Recurso nº 265/2011
Data: 10 de Novembro de 2011
Assuntos: - Falta de fundamentação
- Expressão deficiente
- Deficit de instrução
- Erro nos pressupostos de facto
- Indícios
Sumário
1. A exigência da fundamentação se traduz em requisito formal do acto administrativo, de modo a ser exigível uma fundamentação expressa, clara, suficiente e sem contradição.
2. Qualquer obscuridade ou contradição que se verifica no acto administrativo equiparará à falta de fundamentação.
3. E admissível exprimir uma fundamentação por referência, feita com remissão, mesmo parcial até essencialmente, expressa e inequívoca, de concordância acolhe as razões informadas que passam a constituir parte integrante do acto.
4. Tendo embora a ideia do acto decisivo sido mal expressada, não se dá por relevante este deficiência quando, por um lado do contexto se faz compreender o sentido do acto, por outro a particular não invocou esse deficiência e deu por percebido o sentido da decisão.
5. Não se verifica a falta de fundamentação quando a proposta que integra o acto decisivo afigura-se formalmente fundamentada, embora com expressão sucinta, com a qual o acto final se referiu integralmente.
6. Já se trata do mérito da decisão bem assim a sua correcção, fora da alcance da falta de fundamentação formal, o saber se os fundamentos deste acto são correctos e adequados.
7. Só existe erro nos pressupostos de facto e portanto, violação de lei, quando o órgão dá como verificados factos que realmente não ocorreram, independentemente da vinculação dos pressupostos ou da discricionariedade da escolha dos pressupostos.
8. É um poder discricionário o conferir ou não o estatuto de refugiados nos termos do artigo 20º da Lei 1/2004.
9. Verifica-se um vício de forma quando a entidade recorrida não fazia constar dos autos os elementos fácticos ou indiciários com base dos quais foram os factos consignados por assentes.
10. Quando, por um lado, dos autos não demonstram minimamente os elementos indiciários que comprovam as afirmações tomadas pela entidade recorrida, por outro, o que existe nos autos só os elementos que todos apontam para sentido contrário às confirmações tiradas pela entidade recorrida, verifica-se um deficit de instrução pela forma a poder aferir o erro nos pressupostos de facto.
O Relator,
Choi Mou Pan
Recurso nº 265/2011
Recorrentes: A
B
C–未成年,由父母親A及B代表C– menor, representado pelos seus pais A e B
D–未成年,由父母親A及B代表D– menor, representada pelos seus pais A e B
Entidade Recorrida: Chefe do Executivo da R.A.E.M.(澳門特別行政區行政長官)
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.:
I – Relatório
A e sua mulher, B, por si e na qualidade de legais representantes de suas filhas menores, C e D, todos com domicílio na Rua Dr. Ricardo de Sousa, nº 43, X andar “X”, edif. “Jardim Iat Lai”, Bloco X, em Macau,澳門蘇沙醫生街43號逸麗花園第X座X樓X, mas que indicam para efeitos de notificações o domicílio profissional do seu mandatário judicial sito na Avª de Marciano Baptista, nºs 26-54, Xº andar “X”, edifício “Centro Comercial Chong Fok”, também nesta cidade, vêm interpor, nos termos do disposto no art.º 27º, nº 1, da Lei nº 1/2004, de 23 de Fevereiro, recurso contencioso do Despacho do Senhor Chefe do Executivo, datado de 07 de Junho de 2010, o que fazem nos termos e com os seguintes fundamentos:
I – O Despacho do Senhor Chefe do Executivo, que indeferiu o pedido de concessão do estatuto de refugiados formulado pelos requerentes, encontra-se inquinado dos vícios de:
a) forma, por falta de fundamentação, e;
b) violação de lei, por erro nos pressupostos de facto, ambos geradores de anulabilidade.
II – O Despacho do Senhor Chefe do Executivo limitou-se a concordar com a informação da Comissão para os Refugiados, com um simples “Indefiro o pedido dos requerentes”.
III – A Comissão para os Refugiados elaborou o seu relatório com base em informações que não correspondem à realidade dos factos. Designadamente.
IV – Ao plasmar no seu Relatório que a República Árabe da Síria não discrimina a minoria de etnia Kurda que vive dentro das suas fronteiras, designadamente que lhes garante a nacionalidade Síria, respeita a sua cultura e tradições, e liberdade de deslocação.
V – Tais afirmações, para além de não se encontraram minimamente documentadas no processo instrutor, não correspondem à realidade, nem são corroboradas por Relatórios elaborados por agências da Organização das Nações Unidas (ONU), designadamente o Alto-Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (U.N.H.C.R.) e pelo Gabinete do Alto Comissário para os Direitos Humanos (O.H.C.H.R.).
VI – Outras Organizações Não Governamentais (O.N.Gs.), entre as quais a Human Rights Watch e a Amnesty International, desmentem, de igual modo, a tese defendida pela Comissão dos Refugiados na sua informação do Senhor Chefe do Executivo.
VII – Umas e outras, (agências da ONU) e Organizações Não Governamentais (ONGs.), acusam a República Árabe Síria de perseguições à etnia Kurda, proibindo mesmo o ensino da língua Kurda, e recusando a concessão da nacionalidade Síria às crianças de etnia Kurda nascidas na República Árabe da Síria, política que igualmente adoptam em relação à população Kurda que, fugindo dos conflitos armados Regionais (tal como a guerra no Iraque, procuraram refúgio na República Árabe da Síria.
VIII – A Comissão para os Refugiados, durante os 16 meses que durou a instrução do processo de concessão do estatuto de refugiados aos ora recorrente, não faz quaisquer diligências úteis – pelo menos que constem do processo instrutor – para avaliar a real situação dos ora recorrentes, enquanto alegadas vítimas do regime de Damasco.
