Acórdão do Tribunal de Última Instância
da Região Administrativa Especial de Macau
Recurso de decisão jurisdicional em matéria administrativa
N.° 38 / 2004
Recorrente: A
Recorrido: Secretário para a Economia e Finanças
1. Relatório
A interpôs recurso contencioso perante o Tribunal de Segunda Instância impugnando o despacho do Secretário para a Economia e Finanças de 1 de Agosto de 2003 que rejeitou o recurso hierárquico apresentado pela mesma.
Pelo seu acórdão de 20 de Maio de 2004 proferido no processo n.° 211/2003, foi negado provimento ao recurso contencioso.
Vem agora a recorrente interpor recurso jurisdicional para este Tribunal de Última Instância com a apresentação das seguintes conclusões de alegação:
“1. Imputa a recorrente ao douto acórdão recorrido errada aplicação da lei, nos termos do disposto no art.º 152.º do CPAC.
2. A questão central subjacente aos presentes autos é a de aferir da competência – ou eventual incompetência – do senhor Secretário para a Economia e Finanças para apreciar recursos hierárquicos referentes a aspectos do procedimento administrativo tendente a formar decisões relacionadas com a prática de infracções ao Regime Jurídico das Relações de Trabalho (RJRT), cuja competência para apreciação está, numa primeira fase, cometida à Direcção dos Serviços de Trabalho e Emprego (DSTE), nos termos do Decreto-Lei n.º 60/89/M, de 18 de Setembro (RIT).
3. Entre nós, temos como pacífico o entendimento de que a competência dos subalternos é separada e, por isso, dos actos por eles praticados caberá recurso hierárquico necessário, sempre que a lei não disponha, de forma expressa, em sentido contrário (art.º 153.º do Código do Procedimento Administrativo).
4. Estamos em crer que, à falta de disposição legal expressa no RIT ou noutro qualquer diploma legal, na esteira do Professor Rogério Soares, torna-se extremamente difícil sustentar a competência exclusiva da DSTE no âmbito do RIT.
5. Ao contrário da decisão recorrida, consideramos que o art.º 10.º do RIT nunca pode ser interpretado como previsão de um “recurso administrativo especial” e muito menos como norma de limitação ao regime geral de impugnação administrativa.
6. A não apreciação do recurso hierárquico apresentado pela ora recorrente ao senhor Secretário para a Economia e Finanças, no quadro das regras de repartição da competência administrativa na RAEM, consubstancia uma renúncia de competência, inadmissível nos termos do disposto no art.º 31.º do CPA, a que se junta a violação do princípio da decisão (art.º 11.º do CPA).
7. Por outro lado, estando a DSTE investida, por lei, de poderes de autoridade para efeitos de inspecção e apreciação da prática de infracções ao RJRT, a conclusão que se impõe é a de que o seu procedimento neste âmbito tem de ser qualificado como administrativo, entendendo-se este enquanto “a sucessão ordenada de actos e formalidades tendentes à formação e manifestação de vontade da Administração Pública, ou à sua execução” – cfr. n.º 1 do art.º 1.º do CPA;
8. A Administração tem competência própria para apreciação de infracções culposas às disposições do RJRT e essa competência não se confunde com a competência judicial de apreciação das mesmas, sendo que esta apenas se coloca quando esgotado o exercício da competência administrativa.
9. Para nós, o facto de se admitir que esteja vedada a sindicância administrativa da apreciação do mérito da decisão quanto à existência ou não de uma transgressão laboral, bem como o facto do acto de determinação de liquidação de multa não ser definitivo nem executório, não pode levar à conclusão de que a legalidade do procedimento administrativo também não possa ser aferida.
10. Pelo que, em nosso entender, a decisão recorrida acaba por sancionar a violação do princípio da legalidade (art.º 3.º do CPA) por parte da entidade recorrida, na medida em que o regime consagrado no RIT em nada afasta as normais vias de impugnação previstas no Código do Procedimento Administrativo.
11. Foi, desta feita, violado o princípio do duplo controle das decisões administrativas (art.º 145.º do CPA), bem como a regra constante do art.º 153.º do CPA, segundo a qual ‘podem ser objecto de recurso hierárquico todos os actos administrativos praticados por órgãos sujeitos a poderes hierárquicos, desde que a lei não exclua tal possibilidade’.”
Pedindo a procedência do recurso e revogação do acórdão recorrido, dando-se provimento à admissibilidade do recurso hierárquico.
