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Acórdão do Tribunal de Última Instância
da Região Administrativa Especial de Macau



Recurso penal
N.° 4 / 2005

Recorrente: Ministério Público
Recorrido: A







1. Relatório
O arguido A foi condenado por acórdão do Tribunal Judicial de Base de 11 de Novembro de 2004 no âmbito do processo comum colectivo n.° PCC-075-04-5 pela prática de dois crimes de furto qualificado como reincidente previstos e punidos pelos art.°s 198.°, n.° 2, al. e), 69.°, n.° 1 e 70.° do Código Penal nas penas de 5 anos e 3 meses de prisão para o crime praticado em 8 de Dezembro de 2003 e 5 anos e 9 meses de prisão para o praticado em 4 de Junho de 2004. Em cúmulo, foi condenado na pena única de 7 anos de prisão.
O arguido recorreu deste acórdão no sentido de pedir a redução das penas. Por acórdão de 13 de Janeiro de 2005 proferido no processo n.° 322/2004, o Tribunal de Segunda Instância julgou procedente o recurso e passou a condenar o arguido pelo crime de furto qualificado praticado em 8 de Dezembro de 2003 na pena de 2 anos e 10 meses de prisão e pelo outro praticado em 4 de Junho de 2004 na pena de 3 anos de prisão, fixando a pena única em 4 anos de prisão.
Inconformado com este último acórdão, vem o Ministério Público recorrer para este Tribunal de Última Instância, formulando as seguintes conclusões da motivação:
   “1. O arguido foi condenado, na 1ª Instância, como autor de dois crimes de furto qualificado, referidos no art.º 198.º, n.º 2, al. e) do C. Penal, nas penas de 5 anos e 3 meses e 5 anos e 9 meses de prisão, bem como na pena única de 7 anos de prisão;
   2. Nessa decisão, tendo-se julgado o mesmo reincidente, considerou-se que a agravação emergente da respectiva qualificativa implicava que o limite mínimo da competente moldura abstracta passasse a ser de 5 anos de prisão;
   3. No recurso interposto para esta Segunda Instância, o arguido insurgiu-se contra as penas que lhe foram impostas, alegando, em especial, que tal limite mínimo era, apenas, de 2 anos e 8 meses de prisão;
   4. O douto acórdão recorrido não se pronunciou sobre a verificação – ou não – da circunstância prevista no art.º 69.º do citado C. Penal; sem embargo,
   5. Decidiu que o agravamento a que se reporta o subsequente art.º 70.º elevava o mencionado limite para 2 anos e 8 meses de prisão; e,
   6. No que concerne às penas, reduziu as parcelares para 2 anos e 10 meses e 3 anos de prisão e a única para 4 anos; todavia,
   7. Este Tribunal não podia dispensar-se de conhecer da aludida circunstância; na verdade,
   8. A mesma constituía um pressuposto da questão suscitada; quantum da agravação que lhe correspondia; e
   9. O certo é que a condenação do arguido como reincidente não pode manter-se; com efeito,
   10. Não se verificam, no caso, os respectivos requisitos; maxime,
   11. Desrespeitou-se, manifestamente, o princípio do contraditório; por outro lado,
   12. Esta Instância pecou por excesso na redução das penas; efectivamente,
   13. Há que ter em conta a culpa do arguido e as exigências de prevenção criminal, bem como a personalidade do mesmo, nos termos dos art.ºs 65.º, n.ºs 1 e 2 e 71.º, n.ºs 1 e 2, do mesmo Diploma; e
   14. Considerando, em especial, as circunstâncias dos factos e o passado criminal do arguido, mostra-se ajustada uma pena de cerca de 4 anos de prisão por cada crime, devendo a pena única ascender a cerca de 6;
15. Decidindo de forma contrária, o douto acórdão violou as disposições supracitadas.”
Pedindo o provimento do recurso e a alteração do acórdão recorrido nos termos apontados.

O arguido, na sua resposta, concluiu de forma seguinte:
   “1. Fez o Douto Tribunal recorrido correcta aplicação do Direito na escolha da pena concreta;
   2. Respeitados os critérios dosiométricos legais, como o foram, não nos parece sindicável o pedido de agravação da pena por contender com a “margem de liberdade” de que o julgador pode não querer abdicar.”
   Concluiu pela confirmação do acórdão recorrido e a improcedência do recurso.