IX – A Comissão para os Refugiados afirma na sua informação ao Senhor Chefe do Executivo, que não existe qualquer conexão entre as detenções do requerente e a sua alegada actividade política, consentindo que se conclua, numa superficial análise, tratar-se mais de um caso de delito comum do que de perseguição política, sem que tem há feito quaisquer diligências para aclarar a situação,
X – A Comissão para os Refugiados entendeu rejeitar, sem dar qualquer fundada explicação, a recomendação da representação do Alto-Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, em Hong Kong, que aconselhava a concessão do estatuto de refugiados aos recorrentes.
XI – O Despacho sub Júdice violou a alínea c) do nº 1 do artº 114º do C.P.A.
XII – Violou, igualmente, o nº 2 do artº 115º do mesmo diploma legal.
XIII – Violou, também, os princípios vertidos na Convenção Internacional relativa ao Estatuto de Refugiado.
Requer-se, pois, a notificação da Entidade Recorrida, a fim de responder, querendo, seguindo-se os ulteriores termos.
Requer-se, ainda:
i) seja a Entidade Recorrida notificada para remeter a este Venerando Tribunal o processo instrutor;
ii) sejam requisitados ao Tribunal Administrativo, a fim de serem usados como de meio de prova, os processos que, sob os nºs XXX/10-PICPOC e XXX/10-PICPPC/A, por aquele Tribunal correram termos.
Citada a entidade recorrida, esta contestou, alegando que:
- O objecto do presente recurso é a decisão do Chefe do Executivo, o qual, concordando com a proposta da Comissão para os Refugiados, negou ao recorrente o pedido de reconhecimento do estatuto de refugiado.
- O fundamento alegado pelo recorrente é principalmente a violação da lei resultante da falta de fundamentação, e do erro nos pressupostos fácticos, assim pretendendo a revogação da decisão.
- A fundamentação requer uma exposição concisa dos fundamentos em que se baseia a decisão.
- In casu, a entidade recorrida, concordando com a proposta da Comissão para os Refugiados, negou ao recorrente o pedido de reconhecimento do estatuto de refugiado. Dado que a respectiva proposta faz parte integrante do acto recorrido, os respectivos fundamentos expostos na proposta consideram-se também fundamentos em que se baseia o acto recorrido.
- A respectiva proposta, após uma análise, considerou que o recorrente, por não poder provar ter sido perseguido por motivos elencados na Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados, não preenche os requisitos de reconhecimento do estatuto de refugiado previstos na Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados e no Protocolo relativa ao Estatuto dos Refugiados, motivo pelo qual negou ao recorrente o pedido de reconhecimento do estatuto de refugiado.
- Daí que, a fundamentação do acto recorrido não só existe, como ainda não está padecida de obscuridade, contradição ou insuficiência, sendo completamente percebível para um homem médio com capacidade geral de conhecimento e entendimento.
- E não só. Constata-se através do recurso interposto pelo recorrente que, o mesmo já havia percebido de forma completa o motivo pelo qual viu recusado o seu pedido, e, uma das funções da fundamentação é exactamente facilitar à pessoa atingida pelo acto administrativo a interposição de recurso contencioso, de modo a garantir o efectivo exercício do direito de recurso ao tribunal.
- Por outro lado, é de salientar que, a “fundamentação” não se confunde com os “fundamentos”, na medida em que, aquela é forma do acto administrativo, ao passo que estes são o seu conteúdo e núcleo. Basta existir exposição dos fundamentos de facto e de direito em que se baseia o acto administrativo para considerar cumprido o respectivo dever de fundamentação. Ora, se os fundamentos alegados são correctos, isto já é outra questão.
- O recorrente pode não concordar com os fundamentos em que se baseia a decisão impugnada, mas o que não podem é negar a existência da fundamentação.
- Assim sendo, inexiste o vício de falta de fundamentação alegado pelo recorrente, nem houve violação dos artigos 114.º e 115.º do Código do Procedimento Administrativo.
- Nos termos do artigo 3.º da Lei n.º 1/2004, e, em conjugação com a Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados de 1951 e o Protocolo relativo ao Estatuto dos Refugiados de 1967, refugiado é pessoa quem, “temendo ser perseguida por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas, encontra-se fora do país de sua nacionalidade e que não pode ou, em virtude desse temor, não quer valer-se da protecção desse país, ou que, se não tem nacionalidade encontra-se fora do país no qual tinha sua residência habitual em consequência de tais acontecimentos, não pode ou, devido ao referido temor, não quer voltar a ele”.
- O requerente ao estatuto de refugiado que não quer valer-se da protecção do país da sua nacionalidade, tem que ter como condição o receio de perseguição por motivos justos. Isto é, exige-se ao requerente não só o elemento subjectivo de receio, como ainda o justo motivo desse receio. Ora, o justo motivo pode resultar de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas. Os motivos podem ser vários ou coincidentes.
- O recorrente é curdo proveniente da Síria, dedicando-se principalmente às actividades democráticas e luta pelos direitos dos curdos, e solicitou ao governo da RAEM o reconhecimento do estatuto de refugiado alegando ter sido perseguido pelas autoridades sírias. Todas as situações relativas ao recorrente conhecidas pelas autoridades de Macau foram contadas pelo casal do recorrente, com a excepção da sua nacionalidade, que pode ser comprovada através dos seus passaportes.
