não podem ser operados, sem o seu consentimento, senão através de acção (e decisão) judicial prévia. O que é o mesmo que dizer que, nestas matérias, o contraente administrativo não tem poderes para praticar actos administrativos (“definitivos e executórios”, diz o Código) face ao seu contraente.» (cf. Mário Esteves de Oliveira e outros, Código do Procedimento Administrativo Comentado, 1997, p. 850).
   5. Assim, só com recurso aos tribunais civis ou comuns poderia a entidade recorrida ter procedido à interpretação das cláusulas controvertidas (al. f) do n.º 2 do ponto VI das já referidas “Condições de Utilização”) e nunca através da prática de um acto administrativo, como o é o despacho recorrido, pelo que este padece de vício de usurpação de poder, determinante da sua nulidade, nos termos da al. a) do n.º 2 do art.º 114.º do CPA [actual art.º 122.º, n.º 2, al. a)].
   6. Mas, mesmo que se entendesse – o que só por mero raciocínio se admite, sem conceder –, que o comodato era um contrato administrativo com objecto próprio ou exclusivo ou objecto passível de acto administrativo, e que a Administração poderia praticar actos administrativos de interpretação de cláusulas contratuais, a verdade é que o acto recorrido continuaria a enfermar de vício de usurpação de poderes, sendo nulo, nos termos do art.º 122.º, n.º 2, al. a) do CPA, por caber nas atribuições do poder judicial (tribunais de jurisdição administrativa). É que resulta do n.º 1 do art.º 165.º do CPA (actual n.º 1 do art.º 173.º).
   7. Todavia, se se entender – como a recorrente entende –, que não se trata de um problema de interpretação, mas de rescisão de contrato, nem por isso, o acto recorrido deixa de padecer de vício de usurpação de poder.
   8. É que, «os poderes de autoridade [da Administração] constituem uma manifestação do princípio da prossecução do interesse público (cfr. art.º 4.º) que está sempre subjacente ao contrato administrativo» (cf. Lino Ribeiro e Cândido de Pinho, ob. cit., p. 932). Daí que, nos contratos administrativos com objecto próprio ou exclusivo ou com objecto passível de acto administrativo, a Administração pode, nos termos da al. c) do art.º 159.º do CPA (actual al. c) do art.º 167.º) «Rescindir unilateralmente os contratos por imperativos de interesse público devidamente fundamentado, sem prejuízo do pagamento de justa indemnização»
   9. No entanto, nos contratos administrativos com objecto passível de contrato de direito privado, «o eventual conflito relativo ao seu cumprimento só pode ser decidido com força obrigatória de sentença» (na expressão de Lino Ribeiro e Cândido de Pinho, ob. cit., p. 931), tal como resulta da ressalva contida no corpo do art.º 159.º do CPA: «Salvo quando outra coisa resultar ( ... ) da natureza do contrato».
   10. O comodato reveste a natureza de contrato de direito privado, atendendo ao objecto (imediato) do contrato administrativo, que aquele também é (reafirma-se), já que a Administração contraente apresenta-se revestida de poder de autoridade ou numa posição de supremacia, mas apenas no momento de inclusão de cláusulas no contrato. «Mas quanto aos actos praticados após a celebração, através dos quais se executa, modifica ou extingue o contrato, a regra é a de que constituem declarações negociais contenciosamente inimpugnáveis. É que se tivessem a eficácia própria dos actos administrativos o contrato deixaria de ser privado [leia-se contrato administrativo com objecto passível de contrato de direito privado] para se qualificar como administrativo [leia-se, contrato administrativo com objecto próprio ou exclusivo ou contrato administrativo com objecto passível de acto administrativo]» (cf. Lino Ribeiro e Cândido de Pinho, ob. cit., p. 906).
   11. Ou seja, se por força da aplicabilidade do princípio da prossecução do interesse público, a Administração contraente fica com o poder funcional de introduzir cláusulas que salvaguardem o interesse público (as denominadas “cláusulas exorbitantes” ou “cláusulas de sujeição”, que traduzem prerrogativas de autoridade da Administração), já quanto ao incumprimento do contrato, a Administração não pode, nos contratos administrativos com objecto passível de contrato de direito privado, socorrer-se de poderes de autoridade, como se se tratasse de um contrato administrativo com objecto próprio ou exclusivo ou com objecto passível de acto administrativo.
   12. É que, o art.º 158.º do CPA (actual art.º 166.º) «consagra o contrato administrativo como figura de utilização geral». Todavia, há efeitos que, por natureza, são insusceptíveis de objecto de contrato administrativo, como, por exemplo, os disciplinares e os de polícia ou as decisões de reclamações ou recursos (obrigatoriamente objecto de acto administrativo). Nestes casos, a contratualização da actividade administrativa de autoridade é impossível. Apenas o é a actividade administrativa de gestão pública
   13. Por outro lado, há efeitos que, por natureza, são insusceptíveis de objecto de acto administrativo, como sucede quando a Administração celebra contratos, regulados pelo Direito privado, em que não pode convertê-los em actividade administrativa de autoridade, ainda que contratualizada, visto que são celebrados no domínio da gestão privada. É o que sucede como o contrato individual de trabalho, quando a Administração o utiliza em vez do contrato além do quadro. Não pode pretender que aquele fique sujeito ao mesmo regime de modificação e extinção, a que este está sujeito.
   14. Assim, tais efeitos apenas podem produzir-se por acordo e mútuo consentimento, salvo quando a lei afastar expressamente tal princípio. Em caso de desacordo, só resta à Administração obter tais efeitos, através de decisão jurisdicional, dos tribunais comuns.
   15. Acresce que, se fosse outro o entendimento da lei, esta não teria relevado a questão da «natureza do contrato», subordinando-o, qualquer que ela fosse, ao mesmo regime.
   16. Deste modo, o despacho do Senhor Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, de 18 de Junho de 2001, ao ordenar especificamente a devolução do imóvel, pretendeu que o acto produzisse, por si, os efeitos decorrentes da rescisão unilateral do contrato, o que – como vimos –, compete exclusivamente aos tribunais, pelo que padece de vício de usurpação de poder, determinante da sua nulidade, nos termos da al. a) do n.º 2 do art.º 114.º do CPA [actual art.º 122.º, n.º 2, al. a]].”
   Pedindo que seja ordenado que a decisão impugnada venha a ser declarada nula pelo tribunal recorrido.
   
