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(譯本)
  
RECLAMAÇÃO Nº 2/2005

I – Prefácio
甲, queixosa nos autos de Processo Penal n.º PCC-082-03-2 do 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Base, vem apresentar a presente reclamação contra o despacho do Mm.º Juiz a quo, proferido no dia 18 de Novembro de 2004, que não admitiu o recurso por si interposto, requerendo que seja admitido o seu recurso, nos termos e fundamentos seguintes:
  中級法院院長:
  甲,本案檢舉人,獲通知不受理其上訴之批示,現根據《刑事訴訟法典》第395條之規定提起聲明異議,並提出以下依據及理由:
  1、初級法院第二庭第PCC-082-03-02的案件中,被上訴人經審理後被宣告未觸犯聲明異議人之前提出檢舉的簽發空頭支票罪;
  2、正如在卷宗第3頁可看到的,聲明異議人在向司法警察局提出檢舉並提供最初聲明時,指出其住址是[地址(1)];
  3、而嫌犯的住址是[地址(2)];
  4、自檢舉後,由於辦事處的誤寫,所有對聲明異議人的通知均被寄往嫌犯的住址,也就是[地址(2)];
  5、因此,在偵查初始階段向司法警察局提供聲明之後,聲明異議人白白等待了數年卻未收到有關案件進展的信息;
  6、直到2004年6月24日,聲明異議人在關閘口岸被治安警察局人員通知已被檢察院列作證人須出席一辯論及審判聽證;
  7、在庭上方知悉是數年前由其提出檢舉的簽發空頭支票案。
  8、在尚無訴訟代理人的情況下,(聲明異議人)發言時指出其從未有機會參與訴訟,因為沒有獲取相應通知;
  9、對此,原審法院合議庭主席辯駁稱已寄往聲明異議人住址多份通知,但其從未到存放通知的郵局領取;
  10、若非基於錯誤的前提 — 通知被寄往的地址為聲明異議人之住址(而實際上是被上訴人之住址)— 那麼以上說法不會引起我們的任何非議或評論;
  11、由於從未獲取有關控訴之通知,聲明異議人未有可能成為輔助人、提出自訴、提出民事損害賠償請求、列出證人名單、提出調查證據請求、成為當事人及就訴訟的無效情事或不當情事提出爭辯等等;
  12、當希望進一步參與案件時,卻受到阻隔,而根據以下規定,其參與權利受到刑事訴訟法的保障;
  13、根據《刑事訴訟法典》第265條第5款準用的第259條第3款之規定,檢察院之控訴須告知嫌犯、輔助人、具有正當性成為輔助人之檢舉人、被害人、民事當事人及在有關訴訟程序中曾表示有提出民事損害賠償請求意圖之人;
  14、根據《刑事訴訟法典》第100條第1款b項以及第265條之規定,控訴通知應以掛號信方式向本人作出;
  15、《刑事訴訟法典》並未詳細規定作出通知時應遵守的程序,依據該法典第4條的準用性規範,我們應當在《民事訴訟法典》尋找相應規則;
  16、根據《民事訴訟法典》第202條第1款之規定,“如當事人無委託訴訟代理人,則依據就通知訴訟代理人所作之規定,在當事人之居所或住所,或為接收通知而選定之住所對其作出通知”;
  17、正如上文之描述,本案中未遵守該規定,根據《民事訴訟法典》第140條a項以及該法典第203條準用的第141條e項之規定,存在未通知現上訴人之情況;
  18、鑑於上述未通知上訴人本人之情況,自檢察院提出控訴後在訴訟中作出之所有行為均無效(參閱《民事訴訟法典》第140條a項,有適當改寫);
  19、由於從未聲請成為輔助人,聲明異議人現無權利對上述合議庭的開釋判決提起上訴;
  20、這是因為原審法院認為聲明異議人自2004年6月14日起一直有獲取通知。
  21、聲明異議人獲取通知是不爭的事實,但重要的是要弄清楚通知聲明異議人之目的為何?
