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Processo nº 719/2007
Data: 27 de Outubro de 2011

Assuntos: - Princípio da igualdade
- Artigo 337º nº 1 do ETAPM
- Instrutor
- Impedimento de instrutor
- Inviabilidade da manutenção da relação funcional
- Factos provados
- Poder Vinculado
- Erro nos pressupostos de direito
- Medida da pena disciplinar
- Poder do Tribunal
- Princípio da desproporcialidade


SUMÁRIO
1. Só faz sentido falar em ofensa do princípio da igualdade quando, no mínimo, nos encontremos face a situações similares.
2. Quando do relatório final, onde se remeter para todos os efeitos legais ao teor da acusação que havia uma descrição concreta dos factos acusados, e, após disto, fizeram as respectivas integrações e subsunções jurídicas dos mesmos factos, com a devida referência às normas violadas e infracções praticadas, bem como das sanções que, em princípio, lhe cabem deve dar por cumprido o disposto nº artigo 337º nº 1 do ETAPM. O eventual vício ocorrido em violação deste n° 1 é um vício formal na fundamentação do acto de relatório final, já se trata da outra coisa a questão de saber se dos factos poderiam chegar a conclusão a que a sua qualificação se tinha feita, pois já é questão do mérito da sua integração, a questão de correcção da qualificação jurídica dos factos.
3. Está impedido de exercer a função de instrutor aquele cuja intervenção corra o risco de ser considerada suspeita, por haver motivo sério susceptível de gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade.
4. Resulta dos autos que, por se sentir ofendido pela conduta da arguida, o Senhor Instrutor nos primeiros dois procedimentos disciplinares, há motivo sério acreditar ser susceptível de gerar a referida desconfiança.
5. Perante esta disposição legal, para nos presentes processos disciplinares, com a pena única e máxima de demissão, a administração não pode deixar de responder positivamente, em cúmulo, as seguintes duas perguntas:
Uma: seria o comportamento da recorrente subsumível à previsão normativa que remete o caso para a violação do dever de obediência e de correcção?
Outra: estaria assim verificada a inviabilidade da manutenção da relação funcional?
6. A violação de alguns dos deveres, consubstanciando embora a infracção disciplinar nos termos do artigo 281º do mesmo ETAPM, isoladamente, não gera afastamento do serviço. É preciso que a violação, em concreto, e fundadamente, importe a inviabilidade da manutenção da relação funcional prevista no citado nº 1 do artigo 315º.
7. O conceito inviabilização da manutenção da relação funcional concretiza-se através de juízos de prognose em que a Administração goza de grande liberdade de apreciação.
8. O juízo de ter o facto importar a inviabilidade da manutenção da relação funcional já seria vinculativo para a entidade punitiva, juízos esses que se têm que ter com base nos factos concretos, devidamente descritos e provados, pois nesta parte não está no poder discricionário da Administração, por não depender da sua escolha ou vontade, mas a sua conclusão depende de factos concretos e objectivos que a revela. Nesta parte, podemos ter intervenção.
9. Quando da acusação, assim como nos relatórios finais, não fizeram menção à possibilidade de tais infracções poderem quebrar o vínculo de confiança que deve existir entre superiores hierárquicos e subordinados, isto é, de inviabilizarem a manutenção da relação funcional estabelecida entre a entidade administradora e a Recorrente, incorreu este no erro nos pressupostos de direito, pelo erro na qualificação jurídica dos factos, erro esse que se reconduz à violação de lei nos actos vinculados.
10. Quanto à moldura da pena, não lhe cabe apreciar a medida concreta da pena, ou a justiça e oportunidade da punição, salvo em casos de erro grosseiro e manifesto, porque essa é uma tarefa da Administração que se insere na chamada discricionariedade técnica ou administrativa.
11. A valoração das infracções disciplinares como inviabilizantes da manutenção da relação funcional tem de assentar não só na gravidade objectiva dos factos cometidos, mas ainda no reflexo dos seus efeitos no desenvolvimento da função exercida e no reconhecimento, através da natureza do acto e das circunstâncias em que foi cometido, de que o seu autor revela uma personalidade inadequada ao exercicio dessas funções.
12. Dos factos praticados fora do exercício das funções, não por si próprio provocou definitivamente a quebra das relações funcionais, não seria necessário levarem ao extremo os meios de defesa dos interesses públicos para punir uma conduta que tinha sida desencadeado do conflito pessoal dos agentes administrativos por motivos estranho do exercício das funções públicas, sob pena de criar uma imagem da “vingança” dos poderes superiores administrativos.
O Relator,

  Choi Mou Pan








Processo n.º 719/2007
Recorrente : A (A)
Recorrido: Chefe do Executivo da R.A.E.M. (澳門特別行政區行政長官)

    
    
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.:
   A, funcionária pública dos Serviços de Estatística da RAEM, recorreu do despacho do Exmº Chefe do Executivo da Região Administrativo Especial de Macau, datado de 30 de Agosto de 2007 e publicado no Boletim Oficial de Macau em 17 de Outubro de 2007, que lhe aplicou a pena única de demissão, prevista no artigo 315° n° 1 e 2, al. a) e b) do ETAPM, nos processos Disciplinares n° 1/2007, 2/2007 e 3/2007/DSEC, alegando que:
a. Os procedimentos disciplinares instaurados à Recorrente violam a lei e ofendem princípios gerais de direito.
b. O Despacho recorrido enferma dos mesmos vícios, o que fundamenta o presente recurso de anulação.
c. O instrutor violou os princípios da igualdade e imparcialidade consignados nos artigos 5º, n.º 1 e art. 7º do Código do Procedimento Administrativo, ao desvalorizar positivamente o comportamento da Chefe hierárquica da Recorrente e ao valorizar negativamente, e em excesso, os actos imputados à Recorrente.
d. Nunca o comportamento da Recorrente, enquanto funcionária, foi avaliada no âmbito dos processos disciplinares que lhe foram instaurados, nem nunca foi manifestada qualquer tipo de censura em relação ao seu desempenho profissional.
e. Por outro lado, as atitudes tomadas pela Recorrente em termos de relacionamento pessoal com a sua superior hierárquica resultaram de actos praticados em estado de necessidade e em manifesta legítima defesa, devido às acções que lhe pretendeu impor – as quais foram provadas judicialmente.
f. Foi violado também o princípio da decisão, consignado no art. 11º do CPA, porquanto a Recorrente nunca obteve resposta para as várias exposição que apresentou, relativas a questões graves e de grande relevo na área da “Relação interpessoal de Serviço”, sobre os quais os órgãos administrativos interpelados tinham o dever de se pronunciar.
g. O Instrutor do processo disciplinar, ao tomar uma posição hostil à Recorrente, dando origem a novo processo disciplinar, estava impedido de continuar nessa poisção de Instrutor.
h. Ao não se considerar impedido, violou o princípio da imparcialidade.
i. O Relatório Final não qualifica os fatos individualmente e não pode fazer a sua apreciação global, nem tão pouco pode descontextualizá-los.
j. Ao fazê-lo, o Relativo Final é impreciso na imputação dos factos dados como provado, sendo certo que a pena aplicada se baseia em situação não especificada pelo Instrutor, o que origina que esse Relatório Final padeça do vício de violação de lei.
k. Nenhum dos actos imputados à Recorrente foi praticado em serviço, nenhum deles está relacionado, directa ou indirectamente, com o normal desenvolvimento do serviço, pelo que nenhum deles pode representar acto de indisciplina.
l. A pena aplicada viola manifestamente o princípio da proporcionalidade, previsto no Art.º 5, n.º 2 do CPA.
m. Os actos praticados pela Recorrente consubstanciaram o exercício da legítima defesa da sua honra, comprovadamente ofendida, o que logo se imporia com circunstância dirimente da responsabilidade disciplinar que eventualmente lhe pudesse ser assacada.
n. O Despacho punitivo do Chefe do Executivo, de que aqui se recorre, apropriou-se, na sua fundamentação, de toda a economia dos relatórios elaborados nos Processos Disciplinares pelo que os vícios apontados a estes se comunicam àquele.