   O recorrido, nas suas alegações, formulou as seguintes conclusões:
“1. As instituições educativas, quer públicas quer privadas, exercem uma actividade de interesse público (cfr. n.º 1 do art.º 34.º da Lei n.º 11/91/M de 29 de Agosto);
   2. Compete à Administração apoiar e assegurar o desenvolvimento da rede escolar da RAEM, de forma a garantir o direito universal ao ensino de todos os residentes;
   3. A cedência de equipamentos sociais (escolares) a entidade que se dediquem ao ensino particular de fins não lucrativos, para instalação de estabelecimentos de ensino, reveste uma das formas de actuação da Administração, tendo em vista a prossecução do direito universal ao ensino.
   4. Desta forma, quando a Administração celebrou o contrato de comodato com a recorrente, para a utilização do equipamento social (escolar), localizado no empreendimento “Jardins”, actuou no âmbito da gestão pública.
   5. São “( ... ) actos de gestão pública aqueles que a Administração Pública pratica no exercício de um poder público, integrando eles mesmos, a realização de uma função pública da pessoa colectiva, e, consequentemente, por normas de direito público que atribuem à pessoa colectiva pública poderes de autoridade, por isso, estando numa posição de superioridade face aos administrados.” – Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de Portugal, processo n.º 024/03, data do acórdão de 03/06/2003 – (sublinhados nosso).
   11. O legislador do anterior CPA como o do actual optou por uma enumeração indicativa dos contratos administrativos, sendo estes, assim, todos aqueles que, através de um acordo de vontades, constituem, modificam ou extinguem uma relação jurídica administrativa (cfr. art.º 157.º do anterior CPA e do art.º 165.º do actual CPA)
   12. Decisiva para a determinação da qualificação jurídica do contrato como sendo um contrato de direito administrativo, (...) é a simples ligação expressa do contrato à realização de um resultado ou interesse especificamente protegido no ordenamento jurídico, se e enquanto se trata de uma tarefa assumida por entes da própria colectividade, isto é, de interesses que só têm protecção especifica da lei quando são prosseguidos por entes públicos – ou por aqueles que actuam por “devolução” ou “concessão” pública. Por nós, essa é, pode ser, a marca determinante (ou “agravante”) da administratividade de um contrato. [§] As relações jurídicas constituídas nesses domínios são, salvo se o contrário resultar da lei, relações jurídico-administrativas.” – Código do Procedimento Administrativo, comentado, 2.ª edição, de Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e L. Pacheco de Amorim, p. 811.
   8. Admite-se, deste modo, e porque o legislador também, assim, o entendeu, (cfr. art.º 166.º e al.s a) e b) do n.º 3 do art.º 172.º, ambos do CPA actualmente em vigor, e art.º 158.º do CPA anteriormente em vigor) que a Administração a par do acto administrativo venha a celebrar contratos administrativos passíveis de acto administrativo ou de contrato de direito privado, tendo em vista a prossecução das suas atribuições.
   9. O Despacho n.º 94/GM/91, no seu n.º 1, veio consagrar a faculdade de a Administração ceder às entidades que se dedicam ao ensino particular sem fins lucrativos edifícios ou partes de edifícios, propriedade da RAEM, para instalação de estabelecimentos de ensino.
   10. Porém, o citado diploma não refere o tipo de contrato a utilizar para este efeito.
   11. Ora, ao não existir dentro da enunciação dos contratos administrativos constante do art.º 157.º do CPA, então em vigor, qualquer tipo contratual relativo ao objecto em causa, a cedência, a titulo gratuito, de um imóvel propriedade da Administração, para a prossecução de um fim de utilidade pública, i. é. o funcionamento de uma instituição educativa particular,
   12. A Administração não pôde deixar de recorrer à figura do contrato de comodato prevista no direito civil, a art.ºs 1129.º a 1141.º do Código Civil, à data em vigor, uma vez ser esta a que mais se aproximava e aproxima dos objectos pretendidos pelo legislador.
   13. Porém, este facto não retirou ao contrato a sua natureza de contrato administrativo, porquanto: “(...) admite-se que, no caso de uma figura contratual prevista para ser utilizada por Administrações Públicas não ter disciplina específica na lei administrativa – como sendo um contrato exorbitante (do) ou inconcebível no direito privado ou, pelo menos, distinto dos que lhe correspondem, quando celebrados entre particulares – ela (tal figura) possa, mesmo assim, ser reportada ao direito administrativo contratual ao regime capítulo [IV do CPA] (...), por decorrência de qualquer marca significativa de administratividade assumida e querida no respectivo título.” – Código do Procedimento Administrativo, comentado, 2.ª edição, de Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e L. Pacheco de Amorim, pp. 812 e 813 (sublinhados nossos).
   14. No contrato de comodato, em apreço, a marca significativa da sua administratividade, assumida e querida nas respectivas cláusulas contratuais, conforme a douta sentença do tribunal a quo é designadamente: “(...) o contrato de comodato então celebrado entre a recorrente e a entidade recorrida [tem] por fim a prossecução imediata do interesse público (cfr. o art.º 34.º, n.ºs 1 e 4, da Lei n.º 11/91/M, (...)”, e estando a recorrente subordinada às directivas da DSEJ (cfr. o art.º 32.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 38/93/M de 26 de Julho, definidor do estatuto das instituições educativas particulares que ministrem ensino de nível não superior, ex vi do estatuído no n.º 1 do Ponto I das “Condições de Utilização”), e tendo o mesmo contrato como objecto um imóvel propriedade da Administração de Macau, com formalidades e particularidades muito próprias, é inquestionável estarmos perante um contrato administrativo ao qual é aplicável o Direito Público, (...)” – cfr. pp. 64 e 65 do acórdão recorrido.
   15. A qualificação jurídica do contrato é uma questão de interpretação da lei, e não das cláusulas contratuais, pelo que, não lhe é aplicável o regime do art.º 173.º do CPA, actualmente em vigor.
   16. Podemos, então, concluir que o contrato de direito administrativo com objecto passível de contrato de direito privado, não é mais do que a integração no direito administrativo de contratos regulados na lei civil, passando estes a serem regidos, também, pelas disposições do Código de Procedimento Administrativo (cfr. 1.ª parte do n.º l do art.º 2.º do CPA, actualmente em vigor), com a excepção, nomeadamente, da al. b) do n.º 3 do art.º 172.º do CPA, actualmente em vigor, sobre o regime da invalidade do negócio jurídico.
   17. E, como contratos administrativos que são, na sua plenitude, os contratos administrativos com objecto passível de contrato de direito privado, a Administração como co-contratante, nestes contratos, goza do poder de sanção, nos termos do art.º 167.º, do CPA, actualmente em vigor, i. é. o poder de aplicar as sanções previstas para a sua inexecução, nomeadamente, a rescisão do contrato por inexecução das obrigações contratuais (cfr. al. e) do mesmo artigo).
   18. A Administração quando actua no âmbito dos poderes de administração, nos termos do art.º 167.º do CPA, age dentro dos limites da excepção à regra do art.º 174.º do CPA.
   19. Assim, os actos que a Administração, ao abrigo dos poderes de administração, venha a produzir são definitivos e executórios (actos destacáveis), i.é. sem necessidade de recorrer aos tribunais e, nesta medida, são recorríveis contenciosamente, nos termos do n.º 2 do art.º 113.º do CPAC.
   20. O acto da entidade recorrida, nos termos do qual determina a devolução do imóvel (Jardins) à Administração, insere-se nos poderes de administração previstos no art.º 167.º do CPA, mais concretamente nos termos da al. e), e, como tal, é um acto destacável, não estando por esse motivo inquinado do vício de usurpação de poderes.
   21. Aliás, como foi o entendimento do douto acórdão do Tribunal a quo ao dizer que: “( ... ) tendo, pois, efectivamente actuado a Administração, aquando da prática do acto administrativo ora posto em crise pela recorrente, no exercício da gestão pública, podendo a mesma Administração nos precisos termos permitidos pelo preceituado na al. e) do art.º 167.º do Código de Procedimento Administrativo, aplicar inclusivamente ao co-contratante particular (i. é., a recorrente) as sanções previstas para a inexecução do contrato, pelo que para ser emanada uma decisão tal como materialmente veiculada no acto administrativo ora em questão, não é necessário nem legal recorrer a qualquer tribunal.” – vide pp. 73 a 74 do acórdão recorrido.
   22. Por tudo o exposto, o acto ora recorrido não está inquinado do vício de usurpação de poderes, pelo que, não é nulo, não o sendo, também, a sentença do Tribunal a quo que negou provimento ao recurso.”
   Concluindo que não existe qualquer ilegalidade nem se verificam quaisquer vícios, quer da sentença quer no despacho recorrido, e deve ser negado provimento ao recurso.
   
   A Magistrada do Ministério Público junto do Tribunal de Última Instância emitiu o seguinte parecer:
   “No presente recurso a recorrente vem invocar, como único fundamento, a nulidade do acto praticado pelo Senhor Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura por estar viciado de usurpação de poder.
   Não nos parece que lhe assiste razão.
   
   Na total concordância com o entendimento da entidade recorrida e do tribunal a quo, cremos que deve ser qualificado como administrativo o contrato celebrado entre a Administração e a recorrente – A Jardim, segundo o qual foi cedida a esta a utilização das instalações do Jardim, pertencentes ao Território, para aí funcionar uma escola particular.
   Como se sabe, são seguintes os critérios adoptados para distinguir contrato administrativo do contrato de direito privado:
   a) O critério da sujeição ou subordinação;
   b) O critério do objecto do contrato;
   c) O critério da prossecução de fins de imediata utilidade pública; e
   d) O critério estatutário. (cfr. Lino Ribeiro e José Cândido de Pinho, Código do Procedimento Administrativo de Macau, Anotado e Comentado, pág. 910 e segs.)
   Analisando o documento respeitante a “Condições de Utilização de Edifícios, Propriedade do Território, Cedidos em Regime de Comodato, para Funcionamento de Instituições Educativas Particulares Sem Fins Lucrativos”, constata-se que, com a celebração do contrato e o funcionamento da escola, a recorrente se associava ao desempenho das funções administrativas que decorre a sua submissão à disciplina do interesse público, tendo o dever de acatar as leis, regulamentos e actos administrativos que durante a execução do contrato exprimam as exigências de interesse público servido e estando subordinada às ordens e directivas da DSEJ, o que resulta claramente do Ponto I quando se estabelecem obrigações gerais do comodatário; o contrato tem como objecto um imóvel propriedade da Administração, como finalidade a prossecução imediata do interesse público que é garantir o direito ao ensino a todos os residentes de Macau e com formalidades e particularidades muito próprias (por exemplo, a imposição de não cobrar propinas aos alunos).
   Todos estes elementos determinam a natureza administrativa do contrato em causa.
   
   Alega a recorrente que se está perante um contrato administrativo com objecto passível de contrato de direito privado, ao qual são aplicáveis as disposições gerais da lei civil relativas aos negócios jurídicos ou aos contratos bilaterais, salvo se o CPA especialmente dispor em contrário.
   O invocado contrato administrativo com objecto passível de contrato de direito privado é referido no art.º 172.º, n.º 3, al. b) do CPA, segundo o qual à invalidade deste tipo do contrato é aplicável o regime de invalidade do negócio jurídico previsto no Código Civil.
   Conforme Lino Ribeiro e José Cândido de Pinho, os contratos administrativos podem ser qualificados quanto ao objecto imediato, fazendo a distinção entre contrato com objecto passível de acto administrativo, cujos efeitos jurídicos também podiam ser conformados por um acto administrativo, e contrato com objecto passível de contrato privado, cujos efeitos jurídicos principais podem ser estipulados no âmbito da contratação privada. (cfr. Código do Procedimento Administrativo de Macau, Anotado e Comentado, pág. 919 a 921)
   E afirma a entidade recorrida nas suas alegações que “o contrato de direito administrativo com objecto passível de contrato de direito privado não é mais do que a integração no direito administrativo de contrato regulados na lei civil, passando estes a serem regidos, também, pelas disposições do Código de Procedimento Administrativo (cfr. 1ª parte do n.º 1 do art.º 2.º do CPA, actualmente em vigor), com a excepção, nomeadamente, da al. b) do n.º 3 do art.º 172.º do CPA, actualmente em vigor, sobre o regime da invalidade do negócio jurídico”.
   
   Invoca a recorrente o disposto no n.º 2 do art.º 173.º do CPA para fundamentar o seu recurso. No entanto, nota-se que é a própria norma que delimita o âmbito de aplicação das disposições gerais da lei civil relativas aos contratos bilaterais: estas só são aplicáveis quando estão em causa a interpretação e a validade do contrato.
   Nas anotações feitas ao anterior CPA de Macau, que tem a norma idêntica à norma contida no código actualmente vigente, escrevem Lino Ribeiro e José Cândido de Pinho o seguinte:
   “A norma refere-se apenas às questões sobre interpretação e validade, excluindo, portanto, as relativas à execução do contrato. Sobre estas, como resulta do art.º 159.º (art.º 167.º no código actual), se outra coisa não resultar da lei ou da natureza do contrato, a Administração tem o poder de praticar actos administrativos dotados do privilégio de execução prévia.”
   E “o n.º 2 do artigo salvaguarda o respeito pelas 《disposições gerais da lei civil relativas aos contratos bilaterais》. As questões de interpretação e validade das cláusulas contratuais devem observar o disposto nas normas supletivas da lei civil. O âmbito de aplicação desta norma são os contratos administrativos com objecto passível de contrato privado”. (cfr. Código do Procedimento Administrativo de Macau, Anotado e Comentado, pág. 978 a 979)
   Nos presentes autos, cremos que não estão em causa as questões de interpretação ou de validade do contrato, pressuposto da aplicação do n.º 2 do art.º 173.º do CPA.
   
