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Acórdão do Tribunal de Última Instância
da Região Administrativa Especial de Macau




Recurso de decisão jurisdicional em matéria administrativa
N.° 26 / 2004

Recorrente: Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura
Recorridos: A
B






1. Relatório
   A e B interpuseram recurso contencioso no Tribunal de Segunda Instância contra o despacho do Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura de 16 de Maio de 2003 que rejeitou o recurso daqueles.
   Por acórdão de 25 de Março de 2004 proferido no processo n.° 140/2003, o Tribunal de Segunda Instância julgou procedente o recurso e revogou o acto impugnado.
   Vem agora o Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura recorrer para este Tribunal de Última Instância, formulando as seguintes conclusões na sua alegação:
   “Nos termos e pelas razões já alegadas, o douto acórdão recorrido:
   1. Violou, por errada interpretação e aplicação, o art.º 81.º do Decreto-Lei n.º 58/90/M, de 19 de Setembro.
   a) A norma do art.º 81.º do Decreto-Lei n.º 58/90/M, de 19 de Setembro, foi, no que diz respeito à forma de impugnação dos actos aí previstos, parcialmente revogada pelas disposições conjugadas dos art.ºs 20.º, n.º 3 e 16.º, ambos do Decreto-Lei n.º 52/99/M, de 4 de Outubro, tendo ainda em consideração o disposto no art.º 3.º deste diploma e no art.º 6.º, n.º 3 do Código Civil.
   Daqueles actos cabe, por consequência e nos termos do art.º 16.º do Decreto-Lei n.º 52/99/M, de 4 de Outubro, recurso contencioso para o Tribunal Administrativo.
   Mantém-se em vigor a primeira parte do art.º 81.º do Decreto-Lei n.º 58/90/M de 19 de Setembro que consagra a competência sancionatória do Director dos Serviços de Saúde.
   Mesmo que assim não se entenda e sem conceder:
   b) Uma correcta interpretação e aplicação do art.º 81.º do Decreto-Lei n.º 58/90/M, de 19 de Setembro, há-de fazer-se, sempre, no quadro da unidade do sistema jurídico da RAEM,
   Tendo em conta, designadamente, o disposto na Lei Orgânica dos Serviços de Saúde (Decreto-Lei n.º 81/99/M, de 15 de Novembro), de acordo com a qual estes são uma pessoa colectiva de direito público dotada de autonomia administrativa, financeira e patrimonial (cfr. art.º 1.º n.º 1) e, mais, se estabelece uma relação de tutela entre os Serviços de Saúde e o Chefe do Executivo (cfr. art.º 2.º).
   Na medida em que esta relação de tutela exclui, precisamente, a relação de hierarquia, da decisão sancionatória sub judice não cabia qualquer recurso hierárquico, necessário ou facultativo.
   O art.º 81.º do Decreto-Lei n.º 58/90/M, de 19 de Setembro, por outro lado, confere competências próprias e exclusivas ao Director dos Serviços de Saúde – Os actos de aplicação e graduação de multas, designadamente, são praticados no uso de uma competência própria e exclusiva e gozam de definitividade vertical, sendo impugnáveis contenciosamente.
   Tudo significa que aquela disposição legal, sempre havia de ter-se por alterada, em conformidade. Do acto sancionatório de que cabia recurso hierárquico necessário – a interpor, então, para o Governador – cabe, agora, recurso contencioso para o Tribunal Administrativo.
   Por outro lado, ainda:
   c) O art.º 81.º do Decreto-Lei n.º 58/90/M de 19 de Setembro não consagra – nem alguma vez consagrou, na sua versão inicial – um recurso tutelar, o qual “(...) só existe nos casos expressamente previstos por lei (...)”, de acordo com o disposto no n.º 2 do art.º 164.º do Código do Procedimento Administrativo (adiante designado por CPA).
   2. Violou – por não os ter aplicado – os art.ºs 20.º, n.º 3 e 16.º, ambos do Decreto-Lei n.º 52/99/M, de 4 de Outubro.
   Como resulta, acima, das al.s a) e b) do ponto 1 destas Conclusões, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
   Da aplicação destas duas disposições legais – conjugadas, in casu, com o art.º 6.º, n.º 3 do Código Civil, e tendo ainda em consideração o disposto no art.º 3.º do Decreto-Lei n.º 52/99/M, de 4 de Outubro – conclui-se pela revogação parcial do art.º 81.º do Decreto-Lei n.º 58/90/M, de 19 de Setembro, no que diz respeito à forma de impugnação dos actos aí previstos.
