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Proc. nº 535/2009
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 06 de Outubro de 2011.

ASSUNTO:
- Execução específica do contrato promessa da cessão do crédito

SUMÁRIO:
- O tribunal não pode proferir sentença que produza efeitos da declaração negocial do faltoso quando não foi provada a existência efectiva do crédito que o Autor pretende adquirir.

O Relator,
Ho Wai Neng










Processo nº 535/2009
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 06 de Outubro de 2011
Recorrente: A
Recorridas: Fomento Predial B, Lda.
C公司廣州辦事處

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

I – Relatório
Por sentença de 20/02/2009, decidiu-se julgar a acção improcedente, absolvendo as Rés do pedidos.
Dessa decisão vem recorrer o Autor, ora recorrente, alegando, em sede de conclusão, o seguinte:
1. Vem o presente recurso interposto da seguinte sentença que julgou improcedente a presente acção;
2. Não resulta da matéria de facto provado em que existe o facto de que a 1.ª Ré Fomento Predial B, Limitada (B置業發展有限公司) é distinta da "Sociedade de Fomento Predial B, Limitada, Macau" (澳門B置業發展有限公司), e este facto não cabe nenhuma das categorias de factos que o artigo 562.º do CPC admite poderem ser tomados em conta na fundamentação da sentença;
3. A sentença ora recorrida baseia em meras suposições, violando o disposto nos artigos 562.°, 567.° e 5.°, n.º 2, todos do CPC, uma vez que, o Autor e as alegaram que existe duas sociedades comerciais distintas "Fomento Predial B, Limitada" (銀B置業發展有限公司) e "Sociedade de Fomento Predial B, Limitada, Macau" (澳門B置業發展有限公司), incorrendo na nulidade, que aqui expressamente se invoca, prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 571.º do CPC;
4. O pedido dos presentes autos, bem como o acordo objecto da execução específica, é juridicamente determinável, uma vez que, consiste a execução específica do acordo de adesão de cessão de posição contratual ou de crédito identificado no artigo 9º da petição inicial.
5. Este acordo a celebrar entre a 1ª Ré, a 2ª Ré e o Autor, objecto da execução específica, em que consiste a transferência da posição contratual ou dos eventuais créditos resultantes do contrato de cooperação mencionado no artigo 3.º da petição inicial, em que a 1.ª Ré é parte deste contrato de cooperação, o qual foi assente e provado pelos presentes autos, pelo que, o objecto da execução específica é juridicamente determinável;
6. A 1.ª Ré participou o concurso organizado pela 2.ª Ré, em que mediante o documento de fls. 26 e 26/verso dos autos, a 1.ª Ré, representada pelos seus únicos sócios e gerentes D e E, outorgou uma procuração (授權書) a favor da 2.ª Ré, conferindo os poderes de administração e disposição sobre o seu património e créditos;
7. Neste negócio ou concurso, as RR. prometeram a celebrar o "acordo" identificado no artigo 9.° da petição inicial com o Autor;
8. De harmonia com os artigos 211°, 404.° e 572°, n.º 2 (a contrário), todos do Código Civil, os referidos documentos subjacentes deste concurso constitui um contrato promessa de cessão de posição contratual ou de crédito;
9. O procedimento as RR., isto é, a falta da outorga do acordo identificado no artigo 9.° da petição inicial, configura uma recusa do cumprimento do contrato promessa de cessão de posição contratual ou de créditos celebrado com o Autor;
10. No caso e entendesse que a procuração de fls. 26 e 26/verso dos autos não conferisse poderes à 2.ª Ré para celebrar o contrato promessa de cessão de créditos com o Autor, o mesmo ainda é eficaz em relação à 1.ª Ré nos termos do disposto nº 2 do artigo 261.° do Código Civil, consequentemente, o referido contrato promessa de cessão de posição contratual ou de crédito é eficaz em relação à 1.ª Ré;
11. A procuração de fls. 26 e 26/verso dos autos é assinada pelos seus únicos sócios e gerentes da 1.ª Ré, Senhores D e E, estes são únicos sócios e gerentes da 1.ª Ré, e a forma de obrigar da 1.ª Ré é a assinatura conjunta dos gerentes;