O recorrido, nas suas alegações, formulou as seguintes conclusões:
“1. Não existe um princípio de duplo controlo dos actos administrativos;
2. A lei exclui a possibilidade de recurso gracioso sobre matéria penal;
3. O levantamento e confirmação de autos de notícia não são actos administrativos para efeitos do CPA;
4. O acórdão recorrido não errou.”
Entendeu que deve ser mantido o acórdão recorrido e negado provimento ao recurso.
O Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal de Última Instância emitiu o seguinte parecer:
“Não assiste, a nosso ver, razão à recorrente.
Do disposto no RIT (Dec-Lei n.º 60/89/M), com efeito, resulta que a lei excluiu a possibilidade de recursos administrativos fora do âmbito da Direcção de Serviços do Trabalho e Emprego, inviabilizando que os actos de confirmação de autos de notícia de contravenções laborais possam ser apreciados pelo membro do Governo da Tutela.
É o que flui, nomeadamente, do n.º 3 do seu art.º 11.º: “depois de confirmado, o auto de notícia não pode ser sustado, prosseguindo os seus trâmites até à remessa a juízo, se a esta houver lugar”.
O que bem se compreende, uma vez que se está perante matéria de natureza criminal e não administrativa, pelo que, depois da fase inicial de processamento pelos órgãos de polícia criminal, a competência para a decisão de todas as questões concernentes à infracção e ao respectivo processamento passam para a alçada do tribunal criminal (e não administrativo).
Aliás, poderia dar-se o caso de haver um conflito entre a decisão do tribunal e a da autoridade administrativa, se esta pudesse apreciar a situação em questão (o que só não aconteceu porque a recorrente se apressou a requerer a suspensão do processo de contravenção – cfr. fls. 145).
Como é sabido, o pessoal de direcção e chefia da inspecção de trabalho encontra-se investido de poderes de autoridade quanto ao exercício de funções de inspecção – cfr. art.º 23.º do citado Diploma – o que não sucede com o membro do Governo que tem a tutela da DSTE, pelo que, salvo melhor opinião, este não pode revogar autos de notícia elaborados e confirmados de acordo com o RIT e o C. P. Penal.
O auto de notícia equivale à acusação em processo penal – cfr. art.º 383.º, n.º 2, do respectivo Código – sendo, pois, do mais elementar bom senso que a lei não permita a intervenção dos membros do Governo na área em apreço.
Por outro lado, o acto que confirma um auto de notícia de contravenção laboral é um acto da Administração, mas não é um acto administrativo, tal como é definido no art.º 110.º do CPA, pelo que não tem aplicação o princípio geral do subsequente art.º 153.º, que prevê a possibilidade de interposição de recurso hierárquico dos actos administrativos.
Na verdade, esse acto não decide nada, apenas confirma que o agente de autoridade presenciou um ilícito de natureza contravencional.
Deve, pelo exposto, ser negado provimento ao recurso.”
Foram apostos vistos pelos juízes-adjuntos.
2. Fundamentos
2.1 Foram dados como provados os seguintes factos pelo Tribunal de Segunda Instância:
“Na sequência do recurso hierárquico apresentado em 14/7/2003, de despacho do DSTE de 11 de Junho de 2003 que confirmou o auto de notícia n.º 95/2003, foi proferido pelo Senhor Secretário para a Economia e Finanças despacho de 01/08/2003, cujo teor foi o seguinte:
“Concordo. Notifique-se a STDM com conhecimento ao advogado. Envie-se cópia à DSTE para conhecimento.”
Os fundamentos do despacho referido, constantes da informação 44/GC/SEF/2003, de 29/07/2003, são os seguintes :
“O despacho recorrido é um acto de confirmação de um auto de notícia levantado – ao abrigo do art.º 7.º do Regulamento da Inspecção do Trabalho (RIT), aprovado pelo DL 60/89/M, de 18 de Setembro – pela prática de infracções em matéria laboral previstas no DL 24/89/M, de 3 de Abril (Regime Jurídico das Relações de Trabalho). É entendimento pacífico que tais infracções revestem natureza contravencional, sendo as contravenções uma forma de ilícito penal (art.º 123.º e ss do Código Penal). O auto de notícia, por sua vez, constitui neste caso a denúncia desse ilícito – podendo mesmo constituir a própria acusação quanto aos factos presenciados pelo autuante no exercício das suas funções (art.º s 226º, n.º 3, e 383.º, n.º 2, do Código de Processo Penal e 11.º, n.º 4, do RIT). Consequentemente a sua apreciação é da competência exclusiva do tribunal judicial, estando em princípio vedada a impugnação graciosa – à excepção do recurso administrativo especial previsto no art.º 10.º do RIT. Compreende-se que assim seja, pois a Administração não é competente para apreciar ilícitos criminais, pelo que despacho que o senhor Secretário exarasse sobre o mérito do requerimento apresentado pela STDM seria nulo por usurpação de poder, pois constituiria exercício, por um órgão administrativo, de uma competência própria do poder judicial (art.º 122.º, n.º 2, al. a) do Código do Procedimento Administrativo).