Nestes termos e nos mais de direito aplicáveis, deve a presente acção ser julgada procedente por provada e, em consequência, deve ser anulado o despacho do Chefe do Executivo, datado de 30 de Agosto de 2007 e publicado no B.O. n.º 42-II Série, de 17 de Outubro de 2007, no qual foi aplicada à Recorrente a pena única de demissão, nos Processos Disciplinares n.ºs 1/2007, 2/2007 e 3/2007, com as legais consequências.
   
   Citada a entidade recorrida, veio esta contestou para alegar em síntese o seguinte:
a. Nenhum dos actos pelos quais a recorrente foi punida satisfaz os requisitos da legítima defesa;
b. O acto sancionatório disciplinar não é afectado pelo incumprimento pela Administração da obirgação, decorrente do art. 11º do CPA, de decidir quaisquer requerimentos não relacionados com o procedimento disciplinar;
c. O facto de o instrutor participar disciplinarmente do arguido, durante a instrução do processo, não prejudica a sua imparcialidade nem o impede de continuar a exercer as ditas funções, já que o participante não é parte interessada no processo disciplinar resultante da sua participação;
d. O mero facto de o arguido, durante a instrução do processo, participar criminalmente do respectivo instrutor também não prejudica a imparcialidade deste e não constitui impedimento a que ele continue com a instrução, sob pena de se estar a oferecer ao arguido um meio fácil e injustificado de evitar a conclusão do processo;
e. Não foi provado que a recorrente tivesse sido objecto de discriminação;
f. A graduação da pena disciplinar é competência discricionária da Administração;
g. A pena de demissão justifica-se quando o funcionário adopta um comportamento de total e reiterada insubordinação;
h. Foi cumprido o disposto no art. 337º, 1, do ETAPM.
Nestes termos, e com o douto suprimento desse Tribunal, deve o presente recurso ser julgado improcedente.
   
   Não houve alegações facultativas da recorrente e e entidade recorrida limitou-se a oferecer o mericimento dos autos.
   
   O Digno Magistrado do Ministério Público apresentou o seu douto parecer que se transcreve o seguinte:
   “Vem A, adjunta técnica especialista, 3º escalão, impugnar o despacho do Chefe do Executivo de 30/8/07 que, em sede disciplinar, lhe aplicou a pena de demissão, assacando-lhe vasta panóplia de vícios, a saber:
- violação de lei, por aplicação de sanção, quando a recorrente agiu no exercício do direito de legítima defesa;
- afronta dos princípios da decisão, imparcialidade, igualdade e proporcionalidade;
- violação do disposto no n.º 1 do artº 337º ETAPM, por parte do instrutor, Dr. XXX.
   Cremos, porém, não lhe assistir qualquer razão.
   A demissão aplicada à recorrente constitui uma pena única resultante de 3 processos disciplinares distintos, sendo que num se imputam àquelas afirmações indevidas e desrespeitosas emitidas em conferência de imprensa e através de cartas, relativamente a vários titulares de cargos superiores da RAEM, noutro a mesma se recusou a tomar conhecimento de avaliação do seu desempenho profissional e, finalmente, no último, por a recorrente se recusar a comparecer em diligências processuais marcadas pelo instrutor, com falta de correcção.
   Pois bem:
   Desde logo, no que respeita ao cumprimento do nº 1 do artº 337º ETAPM relativamente aos 2 primeiros processos, instruídos pelo Dr XXX, constata-se que a acusação para a qual remete o relatório final, contém, inquestionàvelmente, com precisão, clareza e suficiência os factos imputados, respectiva integração e subsunção jurídicas, com clara referência às normas violadas e infracções praticadas, bem como das sanções que, em princípio, lhe cabem, tudo, pois, a dar satisfação ao normativo em causa.
   Depois, é insustentável a tese do recorrente no sentido de que a sua actuação, visando, quiçá, proteger-se dos “maleficios” que determinadas afirmações da sua superiora hierárquica poderiam causar à sua honra e consideração, o que constituiria circunstância dirimente da sua responsabilidade disciplinar, nos termos da al c) do artº 284º, ETAPM.
   Um dos requisitos essenciais da legítima defesa é, desde logo, a existência de agressão actual, iminente.
   Ora, da análise dos factos imputados à recorrente não se alcança que qualquer deles tenha constituído um meio de afastar ou tentar afastar esse perigo, essa agressão iminente, pelo simples facto de que os mesmos se não registaram, mal se vendo, nesse enquadramento, p. ex, o recurso a uma conferência de imprensa para assegurar a defesa da sua honra perante afirmações da sua superior hierárquica feitas em particular e no local de trabalho.
   Entende, de seguida, a recorrente que, pelo facto de a Administração não ter dado resposta às várias cartas que a mesma remeteu para diversos órgãos, se terá afrontado o princípio da decisão.
   Mas, não se vê como.
   As sanções disciplinares, como é óbvio, não derivam de qualquer requerimento ou qualquer iniciativa dos particulares, mais propriamente dos interessados, antes sendo aplicadas “motu proprio” pela Administração, independentemente de qualquer requerimento, pedido ou iniciativa exteriores.
   Assim, o mero facto de, eventualmente, não ter sido dada resposta às cartas e solicitações do recorrente, em nada pode contender, e nada contende, com a validade do acto, este último, esse sim, a constituir a decisão do procedimento, sendo que para o que ora se cuida, tanto basta.
   A nível da imparcialidade, esgrime o recorrente com o impedimento do instrutor, por 2 aspectos diferenciados: por ter participado infracção disciplinar por um lado e ter, ele próprio, sido alvo de participação criminal por parte da recorrente, sendo que ambos se reportam ao mesmo instrutor, Dr XXX.
   Mas, também aqui se não descortina fundamento válido para o argumentado.
   Por um lado, o facto de ter participado a infracção que deu origem ao 3º processo disciplinar (este, instruído pelo Dr. XXXXX), não tornou o participante como “parte”, com interesse ou qualquer expectativa relevante no processo, nada tendo, pois, a ganhar ou perder com o mesmo, limitando-se, em boa verdade, ao escrupuloso cumprimento do seu dever de denunciar a situação, não se vislumbrando, a tal nível, qualquer motivo sério susceptível de gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade, designadamente o preenchimento de qualquer das situações contempladas nas diversas alíneas do nº 1 do artº 327º, ETAPM.
   Por outro lado, é também irrelevante o facto de a recorrente ter apresentado denúncia crime contra o instrutor em questão por alegado crime de falsificação de documentos, pois que, se assim fosse, descoberto estaria o “ovo de Colombo” dos arguidos para afastar instrutores que não fizessem o seu gosto e, quiçá, como bem acentua a recorrida “torpedear e adiar indefinidamente o respectivo processo”.
   Quanto à igualdade, assaca a recorrente a afronta do princípio atinente, pelo facto de, apesar de se ter provado, por decisão judicial, que a sua superior hierárquica terá praticado actos que, na sua perspectiva, constituiriam infracção disciplinar, não se ter, contra a mesma, instaurado procedimento respectivo.
   Ora, só faz sentido faltar em ofensa do princípio da igualdade quando, no mínimo, nos encontremos face a situações similares, o que, manifestamente, não sucede: os actos imputados à recorrente são completamente diferentes dos actos que a decisão do Tribunal Administrativo considerou terem sido praticados pela sua superiora hierárquica.
   Mas, ainda que fossem similares (e, não esquecendo nunca que, em sede de competência disciplinar, tem a Administração ampla margem de discricionaridade quanto à instauração do procedimento respectivo) se, no plano da legalidade, se justificava e justificou a abertura de procedimento disciplinar contra a recorrente, não seria pelo facto de se não ter procedido de igual forma contra a superior hierárquica que aquele princípio se mostraria violado, já que, como se sabe, não assiste direito à igualdade na ilegalidade.