   3. Violou ainda – porque dele fez errada aplicação – o art.º 164.º, n.º 2 do CPA.
   O art.º 81.º do Decreto-Lei n.º 58/90/M de 19 de Setembro previa, na sua versão inicial, um recurso hierárquico necessário, e consagra, actualmente, um recurso contencioso para o Tribunal Administrativo (como resulta, acima, das al.s a) e b) do ponto 1 destas Conclusões, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido);
   Não consagra, por consequência, qualquer recurso hierárquico e, muito menos, tutelar (sendo certo, ainda, que um recurso tutelar não tem – como, por mais que uma vez, se alcança do douto acórdão recorrido – natureza hierárquica).
   O recurso tutelar, com efeito, “(...) só existe nos casos expressamente previstos por lei (...)”, de acordo com o disposto no n.º 2 do art.º 164.º do CPA.
   Ou seja, a lei exige disposição expressa para esse tipo de recurso e tal disposição, pura e simplesmente, não existe.
   4. Sendo irrelevante, por outro lado, a apreciação da questão da eventual extemporaneidade do recurso.
   Mesmo que assim não fosse e sem conceder, também aqui:
   a) Teria feito errada interpretação e aplicação do art.º 81.º do Decreto-Lei n.º 58/90/M, de 19 de Setembro.
   Cfr. razões expostas, supra, nas al.s a) e b) do ponto 1 destas Conclusões, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
   b) E não teria aplicado os art.ºs 20.º, n.º 3, e 16.º, ambos do Decreto-Lei n.º 52/99/M, de 4 de Outubro, e o próprio art.º 25.º, n.º 2, al. a) do CPAC.
   b.1) Quanto aos art.ºs 20.º, n.º 3, e 16.º, ambos do Decreto-Lei n.º 52/99/M, de 4 de Outubro, cfr. supra as razões expostas nas al.s a) e b) do ponto 1 e no ponto 2 destas Conclusões, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
   b.2) De acordo com o disposto na al. a) do n.º 2 do art.º 25.º do CPAC, o direito de recurso de actos anuláveis caduca no prazo de trinta dias quando o recorrente resida em Macau.
   Sendo o acto impugnável mediante recurso contencioso e não através de recurso hierárquico, esta seria, em bom rigor, a única norma a considerar e a aplicar para o cômputo do prazo, no quadro da apreciação da eventual extemporaneidade do recurso.
   5. Violou o art.º 70.º, al. d) do CPA, porque dele fez errada interpretação e aplicação.
   A al. d) do art.º 70.º do CPA não consagra um requisito de validade – nem sequer de eficácia – do acto administrativo, no que diz respeito ao conteúdo da notificação, pelo que o seu cumprimento defeituoso, sendo o caso, não é susceptível de fundar a respectiva anulação ou de afectar a sua eficácia externa.
   A notificação é um acto meramente instrumental, diferente do acto notificado e exterior ao mesmo. Uma eventual omissão, ou deficiência, na notificação não é susceptível de afectar a validade do acto notificado.
   Nunca, então, por essa razão, o despacho sancionatório sub judice podia, procedentemente, ser objecto de anulação, com base no que se dispõe na al. d) do art.º 70.º do CPA, pelo facto de, neste particular, conter uma informação errónea.
   Também não está em causa, por outro lado, a sua eficácia.
   “(...) Trata-se de comunicação de cariz meramente informativo, não essencial relativamente ao conteúdo ao acto (ao contrário do que sucede relativamente aos elementos das al.s a) e b) do mesmo normativo), (...) não susceptível de afectar a eficácia externa e subjectiva do acto. (...) O que significa que, “(...) apesar da errada menção assinalada (...)”, se iniciou “(...), com a notificação, o prazo para a impugnação contenciosa (...)”.
   6. Violou, finalmente, o art.º 19.º da Lei Básica da RAEM e o art.º 20.º do CPAC.
   O douto acórdão recorrido não podia ter revogado o despacho impugnado, mas quanto muito, e sem conceder, podia tê-lo anulado.
   O art.º 20.º do CPAC dispõe acerca de um recurso como sendo “(...) de mera legalidade (...)”, e que “(...) tem por finalidade a anulação dos actos recorridos (...)”. Ao que acresce a vigência do princípio da separação de poderes consagrado, designadamente, no art.º 19.º da Lei Básica da RAEM.”
   Pedindo que seja revogado o acórdão recorrido, negado provimento ao recurso contencioso, mantendo o acto impugnado.
   