  22、2004年6月14日,聲明異議人被通知作為證人出庭。
  23、審判聽證當日,聲明異議人履行了準時出庭作證之公民義務。
  24、2004年6月14日,法院應察覺其自身錯誤,有義務透過正確住址通知聲明異議人,告知其有權利聲請成為輔助人,提出民事賠償請求,提交自訴、證人名單以及聲請將審判聽證錄音等。
  25、與此相反,原審法院得出結論認為既然已被通知在特定日期作為證人到往某審判庭,便有義務找律師透過辦事處聲請成為輔助人。
  26、沒有這樣作是因為不想這樣作。
  27、我們認為此一不能接受之論據導致了須由閣下介入修正的不公情事。
  基於此,請閣下廢止被上訴批示,鑑於該批示錯誤認為聲明異議人已被通知作出聲請成為輔助人,而事實上僅被通知出庭作證。由此作出閣下一如既往之
  公正裁決!
  
II – Análise
O Mm.º Juiz a quo não admitiu o recurso pela razão principal de que a ofendida 甲, enquanto queixosa, não se tinha constituído assistente no processo, faltando-lhe, por consequência, a legitimidade processual para recorrer o acórdão de primeira instância.
Em relação à razão pela qual o Mm.º Juiz a quo não admitiu o seu recurso, a queixosa 甲, ou seja, a Reclamante no processo vertente, considera que isso foi porque, nos autos a quo todas as notificações que lhe foram enviadas foram-no para uma morada errada.
A Reclamante apontou que como se pode constatar a fls. 3 dos autos, aquando da apresentação da queixa aos serviços da PJ, ela indicou como sua residência [地址(1)], e como morada dos arguidos [地址(2)].
E, por lapso da secretaria, depois da apresentação da queixa, todas as notificações para a queixosa foram enviadas para a morada dos arguidos, ou seja, para [地址(2)].
Até que, no dia 24 de Junho de 2004, a Reclamante foi notificada, no posto fronteiriço das Portas do Cerco, por agentes da CPSP, para comparecer em Tribunal para uma audiência de discussão e julgamento onde tinha sido indicada como testemunha pelo Ministério Público. Em plena audiência, a Reclamante apercebeu-se, então, de que se tratava do crime de emissão de cheque sem provisão de que tinha apresentado queixa há anos.
Por nunca ter sido notificada, a Reclamante nunca teve possibilidade de se constituir assistente, apresentar a sua acusação particular, deduzir pedido de indemnização cível, arrolar testemunhas, fazer requerimentos de prova, ser parte no processo e invocar nulidades ou irregularidades processuais, etc.
Ao abrigo do disposto no artigo 259.º, n.º3 do CPP, ex vi do artigo 265.º, n.º5, a acusação do Ministério Público é comunicada ao arguido, ao assistente, ao denunciante com legitimidade para se constituir assistente, ao ofendido, à parte cível e a quem, no processo, tenha manifestado o propósito de deduzir pedido de indemnização civil.
Em virtude da falta de tal notificação, é nulo todo o processado posterior à dedução de acusação pelo Ministério Público.
Por nunca ter sido devidamente notificada, a Reclamante nunca teve possibilidade de exercer o direito de se constituir assistente.
No entanto, o Tribunal a quo considerou que a Reclamante já foi notificada no dia 14 de Junho de 2004.
Para a Reclamante, é facto inegável que foi notificada no dia14 de Junho de 2004. Mas ela foi notificada para comparecer num julgamento enquanto testemunha, pelo que o tribunal tinha o dever de, apercebendo-se do seu próprio erro, notificar a Reclamante na morada correcta e informá-la de que se podia constituir assistente, deduzir pedido de indemnização cível, apresentar acusação particular, arrolar testemunhas e requerer a gravação da audiência, etc. Ao invés disso, o Tribunal a quo concluiu que, tendo sido notificada para comparecer num julgamento para testemunhar, a Reclamante tinha o dever de procurar um advogado e se constituir assistente. Se o não fez, foi porque não quis.