12. O comportamento da 1.ª Ré bem como esta relação especial (nascida do contrato entre 1.ª Ré e a 2.ª Ré e de outras ligações fácticas) entre ela e a 2.ª Ré contribuíram para a convicção do Autor, sendo terceiro de boa fé, convicção de que a 2.ª Ré tem poderes de representar a 1.ª Ré na promessa de cessão de posição contratual ou de créditos em causa;
13. A sentença ora recorrida incorreu o vício da interpretação e aplicação errada do disposto nos artigos 273.°, 261.°, n.º 2, e 820.°, todos do Código Civil;
14. Face ao exposto, requer, muito respeitosamente, a V. Exa. se digne revogar a sentença ora recorrida;
15. Requer-se, assim e em conformidade, que o Tribunal pronuncie sentença que produza os efeitos da declaração negocial das RR. em falta e que, portanto, decrete a execução específica do acordo identificado no artigo 9.° da petição inicial.
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Só a Ré Fomento Predial B, Lda. é que respondeu à motivação do recurso, nos termos constantes a fls. 315 a 320, cujo teor aqui se dá integralmente reproduzido, pugnando pela improcedência do recurso.
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Foram colhidos os vistos legais.
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II – Factos
Foram provados os seguintes:
1. A 1ª Ré é uma sociedade com sede em Macau, na Alameda de Heong San, s/n, Edf. Chong Fu, X° andar "X", registada na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis de Macau sob o n° XXXX(SO) (alínea A da Especificação).
2. O objecto social da 1ª Ré consiste na construção e fomento predial, importação e exportação de grande variedade de mercadorias (alínea B da Especificação).
3. Em 18 de Junho de 1993, a lª Ré celebrou um contrato de cooperação respeitante a 澳門F填海X區第X號地段, em português "F - ZONA X - LOTE X DE MACAU", com G發展有限公司, H, I置業有限公司, J有限公司, 澳門B置業發展有限公司e K旅行社(alínea C da Especificação).
4. Este contrato de cooperação foi celebrado em língua chinesa e nos termos e condições constantes do documento de fls. 31v e 32 cujo teor se dá por integralmente reproduzidos (alínea D da Especificação).
5. Provado o que consta do documento de fls. 26 e 26/verso (resposta ao quesito 2º).
6. Em 16 de Dezembro de 2003, a 2ª Ré anunciou ao público que iria transferir os créditos resultantes do contrato referido em D) dos factos assentes àquele cuja proposta viesse a ser escolhida (resposta ao quesito 3º).
7. Nesse anúncio a 2ª Ré afirmou actuar em representação da 1ª Ré (resposta ao quesito 4º).
8. Conforme o regulamento relativo ao anúncio feito, logo que a proposta de preço fosse escolhida, as Rés teriam que celebrar com o respectivo proponente o acordo constante de fls. 34 a 35 cujo teor se dá por integralmente reproduzido (resposta ao quesito 5º).
9. O Autor apresentou a sua proposta pelo de RMB$1,020,000.00 para obter os créditos resultantes do contrato referido em D) dos factos assentes (resposta ao quesito 6º).
10. O Autor depositou a quantia de RMB$500,000.00 a favor da 2ª Ré, a título de caução pela participação (resposta ao quesito 7º).
11. Em 29 de Dezembro de 2003, a 2ª Ré notificou o Autor que a sua proposta tinha sido escolhida (resposta ao quesito 8º).
12. Na mesma notificação, a 2ª Ré pediu ao Autor que entregasse o valor proposto deduzido do valor da caução prestada (resposta ao quesito 9º).
13. Na mesma notificação, a 2ª Ré informou o Autor que com a assinatura e devolução da notificação à 2a Ré, as Réus iriam celebrar o acordo referido em 5° (resposta ao quesito 10º).
14. Em 2 de Janeiro de 2004, o Autor entregou o remanescente do valor proposto, no montante de RMB$520,000.00, à 2ª Ré (fls. 38) (resposta ao quesito 11º).
15. O Autor assinou a notificação e devolveu-a à 2ª Ré (resposta ao quesito 12º).
16. As Rés não celebraram com o Autor o acordo referido em nº 5 (resposta ao quesito 13º).
17. O Autor pediu várias vezes à 2ª Ré para celebrar o acordo referido no quesito nº 5 (resposta ao quesito 14º).
18. Estes pedidos resultaram infrutíferas (resposta ao quesito 15º).