   Seja como for, como se frisou, as circunstâncais e condutas foram completamente diferentes, pelo que inócuo se torna tal tipo de argumentação, tanto mais que, como mais uma vez salienta a recorrida, a questão, conforme é assumida, se coloca antes e fora do processo disciplinar, não tendo a virtualidade de pôr em causa a validade do acto.
   Finalmente, se, no que respeita à apreciação da integração e subsunção dos factos na cláusula geral punitiva a actividade da Administração está sujeita à sindicabilidade do Tribunal, o mesmo não se pode dizer quanto à aplicação das penas, sua graduação e escolha da medida concreta, existindo, neste âmbito, discricionaridade por parte da Administração, a qual passa pela opção entre emitir ou não o acto sancionatório e ainda pela escolha entre vários tipos e medidas possíveis.
   Neste último campo, não há controlo jurisdicional sobre a justeza da pena aplicada dentro do escalão respectivo, em cuja fixação o juiz não pode sobrepor o seu poder de apreciação ao da autoridade investida do poder disciplinar.
   A intervenção do juiz fica apenas reservada aos casos de erro grosseiro, ou seja, àquelas contingências em que se verifica uma notória injustiça ou uma desproporção manifesta entre a sanção inflingida e a falta cometida, dado não poderem ser legitimados, em nenhuma circunstância, comportamentos da Administração que se afastem dos princípios da justiça e da proporcionalidade que necessariamente devem presidir à sua actuação.
   Contudo, com fundamento no princípio da separação de poderes, o controlo jurisdicional só se efectivará se a injustiça for notória ou a desproporção manifesta (CFR, neste sentido, Acs do S.T.A. de Portugal de 14/7/92, Rec 30.126 e autores aí citados, de 22/5/90, Rec 27.611, de 3/4/90, Rec 26475, de 5/6/90, Rec 27.849 e de 3/11/92, Rec 30.795)
   No caso vertente, não se verifica a referida desproporção ou manifesta injustiça quanto à pena de “”demissão” concretamente inflingida à recorrente, pelo que não tem o tribunal de intervir nessa actividade da Administração, verificada que está correcta a integração dos factos na cláusula geral punitiva e a proporção de justiça da medida aplicada.
   A pena de demissão é de aplicar quando a gravidade da conduta do arguido inviabiliza a manutenção da relação funcional.
   Para a apreciação desse conceito de inviabilização de manutenção da relação funcional, a Administração goza de grande liberdade de apreciação, não se devendo aquela relação manter sempre que os actos praticados pelo arguido, avaliados e considerados no seu contexto, impliquem para o desempenho da função prejuízo de tal monta que irremediavelmente comprometa o interesse público que aquele deveria prosseguir, designadamente a confiança, o prestígio e o decoro que deve merecer a actuação da Administração, de tal modo que o único meio de acudir ao mal seja a ablação do elemento que lhe deu causa.
   Ora, afigura-se-nos evidente que inviabiliza a manutenção da relação funcional a actuação de uma funcionária que, revelando um espírito e personalidade conflituoso, arrogante, insolente e de insubordinação e falta de respeito perante as hierarquias, vai ao ponto de organizar conferências de imprensa para criticar outros funcionários e alguns membros do Governo da RAEM, apresentando-se algumas das afirmações produzidas a roçar, inclusivé, ilícito criminal.
   Daí que a medida aplicada se apresente como justa e adequada.
   Razões por que, não se descortinando a ocorrência de qualquer dos vícios assacados, ou de qualquer outro de que cumpra conhecer, sejamos a pugnar pelo não provimento do presente recurso.”
   
   Cumpre conhecer.
   Foram colhidos os vistos legais.
   
   Consideram-se pertinentes os seguintes factos para a decisão da causa:
   - Por proposta do Sr. Secretário para a Economia e Finanças, de 17 de Janeiro de 2007, foi ordenada, pelo despacho do Senhor Chefe do Executivo, Sua Excelência, de 22 de Janeiro de 2007, a instauração do processo disciplinar, com a nomeação do instrutor Sr. Dr. XXX, contra a ora recorrente A, sob n° 1/2007.1
   - Neste processo n° 1/2007, foi depois apensado outro processo disciplinar n° 2/1007, instaurado por despacho do Sr. Chefe do Executivo de 31 de Janeiro de 2007, sob proposta do Sr. Secretário para a Economia e Financás de 30 de Janeiro de 2007 dado o facto de ter a Funcionária A recusado a cumprir os deveres do processo de classificação dos funcionário públicos, com a nomeação do mesmo instrutor do processo disciplinar n° 1/2007.
   - Procedidas todas as diligências disciplinares, foi deduzida a seguinte acusação:
“Processo Disciplinar n.º 1/2007 (Apenso n.º 2/2007)
ACUSAÇÃO
   Arguida: Exma Senhora A, Adjunta-Técnica Especialista da Direcção dos Serviços de Estatística e Censos
   XXX, Assessor Jurídico do Secretário para a Segurança, designado, pelo Chefe do Executivo, instrutor dos presentes autos de processo disciplinar, por despacho de 22 de Janeiro de 2007, relativamente ao processo disciplinar n.º 1/2007, e por despacho de 31 de Janeiro de 02007, relativamente ao processo disciplinar n.º 2/2007, apenso ao primeiro nos termos do artigo 296º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 87/89/M, de 21 de Dezembro.
   Vem
   Nos termos do artigo 332º, nº 2 do mesmo diploma estatutário, doravante designado por ETAPM, deduzir acusação nos presentes autos contra a arguida, Senhora A, casada, Adjunta-Técnica Especialista, da Direcção dos Serviços de Estatística e Censos, nos termos e com os fundamentos seguintes:
Capítulo I
Processo disciplinar n.º 1/2007
Artigo 1º
   Em conferência de imprensa realizada no dia 7 de Janeiro do corrente ano (documentos de fls,. 2 a 31 e 59 a 71 e CD audio, juntos aos autos), convocada pela arguida a pretexto de denunciar publicamente a não renovação do contrato além do quadro de uma técnica superior da mesma Direcção de Serviços, produziu, na presença de vários jornalistas de órgãos de comunicação social e de alguns colegas do seu serviço, declarações objectivamente ofensivas de seus superiores hierárquicos do que se destaca a afirmação de que os titulares dos altos cargos da DSEC liderados por C, Directora Substituta, são uma vergonha, menosprezam uma sentença do tribunal, ignorando-a, continuando a reprimir os colegas que depuseram como suas testemunhas em processo judicial que ela intentou contra os dirigentes da DSEC.
Artigo 2º
   Nessa ocasião imputa à mesma dirigente comportamento parcial e de protecção da Chefe de Divisão, D, autora, no seu entendimento de delitos muito graves no interior daquela DSEC e que, comparando a dirigente com o Chefe de Departamento A, que depôs como testemunha no processo judicial, ela e os demais dirigentes andam de cabeça virada para baixo porque, uma vez que protegem um em detrimento de outros, não são capazes de encarar as outras pessoas.
Artigo 3º
   Acrescentou ainda no âmbito do mesmo circunstancialismo de modo e tempo que a sua Directora Substituta C, tem pretensões ilimitadas, que passam por estabelecer na DSEC o “seu reino”, no âmbito do qual se une à Chefe de Divisão, D, para criar um clima de repressão na DSEC, imputando-lhes a criação de pornografia e exclamando que “isto é o fim da moralidade no interior de um órgão público”, fazendo passar a ideia de que os actos praticados no interior da DSEC são próprios de locais onde se praticam actos libidinosos.
Artigo 4º
   Culminando a sua intervenção na conferência de imprensa, a arguida referindo-se não a Secretária para a Administração e Justiça, afirmou: “A Secretária E ainda é mais ridícula” e, de forma mais genérica, referindo-se aos mais altos dirigentes, proclamou: “Vocês, titulares de altos cargos, desinteressam-se pela morte de uma pessoa, pelas repressões que são levadas a cabo, deixando que chefias lideradas por C procedam em todos os seus actos de forma arbitrária, ela (Secretária), é muito arrogante, muito altiva”.