Daí que entenda a Reclamante que se está perante uma argumentação inaceitável que conduziu a uma injustiça que este Tribunal remedirá.
Cumpre-nos, daqui para frente, analisar globalmente esses fundamentos invocados pela Reclamante.
Como afirma o despacho a fls. 19 dos presentes autos que não admitiu o recurso, embora a Reclamante tenha sido notificada no dia 14 de Junho de 2004 da realização da audiência, antes da qual ela tinha quase quatro meses para se constituir assistente, não veio a mesma requerer a constituição. Por esse motivo, entendeu o Tribunal a quo que faltava à ofendida e queixosa 甲 a legitimidade activa.
Na verdade, o recurso do acórdão de primeira instância pressupõe, entre outros, a legitimidade processual da recorrente. Neste caso concreto, dada a qualidade de mera ofendida e queixosa da 甲, e quanto às suas alegações de recurso e aos pedidos deduzidos, falta-lhe tal legitimidade para recorrer.
Ora, em relação à tese apresentada pela Reclamante, parece não deixar de ser necessário analisar exaustivamente se existiram ou não erros na notificação que eventualmente tivessem resultado na falta de notificação a tempo da Reclamante para se constituir assistente, e se este Tribunal poderia ordenar ao Tribunal a quo que admitisse o respectivo recurso na hipótese do acolhimento dessa tese.
De facto, aquando da apresentação da queixa junto dos serviços da PJ, ou seja, no dia 5 de Agosto de 1999, a Reclamante declarou como sua morada [地址(1)], e como a dos arguidos [地址(2)] (cfr. fls 7 dos autos a quo).
Durante o período de inquérito, a Reclamante, ao exigir o seu acompanhamento processual no dia 24 de Abril de 2001, ainda voltou a declarar que a sua morada de contacto era [地址(1)], e informou a mudança do seu número de telefone (cfr. fls. 31 dos autos a quo).
E depois, concluído o inquérito, o Ministério Público deduziu acusação contra os dois arguidos no dia 17 de Outubro de 2003.
Contudo, como se mostra pelo mandado do Ministério Público para notificar os interessados da acusação, a morada da ofendida 甲 foi preenchida como[地址(2)].
Obviamente, o agente judicial do Ministério Público cometeu erros de escrita ao preencher a morada da ofendida, fazendo com que fosse impossível para os respectivos agentes cumprir o referido mandado de notificar a ofendida 甲 da acusação (cfr. fls. 74 dos presentes autos).
Em seguida, os autos a quo foram remetidos ao Tribunal Judicial de Base e entrou no processo de julgamento. Tendo o Mm.º juiz marcado a data para julgamento, o oficial de justiça do Tribunal, ao emitir documento de notificação para 甲, usou a mesma morada errada que o Ministério Público tinha usado, o que conduziu a que o oficial judicial não tivesse possibilidade de cumprir o mandado e notificar a testemunha 甲 da data para julgamento (cfr. fls. 121 dos autos a quo).
Como o Tribunal não conseguiu notificar a 甲 para comparecer na audiência como testemunha no dia 25 de Maio de 2004, o Ministério Público, que tinha indicado a 甲 como testemunha, promoveu ao Mm.º juiz que solicitasse à Direcção dos Serviços de Identificação a prestação da morada declarada pela 甲 no tratamento de documentos.
Ora, à solicitação do Mm.º Juiz, a DSI comunicou ao Tribunal que a morada declarada pela 甲 no tratamento de documentos em 1997 era [地址(1)].
Esta morada está em conformidade com aquela declarada pela 甲 aquando da apresentação da queixa à P J.
Tentando notificar pessoalmente a 甲, o oficial judicial dirigiu-se a essa residência, onde não houve ninguém a abrir a porta. E depois de deixada a notificação nessa residência, nunca se viu a 甲 contactar o Tribunal (cfr. fls. 128 dos autos a quo).
Logo depois, o Tribunal pediu ao CPSP e à PJ para procurar a 甲 segundo a morada prestada pela DSI a fim de a notificar, o que resultou também na impossibilidade de cumprir o mandado de notificação pela desocupação dessa residência acima referida (cfr. fls. 132v dos autos a quo).
