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Acórdão do Tribunal de Última Instância
da Região Administrativa Especial de Macau




Recurso de decisão jurisdicional em matéria administrativa
N.° 29 / 2005

Recorrente: A
Recorrido: Secretário para a Segurança






1. Relatório
   A recorrente, por si e em representação do seu filho menor B, pediu ao Tribunal de Segunda Instância a concessão da suspensão de eficácia do acto do Secretário para a Segurança de 29 de Junho de 2005 que mantém a decisão do indeferimento do pedido de autorização de permanência do menor na RAEM.
   Por acórdão de 13 de Outubro de 2005 proferido no processo n.º 238/2005-A, o Tribunal de Segunda Instância indeferiu o pedido de suspensão de eficácia do acto administrativo.
   Vem agora a recorrente apresentar o presente recurso jurisdicional perante o Tribunal de Última Instância, formulando as seguintes conclusões das alegações:
   “1. O douto acórdão recorrido, ao ter julgado e fundamentado, como efectivamente julgou e fundamentou, não existir inutilidade superveniente da lide por ter expirado o limite da autorização de permanência mas a criança ainda continuar em Macau, pressupôs uma utilidade, uma vertente positiva ao acto administrativo recorrido e, consequentemente, é ilegal, por pressupor essa vertente positiva e, ao mesmo tempo, indeferir o pedido de suspensão de eficácia do indeferimento do pedido de permanência junto dos pais nos termos do art.º 8.º, n.º 5 da Lei n.º 4/2003 com fundamento exactamente oposto – o de que não há vertente positiva. Violou o art.º 571.º, n.º 1, al. c) do C. Proc. Civil, aqui aplicável ex vi do art.º 149.º, n.º 1 do CPAC;
   2. Tanto no instituto da renovação duma residência temporária (a residentes temporários em virtude de autorização de residência anteriormente concedida por determinado período ou períodos de tempo – art.ºs 14.º e segs. do Regulamento Administrativo n.º 5/2003, maxime art.º 22.º), como no instituto da autorização de permanência de não-residentes (já em situação de permanência legal em virtude de autorização de permanência temporária anteriormente concedida por determinado período ou períodos de tempo, como é o caso da criança dos autos – art.ºs 7.º, n.º 4 e 11.º e segs. do cit Reg Adm) para permanecerem em Macau no agregado familiar de trabalhadores não-residentes pelo tempo em que estes permanecerem, ambos têm como efeito prático a sua continuação em Macau (o primeiro, a título de residência temporária; o segundo, a título de mera permanência);
   3. E o indeferimento de tais autorizações, são actos administrativos de conteúdo negativo mas tendo como efeito concomitante e prático sobre os visados a obrigatoriedade de saída de Macau logo que expirados os referidos períodos autorizados;
   4. Assim, o acto recorrido, ao ter indeferido, quanto a uma criança de 7 anos já em situação de permanência legal nos termos gerais de entrada e permanência (art.ºs 7.º, n.º 4 e 11.º e segs. do Reg. Adm. n.º 5/2003, vulgarmente designada como visto de turista ou visitante), o pedido de permanência da criança pelo tempo que durar a permanência dos pais (a mãe, no caso dos autos), ambos trabalhadores não-residentes em Macau (art.º 8.º, n.º 5 da Lei n.º 4/2003), determina, como efeito jurídico-prático, a obrigatoriedade de saída da criança logo que termine o período de permanência anteriormente autorizada e, consequentemente, tal acto de conteúdo negativo tem vertente positiva, susceptível de suspensão de eficácia ao abrigo dos art.ºs 120.º e 121.º, ambos do Cód. Proc. Adm. Contencioso. O acórdão recorrido violou tais preceitos, por ter decidido o oposto.”
   Pedindo a revogação do acórdão recorrido e decretar a suspensão de eficácia do acto.
   