   Os recorridos não apresentaram alegações.
   
   A Magistrada do Ministério Público junto do Tribunal de Última Instância emitiu o seguinte parecer:
   “Imputa o recorrente ao douto acórdão ora recorrido o vício de violação de lei, nomeadamente das normas contidas nos art.ºs 81.º do DL n.º 58/90/M, 20.º, n.º 3 e 16.º do DL n.º 52/99/M, 164.º, n.º 2 e 70.º, al. d) do CPA, 19.º da Lei básica da RAEM e 20.º do CPAC.
   Antes de mais, é de notar que se discutiu no Tribunal a quo a questão sobre a recorribilidade do acto praticado pelo Senhor Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, tendo o Tribunal concluído que do mesmo acto é admissível recurso contencioso, decisão esta que não foi impugnada e merece também a nossa concordância.
   O recorrente começa por levantar a questão de saber se o art.º 81.º do DL n.º 58/90/M, que regula o exercício da profissão e da actividade farmacêuticas em Macau, se encontra parcialmente revogada, no que diz respeito à forma de impugnação dos actos sancionatórios praticados pelo director dos Serviços de Saúde, por força dos art.ºs 20.º, n.º 3 e 16.º do DL n.º 52/99/M.
   Nos termos do art.º 81.º do DL n.º 58/90/M, do despacho proferido pelo director dos Serviços de Saúde que aplica as sanções previstas neste diploma cabe recurso para o Chefe do Executivo a interpor no prazo de 15 dias (é de notar que, na matéria ora em causa, cabe ao recorrente exercer o poder delegado pelo Chefe do Executivo).
   Posteriormente, foi publicado o DL n.º 52/99/M, que estabelece o regime geral das infracções administrativas e respectivo procedimento, que contém as seguintes disposições:
Artigo 3.º
(Regime aplicável)
   1. Os regimes material e procedimental aplicáveis às infracções administrativas são fixados nas leis ou regulamentos que as prevêem e sancionam.
   2. Os regimes referidos no número anterior devem conformar-se com as disposições do presente diploma.
   3. ...
Artigo 16.º
(Impugnação das multas)
   Da decisão sancionatória cabe recurso contencioso para o Tribunal Administrativo.
Artigo 20.º
(Adaptação da legislação e revogações)
   1. Sem prejuízo do disposto no n.º 3, os regimes das leis ou regulamentos referidos no n.º 1 do artigo 3.º devem conformar-se com o disposto no presente diploma no prazo de 60 dias.
   2. Decorrido o prazo referido no número anterior, as normas que não se encontrem conformes com o disposto no presente diploma consideram-se revogadas.
   3. São revogadas na data da entrada em vigor do presente diploma as disposições constantes dos regimes referidos no n.º 1 que contrariem o disposto nos artigos 11.º, 12.º, 13.º, 16.º e 17.º.
   No entendimento do recorrente, a disposição especial contida no art.º 81.º do DL n.º 58/90/M foi parcialmente revogado pelo DL n.º 52/99/M, que, apesar de ser regime geral, contém normas em que se pode ver a intenção inequívoca do legislador em revogar aquele regime especial, dado que prevê o meio de recurso contencioso para o Tribunal Administrativo a fim de impugnar uma decisão sancionatória (art.º 16.º), pelo que da mesma decisão não cabe recurso para o Chefe do Executivo.
   Salvo o devido respeito, não nos parece que tem razão, pois que não parece resultar deste diploma a intenção inequívoca legislativa no sentido de afastar a forma de impugnação dos actos através do recurso para o Chefe do Executivo.
   Como vamos passar a demonstrar, o referido recurso para o Chefe do Executivo é um recurso tutelar (tutela de legalidade) de natureza facultativo. Tratando-se do recurso deste tipo, tal meio impugnatório não afasta, nem pode afastar, o direito dos interessados de interpor recurso contencioso para o Tribunal Administrativo e cabe ao interessado escolher um dos meios possíveis para impugnar os actos administrativos, podendo até utilizar os dois meios para proteger os seus direitos.
   Por outras palavras, entre os dois meios possíveis não existe uma relação de exclusividade, sendo certo que a utilização de qualquer um deles não exclui a possibilidade de socorrer-se do outro.
   Daí que não nos parece poder concluir pela intenção inequívoca do legislador em revogar a norma especial de facultar aos interessados o direito de interpor recurso para o Chefe do Executivo.
   Obviamente, tratando-se do recurso facultativo, a impugnação administrativa não suspende os efeitos do recurso contencioso. Então, “o particular deverá interpor o recurso contencioso sob pena de, pelo decurso do prazo, o acto não poder mais ser posto em crise, ficando assim sanados os seus vícios invalidantes-anulatórios, formando-se aquilo a que costuma dar-se nome de «caso resolvido» ou «caso decidido», de efeitos análogos aos de caso julgado”. (Código do Procedimento Administrativo de Macau, Anotado e Comentado, de Lino Ribeiro e José Cândido de Pinho, pág. 832 e 833)
   Por outro lado, o estatuto orgânico dos Serviços de Saúde, que são uma pessoa colectiva de direito público, dotada de autonomia administrativa, financeira e patrimonial, também não afasta o recurso tutelar a interpor para o Chefe do Executivo.
   Nos termos do art.º 2.º do DL n.º 81/99/M, os Serviços de Saúde estão sujeitos à tutela do Chefe do Executivo, competindo-lhe exercer os poderes referidos no n.º 2 do mesmo artigo.
   No entanto, tal não implica necessariamente que o Chefe do Executivo não possa exercer outros poderes tutelares, desde que sejam conferidos pelo legislador. Ou seja, não obstante a delimitação da tutela acima referida, o legislador confere, ainda em outras normas, ao Chefe do Executivo poderes que lhe permite intervir nos actos administrativos emanados de uma pessoa colectiva de direito público com autonomia. É o caso resultante do art.º 81.º do DL n.º 58/90/M.
   Tal como foi referido, a lei estabelece uma relação de tutela entre o Chefe do Executivo e os Serviços de Saúde.
   É verdade que aos Serviços de Saúde são conferidas competências próprias e exclusivas para praticar actos sancionatórios pelas infracções cometidas no exercício das profissões e das actividades farmacêuticas.
   Daí que o acto posto em causa praticado pelo seu Director que aplicou a multa goza de definitividade vertical e é contenciosamente impugnável.
   Não existindo a relação de hierarquia entre o Chefe do Executivo e os Serviços de Saúde, mas sim a relação de tutela, o recurso a interpor para aquele nos termos do art.º 81.º do DL n.º 58/90/M há de ser entendido como recurso de tutela.
   Tal como prevê claramente o art.º 164.º do CPA, “o recurso tutelar tem por objecto actos administrativos praticados por pessoas colectivas públicas sujeitas a tutela ou superintendência” e “só existe nos casos expressamente previstos por lei e tem, salvo disposição em contrário, carácter facultativo”. (n.ºs 1 e 2 do artigo, cfr. também Prof. Freitas do Amaral, Direito Administrativo, IV, pág. 61 e 62).
   É o nosso caso. Estamos perante um recurso tutelar, de carácter facultativo, interposto do acto sancionatório praticado pelo Director dos Serviços de Saúde para o Senhor Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura.
   E tal foi frisado no douto acórdão recorrido e resulta dos próprios autos, o recurso para o Senhor Secretário foi interposto no prazo fixado na lei, pelo que devia ter sido conhecido.
   