III – Fundamentos
O tribunal a quo julgou a acção improcedente por duas razões:
A primeira consiste em considerar a 1ª Ré, Fomento Predial B, Limitada (B置業發展有限公司) ser distinta da Sociedade de Fomento Predial B, Limitada, Macau (澳門B置業發展有限公司), porque a primeira tem a sede na Cidade de Zhongshan ao passo que a última tem sua sede na RAEM, ambas com personalidades jurídicas distintas.
E tendo em conta que a Sociedade de Fomento Predial B, Limitada, Macau “não participou no concurso aberto pela 2ª Ré, em representação da Sociedade B de Zhongshan (中山B公司)”, o pedido do Autor nunca pode proceder em relação àquela sociedade comercial.
Salvo o devido respeito, o tribunal a quo errou nesta parte.
Em primeiro lugar, a 1ª Ré, Fomento Predial B, Limitada (B置業發展有限公司), é uma empresa comercial constituída na RAEM onde tem a sua sede, na Alameda de Heong San, edf. Chong Fu, Xº andar “X” (doc. de fls. 9 a 16 dos autos), facto esse já considerado como assente quer no despacho-saneador, quer na sentença recorrida.
Quanto à Sociedade de Fomento Predial B, Limitada, Macau, não resulta dos autos qualquer elemento que lhe diz respeito, pelo que não se sabe de que sociedade se trata, nem se sabe se tem o nome em chinês澳門B置業發展有限公司.
Em segundo lugar, a 1ª Ré, Fomento Predial B, Limitada através do documento cuja cópia consta de fls. 75 dos autos, consentiu a 2ª Ré para administrar e dispor os seus bens e créditos.
Pelo exposto, se conclui que a sentença recorrida errou no pressuposto de facto, que deve ser revogada nesta parte.
Quanto ao segundo fundamento da improcedência da acção, o mesmo consiste na “falta de determinabilidade do objecto negocial”.
Com a expressão “falta de determinabilidade do objecto negocial” , o tribunal a quo pretende exprimir a incerteza da existência do crédito que o Autor arroga adquirir, o que impossibilita o tribunal proferir sentença que produza os efeitos da declaração negocial do faltoso.
Cremos que o tribunal a quo tenha razão nesta parte.
No caso em apreço, o Autor pretende adquirir os créditos resultantes do acordo de cooperação relativo ao desenvolvimento do lote nº X da Lagoa F.
Segundo o dito acordo de cooperação (fls. 31v), as partes intervenientes acordaram que iriam constituir uma nova sociedade comercial para o desenvolvimento do referido lote nº 8 e a quota que a 1ª Ré iria deter naquela sociedade seria 10%.
Como resulta do próprio acordo, é uma mera manifestação de intenções, não se sabe se o acordo foi efectivamente concretizado.
Nesta conformidade, bem afirmou o tribunal a quo que o Autor não logrou provar a existência efectiva do crédito que pretende adquirir, cuja falta determina inevitavelmente a improcedência do seu pedido de execução específica.
No que respeita ao pedido da declaração de que “as Rés, por facto voluntário seu que lhes é exclusivamente imputável, não cumpriram as obrigações assumidas para com o Autor”, esta declaração só tem sentido caso o pedido de execução específica for procedente, ou o Autor ter formulado pedido de indemnização.
Uma vez que o pedido de execução específica não pode proceder por razões já expostas e o Autor não formulou qualquer pedido de indemnização, torna-se inútil a apreciação do mesmo.
É de concluir a improcedência do recurso interposto.

IV – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em negar provimento ao recurso interposto, confirmando a sentença recorrida na parte não viciada.

Custas pelo recorrente.
Notifique e registe.

RAEM, aos 06 de Outubro de 2011.

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Ho Wai Neng
(Relator)

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José Cândido de Pinho
(Primeiro Juiz-Adjunto)

_________________________
Lai Kin Hong
(Segundo Juiz-Adjunto)




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