   O referido art.º 173.º prevê os chamados actos opinativos, que são meros actos técnicos na medida em que lhes falte a produção de efeitos jurídicos e tenham carácter indicativo, mas não imperativo (Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, vol. I, pág. 438), através do qual a Administração apenas emite uma opinião acerca de uma determinada questão, ou faz uma recomendação, dá um conselho ou formula uma sugestão, omitindo qualquer decisão. Por outras palavras, o acto opinativo caracteriza-se pela falta de produção de efeitos jurídicos num caso concreto e pela falta de imperatividade.
   Ora, no caso em apreço, o acto recorrido não se limita a emitir uma opinião de concordar com a informação / proposta dos Serviços de Educação e Juventude no sentido de pôr termo à afectação do equipamento escolar em causa, mas sim toma uma decisão que detém o carácter de definitividade e executoriedade, e não se trata de um acto praticado no âmbito de uma relação contratual concernente à interpretação das respectivas cláusulas contratuais ou à pronúncia sobre a respectiva validade como se prevê no art.º 173.º do CPA, já que não foram discutidas tais questões, pelo que não há que propor uma acção no tribunal competente para obter os efeitos pretendidos nem há que observar as disposições gerais da lei civil.
   Quando está em causa um acto relativo à formação e execução do contrato onde em que a Administração pratica actos administrativos propriamente ditos, há lugar ao recurso contencioso para impugnar tal acto, tal como é consagrado no art.º 113.º n.º 2 do CPAC.
   
   Na sua obra Direito Administrativo, vol. III, Lisboa, 1989, pág. 453 e seguintes, o Professor Diogo Freitas do Amaral analisa o regime jurídico do contrato administrativo em três aspectos: a formação do contrato, a execução do contrato e a extinção do contrato.
   “Na execução do contrato administrativo a Administração surge sobretudo investida em poderes de autoridade de que os particulares não beneficiam no âmbito dos contratos de direito privado que entre si celebram.
   Os principais poderes de autoridade de que a Administração beneficia na execução do contrato administrativo são três: o poder de fiscalização, o poder da modificação unilateral, e o poder de aplicar sanções.”
   Em relação à extinção do contrato, “também aqui a Administração pública possui alguns poderes de autoridade. (…) Temos a rescisão do contrato a título de sanção que se verifica quando o contraente particular não cumpre, ou não cumpre rigorosamente, as cláusulas do contrato: aí a Administração tem o direito de rescindir o contrato, a título de aplicação duma sanção ao contraente faltoso”.
   
   E o legislador prevê várias situações em que, mesmo no âmbito de contrato administrativo, a Administração pode exercer os seus poderes de administração (art.º 167.º do CPA), tais como, de modificar unilateralmente o conteúdo das prestações, de dirigir o modo de execução das prestações, de rescindir unilateralmente os contrato, de fiscalizar o modo de execução do contrato e de aplicar as sanções previstas para a inexecução do contrato.
   Sobre este último poder de administração, “pode afirmar-se também que a previsão legal ou contratual dessas sanções leva a considerá-las, no seio dos contratos administrativos, como objecto de poderes de decisão e aplicação unilateral pelo contraente público, mediante acto administrativo (dito destacável do contrato), .... As sanções contratuais administrativas fundam-se apenas em incumprimento objectivo da lei, do contrato ou de determinação (legítima) do contraente administrativo podem ter natureza pecuniária (“multas” por dias de atraso) ou não, como no caso da rescisão”.
   E “os poderes de que o contraente administrativo goza face ao seu co-contratante, no seio do contrato administrativo, são poderes de direito administrativo e exercitáveis mediante actos administrativos, ou seja, no âmbito da autotutela declarativa.” (Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco de Amorim, Código do Procedimento Administrativo anotado, 2ª edição, Almedina, Pág. 825 e 826).
   
   Efectivamente, está inserida no Ponto VI, n.º 2 das denominadas “Condições de utilização de Edifícios, Propriedade do Território, Cedidos em Regime de Comodato, para Funcionamento de Instituições Educativas Particulares sem Fins Lucrativos” uma cláusula que diz respeito ao termo do comodato:
   “2. O Território pode rescindir o contrato quando se verifique, designadamente, qualquer uma das seguintes situações:
   a) Alteração da Finalidade da instituição educativa;
   b) Recusa de cumprimento da obrigação de prestar o serviço ou de proceder à reparação das infra-estruturas, edifícios e equipamentos da instituição educativa, apesar de necessárias para a satisfação das necessidades normais;
   c) Repetição de actos graves de indisciplina do pessoal ou dos utentes por culpa grave da instituição educativa;
   d) Oposição ao exercício da fiscalização;
   e) Violação da legislação aplicável à actividade exercida pela instituição educativa;
   f) Suspensão total ou parcial da actividade educativa, excepto no caso de força maior, ou exercício da mesma actividade em condições gravemente deficientes;
   g) Cobrança dolosa de propinas ou outras taxas facturadas por valor diverso do fixado ou legalmente permitido;
   h) Não cumprimento dos prazos fixados para o início da actividade, por período superior a seis meses, sem prévia justificação aceitável;
   i) Cessão ou trespasse, total ou parcial, definitivo ou temporário, seja qual for a sua forma ou natureza, sem prévia autorização do Território;
   j) Apresentação do comodatário à falência ou decretamento judicial da falência, ou insolvência, a pedido de credores, ou estabelecimento de acordo de credores, concordata ou qualquer outra medida através da qual a gestão da instituição educativa passe a ficar submetida ou controlada pelos credores, ou por terceiros.
   3. No termo do contrato, independentemente da sua causa, revertem ao Território, livres de quaisquer ónus ou encargos, o edifício, devidamente desocupado, e os bens móveis cedidos pelo Território, que serão entregues no prazo de 3 meses.”
   
   Ora, entendemos que, ao proferir o despacho posto em causa pela recorrente, a Administração actua no âmbito dos poderes de administração e goza da prerrogativa executiva. E os actos praticados ao abrigo desses poderes são definitivos e executórios, não sendo apenas actos opinativos, pelo que o acto recorrido não está viciado de usurpação de poder, como vem arguido pela recorrente.
   
   Pelo exposto, entendemos que se deve negar provimento ao presente recurso.”
   
   
   Foram apostos vistos pelos juízes-adjuntos.
   
   
   