Esclareça-se que, em nossa opinião, o senhor Secretário não pode sequer pronunciar-se sobre a existência e montante das dívidas aos trabalhadores, pois trata-se dos próprios factos constitutivos das contravenções. Consequentemente é impossível apreciá-los sem tomar posição sobre a verificação do próprio ilícito – o que , como dissemos, está reservado ao poder judicial.
Por estas razões propomos a rejeição – nos termos do art.º 160.º, al. b), do Código do Procedimento Administrativo – do recurso apresentado pela STDM.”
É do seguinte teor o auto de notícia elaborado pelos Serviços da Inspecção do trabalho e Emprego, de que se extracta o seguinte:
“Auto de Notícia de disputa laboral
No dia 10 de Junho de 2003, Técnicos-Superiores do Departamento de Inspecção do Trabalho da Direcção dos Serviços de Trabalho e Emprego da Região Administrativa Especial de Macau apresentaram a acusação contra A sita no [Endereço(1)], o teor da acusação é o seguinte :
1) B (portadora do BIRM n.º X/XXXXXX/X, residente na [Endereço(2)], Tel.: XXXXXX ou XXXXXXX), contratada pela companhia acima referida como empregada de croupier (莊荷) desde 11 de Junho de 1983 e, o último salário diário é de 15 dólares de Hong Kong. Após a investigação, verifica-se que a partir da sua entrada em funcionamento na respectiva companhia até ao dia 30 de Junho de 2002, a companhia nunca concedeu à referida empregada o descanso semanal e anual, bem como feriados obrigatórios, nem lhe pagou a retribuição correspondente, nestes termos, a respectiva companhia está obrigada a pagar-lhe a compensação de retribuição do descanso semanal no valor de MOP$10.565,985, a compensação de retribuição do descanso anual no valor de MOP$2.931,4725 e a compensação de retribuição dos feriados obrigatórios no valor de MOP$2.060,885. Totalizando no valor de MOP$15.558,34.
2) C (portadora do BIRM n.º X/XXXXXX/X, residente na [Endereço(3)], Tel.: XXXXXXX), contratada pela companhia acima referida como empregada de croupier (蓆面) desde 1 de Julho de 1987 e, o último salário diário é de 15 dólares de Hong Kong. Após a investigação, verifica-se que a partir da sua entrada em funcionamento na respectiva companhia até ao dia 30 de Junho de 2002, a companhia nunca concedeu à referida empregada o descanso semanal e anual, bem como os feriados obrigatórios e descanso de parto, nem lhe pagou a retribuição correspondente, nestes termos, a respectiva companhia está obrigada a pagar-lhe a compensação de retribuição do descanso semanal no valor de MOP$9.959,185, a compensação de retribuição do descanso anual no valor de MOP$2.861,7725 e a compensação de retribuição dos feriados obrigatórios no valor de MOP$2.060,885, bem como a compensação de retribuição do descanso de parto no valor de MOP$902,5625. Totalizando no valor de MOP$15.784,41.
3) D (portadora do BIRM n.º X/XXXXXX/X, residente na [Endereço(4)], Tel.: XXXXXX), contratada pela companhia acima referida como empregada de croupier (莊荷) desde 15 de Janeiro de 1971 e, o último salário diário é de 15 dólares de Hong Kong. Após a investigação, verifica-se que a partir da sua entrada em funcionamento na respectiva companhia até ao dia 30 de Junho de 2002, a companhia nunca concedeu à referida empregada o descanso semanal e anual, bem como os feriados obrigatórios, nem lhe pagou a retribuição correspondente, nestes termos, a respectiva companhia está obrigada a pagar-lhe a compensação de retribuição do descanso semanal no valor de MOP$9.929,985, a compensação de retribuição do descanso anual no valor de MOP$2.854,8225 e a compensação de retribuição dos feriados obrigatórios no valor de MOP$2.056,085. Totalizando em valor de MOP$14.840,89.