   
   Nesta instância, o Ministério Público mantém a posição assumida na motivação.

   
   Foram apostos vistos pelos juízes-adjuntos.
   
   
   
   2. Fundamentos
   2.1 Foram dados como provados pelo Tribunal Judicial de Base e Tribunal de Segunda Instância os seguintes factos:
   “Em 8 de Dezembro de 2003, pelas 3h50 da tarde, tendo na sua posse um par de luvas brancas e uma caneta de ferro (relatório de exame a fls. 84 dos autos), o arguido dirigiu-se à [Endereço(1)]. Forçou a porta da habitação e entrou nela. O arguido procurou objectos valiosos neste apartamento, e encontrou na sala duas gavetas fechadas à chave. O arguido forçou as fechaduras das duas gavetas, e retirou delas dinheiro em numerário cerca de MOP$357, um anel de ouro e um par de brincos de ouro, que valiam cerca de MOP$400, registrado detalhadamente a fls. 58 e examinado a fls. 92 dos autos, que se dá por considerado como parte da presente acusação. O arguido apropriou-se desses bens e saiu do apartamento passando pela porta. Neste momento, o residente deste apartamento B (a ofendida) acabou de chegar à casa, e encontrou o arguido na porta do apartamento. Ela fez interrogações ao arguido, que não lhe fez caso e continuou a fugir até à Calçada do Januário, perto da Escola Primária dos Filhos de Trabalhadores, onde foi interceptado pela ofendida e outros vizinhos da zona.
   As referidas condutas de roubo e danificação do arguido causaram a B danos cerca de MOP$3,057, sendo MOP$2,300 dano causado na porta.
   Em 4 de Junho de 2004, pelas 10h30, depois de ter forçado a porta de ferro do [Endereço(2)], o arguido entrou neste apartamento, e retirou, da sofá da sala de visitas, uma mala de cor de café e uma carteira de cor preta, apropriando-se das mesmas; depois ele entrou no quarto deste apartamento, e continuou a procurar objectos valiosos. Neste momento, a ofendida C, que estava a dormir no quarto, acordou-se e gritou em voz alta, por isso, o arguido fugiu pela porta deste apartamento. Quando C perseguiu até à porta do edifício, já se perderam rastos do arguido.
   Durante a fuga, o arguido foi verificado e perseguido pelos outros vizinhos da zona, por isso, ele entrou no Estabelecimento de Artigos Eléctricos. Tirou da referida carteira apropriada MOP$800 e pô-las na sua própria carteira, deixando os restantes artigos (registrados detalhadamente a fls. 1V até a fls. 2 dos autos) acima dum frigorífico colocado no lado interior da porta do estabelecimento. Depois ele voltou à rua, onde foi, posteriormente, interceptado e detido pelos vizinhos da zona.
   As referidas condutas do arguido causaram a C danos de MOP$800 e despesas de reparação da porta no montante de MOP$300.00.
   O arguido praticou as referidas condutas voluntária, dolosa e conscientemente, introduzindo-se em habitação de terceiro por arrombamento da porta, com a intenção de violar, e na realidade violou as vontades do proprietário e apropriou-se de bens móveis de terceiro.
   O arguido sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei.

   Mais se provou:
   Os objectos retirados pelo arguido foram recuperados e apreendidos nos autos.
   As ofendidas pretendem ser indemnizadas pelos danos sofridos.
   O arguido confessou parcialmente os factos relativos ao furto praticado em 8 de Dezembro de 2003.
   O arguido não é primário e tem registo de condenação desde 1991.
   No âmbito dos autos comum colectivo n.º 111/99 do 1° Juízo, por acórdão datado de 7/12/1999, o arguido foi julgado e condenado, pela prática dum crime de tentativa de extorsão (na pena de 3 anos de prisão) e dum crime de detenção de arma proibida (na pena de 3 anos de prisão), numa única pena de 4 anos e 3 meses de prisão efectiva. Os factos reportaram-se a data de entre Setembro a Outubro de 1998. O acórdão transitou-se em julgado.
   O arguido cumpriu a pena de prisão e foi libertado do EPM em 25/5/2003.
   O arguido declara que, antes de ser detido, trabalhava nos casinos como bate-ficha, tendo como rendimento mensal cerca de 10,000 patacas.
   Tem como habilitações literárias o 3° ano do curso primário.
   Factos não provados :
   Nada a assinalar.”
   