Artigo 5º
   Estes factos tiveram repercussão na imprensa diária, afectando a imagem, a honra, o bom nome e a reputação dos visados em particular e, de uma forma generalizada, a da própria RAEM e a de, pelo menos, uma de suas instituições, a DSEC, sobre a qual se quiseram projectar juízos de incumprimento das obrigações, de devassidão e de imoralidade.
Artigo 6º
   Em 18 de Dezembro de 2006 dirigiu uma exposição à Secretária para a Administração e Justiça na qual usa expressões falhas de urbanidade e respeito devido a uma titular de um cargo principal, não se inibindo de lhe conceder um prazo de 5 dias para que responda às suas questões, fechando pelo modo que segue: “Significaria isso um reconhecimento tácito do acto da Chefe de Divisão D por parte da DSEC e da administração? Significaria também que V Ex.a considera que se devem dar beijinhos e acariciar colegas de sexo oposto para atingir os objectivos da avaliação”.
Artigo 7º
   Em 26 de Dezembro dirigiu uma exposição ao Secretário para a Economia e Finanças, também ela redigida em termos que se consideram falhos de urbanidade no relacionamento com o titular de um cargo principal, bem como do respeito que lhe é devido, exposição na qual insinua que a sua Directora Substituta e a Chefe de Divisão, D, praticam “actos insolentes e desprezíveis, semelhantes a coacção para a prática de prostituição”.
Artigo 8º
   Na mesma exposição, a arguida, acusa o Secretário para a Economia e Finanças de não lhe dar resposta às questões que lhe colocara anteriormente, ameaçando-o de dar conhecimento público do escândalo protagonizado por D e C, alertando os quinhentos mil habitantes de Macau para a desonra daquelas funcionárias.
Artigo 9º
   Prossegue, ainda, no mesmo tom, ameaçando o Secretário para a Economia e Finanças de contra ele se queixar perante o Tribunal de Segunda Instância e perante o Governo Central com fundamento em o mesmo proteger os altos dirigentes da DSEC, por nada fazer contra os actos insolentes e desprezíveis que ali se praticam, na sua opinião semelhantes a “coacção sobre outrem para a prática de prostituição” .
Artigo 10º
   Sem suster o seu ímpeto, a arguida, depois de referir o caso que em finais do ano de 2006 envolveu o ex-secretário para os Transportes e Obras Públicas, Eng.º F, que classifica como sendo um fracasso do Governo, lança, na mesma carta, ao Secretário para a Economia e Finanças, um pretenso aviso: “Não pense que com o tempo pode ofender as minhas testemunhas e as de G, pois lutar até final, mas caso V Ex. a venha a enfrentar outro fracasso estou certa de que dificilmente conseguirá responder perante o povo chinês”.
Artigo 11º
   Em carta de 29 de Dezembro de 2006, que dirigiu à Secretária para a Administração e Justiça, percorreu idêntico caminho, formulou-lhe algumas questão das quais se fez prevalecer para pedir a intervenção da interpelada na DSEC, de teor desrespeitoso quer pessoal, quer institucionalmente, do que são exemplo: “Tenho a ousadia de perguntar a V Ex. a em que tipo de trabalho é que o pessoal só consegue atingir os seus objectivos do respectivo desempenho acariciando as mãos ou os pés de colegas do sexo masculino dando beijinhos? Estou confiante que isto não acontece a não ser com as prostitutas e na DSEC, não é verdade”?
Artigo 12º
   Prossegue na mesma missiva “Espero que desta vez possa V Exa. resolver seriamente o problema, escusando esquivar-se, visto que é remunerada pelos contribuintes fiscais, pelo que deve responder e prestar serviço aos mesmos, sem se preocupar somente em manter os seus poderes e o seu cargo. Sou uma pessoa recta que em nome da justiça não transijo nem recuo, esperando assim que V Ex.a possa dar-me, desta vez, uma resposta séria”.
Capítulo II
Processo apenso (Proc. Disciplinar n.º2/2007)
Artigo 13º
   Colhe-se dos autos que a arguida, A, devidamente convocada para o efeito, recusou, no dia 03.03.2006, o conhecimento da homologação da avaliação do seu desempenho relativa ao ano de 2005, invocando o impedimento da notadora D, pelo facto de a mesma ser parte em processo judicial movido pela notada.
Artigo 14º
   Todavia, a arguida sabe que a tomada de conhecimento é pressuposto da definitividade do acto, após a qual lhe é legítimo impugnar quer graciosa quer contenciosamente – vd artigo 23 n.º 1 do Regulamento Administrativo 31/2004.
Artigo 15º
   Conforme consta, ainda, dos autos, a arguida não compareceu à reunião agendada para o dia 15.01.2007 que, nos termos do artigo 16.º do Regulamento Administrativo n.º 31/2004, lhe foi marcada para efeitos de avaliação do desempenho, justificando-se com o facto de ter requerido a suspensão do respectivo processo de avaliação, mais afirmando que a Directora Substituta não lhe inspirava confiança.
Artigo 16º
   Na reunião, o seu interlocutor seria o seu actual Chefe de Divisão, H, contra quem não pendia, nem fora invocado qualquer impedimento justificativo de escusa ou recusa nos termos do artigo 3.° do citado Regulamento Administrativo, não procedendo, assim as invocadas razões para não colaboração no processo de avaliação do desempenho por parte da arguida, A.
Artigo 17º
   A arguida tem o dever de saber que, nos termos da lei, deve participar no seu processo de avaliação, sob pena de os seus objectivos se resultarem prejudicados, sem embargo de lhe assistir o direito de impugnar graciosa ou contenciosamente todos os actos que entenda lesivos dos seus interesses, mas jamais pode abster-se da colaboração a não ser que a lhe seja reconhecida a recusa do notador, o que não acontecera.
Capítulo III
A Culpa
Artigo 18º
   A arguida agiu livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta lhe era proibida por lei, não obstante, jamais se inibiu de insistir e persistir na revelia ao cumprimento dos seus deveres de funcionária.
Artigo 19º
   A arguida praticou, assim, todos os factos de que vem acusada nos artigos antecedentes com perfeito conhecimento de que violava os deveres inerentes à sua qualidade de funcionária da administração pública da RAEM representando intelectualmente os respectivos efeitos, pelo que a sua culpa se apresenta sob a forma de dolo intenso, correspondendo-lhe um elevado juízo de censura ético-disciplinar.
Capítulo IV
Qualificação e pena aplicável
Artigo 20º
   Com a conduta descrita a arguida violou os seguintes deveres:
a) Com os factos descritos nos artigos desta acusação numerados de 1º a 5º violou os deveres gerais de obediência e correcção a que se referem, respectivamente, as alíneas c) e f) do artigo 279.° n.º 2 do ETAPM (diploma de que serão todas as normas doravante enunciadas sem indicação da respectiva fonte), na formulação que vem descrita nos seus n.ºs 5 e 8, e, bem assim especialmente, os deveres profissionais contidos nas alíneas m) – desrespeito grave de superior hierárquico fora do serviço, mas por motivos relacionados com o exercício de funções -, do n.º 2 do artigo 314º, a que corresponde pena de suspensão até 240 dias, referida no n.º 3 do mesmo normativo, e alínea b) - prática de actos de indisciplina graves - do n.° 2 do artigo 315º, a que corresponde pena expulsiva de demissão ou aposentação compulsiva a que se refere o seu n.º 1;
b) Com os factos descritos nos artigos desta acusação numerados de 6.° a 12.° violou o dever geral de correcção a que se refere a alínea f) do artigo 279.°n.º 2, na formulação que vem descrita no seu n.º 8, e, bem assim, especialmente, os deveres profissionais contidos nas alíneas m) – desrespeito grave de superior hierárquico fora do serviço, mas por motivos relacionados com o exercício de funções -, do n.º 2 do artigo 314.°, a que corresponde pena de suspensão até 240 dias, referida no n.º 3 do mesmo normativo, e alínea b) - prática de actos de indisciplina graves - do n.º 2 do artigo 315.°, a que corresponde pena expulsiva de demissão ou aposentação compulsiva a que se refere o seu n.° 1;
c) Com os factos descritos nos artigos desta acusação numerados de 13.º a 17.º violou o dever geral de obediência a que se refere a alínea c) do artigo 279º n.º 2, na formulação que vem descrita no seu n.º 5, e, bem assim, especialmente, o dever profissional que a intima a ser diligente e compreender bem os seus deveres de funcionária, a que se refere o nº 1 do artigo 313º, na formulação da alínea b) do seu n.º 2, punível com simples pena de multa, uma vez que as consequências da recusa de conhecimento da avaliação do desempenho relativa a 2005 (artigo 13.° e 14.° da acusação) e de participação na reunião para relativa à avaliação do desempenho de 2006 (artigos 15.° a 17.° da mesma acusação) podem ser supridas por meios alternativos, sem embargo de a conduta constituir prejuízo para o normal funcionamento do serviço em geral e do processo de avaliação do desempenho em particular.