   2. Fundamentos
   2.1 Foram dados como provados os seguintes factos pelo Tribunal de Segunda Instância:
“- Em 7 de Maio de 2001, o Director dos Serviços de Educação e Juventude (DSEJ) assinou a “Informação/Proposta n.º XX/GDS-LV/2001”, elaborada em ambas as línguas oficiais desta Região Administrativa Especial de Macau (RAEM), e apresentou-a para a decisão do Senhor Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, de seguinte teor (na sua versão portuguesa):
   <<[...]
   Venho por este meio expor a V. Ex.ª a seguinte situação:
   Aos 9 de Julho de 1992, a A, candidata-se à 1.ª fase de candidaturas para a atribuição de equipamento escolar para o biénio 1993-1995. (Doc. 1)
   Aos 12 de Novembro de 1992, é elaborada a Informação n.o XX/GEPAE/92 relativa ao “Despacho de Sua Excelência o Senhor Governador sobre a 1.ª fase da distribuição de áreas / terrenos a 16 entidade particulares e à afectação de 6 áreas / terrenos para equipamento escolar a cargo da Administração do Território”, contendo em anexo o mapa de afectação dos imóveis escolares a diferentes entidades particulares, onde se inclui a A. (Doc. 2)
   Aos 7 de Dezembro de 1992, o Senhor Governador vem a apor na Informação n.o XX/GEPAE/92 a autorização necessária. (vide Doc.2)
   Da informação sobre a qual recai o despacho do Senhor Governador, infere-se que este autorizou naquela a afectação de áreas / terrenos a 16 entidades particulares, constantes do anexo I. (vide Doc. 2)
   Esta afectação teria de ser concretizada através dos instrumentos jurídicos indicados no Despacho n.o XX/GM/91, de 25 de Março de 1991. (vide Doc. 2)
   As chaves das instalações “Jardim” são entregues à Direcção dos Serviços de Educação e Juventude, no dia 8 de Maio de 1995. (Doc. 3)
   Na sequência foi entregue à A, este equipamento social escolar, que lhe havia sido afecto, no entanto o direito de uso, nunca foi formalizado nos termos do Despacho supra indicado.
   Aos 26 de Julho de 1995, é concedido o respectivo alvará de funcionamento à entidade titular da Escola, a funcionar na Taipa, Jardim, tendo iniciado o funcionamento no ano lectivo 1995/1996. (Doc. 4)
   A 10 de Março de 1998, o representante da entidade titular assina uma declaração relativa às condições de utilização dos edifícios e respectivo equipamento propriedade da RAEM. (Doc. 5)
   Mais rubrica as Condições de Utilização de Edifícios propriedade da RAEM, pedidos em regime de comodato, para funcionamento de instituições educativa particulares sem fins lucrativos. (vide Doc. 5)
   No presente ano lectivo 2000/2001, a Inspecção Escolar em visita às instalações da Escola, deparou com algumas situações irregulares, que expõe nas informações n.o XXX/INSP/2000 e n.o XXX/INSP/2000. (Docs. 6 e 7)
   Dos factos narrados verifica-se uma patente violação das “Condições de Utilização de Edifícios, Propriedade da RAEM, Cedidos em Regime de Comodato, para Funcionamento de Instituições Educativas Particulares Sem Fins Lucrativos”, que aconselham o pedido de devolução das instalações.
   Não sendo esta situação nova, já em informação anterior (vide relatório anexo à Informação n.o XX/INSP/97 de 2 de Junho de 1997) a Inspecção Escolar denunciou o mau funcionamento da instituição, a vários níveis: inexistência de material didáctico, falta de docentes com a necessária formação profissional, decréscimo da frequência do número de alunos, uma acentuada degradação das instalações, entre outros. (Doc. 8)
   Em Março do corrente ano é elaborado novo relatório, sobre a situação daquele estabelecimento de ensino e é enviado aos 21 de Março de 2001, através dos ofícios n.o XXXX/GDS/2001 e XXXX/GDS/2001, ao órgão de direcção e à entidade titular, respectivamente, nos termos do n.o 3 do art.º 32.o do Decreto- Lei n.o 38/93/M, de 26 de Julho e é solicitada uma vistoria para avaliação da situação das instalações escolares, à Direcção dos Serviços de Obras Públicas e Transportes. (Doc. 9 e 10)
   Na vistoria são detectadas algumas irregularidades, nomeadamente, que foi construído um anexo ao edifício original que nunca mereceu a aprovação da DSSOPT, tratando-se para todos os efeitos de uma construção ilegal e como se não basta-se está em perigo de derrocar a placa superior deste anexo, tendo sido proibida a entrada de pessoas neste local. De imediato dado foi conhecimento destas conclusões ao Director da Escola, através da realização de uma reunião, em que esteve também, presente o representante daqueles Serviços e a inspectora escolar. (Doc. 11 e vide Fig. 26 do Doc. 19)
   Dos elementos constantes do último relatório da Inspecção Escolar, destaca-se o seguinte:
   1) No ano lectivo de 1999, verificou-se que foram cobradas propinas indevidamente, tendo o Director recusado a proceder à sua devolução.
   2) A fama e gestão da escola originaram uma acentuada diminuição do número de alunos, actualmente apenas existe uma única turma com 20 alunos, o que representa uma taxa de ocupação muito reduzida, uma vez que esta escola tem uma capacidade total para acolher 495 alunos.
   3) Verifica-se anualmente uma diminuição do número de alunos a frequentar a escola, no ano lectivo 95/96 o número de alunos era de 358, no ano seguinte houve uma diminuição de 47%, tendo passado aquele número para 186 e actualmente é de apenas 20.
   4) A partir do presente ano lectivo o director está frequentemente ausente da escola. O que demonstra, da parte deste, uma falta de preocupação e de atenção pelas questões relativas ao estabelecimento de ensino, Escola, podendo esta ser apontada como uma das causas da decadência funcional em que se encontra, uma vez que compete a este órgão nos termos do art.º 14.o do Decreto-Lei n.o 38/93/M de 26 de Julho dirigir e orientar a acção educativa, regular, coordenar e supervisionar a acção de todo o pessoal, planificar e supervisionar as actividade curriculares e culturais, assegurar e controlar a avaliação de conhecimentos dos alunos, garantir a qualidade do ensino, sendo que estas competências só poderão ser devidamente exercidas, quando haja a disponibilidade e dedicação do titular do órgão às actividades da escola, o que pressupõe a sua presença diária.
   5) A professora que no primeiro semestre vinha acompanhando os alunos, deixou de trabalhar naquele estabelecimento a 22 de Dezembro, passando as aulas a serem ministradas pelas professoras B e C e pelo Sr. D.
   6) A actividade do Sr. D não foi declarada à DSEJ e o inspector escolar veio a descobrir que este não dispunha de habilitações académicas, para exercer funções docentes do ensino primário.
   7) Durante as aulas os alunos, na sua maior parte, não fazem os exercícios mandados executar pelos professores, tão pouco são ajudados ou incentivados, lêem revistas, dormem, entre outros. No corredor sente-se o cheiro a tabaco, oriundo da sala de aulas. (vide fig. 1 e 2 do Doc. 20)
   8) O director escolar descreve os seus alunos como “lixo”.
   9) Verificou-se que 6 dos alunos já faltam há muito tempo às aulas, assim, de acordo com o regulamento da própria escola, estes devem ser considerados como desistentes. Este facto deveria ter sido atempadamente comunicado à DSEJ, ao invés, tal só aconteceu em Maio deste ano, depois de denunciada esta situação pelos inspectores escolares.
   10) Em Outubro de 2000, foi detectado que um dos alunos não dispunha de documentos de identificação.
   11) A escola não dispõe de salas especiais, tal como, a de informática e as que existem, o laboratório de Física / Química e de electricidade, não têm qualquer equipamento.
   12) Nos sanitários os autoclismos estão avariados, os canos estão estragados, alguns lavatórios não têm torneiras e não há água. (vide Fig. 1, 2 e 3 do Doc. 19 e vide Fig. 3, 4 a 8 do Doc. 20)
   13) O sistema de iluminação e sinalização de saída de emergência não funciona, existem infiltrações de água nas paredes, tendo sido feitos buracos na parede, nalguns locais, para solucionar o problema do escoamento, a parte do pavimento que faz a união entre o edifício originário e a parte adicional sofreu um abatimento, no pavimento do terraço existem fendas e os ladrilhos estão levantados, as grades que o circundam estão fracas e enferrujadas, o que provoca uma situação de perigo eminente, encontrando-se esta última parte do edifício encerrada por ordem das DSSOPT, pois está em perigo de derrocar a placa superior. (vide Fig. 14, 15 ,18 a 24 do Doc. 19 e Fig. 22 a 43 do Doc. 20)
   14) A maior parte das salas serve de depósito de mobília estragada. (vide Fig. 4 e 10 do Doc. 19)
   15) A DSEJ atribuiu este ano lectivo um subsídio de 30,000.00 patacas a este estabelecimento para a realização de obras de manutenção e conservação e aquisição de material didáctico. Existindo sérias dúvidas sobre a veracidade das facturas entregues, nomeadamente, porque:
   15.1) A escola na documentação que apresenta, para justificar a concessão do subsídio para a aquisição de material didáctico, faz a indicação de despesas com a conservação dos computadores. Na sequência quis justificar a aquisição deste material, através da apresentação um recibo de aquisição de um “Fax Modem” datado de 23 de Outubro de 1998. (vide fls. 3 do Doc. 12)
   15.2) Sendo que ao momento, na escola apenas existem dois computadores, encontram-se ambos avariados e segundo a observação dos inspectores não está instalado o “Fax Modem”, tão pouco estão ligados à rede telefónica; (vide Fig. 44 do Doc. 20)
   15.3) A escola só reparou as portas e os painéis separadores das cabinas dos sanitários do 1.o andar. Segundo o recibo emitido pela Agência de Ar-Condicionado, a reparação da instalação sanitária incluía (caixas de descarga, portas, painéis separadores, lavatórios) numa despesa total de 4,500.00 patacas. Os materiais utilizados para suportar os painéis separadores são de ferro, enferrujam facilmente, algumas portas podem ser abertas, outras ficam encravadas pelas pegas não podendo ser abertas, as caixas de descarga estão danificadas, nos lavatórios faltam torneiras; os canos e chuveiros estragaram-se, tudo isto demonstra que as despesas cobradas com a reparação não correspondem à qualidade dos materiais usados. (Doc. 13 e vide Fig. 4 a 8 e 45 do Doc.20)
   15.4) Segundo o ponto 3, referido no recibo emitido pela Agência de Ar-Condicionado, (a manutenção e renovação dos ar-condicionados, ventiladores, lâmpadas florescentes, torneiras, caixas e fios eléctricos de cada piso da escola orçam em 4,800.00 patacas). Como os fios eléctricos foram deixados na parte de cima da porta do elevador e várias caixas de derivação colocadas no 2.o andar ainda não foram tapadas, não se consegue provar que as obras de manutenção já foram concluídas ou não. (vide Doc. 13 e vide Fig. 18, 21, 46 e 47 do Doc. 20)
   15.5) Por outro, existe uma disparidade entre as obras propostas para realização, aquando da candidatura para a atribuição do subsídio, e aquelas que ao momento estão em curso ou que já estão concluídas.
   As situações irregulares descritas nas várias alíneas do ponto 15), originaram um pedido de esclarecimento, dirigido ao director daquele estabelecimento de ensino, através do ofício n.o XXXX/DASE/2001, de 21 de Março, a responder no prazo máximo de dez dias, relativamente às seguintes questões: (Doc. 14)
   1. Qual a justificação para a divergência entre as obras propostas para realização, conforme o disposto no acto de candidatura para a atribuição do subsídio, e as obras efectivamente realizadas, sendo que a única obra coincidente é a referente à reparação das janelas?
   2. Como pretende justificar a aquisição de um “Fax Modem” com a apresentação de um recibo datado do ano de 1998?
   3. Quais os aparelhos de ar-condicionado e as ventoinhas, que foram sujeitos a reparação?
   Em carta de 20 de Abril do corrente ano, apresentada já fora do prazo estipulado, foram-nos dadas, nomeadamente, as seguintes explicações: (Doc. 15)
   1. “As obras de manutenção e conservação constantes na lista entregue em 30/10/2000 pela escola, estão a realizar-se sucessivamente no ano lectivo 2000/2001.”
   Não responde desde modo, o director, à pergunta que lhe foi formulada, uma vez que a lista entregue, na data referida, é relativa à “Designação das Obras Efectuadas”, o que pressuponha que estas já tivessem sido concluídas, por outro, o que lhe havia sido perguntado era o motivo pelo qual, vem a proceder à realização de obras divergentes das declaradas para a concessão do subsídio.
   2. “Relativamente à substituição do recibo de manutenção dos computadores pela compra de um “Fax Modem”, sendo o erro cometido pela empresa respectiva, venho entregar novo recibo”.