- Segundo a narração do recorrente, são seguintes os factos principais:
A partir de 2003, o recorrente vem ganhado atenção das autoridades sírias por ter organizado reuniões dos curdos, e começou a ser alvo de investigação;
Em 2004, por ter participado em manifestação, o recorrente foi expulso de universidade, e posteriormente, por ter divulgado o assunto a organização de direitos humanos, foi detido por policiais durante 20 dias, em que recebeu tratamentos desumanos;
Mais tarde, o recorrente aderiu a uma organização de direitos humanos, dedicando-se à luta pela democracia e liberdade da Síria, e por causa disso, foi detido duas vezes, respectivamente em Abril e Maio, cada uma das quais durou 20 dias, tendo sido mal tratado durante a detenção. E da última vez, ele conseguiu a libertação só depois de praticar um suborno.
Em Junho de 2007, abandonou a Síria por causa do receio resultante da condenação de um amigo seu.
Depois de ele ter abandonado o país, a mulher da recorrente vem sendo frequentemente perturbado por causa dele.
- O Manual de procedimento e Critérios a Aplicar para Determinar o Estatuto de Refugiado, elaborado pelo Comité Executivo do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados indica o seguinte: “o simples facto de pertencer a certo grupo racial não é suficiente para fundamentar o pedido do estatuto de refugiado. No entanto, pode haver situações em que, devido a circunstâncias particulares que afectam o grupo, o facto de o integrar pode, por si só, ser suficiente para justificar o receio de perseguição”.
- Diz o mesmo Manual que, “Em muitas sociedades existem, de facto, em maior ou menor grau, diferenças de tratamento dos vários grupos. As pessoas que, por esse facto, recebem um tratamento menos favorável não são necessariamente vítimas de perseguição. Só em determinadas circunstâncias é que a discriminação equivale a perseguição. Será assim, se as medidas discriminatórias tiverem consequências gravemente prejudiciais para a pessoa em causa, por exemplo, sérias restrições ao seu direito de exercer uma profissão, de praticar a sua religião, ou de acesso aos estabelecimentos de ensino normalmente abertos a todos.”
- Examinadas as circunstâncias concretas do presente caso, o recorrente goza do direito de cidadão; recebeu ensino superior (estudou em Damascus); tem a sua companhia, que se dedica ao turismo, prestação de informações de estudos no estrangeiro e remissões bancárias, possuindo várias sucursais dispersadas em diversas localidades; tem mulher e filho; tem liberdade de entrar e sair do país, chegando a viajar até ao Líbano, Egipto, Iraque, Turquia e China, especialmente em 2007, quando “fugiu” da Síria, até saiu normalmente do país via aeroporto com o seu passaporte, sem qualquer obstáculo, sendo que a sua mulher e filho também saíram do país com passaportes.
- Por isso, não se vê que o recorrente tenha sido perseguido de forma alguma por motivos do seu estatuto de curdo, de raça ou de nação.
- “O facto de ter opiniões políticas diferentes do Governo não é, por si só, motivo para pedir o estatuto de refugiado e o requerente tem de mostrar que receia a perseguição por ter essas opiniões. Isto pressupõe que o requerente tem opiniões não toleradas pelas autoridades porque são críticas às suas políticas ou aos seus métodos. Também pressupõe que as autoridades conhecem essas opiniões ou que as atribuem ao requerente.” (O Manual de procedimento e Critérios a Aplicar para Determinar o Estatuto de Refugiado)
- Em relação ao facto de ter sido condenado três vezes, o recorrente não apresentou qualquer prova, e mesmo que fosse verdadeiro, não se podia afirmar com certeza que foi por causa da luta pela democracia e liberdade, ou pelos direitos dos curdos.
- Não ficou provado que o recorrente não fosse tolerado pelas autoridades sírias por causa das suas opiniões políticas porventura diferentes do Governo.
- É por isso que a Comissão para os Refugiados concluiu que o recorrente não foi perseguido por causa das suas opiniões políticas.
- Wang Tieya afirma, no livro Direito Internacional de sua autoria, que “a Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados considera o temor pela perseguição como condição básica da aquisição do estatuto de refugiado, ao mesmo tempo que determina que este temor não pode putativo ou fictício, devendo ser provados por factos objectivos, e suportados por razões justas”.
- De acordo com O Manual de procedimento e Critérios a Aplicar para Determinar o Estatuto de Refugiado, elaborado pelo Comité Executivo do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, a determinação do estatuto de refugiado começa pela apreciação objectiva das declarações do requerente, e não das situações do país da sua nacionalidade. É por isso que muitos países exigem ao requerente ao estatuto de refugiado o fornecimento de provas verdadeiras de perseguição.
- É óbvio que, a mera descrição de que é um fenómeno normal no país da nacionalidade do recorrente a falta de liberdade e a possibilidade de violação de direitos humanos é insusceptível de provar a existência de perseguição por não haver correspondência entre o fenómeno alegado e a situação concreta do recorrente. Pelo contrário, o recorrente obriga-se a fornecer suficientes provas firmes para provar que ele próprio chegou a ser perseguido, ou que existe essa possibilidade no futuro. Senão, isto não equivaleria a dizer que todos os curdos que se encontram a residir na Síria são refugiados?
- É verdade que a proposta do Comité Executivo do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados tem valor de referência para o Governo da RAEM, mas não tem valor vinculativo.
- A frase que consta do acto recorrido de que “depois de ter consultado a opinião do Comissariado do Ministério dos Negócios Estrangeiros na RAEM” é uma mera referência, o que não constitui fundamento em que se baseia o despacho, tal como o relatório do Comité Executivo do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados.
- Assim, não tendo satisfeito os requisitos de refugiado previstos na Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados e no Protocolo relativa ao Estatuto dos Refugiados, o recorrente viu o seu pedido de reconhecimento recusado, pelo que, não existe vício de erro nos pressupostos fácticos.
Pelos acima expostos, e não estando o acto recorrido padecido de qualquer vício, vem solicitar ao Mm.º Juiz que julgue pela improcedência do recurso, e que mantenha o acto recorrido.