4) E (portadora do BIRM n.º X/XXXXXX/X, residente na [Endereço(5)], Tel.: XXXXXXX), contratada pela companhia acima referida como empregada de croupier (莊荷) desde 21 de Setembro de 1979 e, o último salário diário é de 15 dólares de Hong Kong. Após a investigação, verifica-se que a partir da sua entrada em funcionamento na respectiva companhia até ao dia 30 de Junho de 2002, a companhia nunca concedeu à empregada o descanso semanal e anual, bem como os feriados obrigatórios, nem lhe pagou a retribuição correspondente, nestes termos, a respectiva companhia está obrigada a pagar a compensação de retribuição do descanso semanal no valor de MOP$12.182,485, a compensação de retribuição do descanso anual no valor de MOP$3.126,3125 e a compensação de retribuição dos feriados obrigatórios no valor de MOP$2.073,085. Totalizando no valor de MOP$17.381,88.
5) F (portadora do BIRM n.º X/XXXXXX/X, residente no [Endereço(6)], Tel.: XXXXXX / XXXXXXX), contratada pela companhia acima referida como empregada de croupier (莊荷) desde 1 de Setembro de 1979 e, o último salário diário é de 15 dólares de Hong Kong. Após a investigação, verifica-se que a partir da sua entrada em funcionamento na respectiva companhia até ao dia 23 de Julho de 2002, a companhia nunca concedeu à empregada o descanso semanal e anual, bem como os feriados obrigatórios e descanso de parto, nem lhe pagou a retribuição correspondente, nestes termos, a respectiva companhia está obrigada a pagar a compensação de retribuição do descanso semanal no valor de MOP$9.976,4025, a compensação de retribuição do descanso anual no valore de MOP$2.862,55875, a compensação de retribuição dos feriados obrigatórios no valore de MOP$2.056,085, bem como a compensação de retribuição do descanso de parto no valore de MOP$361,025. Totalizando no valor de MOP$15.256,07.
(...)
138) G (portadora do BIRM n.º X/XXXXXX/X, residente na [Endereço(7)], Tel.: XXXXXX), contratada pela companhia acima referida como empregada de croupier (莊荷) desde 1 de Julho de 1988 e, o último salário diário é de 15 dólares de Hong Kong. Após a investigação, verifica-se que a partir da sua entrada em funcionamento na respectiva companhia até ao dia 20 de Julho de 2002, a companhia nunca concedeu à empregada o descanso semanal e anual, bem como os feriados obrigatórios e descanso de parto, nem lhe pagou a retribuição, correspondente, nestes termos, a respectiva companhia está obrigada a pagar a compensação de retribuição do descanso semanal no valor de MOP$9.768,4025, a compensação de retribuição do descanso anual no valore de MOP$2.841,30875, a compensação de retribuição dos feriados obrigatórios no valor de MOP$2.060,885. Totalizando no valor de MOP$14,670.60.
139) H (portador do BIRM n.º X/XXXXXX/X, residente na [Endereço(8)], Tel.: XXXXXX), contratado pela companhia acima referida como empregado de croupier (莊荷) desde 15 de Fevereiro de 1980 e, o último salário diário é de 15 dólares de Hong Kong. Após a investigação, verifica-se que a partir da sua entrada em funcionamento na respectiva companhia até ao dia 27 de Julho de 2002, a companhia nunca concedeu ao empregado o descanso semanal e anual, bem como os feriados obrigatórios, nem lhe pagou a retribuição correspondente, nestes termos, a respectiva companhia está obrigada a pagar a compensação de retribuição do descanso semanal no valor de MOP$10.627,875, a compensação de retribuição do descanso anual no valor de MOP$2.939,20875 e a compensação de retribuição dos feriados obrigatórios no valor de MOP$2.060,885. Totalizando no valor de MOP$15.627,97.
140) I (portadora do BIRM n.º X/XXXXXX/X, residente na [Endereço(9)], Tel.: XXXXXX), contratada pela companhia acima referida como empregada de croupier (莊荷) desde 1 de Julho de 1994 e, o último salário diário é de 15 dólares de Hong Kong. Após a investigação, verifica-se que a partir da sua entrada em funcionamento na respectiva companhia até ao dia 30 de Junho de 2002, a companhia nunca concedeu à empregada o descanso semanal e anual, bem como os feriados obrigatórios, nem lhe pagou a retribuição correspondente, nestes termos, a respectiva companhia está obrigada a pagar a compensação de retribuição do descanso semanal no valor de MOP$6.230,26, a compensação de retribuição do descanso anual no valor de MOP$1.872,1725 e a compensação de retribuição dos feriados obrigatórios no valor de MOP$1.433,785. Totalizando no valor de MOP$9.536,22.