   Embora o director da escola venha apresentar novo recibo, agora relativamente ao serviço de manutenção dos computadores, esta justificação não é de aceitar, primeiro, porque este documento tem uma data anterior à de concessão do subsídio, segundo, os computadores existentes na escola ainda se encontravam avariados, aquando das últimas inspecções. (vide fls. 2 do Doc. 15)
   Em 7 de Maio a entidade titular e o director, enviam a resposta ao nosso ofício n.o XXXX/GDS/2001 e XXXX/GDS/2001, não conseguindo, em nosso entendimento, apresentar qualquer justificação para às irregularidades apontadas, ao funcionamento e à gestão da escola, no relatório da Inspecção Escolar. (Doc. 17).
   Limitando-se a invocar:
   1. Que a escola se destina ao recrutamento dos alunos abandonados por outras escolas e com problemas de exclusão social, o que é claramente contrário ao espírito do Sistema Educativo da RAEM, pois, ao permitir-se a criação de escolas dedicadas exclusivamente a receber este tipo de alunos, iria permitir-se a criação de “guetos” nas instituições educativas de Macau, violando-se assim o princípio da igualdade. Por outro lado, confessam, nos documentos apresentados, que a aceitação de alunos com este tipo de problemas se deveu para colmatar a falta de matrículas naquela escola “Por falta de alunos, baixou-se o padrão de admissão de alunos ( ... ) dão acesso até aos adolescentes que foram condenados ao Instituto de Menores”.
   Procurando imputar à anterior Directora destes Serviços a responsabilidade pela opção em admitir alunos “excluídos”, o que é nitidamente falso, entrando em contradição com o trecho acima transcrito. Podendo afirmar com toda a certeza que a DSEJ o único pedido que dirige às escolas, relativamente a esta matéria, e que já o fazia antes de 1995, é solicitar que aquelas recebam alunos com dificuldades em se matricularem, quer porque acabaram de chegar a Macau, quer por falta de vagas e quer ainda outros motivos, mas, jamais foi solicitado a uma entidade titular para que o seu estabelecimento de ensino aceite-se exclusivamente alunos com dificuldades de integração.
   2. Ao permitir a construção da escola numa zona afastada e com poucos habitantes, a DSEJ violou o disposto no n.o 2 do art.º 31.o do Diploma do Sistema Educativo de Macau, recaindo, por este motivo, sobre estes Serviços a culpa que haver poucos alunos a frequentar a escola, o que é totalmente falso, bastando recordar que no ano inaugural a escola contou com a inscrição de 358 alunos, o que é um número bastante significativo, correspondendo a uma taxa de ocupação 72% dos lugares disponíveis, porém, logo no ano lectivo seguinte aquele número passou para 186 alunos, devido, em nossa opinião, à má reputação que a instituição logo granjeou junto da população.
   3. Mais acusam estes Serviços, nomeadamente, de formularem conscientemente acusações falsas e de forjarem provas, através dos inspectores escolares, tendo já levado ao engano V. Ex.ª Digm.º Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, o Senhor Deputado Tong Chi Kin e a Direcção dos Serviços de Obras Públicas e Transportes, sendo estas afirmações caluniosas e contrárias à verdade.
   4. E, entre outras acusações, ainda são estes Serviços responsabilizados pelo estado de degradação da instituição, esquecendo-se que cabe à entidade titular a conservação das instalações, nos termos das “Condições de Utilização de Edifícios, Propriedade da RAEM, Cedidos em Regime de Comodato” o que demonstra a falta de argumentos tanto da entidade titular como do director, para conseguir justificar o estado deplorável em que aquele estabelecimento escolar se encontra.
   5. Chegando, mesmo, a pôr em dúvida as conclusões da DSSOPT, sobre o estado de perigosidade do edifício, ao afirmarem: “Relativamente aos problemas sobre a degradação dos edifícios alagados, tais como a biblioteca, o auditório, entre outros, conforme as verificações dos engenheiros da construção civil, chegou-se à conclusão de que a degradação dos edifícios acima referidos é apenas as fendas na superfície não afectando a sua estrutura, não existe qualquer problema de segurança”, revelando uma falta de preocupação com a segurança dos alunos.
   Face ao exposto, deverá esta situação ser solucionada o mais rapidamente possível, pois trata-se de um equipamento escolar que está a ser subaproveitado e mal cuidado, encontrando-se em avançado estado de degradação, violando-se assim os pressupostos que determinaram a concessão do seu uso.
   Encontrando-se a entidade titular em clara violação das Condições de utilização de Edifícios propriedade da RAEM, nomeadamente, nos termos da al.s b), e), f) e g) do n.o 2 do ponto VI. Termo do Contrato.
   Assim, proponho a V. Ex.ª se digne pôr termo à afectação deste equipamento escolar, a partir de 31 de Agosto de 2001 (fim do presente ano escolar), devendo deste modo ser exigida à A, entidade titular da instituição escolar, a entrega das instalações no prazo máximo de 3 meses, a contar daquela data, conforme o n.o 3 das Condições de Utilização de Edifícios Propriedade da RAEM. (vide Doc.5)
   Sendo que, em caso da falta de entrega voluntária das instalações, findo aquele prazo, deverá ser interposta uma acção judicial de reivindicação da propriedade, nos termos do art.º 1235.o do Código Civil e simultaneamente deverá ser interposto procedimento cautelar comum, nos termos do art.º 326.o e seguintes do Código de Processo Civil. Sendo a urgência deste último procedimento justificada pela necessidade de se proceder, o mais rapidamente possível, às obras de reparação no edifício original e à eventual demolição da estrutura adicional.
   Devendo ser solucionada, durante o tempo que medeia o momento actual, e o de propositura da acção, a questão prévia do registo do imóvel “Jardim”, na Conservatória do Registo Predial, uma vez que de acordo com ofício n.o XXXXX/DGP/01, de 15 de Maio, da Direcção dos Serviços de Finança aquele ainda não foi efectuado. (Doc. 18)
   Reposto em bom estado, o imóvel deve ser cedido a outra instituição educativa da rede escolar pública que já tenha dado provas de bem prosseguir os objectivos subjacentes à concessão de uso de equipamentos escolares propriedade da RAEM, para ser utilizado no ano lectivo 2002/2003.
   À consideração de V. Exª.
   [...]>>.
   – Sobre a informação / proposta acabada de transcrita recaiu a final, em chinês, o ora recorrido despacho de 18 de Junho de 2001 do Senhor Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, nos seguintes termos (e ora traduzido pelo relator):
   <<(Opinando a assessoria jurídica que concorda com o entendimento da Direcção dos Serviços de Educação no sentido da retomada da escola, devido aos actos irregulares a nível da gestão, à má gestão e à taxa excessivamente baixa de utilização). Concordo com a retomada.
   Chui Sai On (ass.)
   18/6/2001>>.
   – Depois, o Presidente E da A ora recorrente foi notificado pelo Ofício n.º XXXX/GDS/2001, de 10 de Julho de 2001, da DSEJ, escrito em duas línguas oficiais da RAEM e assinado pelo respectivo Director de Serviços, do seguinte (no seu teor em português):
   <<[...]
   Serve o presente ofício para, nos termos do art.º 70.º do Código de Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 57/99/M, de 11 de Outubro, notificar V. Ex.ª do despacho de Sua Excelência o Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, aposto aos 18 de Junho de 2001, sob a Informação / Proposta n.º XX/GDS-LV/2001 de 7 de Maio de 2001, que determinou a devolução das instalações “Jardins”, onde actualmente está a funcionar a Escola, à Administração.
O referido despacho, de que se junta fotocópia, tem como fundamento o subaproveitamento (baixa taxa de frequência da escola) e o estado de degradação do imóvel.
Deste modo deverá V. Ex.ª, nos termos n.º 3 do ponto VI das Condições de Utilização de Edifícios, Propriedade da Região Administrativa Especial de Macau, Cedidos em Regime de Comodato, para Funcionamento de Instituições Educativas Particulares Sem Fins Lucrativos, proceder à devolução do imóvel, livre de quaisquer ónus ou encargos, no prazo de 3 meses a contar do dia 31 de Agosto de 2001, que marca o encerramento do presente ano escolar, devendo ser informados estes Serviços no prazo de 15 dias, a contar da recepção da presente notificação, da data prevista para a entrega das instalações.
    Na falta de devolução do imóvel no terminus do prazo serão tomadas as medidas coactivas previstas na lei, nos termos do art.º 143.º do Código de Procedimento Administrativo.
    Mais se informa V. Ex.ª que deverá dar entrada nestes Serviços, até 31 de Agosto de 2001, conforme o consagrado no n.º 7 do art.º 20.º do Decreto-Lei n.º 38/93/M, de 26 de Julho, os seguintes documentos: a) “Processos individuais do pessoal docente e não docente;”, b) “Processos dos alunos, livros de matrícula e documentos de avaliação;” e “C) Dados de contabilidade respeitantes à instituição educativa particular, designadamente a documentação relativa a apoios financeiros recebidos da DSEJ ou de outros organismos e serviços públicos”.
    Do despacho indicado de Sua Ex.ª o Secretário para os Assuntos Sociais, pode ser impugnado, nos termos da al. 7) do art.º 36.º da Lei n.º 9/1999 – (Lei de Bases da Organização Judiciária) – , mediante recurso a interpor para o Tribunal de Segunda Instância, directamente ou sob registo do correio, na Secretaria do Tribunal, a que é dirigido, dentro do prazo legal de 30 dias a contar do conhecimento da presente notificação, conforme previsto na alínea a) do n.º 2 do art.º 25.º e na al. b) do n.º 3 do art.º 26.º do Código de Processo Administrativo Contencioso, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 110/99/M, de 13 de Dezembro.
   Com os melhores cumprimentos.
   [...]>>.
   – Em 9 de Julho de 1992, a A (ora recorrente), candidatou-se à Primeira Fase de candidaturas para a atribuição de equipamento escolar para o biénio 1993-1995.
   – Por despacho do então Governador de Macau, de 7 de Dezembro de 1992, foi, designadamente, autorizada a afectação, em regime de comodato, das instalações “Jardim”, da Taipa de Macau, como equipamento social escolar à A (ora recorrente), à qual foi concedido, em 26 de Julho de 1995, na qualidade de entidade titular da instituição educativa particular sem fins lucrativos denominada Escola (doravante apenas abreviada como “escola”), o respectivo alvará de funcionamento.
   – Antes dessa concessão, a Direcção dos Serviços de Solos e Obras Públicas e a Direcção dos Serviços de Finanças procederam, em 8 de Maio de 1995, à vistoria das instalações em causa, tendo concluído estarem as mesmas em condições de serem recebidas pela Administração, pelo que na mesma data, foram as mesmas entregues à DSEJ, através da Direcção dos Serviços de Finanças, estando as mesmas instalações em condições para a prática de actividades lectivas.
   – A recorrente apresentou, em 30 de Junho de 1995, à DSEJ um plano de obras acompanhado do respectivo orçamento, a fim de pedir a concessão de subsídio para diversas obras na escola, as quais se traduziam praticamente em realização de despesas com o fim de aumentar o valor do imóvel sede da escola e para proporcionar maior prazer ou recreio, apesar de as mesmas não serem indispensáveis para a conservação do imóvel, tendo em 17 de Julho de 1995 solicitado, inclusivamente de novo, à DSEJ a concessão de uma verba para fazer decorações das instalações e comprar equipamentos necessários com o fim de satisfazer as necessidades do início de funcionamento da escola em Setembro de 1995.
   – Perante o assim solicitado para realização de obras e para instalação de equipamentos, a DSEJ atribuiu à recorrente um subsídio de 800 mil patacas e um outro de 500 mil patacas, respectivamente.
   – A escola iniciou efectivamente o seu funcionamento no ano lectivo de 1995/1996, com um total sensivelmente de 360 alunos matriculados, distribuídos em doze turmas, do nível K1, 1.º ano pré-primário, ano preparatório para o ensino primário e dos seis anos do ensino primário, não tendo a recorrente nessa altura apresentado qualquer queixa sobre o estado do imóvel a ela afecto para ministração da mesma escola.
   – Os representantes E e F da A recorrente e também entidade titular da mesma instituição educativa assinaram, em 10 de Março de 1998, uma declaração alusiva ao conhecimento das “Condições de Utilização de Edifícios, Propriedade do Território, cedidos em Regime de Comodato, para Funcionamento de Instituições Educativas Particulares Sem Fins Lucrativos”, bem como rubricaram o documento anexado à declaração e donde constam essas mesmas “Condições de Utilização”, de seguinte teor:
< PROPRIEDADE DO TERRITÓRIO, CEDIDOS EM REGIME
DE COMODATO, PARA FUNCIONAMENTO DE INSTITUIÇÕES
EDUCATIVAS PARTICULARES SEM FINS LUCRATIVOS
   