   Em relação à notificação do despacho sancionatório, é verdade que se verifica a falta de indicação de um dos elementos referidos no art.º 70.º do CPA, cuja al. d) exige que da notificação deve constar a indicação de o acto administrativo ser ou não susceptível de recurso contencioso.
   No entanto, a falta de comunicação deste elemento não afecta a validade do acto. “Se era válido, assim continuará a ser. O que acontece é que ele não produzirá efeitos enquanto o interessado não os conhecer na integra. Faltar-lhe-á eficácia externa. E por ser assim, também não se iniciam com aquela notificação insuficiente quaisquer prazos para a impugnação ... contenciosa”. (Código do Procedimento Administrativo de Macau, Anotado e Comentado, de Lino Ribeiro e José Cândido de Pinho, pág. 422)
   E os mesmos autores colocam ainda algumas hipóteses nos casos de a notificação não mencionar os elementos devidos ou os indicar erradamente (obra, citada, pág. 833 e 834), incluindo a omissão quanto à possibilidade de recurso contencioso imediato. Em nenhuma destas situações a validade do acto administrativo é posta em causa.
   Finalmente, e no que toca à decidida “revogação” do acto recorrido, concordamos com o entendimento do recorrente, nesta parte, pois que tendo em conta a disposição no art.º 20.º do CPAC que prevê a natureza e finalidade do recurso contencioso, que é de mera legalidade e tem por finalidade a anulação dos actos recorridos ou a declaração da sua nulidade ou inexistência jurídica, cremos que o tribunal só pode anular, e não revogar, o acta recorrido nos autos.
   Pelo exposto, parece-nos que o presente recurso, na sua essencialidade, não merece provimento.”
   