A título das alegações facultativas, vieram apenas os recorrentes alegar nos seguintes termos:
I – O Despacho do Senhor Chefe do Executivo, que indeferiu o pedido de concessão do estatuto de refugiados formulado pelos requerente, encontra-se inquinado dos vícios de:
a) forma, por falte de fundamentação; e
b) violação de lei, por erro nos pressupostos de facto, ambos geradores da sua anulabilidade.
II – O Despacho do Senhor Chefe do Executivo limitou-se a concordar com a informação da Comissão para os Refugiados, com um simples “Indefiro o pedido dos requerentes”.
III – A Comissão para os Refugiados elaborou o seu relatório com base em informações que não correspondem à realidade dos factos. Designadamente.
IV – Ao plasmar no seu Relatório que a República Árabe da Síria não discrimina a minoria de etnia Kurda que vive dentro das suas fronteiras, designadamente que lhes garante a nacionalidade Síria, respeita a sua cultura e tradições, e liberdade de deslocação.
V – Tais afirmações, para além de não se encontraram minimamente documentadas no processo instrutor, não correspondem à realidade, nem são corroboradas por Relatórios elaborados por agências da Organização das Nações Unidas (ONU), designadamente o Alto-Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (U.N.H.C.R.) e pelo Gabinete do Alto Comissário para os Direitos Humanos (O.H.C.H.R.). Designadamente.
VI – O relatórios, de fls. 47 a 52 do processo instrutor, do Alto-Comissariado da Organização das Nações Unidas para os Refugiados, agência especializada da ONU nesta matéria, com mais de 60 (sessenta) anos de actividade nesta área, expressamente reconhece a existência, na República Árabe Síria, de práticas discriminatórias governamentais contra a etnia Kurda, entre muitas outras a proibição dos estudantes Kurdos de estudarem na sua própria língua.
VII – O relatório referido na antecedente conclusão considera que os ora recorrentes preenchem os requisitos previstos na Convenção Internacional relativa ao Estatuto de refugiado, também conhecida por Convenção de Genebra de 1951.
VIII – Tal relatório recomenda que seja reconhecido aos ora recorrentes o estatuto de refugiados, dado reunirem as condições para tal, mormente as previstas no artº 1-A da Convenção de 1951 e do Protocolo de 1967.
IX – Outras Organizações Não Governamentais (O.N.Gs), entre as quais a Human Rights Watch e a Amnesty International, desmentem, de igual modo, a tese defendida pela Comissão dos Refugiados na sua informação ao Senhor Chefe do Executivo.
X – Umas e outras, agências da ONU e Organizações Não Governamentais (O.N.Gs.), acusam a República Árabe Síria de perseguições à etnia Kurda, proibindo mesmo o ensino da língua Kurda, e recusando a concessão da nacionalidade Síria às crianças de etnia Kurda nascidas na República Árabe da Síria, política que igualmente adoptam em relação à população Kurda que, fugindo dos conflitos armados Regionais (tal como a guerra no Iraque), procuraram refúgio na República Árabe da Síria.
XI – A Comissão para os Refugiados, durante os 16 meses que durou a instrução do processo de concessão do estatuto de refugiados aos ora recorrentes, não fez quaisquer dilig6encias úteis – pelo menos que constem do processo instrutor – para avaliar a real situação dos ora recorrentes, enquanto alegadas vítimas do regime de Damasco.
XII – A Comissão para os Refugiados afirma na sua informação ao Senhor Chefe do Executivo, que não existe qualquer conexão entre as detenções do requerente e a sua alegada actividade política, consentindo que se conclua, numa superficial análise, tratar-se mais de um caso de delito comum do que de perseguição política, sem que tenha feito quaisquer diligências para aclarar a situação.
XIII – Nenhum País, que seja do conhecimento dos recorrentes, publica listas das pessoas que são perseguidas, politicamente, pelo regime, sendo que só um número restrito de situações chegam ao domínio público, dada a sua notoriedade.
XIV – A Comissão para os Refugiados entendeu rejeitar, sem dar qualquer fundada explicação, a recomendação da representação do Alto-Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, em Hong Kong, que aconselhava a concessão do estatuto de refugiados aos recorrentes.
XV – Os acontecimentos que vêm ocorrendo na República Árabe Síria nos últimos 4 (quatro) meses – de finais de Abril a meados de Agosto de 2011 – só acabam por confirmar a razão dos recorrentes quanto pediram que lhes fosse concedido o estatuto de refugiado.
XVI – As diversas organizações internacionais (incluindo as O.N.Gs.), no conjunto das quais se inclui o Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas, a própria Liga Árabe, e mesmo países árabes politicamente conservadores, como é o caso do Reino da Arábia Saudita (que já fez regressar a Riyadh o seu embaixador em Damasco e condenou as autoridades Sírias pela carnificina que nesse País está a ocorrer), têm vindo a expressar, para além de viva preocupação com a violência que as autoridades Sírias vêm praticando sobre a sua população civil, forte condenação da mesma, dado assumirem a natureza de crimes contra a humanidade tal como se encontram definidos no artº 7º, parágrafo 1º, alíneas (a), (e), (f), (h) e (k) do Estatuto de Roma, assinado em 17 de Julho de 1998, com entrada em vigor em 1 de Julho de 2002, e que criou o Tribunal Criminal Internacional, de que a República Árabe Síria é Estado signatário.
XVII – O Despacho sub Júdice violou a alínea c) do nº 1, do artº 114º do C.P.A.
XVIII – Violou, igualmente, o nº 2 do artº 115º do mesmo diploma legal.