   
   2.2 Reincidência e a medida da pena
   O Ministério Público apontou que o tribunal recorrido, ao condenar o arguido como reincidente, não procedeu ao exame dos respectivos pressupostos, pugnando pelo afastamento da reincidência, bem como pela revisão das penas fixadas no acórdão recorrido.
   
   Segundo o n.° 1 do art.° 69.° do Código Penal (CP):
   “1. É punido como reincidente quem, por si só ou sob qualquer forma de comparticipação, cometer um crime doloso que deva ser punido com prisão efectiva superior a 6 meses, depois de ter sido condenado por sentença transitada em julgado em pena de prisão efectiva superior a 6 meses por outro crime doloso, se, de acordo com as circunstâncias do caso, o agente for de censurar por a condenação ou as condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência contra o crime.”
   A condenação por reincidência tem como pressuposto material a censura de arguido por, segundo as circunstâncias do caso, a condenação ou as condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência contra o crime e o seu funcionamento não é automático.1
   Assim, para a verificação da reincidência, é necessário o apuramento contraditório das circunstâncias demonstrativas de que as condenações anteriores não são suficientes para prevenir a prática de novos crimes por arguido.
   Para tal, não basta considerar apenas os elementos constantes do registo criminal de arguido, ou seja, meramente as condenações anteriores, antes são necessários factos concretos capazes de suportar o juízo de insuficiência de advertência contra o crime através das condenações anteriores.
   
   No acórdão recorrido, não houve realmente o exame crítico da matéria de facto para chegar à conclusão de que o arguido devia ser condenado como reincidente, limitando-se a aplicar as molduras abstractas das penas resultadas da agravação por reincidência prevista no art.° 70.° do CP.
   Para além dos dois crimes de furto qualificado praticados pelo arguido, da matéria de facto provada resulta apenas a sua condenação anterior, que cumpriu a pena e foi libertado em Maio de 2003, trabalhava como bate-ficha e tem habilitações de 3° ano do ensino primário.
   Tais factos não permitem chegar à conclusão segura de que a advertência de condenações anteriores não foram suficientes para prevenir o arguido da prática de novos crimes. Por isso, o arguido não deve ser condenado, no presente caso, como reincidente.
   
   Não sendo condenado a título de reincidência, é de rever as penas parcelares e única para os dois crimes de furto qualificado imputados ao arguido.
   Os dois crimes estão previstos no art.° 198.°, n.° 2, al. e) do CP e são punidos com a pena de 2 a 10 anos de prisão.
   Para fixar as penas concretas são considerados designadamente a forte intensidade do dolo, o modo de executar os crimes, a antecedência criminal, os valores furtados e os danos causados.
   Entendemos equilibrado fixar a mesma pena de quatro anos de prisão para cada um dos dois crimes, dado a homogeneidade das circunstâncias destes. Em cúmulo jurídico, a pena deve ser de seis anos de prisão.
   
   
   
   3. Decisão
   Face ao exposto, acordam em julgar procedente o recurso, revogar o acórdão recorrido e alterar as penas parcelares impostas ao arguido para quatro anos de prisão e a pena única em cúmulo jurídico para seis anos de prisão.
   Custas pelo recorrido com a taxa de justiça fixada em 5UC (duas mil seiscentas patacas) e honorários do defensor nomeado em mil duzentas patacas.
   
   
   Aos 13 de Abril de 2005.



           Juízes:Chu Kin (Relator)
Viriato Manuel Pinheiro de Lima
Sam Hou Fai

1 Cfr. Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português, as Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas e Editorial Notícias, Lisboa, 1993, p. 268.
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Processo n.° 4 / 2005 1