Como a testemunha 甲 não compareceu na audiência de julgamento realizada no dia 25 de Maio de 2004, quando, no entanto, o Ministério Público considerou indispensável o seu testemunho, o Mm.º juiz presidente do Colectivo acabou por adiar a audiência de julgamento para o dia 12 de Outubro de 2004, e voltou a ordenar aos departamentos do CPSP no posto fronteiriço das Portas do Cerco e à PJ que notificasse a testemunha para comparecer na audiência novamente marcada para testemunhar, ao mesmo tempo, exigiu ao Fundo de Segurança Social que comunicasse se tinha inscrição da 甲 ou outros dados como a sua morada (cfr. fls. 151 dos autos a quo).
Consoante o relatório apresentado pela PJ depois do cumprimento da ordem judicial de notificação, a porta da residência declarada pela própria 甲 e comunicada pela DSI já estava bloqueada com tábuas de madeira, tendo-se apurado que a moradora de apelido XXX já tinha abandonado a residência há vários anos (cfr. fls. 156 dos autos a quo).
Finalmente, no dia 14 de Junho de 2004, os agentes do CPSP no posto fronteiriço das Portas do Cerco chegou a notificar a 甲 para comparecer, enquanto testemunha, na audiência de julgamento marcada para o dia 12 de Outubro de 2004.
Mais tarde, realizou-se na data marcada, ou seja, no dia 12 de Outubro de 2004, a audiência de julgamento com comparência da testemunha 甲. E no dia 19 do mesmo mês, o Tribunal proferiu acórdão, absolvendo os dois réus do crime acusado.
Desse acórdão absolutório proferido pelo colectivo do Tribunal Judicial de Base, a 甲 interpôs recurso à telecópia no dia 28 de Outubro de 2004 na qualidade de queixosa.
Dado que a 甲 não se tinha constituído assistente , o Mm.º Juiz a quo decidiu, por falta de legitimidade processual do recorrente e ao abrigo do disposto no artigo 391.º, n.º 1, alíneas b) e c), não admitir o recurso.
De todos os factos constantes nos autos e articulados acima, conclui-se bem que a razão essencial pela qual a ofendida 甲 não recebeu notificações a tempo consistiu em que, já depois da conclusão do processo de inquérito e da dedução da acusação pelo Ministério Público, o oficial de justiça do Ministério Público redigiu erradamente a morada da ofendida/queixosa ([地址(1)]) como a morada dos arguidos ([地址(2)]) na elaboração do mandado de notificação.
A seguir, quando o processo foi remetido ao Tribunal Judicial de Base para efeitos de julgamento, parece que o oficial de justiça judicial, ao notificar a 甲 para comparecer na audiência como testemunha, não usou a morada correcta a fls. 7 dos autos a quo que a ofendida declarou quando apresentou a queixa, mas sim aquela errada que o oficial de justiça do Ministério Público tinha utilizado na elaboração do mandado constante a fls. 71 dos autos a quo.
Com a subsistência de tal lapso, continuou a ser impossível para o Tribunal a quo notificar a 甲.
Após deduzida a acusação pelo Ministério Público, por erros consecutivamente cometidos pelos oficiais de justiça do Ministério Público e Tribunal, não se efectuou a notificação da ofendida 甲 no local da residência declarada pela mesma, devendo isso ser atribuído à falta de notificação feita ao arrepio das disposições da lei processual penal.
À luz dos n.ºs 1 e 2 do artigo 105.º do CPP, a violação ou a inobservância das disposições da lei processual penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei. Nos casos em que a lei não cominar a nulidade, o acto ilegal é irregular.
Nos termos do artigo 259.º, n.º3 do CPP, ex vi do artigo 265.º, n.º 5, a acusação do Ministério Público deve ser comunicada à ofendida 甲 que apresentou queixa no processo vertente.
O Ministério Público não efectuou notificações à observância das regras no artigo 100.º do CPP, visto que as notificações foram feitas à ofendida na morada errada.