Artigo 21º
   A arguida é favorecida pela circunstância atenuante da alínea a) do artigo 282º - mais de 10 anos de serviço com classificação de BOM -, sendo que a sua conduta é agravada pelas circunstâncias previstas nas alíneas h) - acumulação de infracções – e i) - publicidade da infracção descrita nos artigos da acusação numerados de 1º a 5.° - todas do n.º 2 artigo 283.°.
Artigo 22º
   Não se mostram nos autos quaisquer causas que dirimam, extingam ou excluam a responsabilidade disciplinar da arguida.
Artigo 23º
   A pena abstractamente aplicável é aquela que corresponde à infracção ou infracções mais graves imputadas à arguida, ou seja, aquela que pune as condutas violadoras da alínea b) do n.º 2 do artigo 315.°, descritas nas alíneas a) e b) do artigo 20° desta acusação, com pena expulsiva de Demissão ou de Aposentação Compulsiva, por, nos termos do n.º1 do mesmo normativo, a gravidade daquelas infracções se mostrarem inviabilizantes da manutenção da relação jurídico-funcional.
   Prova: A dos autos.
   Macau, aos 30 de Março de 2007
O Instrutor
XXX”
   - Ainda no decurso do processo disciplinar n° 1/2007, o Sr. Instrutor participou perante o Sr. Secretário para a Economia e Finanças os seguintes factos, ao que ordenou a instauração do processo disciplinar sob n° 3/2007, com a nomeação do Instrutor Sr. Dr. XXXXX:
“Participação
Ref.a: Processos Disciplinares n.º 1 e 2/2007 (DSEC)
   Na qualidade de instrutor do processo disciplinar n.º 1/2007 (ao que vem apenso o processo disciplinar n.º 2/2007), designado por despacho de Sua Excelência, o Senhor Chefe do Executivo de 22 e 31 de Janeiro de 2007, participo a V. Ex.a o seguinte:
   Pelas 10H15 do dia 1 de Março de 2007, solicitei a comparência da arguida, Ad-Técnica Especialista, A no Gabinete que me foi destinado para a diligência de instrução do processo disciplinar n.º 1/2007, sito no 17.° Andar da Direcção dos Serviços de Estatísticas e Censos.
   Alguns minutos mais tarde fui informado pela Sr.a Directora da DSEC de que a mesma, instada pela sua secretária, se recusava a comparecer alegando que quem era arguida num processo era a Sr.a Directora e que, enquanto tal se verificasse, não compareceria a qualquer acto neste processo disciplinar.
   Informado da recusa, o signatário fazendo-se acompanhar da Senhora Directora da DSEC, da Sr.a Dr.a I, que secretaria o processo disciplinar e da Sr.a Dr.a J, intérprete-tradutora, deslocou-se pessoalmente ao 16.º Andar do mesmo edifício, onde, junto à respectiva mesa de trabalho, se apresentou na qualidade de instrutor do processo disciplinar em que a Sr.a A é arguida, dando-lhe, nessa qualidade, ORDEM para se deslocar ao referido gabinete no 17.º Andar, a fim de ali se cumprir a diligência de inquirição cuja notificação a mesma igualmente recusara no dia 28 de Fevereiro, nos termos do documento junto aos autos de fols. 142 a 145.
   Traduzidas estas palavras pela intérprete-tradutora Dr.a J, a arguida A levantou-se da sua cadeira e, revelando elevado índice de agressividade e perturbação emocional, dirigiu-se ao signatário e à sua Directora, afirmando que quem era arguida em processo-crime era ela Directora, pelo que não prestava declarações, e que deveria abster-se de a incomodar, mais lhe dizendo directamente que a qualidade de directora não lhe conferia pleno poder.
   Dito isto, afastou-se do local de trabalho, sem que, voltando-se para o instrutor lhe dissesse “shut up” mantendo o mesmo tom de voz, audível em todo o piso afecto aquela Direcção de Serviço, repetindo as afirmações atrás descritas, e assim gorando a diligência que vem sendo sucessivamente adiada, em absoluto desrespeito pela autoridade do signatário, na qualidade de instrutor dos processos disciplinares em que ela é arguida.
   Com esta atitude a arguida A, para além de revelar falta de urbanidade e respeito, quer perante a sua superior hierárquica, quer perante o instrutor do processo designado pelo Senhor Chefe do Executivo, o que foi perceptível, pelo menos, por todos os funcionários presentes naquela sala, desobedeceu gravemente a uma ordem dada em acto de serviço pelo signatário, constituindo-se em infracção disciplinar cuja valoração e gravidade há que apurar a bem da ordem e da disciplina institucional.
   À consideração de V.Ex.a
   O Instrutor do Proc. Disciplinar n.º 1/2007 (c/apenso n.º 2/2007)
   XXX
   Maca, aos 5 de Março de 2007.”
- Neste processo n° 3/2007, foi deduzido a seguinte acusação:
“Processo Disciplinar n° 3/2007/DSEC
Acusação
   A arguida: Sr.a A, funcionária n° ......, de nomeação definitiva, com a categoria de Adjunta Técnica Especialista, 3° escalão, da Direcção dos Serviços de Estatística e Censos (DSEC),
   É acusada de:
1. Em 1.03.2007, ter recusado comparecer na sala de reuniões do 17º andar da DSEC (Edifício Dinasty Plaza, Alameda Dr. Carlos d' Assumpção n° 411-417, em Macau) para prestar declarações no processo disciplinar n.° 1 e 2/2007/DSEC, após ter sido convocada, através de dois telefonemas seguidos, realizados para a extensão 837, às 10.15h, pela Sr.a K, secretária da Direcção da DSEC nos quais foi referido, expressamente, que a convocação era uma ordem da Sr.a Directora da DSEC;
2. Na sequência da recusa em comparecer na citada sala de reuniões ter respondido, ao telefone, que “Ela (a Directora) também é arguida, não me liguem mais e não me incomodem mais”.
3. No mesmo dia 1.03.2007, nos serviços da DSEC do 16° andar (Edifício Dinasty Plaza, em Macau), perante a Sr.a Directora da DSEC, o Sr. Instrutor do citado processo disciplinar, a tradutora intérprete Dr.a J e a secretária dos processos Dr.a I, ter-se dirigido à Sr.a Directora da DSEC, afirmando, em cantonensse, com voz bastante elevada: "Eu já apresentei queixa. Também és arguida. Não voltes a incomodar-me. Não penses que sendo Directora podes mandar em tudo”.
4. Na mesma ocasião e lugar e perante as mesmas pessoas, ter-se levantado, bruscamente, do seu posto de trabalho e ao afastar-se do local de trabalho ter dirigido ao Sr. instrutor do processo disciplinar a seguinte ordem, em inglês, e com voz bastante alta, “You shut up”.
5. Ter afirmado, ao sair da sala e dirigindo-se à Sr.a Directora da DSEC: “Não tenho medo se quiseres podes despedir-me”.