   A utilização de edifício ou de parte de edifício e respectivos bens móveis, propriedade do Território, destinado ao funcionamento de instituições educativas particulares sem fins lucrativos, está sujeita, sem prejuízo do que vier a ser acordado no respectivo contrato de comodato, às seguintes condições:
   
   I. OBRIGAÇÕES GERAIS DO COMODATÁRIO
   1. Cumprir a Lei n.º 11/91/M, de 29 de Agosto, e respectiva legislação complementar, nomeadamente o Decreto-Lei n.º 38/93/M, de 26 de Julho, o Decreto-Lei n.° 63/93/M, de 15 de Novembro, bem como demais legislação aplicável à modalidade, tipo e nível de ensino ministrado.
   2. Promover o apetrechamento da instituição educativa em função das necessidades e prioridades que se encontrem definidas ou lhe sejam indicadas pela Direcção dos Serviços de Educação e Juventude, adiante designada por DSEJ.
   3. Prestar à DSEJ e às entidades por esta encarregadas da fiscalização, todas as facilidades necessárias ao exercício das suas funções.
   
   II. RESPONSABILIDADE DO COMODATÁRIO
   1. Responder perante o Território pelos actos e omissões dos seus gestores, bem como pelos actos e omissões daqueles que, por seu mandato, construírem obras ou fornecerem e montarem materiais no edifício destinado ao funcionamento da instituição educativa.
   2. Responder perante o Território, utentes e terceiros, pelos danos que causar a pessoas e bens no exercício da sua actividade, nomeadamente, por violação da lei, dos regulamentos aplicáveis e das condições, termos e deveres que forem acordados na escritura de contrato.
   3. Responsabilizar-se pela obtenção das licenças e autorizações necessárias ao exercício das actividades a que se acha obrigado e ao preenchimento dos correspondentes requisitos e obrigações.
   
   III. BENS E DIREITOS
   Os bens e direitos afectos à instituição educativa, bem como as benfeitorias que forem executadas no imóvel não podem ser alienados ou onerados, excepto nos termos legalmente permitidos e desde que para tanto o comodatário obtenha a autorização do Território.
   
   IV. SEGUROS
   O comodatário tem de efectuar, com entidades seguradoras que tenham sede ou representação em Macau, os seguintes seguros, com os montantes e nas condições a aprovar pelo Território:
   a) Seguro de cobertura de danos causados na edificação, instalações e equipamentos, que integrem a instituição educativa, designadamente, por furtos, por incêndio ou explosões e por inundações, raio ou tempestades ou outros fenómenos da natureza;
   b) Seguro de responsabilidade civil perante terceiros.
   
   V. MANUTENÇÃO E CONSERVAÇÃO
   1. O comodatário obriga-se a manter em estado de bom funcionamento e conservação as infra-estruturas, instalações e equipamentos da instituição educativa por forma a garantir em permanência a sua capacidade de funcionamento, utilização e segurança.
   2. O comodatário obriga-se, ainda, a proceder à pronta reparação ou substituição das infra-estruturas, instalações e equipamentos que se encontrem destruídos, danificados ou inadequados para o fim a que se destinam, avisando a DSEJ da ocorrência.
   3. Os encargos com o disposto no número anterior podem ser comparticipados pela DSEJ, quando tal se justifique.
   
   VI. TERMO DO CONTRATO
   1. O contrato termina pelo decurso do prazo fixado, pela rescisão ou por mútuo acordo.
   2. O Território pode rescindir o contrato quando se verifique, designadamente, qualquer uma da seguintes situações:
   a) Alteração da finalidade da instituição educativa;
   b) Recusa de cumprimento da obrigação de prestar o serviço ou de proceder à reparação das infra-estruturas, edifício e equipamentos da instituição educativa, apesar de necessárias para a satisfação das necessidades normais;
   c) Repetição de actos graves de indisciplina do pessoal ou dos utentes por culpa grave da instituição educativa;
   d) Oposição ao exercício da fiscalização;
   e) Violação da legislação aplicável à actividade exercida pela instituição educativa;
   f) Suspensão total ou parcial da actividade educativa, excepto no caso de força maior, ou exercício da mesma actividade em condições gravemente deficientes;
   g) Cobrança dolosa de propinas ou outras taxas facturadas por valor diverso do fixado ou legalmente permitido;
   h) Não cumprimento dos prazos fixados para o início da actividade, por período superior a seis meses, sem prévia justificação aceitável;
   i) Cessão ou trespasse, total ou parcial, definitivo ou temporário, seja qual for a sua forma ou natureza, sem prévia autorização do Território;
   j) Apresentação do comodatário à falência ou decretamento judicial de falência, ou insolvência, a pedido de credores, ou estabelecimento de acordo de credores, concordata ou qualquer outra medida através da qual a gestão da instituição educativa passe a ficar submetida ou controlada pelos credores, ou por terceiros.
   3. No termo do contrato, independentemente da sua causa, revertem ao Território, livres de quaisquer ónus ou encargos, o edifício, devidamente desocupado, e os bens móveis cedidos pelo Território, que serão entregues no prazo de 3 meses.
   4. A denúncia do contrato por iniciativa do comodatário, deve ser comunicada à DSEJ, por escrito, com a antecedência mínima de 6 meses relativamente à data de início do novo ano escolar.>>
   – Nos anos lectivos seguintes, aquele número de alunos matriculados decresceu de seguinte maneira, tendo sido suspensa parcialmente a actividade educativa da escola:
- no ano lectivo de 1996/97, o número de alunos passou para 186, distribuídos em seis turmas, do 2.° ano ao 6.° ano do ensino primário;
- no ano lectivo de 1997/98, passou para 134 alunos, distribuídos em cinco turmas, do 3.° ano ao 6.° ano do ensino primário;
- no ano lectivo de 1998/99, passou para 92 alunos, distribuídos em três turmas, do 4.° ano ao 6.° ano do ensino primário;
- no ano lectivo de 1999/2000, passou para 55 alunos, distribuídos em duas turmas, do 5.° ano ao 6.° ano do ensino primário; e
- no ano lectivo de 2000/2001, foi de apenas 20 o número de alunos inscritos, que formaram uma turma única, do 6.° ano do ensino primário.
   – Tendo capacidade prevista para cerca de 450 alunos, a taxa de ocupação do imóvel sede da escola foi, nesse último ano lectivo, de apenas cerca de 4%, ou seja, de 20 anos.
   – Entretanto, foi denunciado e exposto pela Inspecção Escolar dependente da DSEJ, mormente nas suas Informações n.º XXX/INSP/2000, de 29 de Setembro de 2000, e n.º XXX/INSP/2000, de 27 de Outubro de 2000, um conjunto de situações irregulares verificadas em visita às instalações da mesma Escola, a vários níveis: inexistência de material didáctico, falta de docentes com a necessária formação profissional, decréscimo da frequência do número de alunos, e uma acentuada degradação das instalações.
   – Em Março de 2001, foi elaborado pela Inspecção Escolar um novo relatório sobre a situação daquela instituição educativa, cuja cópia foi enviada, por ofícios da DSEJ n.º XXXX/GDS/2001 e n.º XXXX/GDS/2001, ambos datados de 21 de Março de 2001, ao órgão de direcção e à entidade titular da mesma instituição, respectivamente, nos termos, considerados pela DSEJ, do n.º 3 do art.º 32.º do Decreto-Lei n.º 38/93/M, de 26 de Julho.
   – Em 19 de Março de 2001, foi feita uma vistoria para avaliação da situação das instalações da escola, por dois engenheiros a cargo da Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (DSSOPT), no âmbito da qual foi nomeadamente detectado um anexo, construído ilegalmente, ao edifício originário das instalações escolares em causa, com sua placa superior em perigo de derrocada, o que aconselhava que fosse proibida a entrada de pessoas nesse local, situação toda essa que foi objecto de conhecimento do director E da escola.
   – E como o estado do mesmo imóvel pôs em causa a segurança dos alunos e pessoal da escola, a DSSOPT interditou, por motivo de segurança, o acesso à parte adicional do aludido edifício originário, tratando-se esta mesma parte de uma construção ilegal feita pela recorrente, que devia ser demolida.
   – A acima aludida parte adicional da escola, consistente em três pisos em betão armado que serviam nomeadamente como biblioteca e pátio, foi construída por decisão da recorrente, sem prévio licenciamento pela DSSOPT, obra essa que foi realizada em poucos meses e concluída em Outubro ou Novembro de 1995.
   – Entretanto, a recorrente chegou a solicitar o licenciamento em segunda via dessa obra, o que até à data da emissão do acto administrativo ora recorrido em 18 de Junho de 2001 ainda não foi deferido pela DSSOPT, não obstante o facto de a DSEJ ter dado parecer favorável a esse pedido.
   – A escola encontrava-se, concretamente, na seguinte situação desde Setembro de 2000:
- em alguns dos sanitários, os autoclismos estavam avariados, os canos estavam estragados e alguns lavatórios não tinham torneiras e não havia água;
- o sistema de iluminação de saída de emergência e respectiva sinalização não funcionava (no período de Outubro de 2000 até 2001);
- as torneiras de segurança e contra incêndios estavam trancadas a cadeado (no período de Outubro de 2000 até 2001);
- existiam infiltrações nas paredes que medeiam a parte originária e a parte adicional das instalações da escola, tendo sido feitos buracos nas paredes para solucionar o problema do escoamento da água;
- existiam fios eléctricos a descoberto, fora das caixas de derivação, na parede do canto junto ao elevador do 1.° andar;
- a parte do pavimento que faz a união entre o edifício originário e a parte adicional sofreu um abatimento;
- no pavimento do terraço da parte originária do imóvel existiam fendas e os ladrilhos estavam levantados formando buracos;
- as grades do terraço da parte adicional estavam enfraquecidas devido à ferrugem, provocando perigo;
- a maior parte das salas servia de depósito de mobília estragada;
- e não existiam (na escola) salas especiais, tal como a de informática e laboratório.
   – No ano lectivo de 2000/2001, a escola fez cobrança abusiva das propinas, admitiu alunos indocumentados, tinha pessoas sem habilitações legais a exercer funções lectivas, e sem prévia comunicação desse facto à DSEJ.
   – No ano lectivo de 1997/98, a pedido da recorrente para realização de obras na escola e para aquisição de equipamentos, a DSEJ concedeu-lhe um subsídio em 39 mil e um outro em 40 mil, respectivamente.
   – No ano de 1999/2000, a pedido da recorrente para realização de obras na escola e para aquisição de equipamentos, a DSEJ atribuiu-lhe um subsídio em 20 mil e um outro em 20 mil, respectivamente.
   – E no ano de 2000/2001, a pedido da recorrente para realização de obras de manutenção e conservação e para aquisição de material didáctico, a DSEJ atribuiu-lhe um subsídio em 30 mil e um outro em 20 mil, respectivamente.
   