141) J (portadora do BIRM n.º X/XXXXXX/X, residente na [Endereço(10)], Tel.: XXXXXX/XXXXXXX), contratada pela companhia acima referida como empregada de croupier (莊荷) desde 1 de Setembro de 1985 e, o último salário diário é de 15 dólares de Hong Kong. Após a investigação, verifica-se que a partir da sua entrada em funcionamento na respectiva companhia até ao dia 30 de Junho de 2002, a companhia nunca concedeu à empregada o descanso semanal e anual, bem como os feriados obrigatórios, nem lhe pagou a retribuição correspondente, nestes termos, a respectiva companhia está obrigada a pagar a compensação de retribuição do descanso semanal no valor de MOP$10.365,215, a compensação de retribuição do descanso anual no valor de MOP$2.906,8725 e a compensação de retribuição dos feriados obrigatórios no valor de MOP$2.060,885. Totalizando no valor de MOP$15.332,97.
142) K (portadora do BIRM n.º X/XXXXXX/X, residente na [Endereço(11)], Tel.: XXXXXX), contratada pela companhia acima referida como empregada de croupier (莊荷) desde 11 de Outubro de 1995 e, o último salário diário é de 15 dólares de Hong Kong. Após a investigação, verifica-se que a partir da sua entrada em funcionamento na respectiva companhia até ao dia 30 de Junho de 2002, a companhia nunca concedeu à empregada o descanso semanal e anual, bem como os feriados obrigatórios, nem lhe pagou a retribuição correspondente, nestes termos, a respectiva companhia está obrigada a pagar a compensação de retribuição do descanso semanal no valor de MOP$5.415,375, a compensação de retribuição do descanso anual no valor de MOP$1.601,40375 e a compensação de retribuição dos feriados obrigatórios no valor de MOP$1.237,8. Totalizando no valor de MOP$8.254,58.
143) L (portadora do BIRM n.º X/XXXXXX/X, residente na [Endereço(12)], Tel.: XXXXXX), contratada pela companhia acima referida como empregada de croupier (莊荷) desde 1 de Maio de 1991 e, o último salário diário é de 15 dólares de Hong Kong. Após a investigação, verifica-se que a partir da sua entrada em funcionamento na respectiva companhia até ao dia 30 de Junho de 2002, a companhia nunca concedeu à empregada o descanso semanal e anual, bem como os feriados obrigatórios, nem lhe pagou a retribuição correspondente, nestes termos, a respectiva companhia está obrigada a pagar a compensação de retribuição do descanso semanal no valor de MOP$7.932,235, a compensação de retribuição do descanso anual no valor de MOP$2.460,1275 e a compensação de retribuição dos feriados obrigatórios no valor de MOP$1.805,125. Totalizando no valor de MOP$12.197,49.
Segundo o mapa de conta anexado, o infractor está obrigado a pagar a compensação aos empregados acima referidos no valor total de MOP$2.043.143,14.
Nestes termos, nos termos do n.º 2 do art.º 50.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M de 3 de Abril, este Departamento exigiu o infractor para reparar a respectiva infracção, mas, o infractor respondeu definitivamente no dia 2 de Junho do ano corrente que, não fez a reparação das respectivas infracções porque aqueles empregados já tinham interposto a acção no tribunal.
Quanto às infracções, nas disposições de relações laborais do regime jurídico vigente estipula-se claramente a seguinte pena:
1) O infractor violou as disposições do art.º 17.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M de 3 de Abril, tal acto constitui 143 infracções, nos termos da al. c) do n.º 1 do art.º 50.º do mesmo Decreto-Lei, ao infractor deve ser aplicadas as multas de MOP$143.000,00 até MOP$715.000,00 (MOP$1.000,00 a MOP$5.000,00, por cada trabalhador em relação ao qual se verificar a infracção).
2) O infractor violou as disposições dos art.ºs 19.º e 20.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M de 3 de Abril, tal acto constitui 143 infracções, nos termos da al. c) do n.º 1 do art.º 50.º do mesmo Decreto-Lei, ao infractor deve ser aplicadas as multas de MOP$143.000,00 até MOP$715.000,00 (MOP$1.000,00 a MOP$5.000,00, por cada trabalhador em relação ao qual se verificar a infracção).
3) O infractor violou as disposições dos art.ºs 21.º e 24.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M de 3 de Abril, tal acto constitui 143 infracções, nos termos da al. c) do n.º 1 do art.º 50.º do mesmo Decreto-Lei, ao infractor deve ser aplicadas as multas de MOP$143.000,00 até MOP$715.000,00 (MOP$1.000,00 a MOP$5.000,00, por cada trabalhador em relação ao qual se verificar a infracção).