6. Ter praticado os factos e proferido as expressões acima mencionadas por forma a permitir que fossem ouvidas tanto pelas quatro pessoas referidas em 3. supra, como pela maioria dos trabalhadores instalados nas duas salas de trabalho da DSEC do 16° andar do Edifício Dinasty Plaza, em Macau.
   Disposições legais infringidas: Os actos acima descritos constituem violação dos seguintes deveres:
a) Dever geral de obediência, previsto na al. c) do n° 2 e no n° 5 do artigo 279.° do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 87/89/M, de 21 de Dezembro, doravante ETAPM;
b) Dever geral de correcção, previsto na al. f) do n.° 2 e no n.° 8 do artigo 279.° do ETAPM;
c) Dever especial de respeito para com terceiro - instrutor de processo disciplinar nomeado por despacho de S. Ex.a o Chefe do Executivo – em local de serviço, previsto na al. a) do n.º 2 do artigo 315.° do ETAPM.
   Circunstâncias agravantes:
d) Acumulação de infracções, prevista na al. h) dos n° 1 e n° 5 do artigo 283.° do ETAPM;
e) Publicidade da infracção, provocada pela própria funcionária prevista na al. i) do n° 1 do artigo 283.° de ETAPM.
   Circunstâncias atenuantes:
   Prestação de mais de 10 anos de serviço classificados de “Bom” prevista na al. a) do artigo 282° do ETAPM.
   Pena aplicável:
   Os factos da acusação, pela sua gravidade, inviabilizam a manutenção do vínculo jurídico-funcional da arguida com o Governo da RAEM e, por isso, são puníveis com a pena de aposentação compulsiva de acordo com o n.° 1 e a al. a) do n.º 2 do artigo 315.° do ETAPM.
   Competência para aplicação da pena: É competente para aplicar a pena o Senhor Secretário para a Economia e Finanças, nos termos da Ordem Executiva 12/2000, confirmada pela Ordem Executiva 6/2005.
   Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos, aos 2 de Maio de 2007.
O instrutor, XXXXX”
- Nos processos n°s 1/2007 e 2/2007 o Sr. Instrutor elaborou os seguintes Relatório Final:
   “Relatório
   (Artigo 337º do ETAPM)
   1. Impulso Processual
1.1 Por despacho de Sua Excelência o Senhor Chefe do Executivo datado de 22 de Janeiro de 2007, foi determinada a instauração de um processo disciplinar, registado sob o n.º6 1/2007, contra a Adjunta-Técnica Especialista, A da Direcção de Estatística e Censos, pela prática dos factos cuja descrição se fará adiante, de acordo com a sistemática própria do presente relatório.
1.2. Por despacho de sua Excelência o Senhor Chefe do Executivo datado de 31 de Janeiro de 2007, foi determinada a instauração de um processo disciplinar, registado sob o n.º 2/2007, contra a mesma funcionária, pela prática dos factos cuja descrição se fará, igualmente, adiante.
1.3. Em cumprimento do disposto no artigo 296.º, n.º 1 do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau (ETAPM) aprovado pelo Dec. Lei n.º 87/89/M, de 21 de Dezembro o processo n.º 2-2007 foi apenso ao processo n.º 1-2007, conforme consta do termo de autuação, passando, assim, ambos os processos a ter uma tramitação dirigida para a decisão única.
2. Documentação junta e diligências efectuadas
- 2.1. Processo n.º 1/2007
- Em 23-01-07 --- junção do Ofício n.º 69/GSEF/2007, capeando a documentação e demais material que serviu de base à autuação do processo (fls. 1 a 31);
- Em 24-01-2007 --- Ofício n.º 1/PD n.º 1/2007, comunicando ao Chefe de Gabinete do SEF a instauração do processo disciplinar e solicitando tradução do material autuado em 23.01.2007 (fls. 32 e 33);
- Em 24.01.2007 --- Ofício à DSEC, solicitando o registo biográfico da arguida (fls. 34);
- Em 25.01.2007 --- Ofício comunicando à arguida (por registo do correio n.º AR 150639200MD) a instauração do processo disciplinar contra si (fls. 36);
- Em 29.01.2007 --- Junção do ofício n.º 0297/010/1.1/2007, de 25.01.2007, da DSEC, que remete aos autos o Registo Biográfico da arguida (de fls. 37 a 39);
- Em 31.01.2007 --- Ofício n.º 4/PD n.º 1/2007, requisitando a arguida para primeira inquirição a ter lugar em 07.02.2007, pelas 10:15, na DSEC (fls. 41);
- Em 02.02.2007 --- Ofício nº 6/PD n.º 1/2007, solicitando indigitação de secretário e de intérprete-tradutora, dirigido a DSAJ (fls. 43);
- Em 02.02.2007 --- Ofício nº 7/PD n.º 1/2007, corrigindo um lapso da versão chinesa do ofício n.º 6/PD n.º 1/2007 (fls. 44);
- Em 02.02.2007 --- Ofício da DSAJ que indigita a secretária e a intérprete tradutora (fls. 50), nomeados nos termos do meu Despacho de mesma data constante de fols. 50v;
- Em 06.02.2007 --- Juntou-se ofício da policia Judiciária, em que é solicitado ao gabinete do Secretário para a Segurança que confirme nomeação do seu Assessor, XXX, como Instrutor do presente processo (fls. 51 e 52);
- 06.02.2007 --- Junção de cópia (versão traduzida para português) da sentença do Tribunal Administrativo no Processo n.º 76/06- RA , datada de 11.01.07, em que foram Rés a RAEM e D, Chefe de Divisão da DSEC (fls. 52 a 55);
- 06.02.07 --- Junção de ofício da DSEC que capeia um documento subscrito pela arguida, A, através do qual justifica a sua recusa em comparecer a uma inquirição no presente processo disciplinar (fls. 56 a 58);
- Em 07.02.2007 --- Junção de tradução para português de dois documentos arquivados de fls. 5 a 31, os quais serviram de base à instauração do presente processo disciplinar (fls. 72 a 83);
- Em 07.02.2007 --- Junção aos autos de cópia de resposta aos quesitos formulados no supracitado processo n.º 71/06-RA (TA) (fls. 84 a 91);
- Em 07.02.2007 --- Junção aos autos de documentação oriunda da DSEC contendo relatório referente à notificação da arguida e conhecimento da sua ausência por motivo de doença, impeditiva de comparecer ao serviço e, consequentemente, à inquirição neste processo disciplinar (fls. 101 a 108);
- Inquirição de D (fls. 109);
- Inquirição de H (fls. 112);
- Inquirição de G (fls. 116);
- Inquirição de L (fls. 119);
- Inquirição de M (fls. 121);
- Inquirição de N(fls. 124);
- Inquirição de O (fls. 126);
- Inquirição de P (fls. 128);
- Inquirição de R (fls.131);
- Inquirição de C (fls. 149);
- Em 01.03.2007 --- COTA subscrita pelo Instrutor descrevendo as circunstâncias em que decorreu a sua tentativa pessoal de inquirir a arguida (fls. 148v);
- Em 06.03.2007 --- Remessa ao Senhor Secretário para a Economia e Finanças de participação relativa aos factos relatados na cota de 01.03.2007;
- Em 09.03.2007 --- Junção da proposta e respectivo despacho concordante do Sr. Chefe do Executivo, relativos à suspensão preventiva da arguida (fls. 151 a 154);
- Em 09.03.2007 --- Junção de comunicação dos factos ocorridos em 01.03.2007, subscrito pela Directora Substituta da DSEC (fls. 156 e 157);
- Em 09.03.2007 --- Junção aos autos de despacho de autorização de prorrogação do prazo da instrução do processo, datado de 08.03.2007, e subscrito pelo Senhor Chefe do Executivo (fls. 160 e 161);
- Em 12.03.2007 --- Junção aos autos de documentos relativos à notificação da suspensão preventiva da arguida (fls. 169 a 172);
- Em 16.03.2007 --- Junção aos autos da resposta à dirigi da inquirição da Sra Secretária para a Administração e Justiça (fls. 174 a 187);
- Em 16.03.2007 --- Junção aos autos da resposta ã inquirição dirigida ao Sr. Secretário para a Economia e Finanças (fls. 188 a 219);
- Em 20.03.2007 --- Junção aos autos de exposição da arguida dirigida ao Instrutor, imputando-lhe a qualidade de arguido em processos-crime, que anuncia lhe ter instaurado (fls. 200 a 224);
- Em 30.03.2007 --- Dedução da Acusação (fls. 228 a 245);
- Em 30.03.2007 --- Ofício n.º 15/PD n.º 1/2007, pelo qual se notifica a arguido do despacho de fls. 226 e 227 e ainda da Acusação deduzida de fols. 228 a 245;
- Em 30.03.2007 --- Despacho do Instrutor em que pondera a sua permanência nas funções em face da informação trazida aos autos pela arguida de que participara criminalmente conta si junto do Ministério Público e da Polícia Judiciária (fls. 226 e 227);
- Em 09.04.2007 - Remessa por Carta Registada com a Aviso de Recepção da notificação da Acusação à arguida (fls. 246 a 249);
- Em 18.04.2007, junção aos autos de uma declaração da arguida, relativa à recepção do ofício de notificação referido supra, com a qual devolveu a Acusação ao Instrutor (fls. 250 e 251), declarando o seu desinteresse em responder, para o que parece prevalecer-se da falta de esclarecimento judicial sobre a autenticidade do processo.