   
   Foram apostos vistos pelos juízes-adjuntos.
   
   
   
   2. Fundamentos
   2.1 Foram dados como provados os seguintes factos pelo Tribunal de Segunda Instância:
   “Nos autos n.º 63/FA/DAF/2002, cujos termos corriam nos Serviços de Saúde, o Chefe da SCSG submete ao Director dos Serviços de Saúde o parecer do Chefe do DAF de 19/2/2003, que tinha o seguinte conteúdo: (rectificado oficiosamente por manifesto lapso)
   “Após o seguimento duma inspecção rotina efectuada na farmácia, descobriram que tem executado acções contra normas do Decreto-Lei 58/90/M de 19 de Setembro, incluído: 1) dispensa de medicamentos de PMO sem receita médica pelos operários desta farmácia (três tipos); 2) quantidade em stock de medicamentos psicotrópicos não coincide com o livre de registo (um tipo); 3) embalagens grande de 1000’s comprimidos para dispensa (21 tipos); 4) alteração das instalações; 5) existência de medicamentos expirados (2 tipos); 6) medicamentos expirados não separados (7 tipos); 7) medicamentos importados ilegalmente (2 tipos), por isso, abriram Auto de Notícia n.º 63/FA/DAF/2002 e 63(A)/FA/DAF/2002 respectivamente para o seguimento do caso.
   No procedimento de ser ouvido, o Director Técnico da farmácia entregou carta para explicação sobre o caso que está envolvido contra as normas (ver anexo pág. 16-17 e 28). A explicação foi aceitável e chegou à conclusão de que por causa de deficiência na administração a farmácia efectuou acções contra normas acima referidas.
   Após a verificação dos processos antigos arquivados da farmácia e considerando as opiniões técnicas oferecidas pela equipa de inspecção, propõe ao Superior no tratamento deste caso, estar de acordo com as opiniões referidas pela equipa:
   – Sobre o ponto 1, vender PMO ilegalmente, esta situação indica uma acção contra normas, além disso, conforme os arquivos antigos da farmácia, verificaram que já tiveram antes acções semelhantes, por isso, propõe uma multa de 4000 patacas.
   – Sobre o ponto 2, a explicação sobre o caso de ter um dos tipos de medicamentos psicotrópicas cuja quantidade não coincide com o livro de registo, os inspectores efectuaram mais tarde uma examinação nesta farmácia, e o resultado mostrou que neste momento a situação administrativa sobre medicamentos psicotrópicos melhorou bastante, por isso, esta Divisão acharam que a explicação pode ser aceitável (ver pág. 29-97).
   – Sobre o ponto 3, pelo motivo no arquivo neste Departamento (Divisão) não tem processo, a farmácia foi informado para proibir vender medicamentos de embalagens grandes de 1000’s, por isso, propõe mandar carta para dar aviso à farmácia, e sobre os medicamentos de grandes embalagens devem devolver para o manufactor – e também deve dar castigo de advertência para o manufactor prestar atenção e obedecer as normas (consultar o caso – consultar o despacho de A.N. 55/FA/DAF/DIL/02, ver anexo pág. 107-109). Sobre o caso de abrir os medicamentos empacotados no local, por causa de alteração do seu aspecto, não podendo garantir a sua qualidade, a farmácia é obrigada a entregar os medicamentos referidos para este Departamento para efectuar a destruição.
   – Sobre o ponto 4, o Director Técnico da farmácia respondeu através da carta indicando que as instalações da farmácia foram alterados já 12 anos passados. Considerando o tratamento deste caso inclui trabalhos tecnicamente complicados, por isso, propõe para tratar futuramente juntamente com outras farmácias semelhantes.
   – Sobre o ponto 5, na explicação do Director Técnico indicou a causa da existência de medicamentos expirados, e considerando que a quantidade não é grande (2 tipos), esta Divisão aceita a explicação desta, e propõe a apreensão para destruição.
   – Sobre o ponto 6, os medicamentos expirados no armazém, consideramos um trabalho mal efectuado, conforme a explicação do Director Técnico, por causa da má administração, efectuou acções contra normas.
   – Sobre o ponto 7, a farmácia tem medicamentos não registados, o Director Técnico explicou que estes são amostras postas pelos representantes do manufactor, já 3 anos passados, Os arquivos neste Departamento (Divisão) mostrou, a farmácia referida tinha efectuado acções contra normas semelhantes no ano de 2001. Igualmente casos anteriores, a farmácia não conseguiu fornecer a origem dos documentos originais e os medicamentos estão postos no balcão do aviamento, por isso, aquela explicação no ponto de vista não foi razoável. Mas desta vez, como a quantidade de medicamentos envolvidos nestas acções contra as normas não é muita (2 tipos), por isso propõe uma mínima multa. Pelo motivo de este caso ser a segunda acção contra normas, pagar uma multa total de 3000 patacas.
   Finalmente, sobre as acções contra normas nos pontos 1, 5, 6, 7 acima referidos, mostraram que o farmacêutico B não conseguiu actualizar como responsável do Director Técnico da farmácia. Conforme os arquivos passados, este é a segunda acção contra normas, propõe uma mínima multa de 2000 patacas. O Director Técnico de farmácia tem que entregar uma informação por escrita indicando o trabalho administrativo completa de farmácia (incluído esquema de dispensa de medicamentos), para o melhoramento de administração da farmácia referido e para a protecção da saúde da população.
   Segundo a Lei:
   Conforme o art.º 37.º, art.º 38.º, n.º 1 do art.º 45.º, al. a) do n.º 1 do art.º 46.º, al. b) do n.º 1 do art.º 46.º, al. d) do n.º 1 do art.º 46.º, n.º 1 do art.º 82.º, art.º 84.º, n.º 1 do art.º 93.º do Decreto-Lei n.° 58/90/M de 19 de Setembro e n.º 2 do art.º 6.º, art.º 20.º do Decreto Lei 52/99/M de 4 de Outubro.”