4) O infractor violou as disposições do art.º 37.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M de 3 de Abril, tal acto constitui 42 infracções, nos termos da al. b) do n.º 1 do art.º 50.º do mesmo Decreto-Lei, ao infractor deve ser aplicadas as multas de MOP$105.000,00 até MOP$525.000,00 (MOP$2.500,00 a MOP$12.500,00, por cada trabalhador em relação ao qual se verificar a infracção).
Para efeitos de exercer o poder conferido pelo n.º 3 do art.º 8.º do Estatuto de Fiscalização de Relações Laborais aprovado pelo Decreto-Lei n.º 60/89/M de 19 de Setembro, fixo o montante mínimo da pena de multa no valor de MOP$534.000.00.
Como a respectiva infracção ainda não tem sido reparada até ao presente data, para cumprir os deveres estipulados pela lei, elaboro o presente auto de notícia e, declaro sob compromisso que o teor deste auto de notícia está correspondente à verdade, assinando-o para efeitos de prova.
Anexo :
a) Mapa de conta do pagamento devido.
b) Cópias do documentos e declaração constante do presente processo.
Três assinaturas – ...”
Na sequência daquele auto foi a ora recorrente notificada nos seguintes termos:
“Notificação
(pagamento das multas aplicadas e das quantias em dívidas aos trabalhadores)
Nos termos dos art.º s 12.º a 16.º do Regulamento da Inspecção do Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 60/89/M, de 18 de Setembro, fica notificado à A para, no prazo de trinta dias (até ao dia 12/07/2003) entregar na Recebedoria da Repartição de Finanças de Macau de Direcção dos Serviços de Finanças a quantia de MOP$534,000.00 referente a multa que lhe foi aplicada no Auto de Notícia n.º 95/2003 por ter infringido o disposto no art.º 50.º, n.º 1, al.s b) e c) do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 03 de Abril, e para, no mesmo prazo, depositar no Banco, à ordem da Direcção dos Serviços de Trabalho e Emprego (conta n.º XXX/XXXXXX-XXX-X) a quantia de MOP$2,043,143.14 relativa as dívidas apuradas a favor dos 143 trabalhadores (a lista se anexa).
Mais fica notificado que, nos dez dias subsequentes ao termo do prazo referido (até ao dia 22/07/2003) deverá entregar nestes Serviços, as guias comprovativas de pagamento, sob pena de o auto ser remetido ao Juízo.
Informa-se ainda à V. Exª que nos termos das al.s a) e b) do n.º 2 do art.º 145.º, art.ºs 149.º e 155.º do Código do Procedimento Administrativo, aprovado pelo DL n.º 57/99/M, de 11 de Outubro, o presente acto administrativo pode ser impugnado :
a) Mediante reclamação para o autor do acto (Director da DSTE), no prazo de 15 dias, a contar do dia seguinte ao da presente notificação; ou
b) Mediante recurso para o superior hierárquico do autor (Secretário para a Economia e Finanças), no prazo de 30 dias, a contar do dia seguinte ao da presente notificação.
As instrutoras do processo
12/06/2003”
2.2 Questões levantadas
No presente recurso jurisdicional, a recorrente dividiu as alegações em duas questões.
A primeira relaciona-se com as regras de competência administrativa em que a recorrente considera que a Direcção dos Serviços de Trabalho e Emprego (DSTE)1 não tem a competência exclusiva para apreciar as infracções culposas das disposições do Regime Jurídico das Relações de Trabalho e, sendo o acto de confirmação de auto de notícia da DSTE impugnável graciosamente, o Secretário para a Economia e Finanças pode apreciar tal acto de confirmação em sede de recurso hierárquico. A não apreciação do recurso hierárquico apresentado pela recorrente consubstancia na renúncia de competência, em violação do art.° 31.° e do princípio de decisão previsto no art.° 11.°, ambos do Código do Procedimento Administrativo.
Na segunda, a recorrente sustenta que foi violado o princípio da legalidade pelo tribunal recorrido com o fundamento de que a apreciação administrativa de infracções contravencionais assume a natureza de procedimento administrativo e a Administração tem competência própria para apreciar infracções laborais que não se confunde com a judicial.
Para examinar a justeza do acórdão recorrido e consequentemente a legalidade do acto impugnado, torna-se necessário apreciar, em primeiro lugar, a natureza do processo de transgressão laboral.
2.3 A natureza do processo relativo a transgressão de normas laborais
Está em causa o acto do Secretário para a Economia e Finanças que rejeitou o recurso hierárquico apresentado pela ora recorrente contra o acto do Director dos Serviços para os Assuntos Laborais que, por sua vez, confirmou o auto de notícia n.° 95/2003 levantado por pessoal de inspecção em que a ora recorrente foi acusada da violação de várias disposições constantes do Decreto-Lei n.° 24/89/M.