2.2 Processo n.º 2/2007
- Em 31.01.2007 --- Junção do ofício n.º 0105/GSEF/2007, capeando a documentação que serviu de base à autuação do processo (fls. 1 a 56);
- 02.02.2007 --- Ofício n.º 1PD n.º 2/2007 à DSEC, informando da instauração do processo n.º 2/2007 contra a arguida e da respectiva apensação ao PD n.º 1/2007, bem assim solicitando a notificação daquela de que será inquirida no dia 07.02.2007, no seguimento da inquirição sobre os factos do PD n.º 1/2007.
3. Factos apurados
   Os factos apurados baseiam-se na prova constante dos autos, nomeadamente naquela que decorre dos documentos que originariamente sustentaram a instauração do presente Processo Disciplinar n.º 1/2007 e seu Apenso (Processo Disciplinar n.º 2/2007), a que não houve oposição por parte da arguida, bem como no conteúdo útil das declarações prestadas pelas testemunhas chamadas a depor e demais documentos juntos (conforme se deixou descrito em 2), documentos esses que melhor circunstanciaram a prova inicialmente reunida.
   Sendo com base nessa prova produzida que o Instrutor forma a convicção da prática, de forma livre, consciente e decidida, por parte da arguida Adjunta Técnica Especialista, A da DSEC, titular do BIRM 5/XXXXXX/X, dos factos constantes da Acusação e fols 228 a 245, a qual se dá aqui, por brevidade e para todos os efeitos legais, como inteiramente reproduzida, factos esses que consubstanciam uma conduta contrária aos deveres a que a arguida está vinculada na qualidade de funcionária pública, constituindo-a em infracção disciplinar na forma como, em breve síntese, a seguir se sistematiza, com referência às penas que lhes são aplicáveis:
a) Com os factos descritos nos artigos da Acusação numerados de 1.º a 5º violou os deveres gerais de obediência e correcção a que se referem, respectivamente, as alíneas c) e f) do artigo 279.° n.º 2 do ETAPM (diploma a que pertencem todas as normas doravante enunciadas sem indicação da respectiva fonte), na formulação que vem descrita nos seus n.ºs 5 e 8 e, bem assim, especialmente, os deveres profissionais contidos nas alíneas m) – desrespeito grave de superior hierárquico fora do serviço, mas por motivos relacionados com o exercício de funções -, do n.º 2 do artigo 314.º, a que corresponde pena de suspensão até 240 dias, referida no n.º 3 do mesmo normativo, e alínea b) - prática de actos de indisciplina graves - do n.º 2 do artigo 315.º, a que corresponde pena expulsiva de demissão ou aposentação compulsiva a que se refere o seu n.º 1;
b) Com os factos descritos nos artigos da Acusação numerados de 6.° a 12.° violou o deveres geral de correcção a que se refere a alínea f) do artigo 279.° n.º 2, na formulação que vem descrita no seu n.º 8 e, bem assim, especialmente, os deveres profissionais contidos nas alíneas m - desrespeito grave de superior hierárquico fora do serviço, mas por motivos relacionados com o exercício de funções -, do n.º 2 do artigo 314.°, a que corresponde pena de suspensão até 240 dias, referida no n.º 3 do mesmo normativo, e alínea b) - prática de actos de indisciplina graves - do n.º 2 do artigo 315.º, a que corresponde pena pena expulsiva de demissão ou aposentação compulsiva a que se refere o seu n.º 1;
c) Com os factos descritos nos artigos da Acusação numerados de 13º a 17º violou o dever geral de obediência a que se refere a alínea c) do artigo 279.º n.º 2, na formulação que vem descrita no seu n.º 5 e, bem assim, especialmente, o dever profissional que a intima a ser diligente e compreender bem os seus deveres de funcionária, a que se refere o n.º 1 do artigo 313.º, na formulação da alínea b) do seu n.º 2, punível com simples pena de multa, uma vez que as consequências da recusa de conhecimento da avaliação do desempenho relativa a 2005 (artigos 13.º e 14.º da Acusação) e de participação na reunião relativa à avaliação do desempenho de 2006 (artigos 15.º a 17.º da mesma Acusação) podem ser supridas por meios alternativos, sem embargo de a conduta constituir prejuízo para o normal funcionamento do serviço em geral e do processo de avaliação do desempenho em particular.
   Favorece a arguida a circunstância atenuante da alínea a) do artigo 282º - mais de 10 anos de serviço com classificação de BOM -, sendo que a sua conduta é agravada pelas circunstâncias previstas nas alíneas h) – acumulação de infracção – e i) – publicidade da infracção descrita nos artigos da Acusação numerados de 1º a 5º - todas do nº 2 do artigo 283º.
   E,
   Não se mostram nos autos quaisquer causas que dirimam, extingam ou excluam a responsabilidade disciplinar da arguida.
4. Incidentes Processuais
4.1 A arguida não participou em qualquer acto processual, sem embargo de ter sido legalmente convocada para o efeito, bem como não respondeu à Acusação no prazo de 10 dias, para o efeito concedido, antes se decidindo pela sua devolução ao Instrutor com o argumento de que a autenticidade do processo disciplinar era, ainda, objecto de investigação judicial.
   Na verdade, logo aquando da primeira notificação de instauração do Processo Disciplinar nº 1/2007 a arguida apresentou uma queixa na Polícia Judiciária pedindo, ao que se presume, a averiguação da autenticidade dessa mesma notificação. Porém, entende o Instrutor que tal facto não constituiu motivo de suspensão da regular tramitação processual, porquanto, os despachos de nomeação foram recorrentemente invocados na correspondência varia que foi enviada à arguida, sendo que a mesma foi, sempre, assinada em original pelo Instrutor, pressupostos da autenticação dos efeitos pretendidos. Aliás, a própria arguida, embora invocando fazê-lo sob reserva resultante da pendência de processos judiciais por si instaurados junto da Polícia Judiciária e do Ministério Público, acabou por reconhecer tacitamente a sua qualidade de arguida no processo ao aceitar, sem impugnação, a medida de suspensão de funções imposta pelo Senhor Chefe do Executivo (fols 220 a 224).
4.2 Recorrentemente a arguida questionou o impedimento do Instrutor com o fundamento de que o mesmo era objecto e sujeito de participações – crime apresentadas junto da Polícia Judiciária e do Ministério Público. A verdade é que o Instrutor jamais foi notificado da pendência de qualquer processo-crime contra si, não obstante ter sido por uma só vez, e a seu pedido escrito, - suscitado mal teve conhecimento nos autos da queixa apresentada pela arguida – ouvido por aquela Polícia, a fim de por motu proprio contribuir para o esclarecimento de dúvidas quanto à autenticidade da notificação de instauração do processo disciplinar, aparentemente posta em causa.