XIX – Violou, também, os princípios vertidos na Convenção Internacional relativa ao Estatuto de Refugiado, também conhecido por Convenção de Genebra de 1951, designadamente os de asilo político e de protecção a estrangeiros perseguidos.
XX – Viola, ainda, com a extradição dos recorrentes para a República Árabe Síria pela não concessão do estatuto de refugiados, o direito à vida, o direito a não ser sujeito a tortura, nem a pena ou tratamentos cruéis, inumanos ou degradantes, o direito à igualdade perante a lei e a um julgamento justo, e o direito à liberdade de associação, previstos nos artºs 6º, 7º, 14º e 22º, respectivamente, do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, em vigor em Macau.
Nestes termos,
Nos mais de Direito, e sempre com o douto suprimento de V. Exªs., deverá ser concedido provimento ao presente recurso e, consequentemente, anular-se o despacho recorrido com base em vício de forma, por falta de fundamentação, e em vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto, com todas as legais consequências.
O Digno Magistrado do Ministério Público deu o seu douto parecer que se transcreve a seguir:
“Na petição e nas alegações, o recorrente assacou ao acto recorrido o vício de foram por falta de fundamentação, traduzida em infringir a c) do nº 1 do art. 114º e nº 2 do art. 115º do CPA, e ainda o de violação de lei erro nos pressupostos de facto.
Sem prejuízo do respeito pela opinião diferente, afigura-se-nos que não merecerá provimento o presente recurso.
No caso sub judicie, exarado na Proposta submetida pela Comissão para os Refugiados (doc. de fls. 29 a 31 dos autos), Sua Exª. Sr Chefe do Executivo despachou《同意不承認A、其妻子B及兩名女兒C、D之難民地位的申請。》
Nos termos do art. 115º nº 1 do CPA, a expressa declaração de concordância (同意) implica que aquela Proposta constitui parte integrante do despacho recorrido.
Na dita Proposta, a Comissão para os Refugiados concluiu:
本委員會經詳細分析申請人原籍國的背景資料、聯合國駐香港辦事處的評估報告書及諮詢中國外交部駐澳門特派員公署的意見後,在尊重聯合國難民署駐香港辦事處的評估報告書的前提下,得出以下結論:
- 根據有關資料顯示庫爾德人散居在土耳其、伊朗、伊拉克、敘利亞邊界一帶。由於他們謀求民族獨立、謀求建立一個獨立的庫爾德斯坦,因此受到土耳其、伊朗、伊拉克各國政府的鎮壓。但敘利亞比較同情庫爾德人。庫爾德人在敘利亞生活得比較自由、享受了敘利亞民族平等政策的實惠。資料顯示,沒有發現敘利亞以國家名義對庫爾德族人作出嚴重打壓的事件,反而鄰近的國家,如土耳其及伊拉克則存有以國家名義打壓庫爾德族人的行為。
- 申請人A在敘利亞能正常地生活,擁有普通市民的公民權,當中包括:讀書、服兵役、結婚、經商及出入境的自由等等,未能看出申請人已被該國政府限制人身自由或成政治或宗教迫害的目標。
- 申請人在面談中聲稱曾被警察當局拘留三次,原因是爭取庫爾德人自由被入獄,但未提出相關之證明文件。另一方面,基於每個國家均有其司法制度,即使上述事件真的發生,仍不能肯定申請人被拘留與參與庫爾德人獨立或政治活動有關。
- 關於難民地位公約難民議定書要求,取得難民身份的人不僅應存在畏懼迫害的主觀因素,還要求存在畏懼害怕的正當理由。
經各委員討論及評估後,認為申請人提出以種族或爭取民主作為申請難民資格的理由,缺乏基本的證明文件支持,且可信性較低。因此,可以認定申請人在主觀上存在畏懼迫害,並且畏懼迫害的理由屬不正當,不符合難民地位公約及難民議定書所定的取得難民身份的條件。各委員均同意否決其難民資格之申請。
綜上所述,本委員會於2010年5月19日舉行的會議中進行了投票表決,所有委員會均贊成不批准上述人士的申請,並做出決議,建議行政長官閣下根據第1/2004號法律20條規定,作出不承認申請人A難民地位的決定,並且根據第31條第1款的規定,其妻子B,及兩名女兒C、D相同決定。
Vê-se que a Proposta demonstra nitidamente os seus fundamentos de factos (缺乏基本的證明文件支持,且可信性較低), e os de direito (不符合難民地位公約及難民議定書所定的取得難民身份的條件)。
De entre as abundantes doutrinas a jurisprudências acerca do dever de fundamentação, vale in casu ter presente (Acórdão do TSI no Processo nº 663/2009):
- Não se deve confundir a falta de fundamentação com a falta de fundamentos; a primeira refere-se à forma do acto e a segunda refere-se ao seu conteúdo.
- O dever de fundamentação cumpre-se desde que exista “uma exposição das razões de facto e de direito que determinaram a prática do acto, independente da exactidão ou correcção dos fundamentos invocados.”
- A questão de saber se os fundamentos do acto recorrido estão correctos ou não, já é uma questão de fundo.
De outro lado, importa ainda lembrar que (Acórdão do TSI no Processo nº 509/2009): Na fundamentação de direito dos actos administrativos não se torna necessária a referência expressa aos preceitos legais, bastando a indicação da doutrina legal ou dos princípios em que o acto se baseia e desde que ao destinatário do acto seja fácil intuir qual o regime concreto aplicável.
Sendo assim, o teor da citada Proposta dá-nos a entender que não se verifica o invocado vício de forma por falta de fundamentação.
*
O art. 2º nº 1 da Lei nº 1/2004 determina: A Convenção, o Protocolo e a presente lei são tidos e interpretados em conjunto. Quer dizer que os três formam uma unidade de normas.