O Decreto-Lei n.° 24/89/M de 3 de Abril regula as relações de trabalho e para a sua violação são cominadas com multas e pode constituir obrigação de pagar indemnização.
De acordo com o seu art.° 54.°, n.° 1:
“1. Quando não seja dado cumprimento voluntário às multas impostas pelo Gabinete para os Assuntos de Trabalho2 ou quando não haja intervenção deste serviços, compete aos tribunais judiciais, nos termos da legislação em vigor no Território, conhecer e julgar as transgressões do disposto no presente diploma.”
Resulta desta norma que cabe aos tribunais comuns o julgamento das transgressões laborais que violam o disposto naquele Decreto-Lei n.° 24/89/M.
Vejamos como se processam os trâmites do processo relativo a transgressões laborais, nos aspectos que nos interessam agora.
Nos termos do art.° 53.° do Decreto-Lei n.° 24/89/M, compete à Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais (DSAL) a fiscalização do cumprimento do disposto neste diploma que regula as relações laborais.
No exercício destas funções, é de observar o Regulamento da Inspecção do Trabalho (RIT) aprovado pelo Decreto-Lei n.° 60/89/M de 18 de Setembro.
O processo relativo a transgressões laborais inicia com o levantamento de auto de notícia pelo pessoal da inspecção da DSAL quando, no exercício das suas funções, verificar ou comprovar, pessoal e directamente, ainda que por forma não imediata, qualquer infracção a normas sobre matéria sujeita a fiscalização do Departamento de Inspecção do Trabalho (DIT) (art.° 7.° do RIT).
Passamos a transcrever dois artigos importantes do RIT sobre o auto de notícia:
“Artigo 10.°
(Confirmação dos autos de notícia)
Compete ao director da DSTE pronunciar-se, em termos de recurso, sobre os despachos de confirmação, não confirmação e desconfirmação dos autos de notícia proferidos pelo chefe do DIT.”
“Artigo 11.°
(Tramitação do auto de notícia)
1. O auto de notícia deve conter os elementos mencionados no artigo 166.º do Código de Processe Penal, com dispensa da indicação das testemunhas e da assinatura do infractor, e a sua eficácia depende da confirmação pelo chefe do DIT ou pelo director da DSTE.
2. A entidade com competência para a confirmação poderá decidir-se por alterar a graduação da multa feita pelo autuante nos termos do artigo 8.º, n.º 3, desde que a sua decisão seja devidamente fundamentada.
3. Depois de confirmado, o auto de notícia não pode ser sustado, prosseguindo os seus trâmites até à remessa a juízo, se a esta houver lugar.
4. O auto de notícia, depois de confirmado, tem força de corpo de delito e faz fé em juízo até prova em contrário, relativamente aos factos presenciados pelo autuante no exercício das suas funções.”
Elaborado o auto de notícia, este deve ser submetido à apreciação do chefe do DIT ou Director da DSAL para efeitos de confirmação ou não confirmação (art.° 11.°, n.° 1 do RIT).
No caso de esta decisão ser tomada pelo chefe do DIT, o Director da DSAL tem competência para pronunciar, em termos de recurso, sobre aquela, ou seja, os despachos de confirmação, não confirmação e desconfirmação dos autos de notícia proferidos pelo chefe do DIT (art.° 10.° do RIT).
O auto de notícia ganha a eficácia depois de ser confirmado e constitui corpo de delito no âmbito do antigo Código de Processo Penal (CPP) de 1929 ou faz fé em juízo e equivale à acusação nos termos do art.° 383.°, n.° 2 do CPP de 1996 actualmente em vigor. Por outro lado, o auto de notícia confirmado não pode ser sustado, prosseguindo os trâmites até à remessa a juízo se a multa e a quantia em dívida a trabalhadores não for paga e depositada voluntariamente (n.°s 1, 3 e 4 do art.° 11.° e n.° 7 do art.° 13.° do RIT).
Todos estes aspectos constituem a fase inicial do processo contravencional regulado no actual Código de Processo Penal como parte integrante deste tipo de processo para-criminal.
De facto, nos termos do art.° 380.° do CPP, ao processo contravencional aplicam-se as disposições especiais para este tipo de processo constantes deste Código e subsidiariamente as relativas ao processo por crime. No presente caso, são de atender, ainda em primeiro lugar, as disposições especiais constantes do RIT
Do levantamento do auto de notícia pela DSAL até a sentença final proferida por tribunal comum, todos os trâmites estão integrados no único processo contravencional, incompatível com os meios de impugnação graciosa ou contenciosa administrativos.