   O recorrido, nas suas alegações, formulou as seguintes conclusões:
   “1. A recorrente vem alegar que o acto administrativo recorrido possui uma vertente positiva que se analisa na circunstância de o indeferimento da sua pretensão conduzir obrigatoriamente à saída da criança de Macau uma vez expirado o período de permanência autorizada.
   2. A recorrente compara o acto recorrido ao indeferimento da renovação da residência temporária, este pacificamente integrável na categoria de actos de conteúdo negativo mas com uma vertente positiva.
   3. Não podem extrair-se efeitos positivos dos actos administrativos qualquer seja a relação de causa-efeito e conceptual / teórica entre os pretensos efeitos positivos e o acto em si.
   4. Apenas se considera existir uma alteração da situação jurídica e de facto do requerente quando designadamente exista uma situação jurídica preexistente que permita ao interessado criar legítimas expectativas de conservação dos efeitos jurídicos do acto administrativo anterior.
   5. O que faz com que o indeferimento da autorização de permanência e o apontado exemplo do indeferimento da renovação da residência sejam actos essencialmente distintos.
   6. Ao menor em causa nunca antes tinha sido concedida qualquer autorização de permanência do género da que lhe foi indeferida e ora se discute.
   7. A peticionada autorização de permanência só é concedida discricionariamente e verificados especiais requisitos e condições legais, divergindo essencialmente da comum autorização de permanência por 30 dias fixada na lei.
   8. Por isso, no caso vertente, não existe qualquer expectativa jurídica, nem original nem radicada na conservação de uma relação jurídica preexistente.
   9. A saída de Macau a que o menor se encontra obrigado não é, pois, um efeito derivado do acto em apreço, nem com o mesmo possui qualquer relação, antes se devendo, em exclusivo, ao termo da comum autorização de permanência que anteriormente lhe fora concedida.
   10. Havendo assim que considerar que o acto administrativo recorrido é um acto de conteúdo puramente negativo e não possui qualquer vertente positiva, e como tal não susceptível de suspensão de eficácia.”
   Pedindo que seja negado o provimento ao presente recurso jurisdicional.
   