Neste o Director limitou-se a apor “Autorizo”.
Tem o seguinte conteúdo o despacho ora recorrido:
“Despacho
   A e B, interpuseram recurso hierárquico facultativo do “despacho emanado do Departamento dos Assuntos Farmacêuticos”, no Auto de Noticia n.º 63/FA/DAF/2002.
   O art.º 1.º do Decreto-Lei n.º 81/99/M, de 15 de Novembro, determina que os Serviços de Saúde de Macau são uma pessoa colectiva de direito público, dotada de autonomia administrativa, financeira e patrimonial. São, então, uma pessoa colectiva autónoma embora sujeita à tutela do governo, pelo que a admitir-se recurso dos seus actos, o mesmo teria que ser tutelar.
   Os poderes de tutela apenas se limitam e circunscrevem ao âmbito das matérias discriminadas no art.º 2.º do citado diploma legal, ao que acresce que, nenhum dos poderes dessa tutela respeita, por qualquer forma, a matéria relativa ao exercício das profissões e actividades farmacêuticas.
   Do mesmo modo, o Decreto-Lei n.º 58/90/M, de 17 de Setembro, que regula o exercício da profissão e actividade farmacêuticas, bem como a matéria objecto do recurso interposto, não contém qualquer alusão aos poderes de tutela neste domínio.
   Com efeito, semelhante recurso não se encontra de qualquer modo previsto nem na disciplina orgânica dos Serviços de Saúde, consubstanciada no Decreto-Lei n.º 81/99/M, de 15 de Novembro, nem no citado Decreto-Lei n.º 58/90/M, de 17 de Setembro.
   Acresce que ao recorrer-se do auto de notícia n.º 63/FA/DAF/2002, com data de 5 de Agosto de 2002, não só é o mesmo insusceptível de recurso para esta Secretaria como é interposto manifestamente fora do prazo.
   Assim, considero rejeitado o presente recurso, nos termos das disposições conjugadas das al.s a), b) e d) do art.º 160.º do Código do Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 57/99/M, de 11 de Outubro.
   Notifique-se.
   Gabinete do Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, em Macau, aos 16 de Maio de 2003.
   O Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura.
   Chui Sai On.”
   
   
   2.2 Recorribilidade do acto sancionatório
   O recorrente entende que, por força do disposto no art.° 20.°, n.° 3 e 16.° do Decreto-Lei n.° 52/99/M, a norma constante do art.° 81.° do Decreto-Lei n.° 58/90/M foi expressamente revogada na parte relativa à forma de impugnação dos actos aí previstos. Por consequência, de tais actos cabe directamente recurso contencioso para o Tribunal Administrativo.
   Por outro lado, atendendo a natureza dos Serviços de Saúde de ser serviços personalizados, dos seus actos sancionatórios não cabe recurso hierárquico. Tais actos de aplicação e graduação de multas são praticados no uso de competência própria e exclusiva e são contenciosamente impugnáveis.
   