Mesmo no novo Código de Processo de Trabalho aprovado pela Lei n.° 9/2003, a acção contravencional prevista nos seus art.°s 89.° e seguintes, a que são aplicáveis supletivamente as disposições do processo contravencional comum e do processo criminal, também é um processo único em que engloba o levantamento do auto sobre as infracções, a remessa do auto a tribunal e o julgamento.
Também não existe no processo contravencional por violação das disposições do Decreto-Lei n.° 24/89/M a separação entre uma primeira fase administrativa e uma segunda fase judicial, tal como acontece em relação às infracções administrativas.
No Regime Geral das Infracções Administrativas e Respectivo Procedimento definido pelo Decreto-Lei n.° 52/99/M de 4 de Outubro, existe a fase administrativa destinada a tomar decisão sancionatória pela Administração e a fase jurisdicional em que o interessado pode interpor recurso contencioso para o Tribunal Administrativo contra aquela decisão sancionatória.
Nota-se ainda que, relativamente a infracções administrativas, a decisão sancionatória proferida pela Administração constitui uma decisão final, sujeita a recurso contencioso, de que o infractor violou respectiva norma. Mas no processo contravencional laboral, o auto de notícia confirmado serve apenas como acusação a ser submetida a julgamento, não há ainda juízo de certeza da prática de contravenções.
2.4 Recorribilidade do acto de confirmação do Director da DSAL
Determinada a natureza do processo contravencional, é natural concluir que em relação ao acto de confirmação do Director da DSAL não pode usar os meios de impugnação graciosa ou contenciosa administrativos.
Temos de ficar claro de que a fase da instrução de auto de notícia não é um procedimento administrativo, mas sim parte integrante do processo contravencional, sujeita ao regime deste, diferente do previsto no Código do Procedimento Administrativo.
Não vale aqui a tese de divisão de competências entre os órgãos superiores e subalternos para fundamentar a possibilidade de recurso hierárquico, precisamente por não estarmos em procedimento administrativo.
O recurso para o Director da DSAL dos despachos de confirmação, não confirmação ou desconfirmação de autos de notícia proferidos pelo chefe do DIT previsto no art.° 10.° do RIT constitui um meio de controlo efectuado pela hierarquia superior da entidade autuante para assegurar a legalidade material e formal de auto de notícia e permite a este ganhar a eficácia e a força de fazer fé em juízo. A sua existência não altera a natureza do processo contravencional para administrativa.
A confirmação de auto de notícia permite apenas a remessa do auto a tribunal para ser ali julgado, não havendo ainda decisão definitiva de que o arguido praticou as infracções imputadas. Na realidade, o auto de notícia equivale a acusação que consubstancia num juízo indiciário de prática de contravenções laborais por parte de arguido, não sendo ainda o juízo de certeza que só pode ser tomado por tribunal competente para o seu julgamento.
Para defender, o arguido pode, no processo contravencional, apresentar prova e defesa na audiência nos termos dos art.°s 386.°, n.°2, 387.°, n.°s 2 e 3 do CPP, como se passa, grosso modo, em processo criminal, incluindo arguir nulidades ou irregularidades dos actos processuais nos termos previstos neste Código. A admitir a impugnação graciosa e posteriormente a contenciosa seria a duplicação de meios de defesa não consentida por lei.
É de acrescentar ainda que, ao abrigo do n.° 3 do art.° 11.° do RIT, o auto de notícia confirmado não pode ser sustado, prosseguindo os seus trâmites até à remessa a tribunal, se a esta houver lugar. Por isso, a impugnação administrativa do acto de confirmação de auto de notícia é inconciliável com a remessa imediata a tribunal.
Uma vez que do acto de confirmação do Director da DSAL de auto de notícia não cabe recursos administrativos, naturalmente o Secretário para a Economia e Finanças também não tem competência para apreciar o auto de notícia em vias de impugnação administrativa, nem directamente por não ser órgão competente para intervir neste processo judicial.
3. Decisão
Face ao exposto, acordam em julgar improcedente o recurso.
Custas pela recorrente com a taxa de justiça fixada em 4UC.
Ao 20 de Abril de 2005.
Juízes:Chu Kin (Relator)
Viriato Manuel Pinheiro de Lima
Sam Hou Fai
Magistrada do Ministério Público
presente na conferência: Song Man Lei
1 Com a entrada em vigor do Regulamento Administrativo n.° 24/2004, passa a ser designada como Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais.
2 Considera-se referir à actual Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais.
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Processo n.° 38 / 2004 24