   Em contrapartida, considera-se não provados os seguintes factos:
   – Que o imóvel sede da escola e cedido pela Administração à recorrente se encontre em momento da prática do acto ora recorrido, em melhor ou muito melhor estado de conservação do que quando o mesmo foi entregue pela primeira vez à recorrente;
   – Que o mesmo imóvel tenha sido cedido à recorrente em condições de conservação bastante más, o que tenha obrigado a mesma a proceder, ao longo dos últimos anos, a diversas obras de recuperação;
   – Nem que o estado de conservação do mesmo imóvel seja, ao tempo da emissão do acto ora recorrido, perfeitamente razoável apresentando condições normais de segurança.”
   
   
   2.2 Natureza jurídica do contrato
   Antes de mais nada, é de notar o equívoco constante das alegações da recorrente. Foi a própria recorrente que afirma que o contrato de comodato celebrado entre a entidade recorrida e a recorrente é um contrato administrativo com objecto passível de contrato de direito privado, ou seja, é um contrato de direito público da Administração, atendendo o ente púbico como um dos seus sujeitos e o regime de direito administrativo a que está sujeito, e é, simultaneamente, um contrato de direito privado da Administração por causa da natureza privada do seu objecto.
   Ora, a classificação dos contratos administrativos como contrato com objecto passível de acto administrativo e contrato com objecto passível de contrato privado foi proposta, na literatura jurídica portuguesa, por Sérvulo Correia. Para este autor, o contrato administrativo é de um ou outro tipo “consoante os efeitos produzidos (ou o mais importante de entre eles) sejam ou não susceptíveis de geração também por acto administrativo. Em caso afirmativo, estaremos perante um contrato com objecto passível de acto administrativo.” Em contrapartida, “Poderemos denominar contratos com objecto passível de contrato privado aqueles cujos principais efeitos de direito não poderiam ser produzidos através de acto administrativo, mas sim de contrato de direito privado.”1
   Esta classificação doutrinal dos contratos administrativos tem agora consagração legal no actual Código do Procedimento Administrativo (CPA) aprovado pelo Decreto-Lei n.° 57/99/M onde prescreve no seu art.° 172.°, n.° 3 os diferentes regimes de invalidade dos contratos para estes dois tipos de contratos administrativos.
   Parece que a recorrente entendeu erradamente que o contrato administrativo com objecto passível de contrato de direito privado não tem a natureza de contrato administrativo mas sim de direito privado, com a consequente aplicação, a título principal, do regime privado.
   Se a própria recorrente admite que o contrato é de direito administrativo em razão do seu sujeito e do regime, o que significa que o contrato tem natureza de direito administrativo e está sujeito às normas deste ramo de Direito, nomeadamente ao capítulo de contrato administrativo do CPA. Então a fundamentação do presente recurso perde o seu alicerce, pois o vício invocado pela recorrente baseia-se precisamente na natureza privada do contrato celebrado entre a Administração e ela.
   De qualquer modo, passaremos a apreciar a parte da fundamentação / conclusões da recorrente em que considera tal contrato como o de direito privado.
   
   Como uma das principais actividades administrativas, aos contratos administrativos correspondem um conjunto de regras jurídicas diferentes do de contratos de direito privado. Por isso, a existência ou não do vício de usurpação de poder no acto recorrido só é conhecida depois de ser determinada a natureza do contrato em causa.
   
   Prescrevia o art.° 157.°, n.° 1 do anterior CPA de 1994, vigente na altura da celebração do contrato de comodato em causa:
   “1. Diz-se contrato administrativo o acordo de vontades pelo qual é constituída, modificada ou extinta uma relação jurídica administrativa.”
   No novo CPA, concretamente no seu art.° 165.°, n.° 1, mantém-se a mesma definição legal.
   
   Genericamente, o contrato administrativo define-se pela sua ligação ao exercício da função administrativa e subordina-se ao regime jurídico de Direito Administrativo.2
   No conceito legal do contrato administrativo põe-se acento tónico na relação jurídica administrativa.
   Por relação jurídica administrativa entende-se que “é aquela que, por via de regra, confere poderes de autoridade ou impõe restrições de interesse público à Administração perante os particulares, ou que atribui direitos ou impõe deveres públicos aos particulares perante a Administração.”3
   Pode afirmar-se que “o contrato administrativo é um contrato que constitui um processo próprio de agir da Administração pública e que cria, modifica ou extingue relações jurídicas, disciplinadas em termos específicos do sujeito administrativo, entre pessoas colectivas da Administração ou entre a Administração e os particulares.”4
   Para outros autores, a marca determinante da administratividade de um contrato reside na “simples ligação expressa do contrato à realização de um resultado ou interesse especificamente protegido no ordenamento jurídico, se e enquanto se trata de uma tarefa assumida por entes da própria colectividade, isto é, de interesses que só têm protecção específica da lei quando são prosseguidos por entes públicos – ou por aqueles que actuam por ‘devolução’ ou ‘concessão’ pública.”5
   
   Importa-se distinguir os contratos administrativos dos contratos privados.
   “Sendo ambos acordos de vontades, contrato administrativo e contrato de direito privado da Administração distinguem-se pela diferente natureza jurídica dos seus efeitos, ou, noutra perspectiva, pela especial intensidade que o factor ‘interesse público’ desempenha no primeiro.6
   Há efectivamente autores7 que negam a autonomia da figura do contrato administrativo face ao contrato de direito civil. No entanto, nota-se que existem importantes e bastantes diferenças entre os dois tipos de contratos, para além de que o legislador consagra expressamente o contrato administrativo como uma das principais actividades da Administração Pública subordinada às normas do Direito Administrativo (vide o capítulo IV da parte IV dos Códigos do Procedimento Administrativo).
   
   Para a classificação de contratos administrativos que nos interessa agora, os contratos com objecto passível de contrato privado “adquirem natureza administrativa ou por imposição legal relacionada com a verificação de determinados pressupostos ou pela estipulação pelas partes de cláusulas suplementares que estabeleçam um regime estatutário da Administração.”8
   Segundo o critério estatutário assim proposto, a qualificação e o regime jurídico aplicável ao contrato dependem dos efeitos acordados pelas partes. É a “estipulação adicional pelas partes de cláusulas suplementares que apenas sejam concebíveis numa relação jurídica em que pelo menos uma das partes seja a Administração intervindo nessa qualidade”9 que distingue o contrato de direito privado do contrato administrativo com objecto passível de contrato de direito privado.
   O exemplo dado é o caso de que as partes convencionam que o contraente de direito público poderá impor sanções contratuais através de acto administrativo.
   