   O exercício da profissão e da actividade farmacêuticas na Região está regulado pelo Decreto-Lei n.° 58/90/M. Aos recorridos foram aplicadas multas por violação dos dispostos nos art.°s 37.° e 46.°, n.° 1, al.s a) e b) deste diploma.
   Dispõe o art.° 81.° do Decreto-Lei n.° 58/90/M:
   “As sanções previstas neste diploma são aplicadas por despacho do director dos Serviços de Saúde, dele cabendo recurso para o Governador a interpor no prazo de quinze dias.”
   Para as decisões do Director dos Serviços de Saúde de aplicação de multa no âmbito deste diploma, estava previsto um recurso para o Governador.
   Os Serviços de Saúde era “um serviço público com nível de direcção de serviços”, dotados de autonomia administrativa, segundo o definido pela sua lei orgânica (art.° 1.°, n.° 2 do Decreto-Lei n.° 7/86/M de 1 de Fevereiro). Assim, o recurso previsto no referido art.° 81.° era um recurso hierárquico necessário.
   Após a vigência do regime experimental previsto no Decreto-Lei n.° 78/90/M de 26 de Dezembro, em que mantinha inalterada a natureza orgânica dos Serviços de Saúde, estes passaram a ser um serviço personalizado, sujeito à tutela do Governador, a partir da entrada em vigor da nova lei orgânica aprovada pelo Decreto-Lei n.° 29/92/M de 8 de Junho (art.°s 1 .° e 2.°) e continua com o mesmo estatuto na actual lei orgânica aprovada pelo Decreto-Lei n.° 81/99/M (art.°s 1 .° e 2.°).
   Mantida a redacção primitiva do art.° 81.° do Decreto-Lei n.° 58/90/M, a personalização dos Serviços de Saúde e a alteração do seu estatuto orgânico tornavam o recurso aí previsto para um recurso tutelar. Além disso, nada obsta a que a lei preveja recursos tutelares necessários.
   Simplesmente, de acordo com o art.° 156.°, n.° 2 do Código do Procedimento Administrativo (CPA) de 1994 ou o art.° 164.°, n.° 2 do CPA de 1999:
   “O recurso tutelar só existe nos casos expressamente previstos por lei e tem, salvo disposição em contrário, carácter facultativo.”
   Na ausência de disposição expressa, o recurso tutelar previsto no art.° 81.° do Decreto-Lei n.° 58/90/M tem carácter facultativo. Logo, pelo menos a partir da entrada em vigor do CPA de 1994, cabia já recurso contencioso das decisões sancionatórias do Director dos Serviços de Saúde.
   
   Entretanto, foi publicado o Regime geral das infracções administrativas e respectivo procedimento definido pelo Decreto-Lei n.° 52/99/M de 4 de Outubro.
   Segundo o seu art.° 2.°, n.° 1:
   “1. Constitui infracção administrativa o facto ilícito que unicamente consista na violação ou na falta de observância de disposições preventivas de leis ou regulamentos, que não tenha a natureza de contravenção e para o qual seja cominada uma sanção administrativa pecuniária denominada multa.”
   As infracções referidas no presente caso consistem na violação de várias disposições constantes do Decreto-Lei n.° 58/90/M, às quais são puníveis com multas que são aplicadas por despacho do Director dos Serviços de Saúde (art.° 81.°). O infractor pode pagar voluntariamente as multas. Caso contrário, estas são logo cobradas por via coerciva, sem necessidade de submeter ao julgamento pelo tribunal (art.° 83.°), o que é diferente do que se prescreve para as contravenções no n.° 1 do art.° 383.° do Código de Processo Penal.
   Daí, tais infracções têm carácter administrativa, sujeitas ao regime das infracções administrativas.
   