Por sua vez, o art. 3º desta Lei remete a definição da elegibilidade de “refugiado” à Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados, ao Protocolo relativo ao Estatuto dos Refugiados e ainda ao ACNUR.
Ao abrigo dos nº 2 do art. 1º do Protocolo e o §(2) da Secção-A do art. 1º da Convenção, pode-se afirmar que é susceptível de ser concedido o estatuto de refugiado, na RAEM, quem, receando com razão ser perseguida em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, filiação em certo grupo social ou das suas opinião políticas, se encontre fora do país de que tem nacionalidade e não possa ou, em virtude desse receio, não queira pedir a protecção daquele país; ou que, se não tiver a nacionalidade e estiver fora do país no qual tinha a sua residência habitual, não possa ou, em virtude do dito receio, não queira voltar.
Comparando e ponderando, apercebemo-nos que a disposição bem como a axiologia do §(2) da Secção-A do art. 1º da Convenção encontram o pleno acolhimento nos nºs 2 e 3 do art. 1º da Lei nº 15/98 de 26/03 (Lei de Asilo) de Portugal. O que justifica e aconselha que atendamos, como dados do Direito Comparado, às considerações expendidas pelo STA de Portugal na interpretação e aplicação da Lei nº 15/98.
Tomando como ponto de partida a jurisprudência consolidada do STA (por ex., Acórdãos nos Processos nº 0151/03 e 01397-04=, tenhamos por certo, em primeiro lugar, que cabe ao requerente do estatuto de refugiado o ónus de prova – impendendo-lhe provar o preenchimento dos requisitos para a concessão do estatuto de refugiado.
E, quanto ao sentido das palavras “recendo com razão” surgida no §(2) da Secção-A do art. 1º da Convenção, lembramos que o STA tem entendido reiteradamente que o receio com razão ou com fundamento não pode reduzir-se a uma mera “condição subjectiva” (estado de espírito) do interessado, tendo antes de corresponder a uma situação ou realidade fáctica de carácter objectivo, normalmente geradora de tal receio, na perspectiva da valorização do homem médio.
No caso sub judice, a própria Proposta da Comissão para os Refugiados mostra que o indeferimento de concessão do estatuto de refugiado se baseia no juízo de que o fundamento invocado pelo recorrente carece de suporte documental básico e se apresenta pouca credibilidade (缺乏基本的證明文件支持,且可信性較低).
De facto, o《Sub-Office Hong Kong of United Nations High Commissioner for Refugees》deu Recomendação favorável, dizendo: In light of the foregoing assessment, it is recommended that the Applicant meets the criteria set out in Art. 1A of the 1951 Convention relating to the Status of Refugees and its 1967 Protocol, and should be recognized as a refugee. (doc. de fls. 48 a 52 do P.A).
Contudo, não esqueçam que se fundou estritamente e apenas na declaração do recorrente tal Recomendação do《Sub-Office Hong Kong of United Nations High Com-missioner for Refugees》, sem outra prova capaz de abonar a declaração do recorrente.
Com efeito, não se encontra, no P.A., documento apresentado pelo ora recorrente, para demonstrar convincentemente que ele tivesse efectivamente sido alvo de perseguição ou ameaça grave, em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, filiação em certo grupo social ou das suas opiniões políticas.
Deste modo, parece-nos que não se verifica o invocado erro nos pressupostos de factos.
Por tudo o exposto, entendemos que se deverá negar provimento ao presente recurso.”
Cumpre conhecer.
Foram colhidos os vistos legais.
II. Pressupostos Processuais
Este Tribunal é o competente.
As partes são dotadas às personalidades e capacidades judiciárias e mostram-se legítimas.
As partes são regularmente patrocinadas.
Não há questões-prévias e outras nulidades que cumprem conhecer.
III. Fundamentação
O acto recorrido o Chefe do Executivo, a Sua Excelência, teve com base nos seguintes os fundamentos essenciais, com a versão chinesa, constantes da proposta da Comissão para os Refugiados da RAEM:
“本委員會經詳細分析申請人原籍圓的背景資料、聯合國難民署駐香港辨事處的評估報告書及諮詢中國外交部駐澳門特派員公署的意見後,在尊重聯合國難民署駐香港辦事處的評估報告書的前提下,得出以下結論:
- 根據資料顯示庫爾德人散居在土耳其、伊朗、伊拉克、敘利亞邊界一帶。由於他們謀求民族獨立、謀求建立一個獨立的庫爾德斯坦,因此受到土耳其、伊朗、伊拉克各國政府的鎮壓。但敘利亞比較同情庫爾德人。庫爾德人在敘利亞生活得比較自由、享受了敘利亞民族平等政策的實惠。資料顯示,沒有發現敘利亞以國家名義對庫爾德族人作出嚴重打壓的事件,反而鄰近的國家,如土耳其及伊拉克則存有以國家名義打壓庫爾德族人的行為。
- 申請人A在敘利亞能正常地生活,擁有普通市民的公民權,當中包括:讀書、服兵役、結婚、經商及出入境的自由等等,未能看出申請人已被該國政府限制人身自由或成政治或宗教迫害的目標。
- 申請人在面談中聲稱曾被警察當局拘留三次,原因是爭取庫爾德人自由而被入獄,但未提出相關之證明文件。另一方面,基於每個國家均有其司法制度,即使上述事件真有發生,仍不能肯定申請人被拘留與參與庫爾德人獨立或政治活動有關。
經各委員討論及評估後,認為申請人提出以種族或爭取民主作為申請難民資格的理由,缺乏基本的證明文件支持,且可信性較低。因此,可以認定申請人提出的一旦返國會被迫害之客觀理據不足,並且畏懼迫害的理由也不充份及不可信。
按承認及喪失難民地位制度的第1/2004號法律第3條1款規定,根據《關於難民地位的公約》及《關於難民地位的議定書》的規定屬難民者,可在澳門特別行政區獲承認為難民。根據上指公約及議定書,難民係指有正當理由畏懼由於其種族、宗教、國籍、政治見解或屬於某一特殊團體受到迫害,因而逃離其本國。經過考慮申請人夫婦所述之事實及理由,及對於此所作出的分析,我們認為,其情況不致構成因種族或爭取民主而遭受迫害,其擔心受到迫害亦沒有足夠的證據,因此不符合上指難民的定義。
綜上所述,本委員會於2010年5月19日舉行的會議中進行了投票表決,所有委員均贊成不批准上述人士的申請,並做出決議,建議行政長官閣下根據第1/2004號法律第20條規定,作出不承認申請人A難民地位的決定,並且根據第31條第1款的規定,對其妻子B及兩名女兒C、D作出相同決定。
以上建議呈行政長官閣下考慮。
E decidiu nos seguintes termos:
“同意不承認A、其妻子B及兩名女兒C、D之難民地位的申請。
行政長官 ......”