   Na óptica da recorrente, o contrato de comodato celebrado entre ela e a Administração é um contrato administrativo com objecto passível de contrato de direito privado, inserido na gestão privada, sujeito apenas aos princípios gerais da actividade administrativa mas é um contrato de direito privado da Administração em virtude de o seu objecto imediato revestir a natureza de contrato de direito privado.
   E nega que o fim de prossecução imediata do interesse público, a subordinação às directivas da DSEJ, formalidades e particularidades próprias na sua formação, o imóvel propriedade da Administração como objecto do contrato e cláusulas exorbitantes como a de não cobrar propinas possam constituir factores determinantes da natureza de direito administrativo do referido contrato.
   
   No entanto, das Condições constam várias e bastantes cláusulas que permite, sem dificuldade, concluir a administratividade do contrato de comodato celebrado entre a recorrente e a Administração, para além de integrar nele cláusulas geralmente concebíveis em contrato de comodato sujeito totalmente ao direito civil.
   Desde logo, o contrato visa satisfazer as necessidades de educação da sociedade de Macau que constitui uma das prioridades da funções administrativas do Governo, permitindo o exercício das actividades de ensino pela recorrente, instituição particular educativa, integrada no sistema educativo de Macau.
   Por revestir a natureza de interesse público, nas obrigações gerais do comodatário constantes da parte I do contrato está prevista a sujeição da recorrente no cumprimento das legislações relativas às actividades educativas, tais como a lei-quadro do sistema educativo de Macau (Lei n.° 11/91/M), o estatuto das instituições educativas particulares de ensino não superior (Decreto-Lei n. 38/93/M) e o plano de contabilidade para as instituições educativas particulares sem fins lucrativos subsidiadas pela Administração (Decreto-Lei n.° 63/93/M).
   E está obrigado ainda a promover o apetrechamento da instituição educativa em função das necessidades e prioridades definida pela Direcção dos Serviços de Educação e Juventude bem como prestar à esta e às entidades fiscalizadoras facilidades necessárias ao exercício das suas funções, nomeadamente a submeter à inspecção.
   No sentido de garantir o normal funcionamento da instituição educativa, não podem ser alienados ou onerados os bens e direitos afectos a esta e as benfeitorias executadas no imóvel, excepto nos termos legalmente permitidos e com a autorização da Administração (parte III do contrato).
   A Administração está dotada ainda do poder de rescisão unilateral do contrato. No n.° 2 da parte VI deste estão previstas, a título de exemplo, diversas situações susceptíveis de constituir causas de rescisão por parte da Administração. Algumas das causas revelam bem evidente a autoridade da Administração, tais como: a oposição ao exercício da fiscalização (al. d)), a violação da legislação aplicável à actividade exercida pela instituição educativa (al. e)), a suspensão da actividade educativa (al. f)), a cobrança dolosa de propinas ou taxas por valor diverso do fixado legalmente (al. g)), o não cumprimento dos prazos fixados para o início da actividade educativa (al. h)), a cessão ou trespasse sem prévia autorização da Administração (al. i)), a gestão da instituição controlada por terceiros, tal como no caso de falência ou insolvência (al. j)).
   De todas as cláusulas do contrato de comodato acima referidas resultam, com clareza, a intenção das partes do acordo de submeter bastantes aspectos do contrato ao regime do Direito Administrativo, e não totalmente ao direito privado.
   Daí que o contrato de comodato celebrado entre a Administração e a recorrente é um contrato administrativo.
   
   
   2.3 Regime aplicável ao contrato. Actos opinativos.
   Para a recorrente, o contrato de comodato em causa, embora sujeito aos princípios gerais da actividade administrativa, são lhe aplicáveis, salvo disposição contrária do CPA, as disposições gerais da lei civil relativas aos negócios jurídicos ou aos contratos bilaterais, nos termos dos art.°s 165.°, n.° 2 do CPA de 1994 ou 173.°, n.° 2 do actual CPA, disposições que não foram afastadas pelas partes.
   Por isso, só com o recurso ao tribunal civil ou comum poderia a entidade recorrida ter procedido à interpretação da cláusula al. f) do n.° 2 da parte VI das referidas Condições e nunca através do acto administrativo ora recorrido, situação que gera o vício de usurpação de poder.
   
   Dispõe assim o art.° 165.° do CPA de 1994:
“Artigo 165.º
(Actos opinativos)
   1. Os actos administrativos que interpretem cláusulas contratuais ou que se pronunciem sobre a respectiva validade não são definitivos e executórios, pelo que na falta de acordo do co-contratante a Administração só poderá obter os efeitos pretendidos através de acção a propor no tribunal competente.
   2. O disposto no número anterior não prejudica a aplicação das disposições gerais da lei civil relativas aos contratos bilaterais, a menos que tais preceitos tenham sido afastados por vontade expressa dos contratantes.”
   No actual CPA, o seu art.° 173.° prescreve no mesmo sentido.
   
   Ora, a norma refere-se apenas às questões de interpretação e validade das cláusulas de contratos administrativos, excluindo, portanto, as questões relativas à execução do contrato.10
   “Do n.° 2 do mesmo artigo extrai-se que, salvo no caso de as partes as afastarem expressamente, valem, para a interpretação das cláusulas de contratos administrativos, as disposições gerais fixadas para a interpretação dos negócios jurídicos nos artigos 236.° e seguintes11 do Código Civil.”12
   O art.° 165.° do CPA de 1994 ou art.° 173.° do actual CPA consagra apenas o valor meramente opinativo dos actos administrativos que interpretam autonomamente cláusulas contratuais ou que se pronunciem sobre a respectiva validade, não estando ligado à execução de contratos administrativos. Não se pode estender o sentido da norma do n.° 2 dos referidos artigos até ao ponto de aplicar todas as disposições gerais da lei civil relacionadas com os contratos bilaterais, pois o n.° 2 deve ser interpretado sistematicamente com o n.° 1 do mesmo artigo, e não isoladamente.
   Na realidade, entendido a contrario destes artigos, a Administração pode praticar actos administrativos destacáveis e consequentemente impugnáveis por via contenciosa, fora das questões previstas naqueles, nos termos previstos no art.° 159 do CPA de 1994 ou art.° 167.° do actual CPA.13
   No presente recurso, o que está em causa não é a interpretação ou validade da al. f) do n.° 2 da parte VI das “Condições”, mas sim a sua aplicação a situação concreta da recorrente através do acto administrativo praticado pela Administração. Não há violação do art.° 159 do CPA de 1994.
   
   
   2.4 Rescisão do contrato de comodato
   A recorrente sustenta ainda que no contrato de comodato, como contrato administrativo com objecto passível de contrato de direito privado, por ter natureza de direito privado, o eventual conflito relativo ao seu incumprimento só pode ser decidido por meio de acção e não por acto administrativo. Consequentemente, a rescisão unilateral do contrato operada pela entidade recorrida padece do vício de usurpação de poder.
   
   Na linha da fundamentação acima exposta, é fácil de concluir a falta de razão nessa parte do recurso interposto pela recorrente.
   Tal como foi referido, o contrato de comodato celebrado entre a Administração e a recorrente reveste a natureza de contrato administrativo, qualificado como contrato administrativo com objecto passível de contrato de direito privado.
   A este tipo de contrato administrativo aplica as disposições do Código Civil apenas em relação à invalidade do contrato (art.°s 164.°, n.° 1 do CPA de 1994 e 172.°, n.° 3, al. b) do CPA de 1999) e, também a outros tipos de contratos administrativos, à falta e vícios de vontade (art.°s 164.°, n.° 1 do CPA de 1994 e 172.°, n.° 2 do CPA de 1999) e à interpretação e validade das cláusulas contratuais nos contratos bilaterais (art.°s 165.° do CPA de 1994 e 173.° do CPA de 1999).
   Assim, em matéria de execução do contrato de comodato, concretamente de rescisão do contrato, a entidade recorrida bem podia actuar por meio de acto unilateral, sem necessidade de recorrer à acção judicial. Por isso, não padece o acto impugnado do vício de usurpação de poder.
   
   
   
   3. Decisão
   Face ao exposto, acordam em julgar improcedente o recurso.
   Custas pela recorrente com a taxa de justiça fixada em 8UC (quatro mil patacas).
   
   Ao 1 de Abril de 2005.

           Juízes:Chu Kin (Relator)
Viriato Manuel Pinheiro de Lima
Sam Hou Fai
O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência:
Augusto Serafim de Basto do Vale e Vasconcelos

1 José Manuel Sérvulo Correia, Legalidade e Autonomia Contratual nos Contratos Administrativos, Almedina, Coimbra, 1987, p. 428.
2 Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, vol. II, Almedina, Coimbra, 2001, p. 516 e 519.
3 Diogo Freitas do Amaral, ob. cit., p. 518.
4 José Manuel Sérvulo Correia, ob. cit., p. 396.
5 Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco de Amorim, Código do Procedimento Administrativo, 2ª ed., Almedina, Coimbra, 1997, p. 811.
6 Diogo Freitas do Amaral, ob. cit., p. 517.
7 É o caso de Maria João Estorninho, na sua obra de Requiem pelo Contrato Administrativo, Almedina, Coimbra, 1990.
8 José Manuel Sérvulo Correia, ob. cit., p. 428.
9 José Manuel Sérvulo Correia, ob. cit., p. 403.
10 Lino José Baptista Rodrigues Ribeiro, José Cândido de Pinho, Código do Procedimento Administrativo de Macau anotado e comentado, Fundação Macau e SAFP, 1998, p. 978.
11 Correspondentes aos art.° 228.° e seguintes do Código Civil de Macau.
12 Diogo Freitas do Amaral, ob. cit., p. 609.
13 No mesmo sentido, Lino José Baptista Rodrigues Ribeiro, José Cândido de Pinho, ob. cit., p. 978; Diogo Freitas do Amaral e outros, Código do Procedimento Administrativo anotado, 4ª ed., Almedina, Coimbra, 2003, p. 314; José Manuel da S. Santos Botelho e outros, Código do Procedimento Administrativo anotado-comentado-jurisprudência, 3ª ed., Almedina, Coimbra, 1996, p. 811; Mário Esteves de Oliveira e outros, ob. cit., p. 850.
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Processo n.° 4 / 2004 57