   A Magistrada do Ministério Público junto do Tribunal de Última Instância emitiu o seguinte parecer:
   “Nos presentes autos estamos perante um pedido de suspensão de eficácia dum acto administrativo, que é o despacho proferido em 29-6-2005 pelo Exmo. Senhor Secretário para a Segurança que indeferiu o recurso hierárquico interposto da decisão dos Serviços de Migração da PSP que, por sua vez, indeferiu o pedido de autorização de permanência do menor B.
   Inconformando com o douto acórdão proferido pelo Tribunal de Segunda Instância que indeferiu o seu pedido, vem a recorrente colocar à apreciação deste Alto Tribunal de Última Instância duas questões.
   A primeira prende-se com a alegada violação do disposto no art.º 571.º, n.º 1, al. c) do CPCM, de acordo com o qual é nula a sentença “quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão”.
   Alega a recorrente que existe “contradição na fundamentação e, consequentemente, contradição entre a fundamentação e a decisão”, pois entende que o Tribunal a quo não pode, por um lado, julgar uma eventual utilidade ou inutilidade da lide, o que pressupõe, no seu entender, “uma utilidade, uma vertente positiva” do acto administrativo e, por outro, indeferir o pedido de suspensão de eficácia “com fundamento exactamente oposto – o de que não há vertente positivo”.
   Salvo o devido respeito, não nos parece que tem razão.
   Na realidade, a situação ora em apreciação não se enquadra na previsão da al. c) do n.º 1 do art.º 571.º do CPCM, dado que, tal como a própria recorrente afirma, foi com base na inexistência da vertente positiva do acto negativo em causa é que o Tribunal a quo tomou a decisão recorrida, indeferindo o pedido da recorrente.
   Quanto à consideração tecida pelo Tribunal a quo sobre uma eventual hipótese de inutilidade superveniente da lide, isto não é, a nosso ver e em bom rigor, parte da fundamentação propriamente dita para a decisão que indeferiu o pedido de suspensão de eficácia.
   A segunda questão suscitada no presente recurso reside essencialmente em saber se o acto administrativo em causa apresenta ou não uma vertente positiva, não obstante o seu conteúdo negativo.
   Alega a recorrente que o referido despacho de indeferimento tem vertente positiva e, consequentemente, se trata de acto administrativo de conteúdo negativo com vertente positiva.
   Não nos parece que tal entendimento merece acolhimento.
   Nos termos do art.º 120.º do CPAC, a eficácia de actos administrativos pode ser suspensa quando os actos “tenham conteúdo positivo” ou, “tendo conteúdo negativo, apresentem uma vertente positiva”.
   Daí resulta que, para efeito de suspensão de eficácia, os actos administrativos devem, pelo menos, apresentar uma vertente positiva.
   Como se sabe, são actos negativos aqueles cuja prolação não altera situação jurídica em que se encontrava o interessado.
   Ao contrário dos actos administrativos positivos, que produzem uma alteração da ordem jurídica, “são actos negativos aqueles que consistem na recusa de introduzir uma alteração na ordem jurídica”. (cfr. Prof. Freitas do Amaral, Direito Administrativo, Volume III, pág. 155)
   E os acto administrativos podem ser puramente negativos ou aparentemente negativos.
   Diz-se aparentemente negativo um acto que, apesar de negar o pretendido do interessado, produza efeitos na sua esfera jurídica, modificando a situação jurídica anteriormente já existente.
   Resulta claramente daquela referida norma que, mesmo se tratando dum acto de conteúdo negativo, pode ser suspensa a sua eficácia, desde que tenha uma vertente positiva.
   Daí que, perante um acto de conteúdo negativo, há de analisar se o acto é mesmo puramente negativo ou, antes, com vertente positiva.
   No caso sub judice, o menor B foi autorizado a permanecer em Macau como “visitante” até 27-9-2005.
   Parece nos que, com o indeferimento do pedido de permanência em Macau, não foi introduzida nenhuma alteração na esfera jurídica dos interessados, já que tanto o filho menor como a sua família continuam na mesma situação jurídica em que se encontravam antes da prática do acto, afigurando intocada a sua esfera jurídica.
   É verdade que, com tal indeferimento e a consequente execução do acto administrativo, o menor deve sair de Macau, regressando para Filipinas.
   No entanto, tal não implica nenhuma alteração na sua esfera jurídica nem na esfera jurídica da sua família.
   O que se importa, para se determinar se um acto administrativo é de conteúdo positivo ou negativo e se um acto negativo tem ou não vertente positiva, é a influência, a alteração introduzida pela prolação do acto na esfera jurídica do interessado.
   Tal como afirma a entidade recorrida, “os efeitos positivos dos actos não podem extrair-se de consideração de ordem exclusivamente prática, ... ”.
   Resulta dos autos que, permanecendo em Macau como “visitante”, ao menos em causa nunca foi concedida a autorização de permanência nos termos tal como é pretendido.
   Sempre na qualidade de visitante, que lhe permite permanecer em Macau durante um determinado período, a situação jurídica do menor não sofreu nenhuma modificação com a prolação do acto de indeferimento.
   Daí que entendemos que o acto administrativo em causa deve ser considerado como de conteúdo puramente negativo, sem nenhuma vertente positiva.
   E quanto ao exemplo referido pelo Mmo. Juiz na sua declaração de voto, o acto de indeferimento do pedido de renovação da residência temporária já anteriormente concedida, ora citado pelo recorrente para fundamentar o seu recurso, parece-nos que a situação é diferente do nosso caso concreto, já que, pressupondo o pedido de renovação da residência a anterior autorização da residência, embora temporária, o seu indeferimento implica a alteração da situação jurídica do interessado, até pela perda da qualidade de residente temporário de Macau, alteração esta na qual reside o efeito positivo do respectivo acto de indeferimento.
   
   Pelo exposto, parece nos que se deve julgar improcedente o presente recurso.”
   
   
   Foram apostos vistos pelos juízes-adjuntos.
   
   
   
   2. Fundamentos
   2.1 Contradição entre a fundamentação e a decisão
   A recorrente alega que a parte da fundamentação do acórdão recorrido em relação à inutilidade superveniente da lide está em contradição com a decisão, pois aquela pressupõe uma vertente positiva do acto negativo e esta consiste no indeferimento da suspensão de eficácia por faltar ao acto vertente positiva.
   