Mas tal inobservância das disposições legais não constitui nenhum caso referido nos artigos 106.º ou 107.º do CPP, nem determina nulidade qualificada por outras disposições da lei processual penal, pelo que só se traduz na irregularidade preceituada pelo artigo 110.º do mesmo diploma legal.
Conforme o artigo 110.º, n.º1 do CPP, se o respectivo órgão judicial não efectuar oficiosamente a reparação de irregularidade nos termos do n.º 2, a ofendida 甲 tem que apresentar arguição nos 5 dias seguintes a contar daquele em que tiver sido notificada para qualquer termo do processo (cfr. artigo 6.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 55/99/M de 8 de Outubro) ou intervindo em algum acto nele praticado (cfr. também o artigo acima referido), senão, tal regularidade será considerada como sanada e não afectará a validade dos actos e termos subsequentes do processo.
A Reclamante 甲 apontou nas suas alegações que, no dia 14 de Junho de 2004, ela foi notificada para comparecer no Tribunal enquanto testemunha, do que concluiu o Tribunal a quo que, depois de receber a notificação, ela tinha o dever de procurar um advogado para se constituir assistente e que se não o fez foi porque não quis.
Mas entendeu ela que não era de acolher essa tese.
Ora, de acordo com o referido artigo 110.º, n.º 1, aquele prazo de 5 dias para os interessados apresentarem arguição da irregularidade inicia-se no momento em que os mesmos tiverem sido notificados para qualquer termo do processo ou intervindo em algum acto nele praticado
In casu, a ofendida 甲 foi notificada para comparecer no Tribunal enquanto testemunha, ao que é manifestamente aplicável a primeira situação supracitada. Qualquer termo do processo, previsto pela referida disposição legal, abrange indubitavelmente a produção de prova em juízo.
Portanto, segundo a lei, a ofendida, aliás a Reclamante no presente processo, já perdeu o direito de arguição dessa irregularidade.
De facto, como ofendida que apresentou queixa aos serviços de polícia e que ainda não tinha tomado conhecimento da conclusão do respectivo processo, quando citada pelo Tribunal para comparecer em juízo para testemunhar, devia ter sido mais prudente do que as pessoas comuns. Mesmo considerando que não era seu dever, atento o menor do acautelamento dos seus próprios interesses, a ofendida devia indagar junto do Tribunal se era o caso de que tinha apresentado queixa.
Tal falta de atenção aos seus próprios interesses, em conjunto com os outros factores, conduziu a que a ofendida 甲 tivesse perdido a oportunidade de arguição nos termos do artigo 111.º do CPP.
Além disso, mesmo que se aceitasse a afirmação de que, no dia 14 de Junho de 2004, quando notificada para comparecer na audiência como testemunha, a 甲 não necessitava de conhecer a verdade junto do Tribunal para os seus próprios interesses (o que se admite por mera cautela de patrocínio, sem conceder), ela também não apresentou arguição nos 5 dias seguintes à realização da audiência de julgamento na qual se apercebeu de que era ofendida do processo em causa.
Nestes termos, para além dos erros cometidos pelos respectivos oficiais de justiça, a omissão da própria ofendida também contribuiu para a perda do seu próprio direito de arguição, daí que, tendo como única base os erros dos oficiais de justiça, não seja possível ilidir os fundamentos do despacho do Mm.º Juiz a quo que não admitiu o recurso.
Por fim, como se mostra pelos autos a quo, ainda que se tivesse enganado na morada da ofendida, o oficial de justiça do Ministério Público não deixou de tentar contactar a ofendida através dos dois telefones de contacto prestados por si própria, dos quais, no entanto, o telefone fixo já estava fora de serviço, e o telemóvel foi atendido por quem afirmou que não conhecia a 甲. (cfr. fls. 74 dos autos a quo)
Ademais, da investigação feita pela PJ ao cumprir a ordem de notificação, resultou que a residência de endereço declarado pela 甲 estava bloqueada com tábuas de madeira, e através do seu vizinho se apurou que a moradora de apelido XXX já a tinha abandonado há vários anos (cfr. fls. 156 dos autos a quo).