Os recorrentes impugnaram o acto pelos dois vícios, um formal por falta da fundamentação e outro substancial por erro nos pressupostos de facto.
Vejamos.
Quanto ao dever de fundamentação imposto ao acto administrativo que se encontra previsto no artigo 114° e 115° do CPA, podemos afirmar que esta exigência da fundamentação se traduz em requisito formal do acto administrativo, de modo a ser exigível uma fundamentação expressa, clara, suficiente e sem contradição.1
A fundamentação assume uma dimensão formal e autónoma relativamente aos verdadeiros fundamentos da decisão: a fundamentação é um “requisito de forma” e os fundamentos são um “requisito de fundo” ou “requisito substancial”. O legislador ao impor a fundamentação expressa e suficiente de alguns dos seus actos, afastou-se destas opiniões substancialistas, optando, sem quaisquer equívocos, por uma construção formalista, que dá relevância autónoma ao dever formal de fundamentação.2
Qualquer obscuridade ou contradição que se verifica no acto administrativo equiparará à falta de fundamentação, nos termos do artigo 115° n° 2 do mesmo CPA.
Noutra banda, é admissível exprimir uma fundamentação por referência, feita com remissão, mesmo parcial até essencialmente, expressa e inequívoca, de concordância acolhe as razões informadas que passam a constituir parte integrante do acto, nos termos do artigo 115º nº 1 do CPA.
A fundamentação incorporadora de uma informação e uma proposta, chama a si os argumentos que justificam e motivam o acto impulsionador.
E havendo uma linha sequente da informação e proposta, sucessivamente incorporados, tudo se passa como se o autor do acto administrativo final tivesse produzido toda aquela argumentação antes expressa, assim criando a decisão administrativa, assim de modo a poder através dela conhecer-se o iter lógico jurídico que culminou com a decisão.3
In casu, o próprio acto recorrido tem, tal como acima transcrito, o seguinte teor em chinês:
“同意不承認A、其妻子B及兩名女兒C、D之難民地位的申請” (Esta palavra traduzir-se-á, literalmente, em português o seguinte: “Concordo em não conhecer o requerimento do estatuto de refugiados A, a sua mulher B e duas filhas C、D”).
É muito infeliz a expressão do acto ora recorrido, quer ao nível gramatical da língua chinesa quer ao nível da alcance do mesmo acto decisivo, pois, a primeira ideia que resulta desta expressão é o sentido de que a entidade recorrida se abstém de conferir o pedido da concessão do estatuto de refugiados dos recorrente.
Contudo, dentro do todo o contexto (os termos processados, a proposta e a decisão), pode concluir-se que a entidade recorrida pretendia, na realidade, expressar a concordância com a propposta no sentido de não conferir o estatuto de refugiados dos requerentes.
E, como os recorrentes não invocaram esta deficiência da expressão do acto e deu por ser percebido o sentido da decisão, apesar da impugnação pela obscuridade e contradição da decisão, com base noutros fundamentos (por erro nos pressupostos de factos, questão esta que adiante se apreciará), tendo compreendido o sentido do acto de indeferimento.
Para já, quanto à questão de fundo, a proposta que integra o acto decisivo afigura-se formalmente fundamentada, embora com expressão sucinta, com a qual o acto final se referiu integralmente, não se verifica a falta de fundamentação e já se trata do mérito da decisão bem assim a sua correcção, fora da alcance da falta de fundamentação formal, o saber se os fundamentos deste acto são correctos e adequados.
Assim sendo é improceder o recurso nesta parte.
Quanto à segunda parte do recurso, acerca dos erros nos pressupostos de factos, vejamos.