   Nos termos do art.° 16.° do Decreto-Lei n.° 52/99/M, “da decisão sancionatória cabe recurso contencioso para o Tribunal Administrativo.”
   Por outro lado, dispõe o art. 20.° do mesmo diploma:
   “1. Sem prejuízo do disposto no n.º 3, os regimes das leis ou regulamentos referidos no n.º 1 do artigo 3.º devem conformar-se com o disposto no presente diploma no prazo de 60 dias.
   2. Decorrido o prazo referido no número anterior, as normas que não se encontrem conformes com o disposto no presente diploma consideram-se revogadas.
   3. São revogadas na data da entrada em vigor do presente diploma as disposições constantes dos regimes referidos no n.º 1 que contrariem o disposto nos artigos 11.º, 12.º, 13.º, 16.º e 17.º.”
   Por contrariar o disposto no art.° 16.° do Decreto-Lei n.° 52/99/M, a norma constante do art.° 81.° do Decreto-Lei n.° 58/90/M na parte respeitante à impugnação do acto de aplicação de sanções foi revogada por força do n.° 2 do referido art.° 20.°.
   Em conclusão, da decisão do Director dos Serviços de Saúde não cabia recurso tutelar para o Chefe do Executivo ou para o Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura.
   
   
   2.3 Consequência da notificação defeituosa da Administração
   O recorrente alega que o cumprimento defeituoso da al. d) do art.° 70.° do CPA não é susceptível de afectar a validade do acto notificado.
   
   Da parte final da notificação da decisão do Director dos Serviços de Saúde aos recorridos consta:
   “Sobre a referida decisão, a V. Ex.ª pode apresentar impugnação destes assuntos perante o Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura no prazo de 15 dias a partir da data de recebimento desta notificação. Passado o prazo, a decisão dos Serviços de Saúde começa a produzir efeitos.”
   
   Segundo o art.° 70.° do CPA de 1999:
   “Da notificação devem constar:
   a) O texto integral do acto administrativo;
   b) A identificação do procedimento administrativo, incluindo a indicação do autor do acto e a data deste;
   c) O órgão competente para apreciar a impugnação do acto e o prazo para esse efeito;
   d) A indicação de o acto ser ou não susceptível de recurso contencioso.”
   
   A razão de ser das al.s c) e d) consiste na obrigação da Administração de dar informação ao destinatário de que se a decisão em causa já é a última palavra da Administração e, no caso negativo, a entidade competente para apreciar o recurso administrativo, bem como o respectivo prazo.
   De facto, na notificação não referiu se da decisão cabia ou não recurso contencioso. Mas, ao indicar nela a possibilidade de recorrer administrativamente, parece dar a entender que do acto ainda não cabia recurso contencioso.
   A Administração deve dar informação correcta aos particulares nas actividades mantidas com estes. Conforme o art.° 9.°, n.° 2 do CPA de 1999, “a Administração Pública é responsável pelas informações prestadas por escrito aos particulares, ainda que não obrigatórias.”
   A propósito da informação errada sobre recursos administrativos:
   “Da identificação errónea, na notificação, do órgão competente para apreciar a impugnação administrativa que se queria deduzir contra o acto notificado, resultam necessariamente consequências jurídicas.
   Por um lado, abre-se novo prazo de impugnação a partir do momento em que o interessado tomou conhecimento oficial de se ter dirigido ao órgão incompetente (ou, então, reporta-se a impugnação que se faça perante o órgão competente, à data da entrada da impugnação errada); por outro lado, a Administração constitui-se, perante os interessados, em responsabilidade pelos prejuízos que para eles daí derivem.”1
   
   No presente caso, face ao erro induzido pela Administração, não é de exigir aos recorridos a tomar iniciativa de saltar logo para a fase contenciosa de impugnação.
   Assim, se os recorridos pretenderem ainda interpor recurso contencioso contra o acto do Director dos Serviços de Saúde com fundamento na sua anulabilidade, o respectivo prazo deve começar a correr só a partir do trânsito do presente acórdão.
   
   
   
   3. Decisão
   Face ao exposto, acordam em julgar procedente o recurso, revogando o acórdão do Tribunal de Segunda Instância e rejeitando o recurso contencioso.
   Custas pelos recorridos neste Tribunal de Última Instância e no Tribunal de Segunda Instância, com a taxa de justiça fixada em 6UC.
   
   
   
   Aos 10 de Junho de 2005.




       Juízes:Chu Kin (Relator)
Viriato Manuel Pinheiro de Lima
Sam Hou Fai
       O Magistrado do Ministério Público presente na conferência:
Augusto Serafim de Basto do Vale e Vasconcelos

1 Mário Esteves de Oliveira e outros, Código do Procedimento Administrativo Comentado, 2ª ed., Almedina, Coimbra, 1997, p. 356 a 357.
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Processo n.° 26 / 2004 24