Bastam essas informações constantes dos autos a comprovar que, depois da apresentação da queixa e há vários anos atrás, a ofendida alterou o seu número de telefone e a sua morada sem informar os órgãos judiciais ou serviços de polícia, por isso, foi a sua própria conduta que fez com que não pudesse receber notificações para apresentar oportunamente arguição da respectiva irregularidade.
De resto, a Reclamante veio recorrer directamente o acórdão absolutório de primeira instância, o que se traduziu num meio incorrecto de requer ao Tribunal a concessão de posição de sujeito do processo e a admissão do seu recurso. Na realidade, o mais correcto é apresentar arguição da irregularidade pela não recepção de notificações, aproveitando a procedência da arguição para requer ao Tribunal que sejam anulados todos os termos e actos do processo posteriores à dedução de acusação e que foram afectados, e para ser novamente notificada de modo a exercer os direitos que a lei atribui ao ofendido, inclusive o de constituição de assistente. Se não apresentou oportunamente arguição e adoptou um meio errado de acção, a ofendida devia naturalmente assumir as consequências.
Com efeito, o regime processual penal vigente de Macau caracteriza-se pela prevalência da verdade material, temperada com a disponibilidade das partes. Portanto, em princípio, os sujeitos do processo não incluem o ofendido.
Todavia, com o propósito de possibilitar ao Ministério Público e aos tribunais obterem auxílio activo do ofendido na descoberta da verdade e na realização da justiça, os legisladores vêm estatuindo que ao ofendido é permitido constituir-se assistente e obter a posição de sujeito do processo através de requerimento para poder auxiliar os órgãos judiciais no processo. Mas importa salientar que a intervenção activa do ofendido no processo, enquanto auxiliador, não pode ser considerada indispensável para a descoberta da verdade e a realização da justiça. Dest´arte, no caso sub judice, apesar de não ter sido notificada a tempo para exercer o direito de se constituir assistente por causa da morada errada, a ofendida interessada nem apresentou arguição no prazo legal a fim de ser novamente notificada, com base no que deixa de ser possível anular todos os termos do processo posteriores à ocorrência da irregularidade na presente fase, ou seja, após proferido o acórdão de primeira instância.
Aliás, a intervenção processual de um ofendido que não se tenham constituído assistentes não implica necessariamente a injustiça da respectiva decisão. Na verdade, com a atribuição de defesa da legalidade e dos interesses que a lei determine (cfr. o artigo 56.º da Lei de Bases da Organização Judiciária), em qualquer caso, se o Ministério Público considerar injusta uma sentença, deve interpor recurso daquela. Ora, proferido o acórdão a quo, como o Ministério Público não interpôs recurso, era de considerar que não se verificava injustiça no respectivo acórdão, ou pelo menos, o Ministério Público não o entendia injusto como a Reclamante.
Pelo exposto, a Reclamante não pode recorrer aos fundamentos por si invocados e ao seu entendimento de injustiça para requerer directamente ao Tribunal que lhe conceda legitimidade processual necessária à interposição de recurso e que seja revogado o despacho do Mm.º Juiz a quo que não admitiu o seu recurso.

III – Decisão
Pelo exposto, à luz do artigo 391.º, n.º 1 do CPP (legitimidade e interesse em agir), decido confirmar o despacho do Mm.º Juiz do Tribunal Judicial de Base proferido no dia 18 de Novembro de 2004, a fls. 227 dos autos a quo, no qual não se admitiu o recurso.
Nos termos do artigo 70.º, n.º 1 do Regime das Custas nos Tribunais, fixa-se a taxa de justiça em 4UC que será paga pela Reclamante.
Cumpra o disposto no artigo 597.º, n.º 4 do CPC, ex vi o artigo 4.º do CPP, notifique os sujeitos do processo e devolva os autos ao Tribunal a quo.
***
R.A.E.M., 24JAN2005
O Presidente do TSI
Lai Kin Hong