Sabemos que só existe erro nos pressupostos de facto e portanto, violação de lei, quando o órgão dá como verificados factos que realmente não ocorreram, independentemente da vinculação dos pressupostos ou da discricionariedade da escolha dos pressupostos.4
E este erro só se afigura relevante no plano da actividade discricionária, ou seja, quando os pressupostos são de escolha discricionária.5
Entende o Prof. Marcello Caetano que o erro consiste numa deformação da realidade proveniente da ignorância, ou do conhecimento defeituoso, dos factos ou do direito. O erro de direito pode respeitar: à lei a aplicar, ao sentido da lei aplicada ou à qualificação jurídica dos factos, enquanto o erro de facto incide sobre as pessoas, coisas, situações ou circunstâncias a que a vontade se refere: pode ser erro na motivação ou erro sobre o objecto, compreendendo o conhecimento erróneo dos pressupostos.6
O Professor tem apoiado a jurisprudência do STA que firmou no sentido de que tanto o erro na interpretação ou indevida aplicação da regra de direito (erro de direito) como o erro baseado em factos materialmente inexistentes ou apreciados erroneamente (erro de facto) entram no vício de violação de lei.7
A causa do acto administrativo não é uma relação de adequação entre os pressupostos e o objecto, mas a própria razão da decisão nele contida. Por isso se identifica com os motivos determinantes. O problema mais delicado é o erro de facto nos pressupostos escolhidos livremente, i.e. sem submissão à lei, pelo órgão que toma uma decisão discricionária. Para se admitir a ilegalidade nesse caso tem de entender-se que está implícita na lei ou constitui princípio geral de direito a norma segundo a qual os factos que sirvam de causa de um acto administrativo devem sempre ser verdadeiros. Assim sendo, se os poderes exercidos forem discricionários teremos ainda de admitir que a lei é violada, na medida em que ela pressupõe sempre a actuar uma vontade esclarecida por motivos exactos. A ideia falsa sobre os factos em que se fundamenta a decisão traduz violação de lei na medida em que esta confere os poderes discricionários para serem exercidos dada a existência de certas circunstâncias ou de circunstâncias cuja apreciação conduz o agente a optar, entre várias decisões possíveis, pela que considere mais adequada à realização do fim legal. Se estas afinal não existem nos termos supostos, a lei foi violada no seu espírito.8
In casu, conferir ou não o estatuto de refugiados é um poder discricionário conferido ao Governo da RAEM, nos termos do artigo 20º da Lei nº 1/2004.
A decisão de indeferimento tinha essencialmente com base nos seguintes elementos fácticos:
- Ao contrário aos Governos Turco, Irónico e Iraquiano, o Governo Sírio tem simpatia a minoria de etnia Kurda, podendo sempre esta em Síria viver livremente, beneficiando da Política da igualdade entre as nacionalidades.
- Não se demonstra qualquer indício de que a própria Síria, em nome do País, tem estender discriminações e repressões sobre a minoria de etnia Kurda.
- O requerente A vivia normalmente na Síria, e tem sempre direitos cívicos como um cidadão comum, podendo estudar, prestar serviço militar, contrair casamento, explorar negócios e migrar livremente, razão pela qual não se demonstra que o próprio requerente tinha sido algo de limitação da liberdade de pessoa ou objecto de discriminação e repressão política ou religiosa.
- O requerente não apresentou qualquer documento comprovativo do facto de ter sido preso, por três vezes, pelo facto de lutar para a liberdade a minoria de etnia Kurda, factos esses que ele declarou quando prestou declaração junto da autoridade policial.
Os recorrentes entendeu que as afirmações acima referidas, para além de não se encontraram minimamente documentadas no processo instrutor, não correspondem à realidade, nem são corroboradas por Relatórios elaborados por agências da Organização das Nações Unidas (ONU), designadamente o Alto-Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (U.N.H.C.R.) e pelo Gabinete do Alto Comissário para os Direitos Humanos (O.H.C.H.R.).
No fundo, o que se verifica é que a decisão foi tomada com base em pressupostos cuja base probatória é o Relatório da Agência para os Refugiados das Nações Unidas em Hong Kong e a audição da Delegação dos Negócios Estrangeiros da República Popular da China na RAEM.
Destes dois elementos só o primeiro consta dos autos e esse relatório vai exactamente em sentido contrário à matéria de facto que a Administração deu como assente.
Fica-se assim sem saber em que elementos probatórios se baseou a entidade recorrida para concluir como concluiu, sendo que nem sequer se apuraram os elementos que estiveram na base do Relatório da Agência para Refugiados das Nações Unidas em Hong Kong, o que constitui um deficit de instrução.
Verifica-se, assim, uma contradição entre os elementos probatórios existentes nos autos e factos assentes, ficando por saber em que elementos a Administração se fundou de forma a poder-se aferir do eventual erro nos pressupostos de facto, como os recorrentes invocaram (na medida em que não está demonstrado nos autos que os motivos de facto invocados na motivação sejam inexactos).
Nesta conformidade, determina-se a anulação do acto recorrido.
Ponderado resta decidir.
Acordam neste Tribunal de Segunda Instância em conceder provimento ao recurso contencioso, e em consequência anular o acto recorrido.
Sem custas.
RAEM, aos 10 de Novembro de 2011
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Choi Mou Pan
(Relator)
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João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira
(Primeiro Juiz-Adjunto)
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Ho Wai Neng
(Segundo Juiz-Adjunto)
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Vitor Manuel Carvalho Coelho
(Magistrado do M.oP.o) (Presente)
1 Vide nosso acórdão entre outro, o de 20 de Janeiro de 2005 do processo n° 121/2004.
2 Lino J. B. R. Ribeiro e J. Cândido de Pinha, Código do Procedimento Administrativo de Macau, anotado e comentado, Fundação de Macau e SAFP, 1998, p. 637.
3 Cfr., a propósito, o Dr. Osvaldo Gomes, in “Fundamentação do Acto Administrativo”, p.121.
4 Mário Esteves de Oliveira, Direito Administrativo, Vol. I, Lisboa, 1980, pp. 565 a 566.
5 J. Cândido de Pinho, Manual Elementar de Direito Administrativo, Centro de Formação de Magistrados, 1996, p. 109.
6 In Manual de Direito Administrativo, I, 10ª Edição, 1991, p. 492.
7 In Manual de Direito Administrativo, I, 10ª Edição, 1991, p. 502, onde cita os Acórdãos do STJ de Portugal de 18 de Outubro de 1961 (Col. P.812 e ss) e de 11 de Maio de 1961 (plenário, Col. P. XIII, p. 116)
8 Marcello Caetano, ob. cit. pp. 503 a 504.
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TSI-.265-2011 Página 1