   Está em causa o seguinte parágrafo do acórdão recorrido, após a consignação da situação actual do menor de que está numa tolerância de permanência até à decisão do presente pedido:
   “Assim, não se colocando uma eventual hipótese de ‘inutilidade superveniente da lide’ – o que poderia suceder caso o menor já se tivesse ausentado de Macau – vejamos se merece o pedido provimento.”
   Nesta parte preliminar da fundamentação do acórdão recorrido refere apenas a utilidade e prosseguimento do presente processo de suspensão de eficácia do acto, tendo em conta a situação do menor. Daí não se induz qualquer conclusão sobre a posição a tomar pelo tribunal recorrido sobre a natureza do acto, com vertente positiva ou não, aliás nem sequer começou a tecer consideração sobre a questão. Não existe a contradição alegada.
   
   
   2.2 Acto negativo
   A recorrente imputa ao acórdão recorrido a violação dos art.ºs 120.º e 121.º do Código de Processo Administrativo Contencioso (CPAC), sustentando que o acto de indeferimento de autorização de permanência de não-residentes, embora seja acto negativo, tem como efeito positivo e prático sobre o interessado a obrigatoriedade de saída da RAEM logo expirado o prazo autorizado.
   
   De acordo com o art.º 120.º do CPAC, a eficácia do acto administrativo de conteúdo negativo só pode ser suspensa quando apresente uma vertente positiva e a suspensão seja circunscrita a esta vertente.
   O tribunal recorrido considera que o presente acto de indeferimento de autorização de permanência, de que o filho menor da recorrente seja interessado, sendo um acto que indefere uma pretensão constitutiva, constitui o exemplo por excelência do acto negativo em sentido próprio.
   
   Entendemos que o tribunal recorrido tem razão.
   São actos negativos “aqueles que consistem na recusa de introduzir uma alteração na ordem jurídica.”1
   O acto negativo propriamente dito é aquele que deixa a esfera jurídica do interessado inalterada, sem qualquer efeito positivo de natureza secundária ou acessória. São exemplos destes últimos casos os pedidos de prorrogação ou manutenção de situações jurídicas quando legalmente permitidas.
   No caso em apreço, o menor tinha a autorização para permanecer na RAEM como visitante. Apresentou pedido de autorização de permanência como agregado familiar de trabalhador não-residente ao abrigo do n.º 5 do art.º 8.º da Lei n.º 4/2003 (Princípios gerais do regime de entrada, permanência e autorização de residência), objecto do indeferimento do acto em causa.
   Com base neste pedido, o menor pretende constituir uma nova relação jurídica, de fundamento diferente da situação jurídica actual, embora tenham o mesmo efeito prático de poder ficar na RAEM. Por ser uma nova definição da situação jurídica do menor que não existe antes, o acto de indeferimento da autorização de permanência, como acto negativo, não tem vertente positiva.
   Por outro lado, a obrigação de saída do menor não é consequência do indeferimento do presente pedido de suspensão de eficácia do acto, mas sim por ter expirado o prazo de autorização de permanência como visitante.
   Assim, por não existir efeito positivo em sentido jurídico neste acto negativo, a suspensão de eficácia deste acto não pode ser concedida.
   
   
   
   3. Decisão
   Face ao exposto, acordam em julgar improcedente o recurso.
   Custas pela recorrente com 4UC da taxa de justiça, sem prejuízo do apoio judiciário já concedido.
   São fixados em 2500 patacas os honorários ao patrono nomeado da recorrente a pagar pelo GPTUI.
   
   
   
   
   Ao 7 de Dezembro de 2005.




           Juízes:Chu Kin (Relator)
Viriato Manuel Pinheiro de Lima
Sam Hou Fai
A Procuradora-Adjunta presente na conferência:
Song Man Lei
1 Cfr. Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, vol. II, Almedina, Coimbra, 2001, p. 279.
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Processo n.° 29 / 2005 12