   Ora, perante a inexistência de uma formal constituição como arguido ou sequer comunicação oficial de pender contra si qualquer suspeita sobre a legalidade dos seus actos na qualidade de Instrutor, entendeu não suscitar, sequer, a eventual consideração superior do seu impedimento com vista à escusa processual.
4.3 Sem embargo do reconhecimento à arguida do direito de escolher o caminho processual que melhor entender para fazer valer os seus direitos e garantias processuais, cumpre-nos valorar a oportunidade, validade e eficácia dos meios usados, e daí concluir que os mesmos não respeitaram a forma legal e não são válidos perante o procedimento disciplinar – o qual tem regras próprias apenas subsidiariamente se socorrendo do Código de Processo Penal – afigurando–se-nos destituídos de eficácia jurídica, razão pela qual o processo deverá prosseguir os seu trâmites até final, porquanto, para alem de a instauração do processo disciplinar ter sido validamente comunicada à arguida, foi-lhe dada a oportunidade de ser ouvida durante a instrução, o que recusou e, finalmente, foi-lhe validamente notificada a Acusação, a qual entendeu devolver ao Instrutor, não lhe respndendo.
   Não ocorre, assim, qualquer ofensa aos seus direitos muito especialmente ao do exercício do contraditório.
5. Propostas
5.1 Pena aplicável
   A pena aplicável deverá ser única e, tendo em vista as penas propostas para cada uma das infracções cometidas, a intensidade da culpa que valoramos de elevada, a gravidade objectiva das infracções cometidas e demais circunstancialismo atenuante e agravante, entendo que se mostra inviável a manutenção da relação jurídico-funcional da arguido A devidamente identificada nos autos, pelo que proponho lhe seja aplicada a pena de Demissão, ou, em alternativa, se assim for entendido, a de Aposentação Compulsiva, uma vez que a arguida conta mais de 15 anos de serviço efectivo, por serem estas, as penas de natureza expulsiva, aquelas que cominam a prática das infracções mais graves, designadamente as correspondentes à alínea b) do n.º 2 artigo 315.º do ETAPM, com referência aos seus n.ºs 1 e 3, sendo que para a respectiva aplicação é competente Sua Excelência, o Senhor Chefe do Executivo da Região Administrativa Especial de Macau, nos termos do artigo 322º do mesmo diploma estatutário.
5.2. Extracção de certidão
   A Testemunha G, funcionário da Direcção de Serviços de Estatística e Censos, ouvido a fols 116 e 117, recusou no final da inquirição a assinatura do depoimento prestado, para tanto invocando ter conhecimento de que relativamente ao processo sobre o qual foi chamado a depôr (Processo Disciplinar n.º 1/2007) teria sido interposta uma queixa-crime na policia Judiciária pela arguida A e ainda que, não sendo o Instrutor, a Secretária e a Tradutora, agentes da Polícia Judiciária não lhes reconhecia autoridade para lhe tomar tais declarações. Dito isto, atirou sobre a mesa de trabalho do Instrutor um documento com o qual referiu pretender justificar a recusa de sua assinatura (junto a fols 118) e abandonou a sala onde decorrera a inquirição, em afrontoso desprezo pelas recomendações que lhe eram dadas bem como da advertência de que tal atitude poderia constituir infracção disciplinar.
   Nestes termos, e porque tal conduta, desrespeitosa perante a autoridade do Instrutor, é, em nossa opinião, desadequada aos deveres gerais de correcção e lealdade e ainda contrária aos objectivos do serviço público, designadamente os do exercício de uma acção disciplinar assente em critérios de justiça devidamente fundamentados, poderá, eventualmente, ser valorada de infracção disciplinar ou considerada na respectiva avaliação do desempenho, proponho sejam extraídas certidões deste ponto do relatório e de fols 116 a 118, para os efeitos que Vossa Excelência entender por convenientes.
6. Situação jurídica da arguida
   A arguida encontra-se suspensa preventivamente de funções por despacho de Sua Excelência o Senhor Chefe do Executivo de 8 de Março de 2007, com efeitos desde o dia seguinte, 9 de Março, sendo que o respectivo prazo de 90 dias (artigo 331 n.º do ETAPM) termina no dia 7 de Junho de 2007.
   Com o que aqui se propõe, vão os presentes Autos de Processo Disciplinar nº 1/2007 (Apenso n.º 2/2007) ã presença de Sua Excelência Chefe do Executivo da Região Administrativa Especial de Macau.
   Região Administrativa Especial de Macau, aos 28 de Maio de 2007
O Instrutor
XXX”
     
   - Enquanto no processo n° 3/2007 foi elaborado o seguinte Relatório Final:
“Processo Disciplinar nº 3/2007/DSEC
Arguida: A
Relatório Final
(Artigo 337º do ETAPM)
   Introdução
   Por despacho, de 7.03.2007, do Senhor Secretário para a Economia e Finanças foi determinada a instauração do presente processo disciplinar contra a Sr.a A, adjunta técnica especialista da Direcção dos Serviços de Estatística e Censos, abreviadamente DSEC, e nomeado o respectivo instrutor.
   A instauração do presente processo disciplinar teve por base as participações do senhor instrutor dos processos disciplinares n°1/2007/DSEC e 2/2007/DSEC e da senhora Directora substituta da DSEC.
   Em 13.03.2007 foi dado início ao processo. A fase de instrução terminou em 02.05.2007.
   Deste processo consta o despacho, de 1.06.2007, do Senhor Secretário para a Economia e Finanças que determina a suspensão preventiva da arguida a partir de 11.07.2007 até à decisão final do processo ou termo do prazo legal de 90 dias, se ocorrer primeiro.
   Não foi possível notificar a arguida da acusação nem pessoalmente nem por carta registada por isso recorreu-se à publicação de aviso no B.O. da RAEM e em dois jornais diários - n° 2 do artigo 333.° do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau, abreviadamente ETAPM.
   A arguida tomou conhecimento da publicação do citado aviso e apresentou a sua defesa por carta, de 1.08.2007, entregue em mão na Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos - abreviadamente DICJ.
   2. Diligências processuais
   Procedemos, ao longo do processo, às seguintes diligências:
- Junção do Ofício n° 196/GSEF/2007 e dos documentos anexos designadamente as duas participações disciplinares já mencionadas.
- Comunicação, por carta, da instrução do processo disciplinar à entidade que nomeou o instrutor, aos dois participantes e à arguida (n.º 3 do artigo 328.° do ETAPM).
- Tradução de dois documentos juntos com o ofício n° 196/GSEF/2007.
- Requisição e junção do certificado de registo biográfico-disciplinar da arguida (n° 2 do artigo 329.° do ETAPM).
- Pedido de nomeação de secretária/tradutora, deferido por despacho do Senhor Secretário para a Economia e Finanças, de 15.03.2007 (n° 4 do artigo 326.° do ETAPM).
- Carta, registada com aviso de recepção, a solicitar a comparência da arguida para ser ouvida em declarações (n° 3 do artigo 329.° do ETAPM).
- Junção ao processo, a requerimento da arguida, de duas cartas (n° 4 do artigo 329.° do ETAPM).
- Carta de notificação do Dr. XXX para prestar declarações (n° 2 do artigo 329.° do ETAPM).
- Carta de notificação da Dr.a C para prestar declarações (n° 2 do artigo 329.° do ETAPM).
- Convocação de onze testemunhas trabalhadores da DSEC (n° 2 do artigo 329.° do ETAPM).
- Convocação da tradutora da DSAJ, nomeada para os processos 1/2007/DSEC e 2/2007/DSEC.
- Convocação da secretária da DSAJ nomeada para os processos 1/2007/DSEC e 2/2007/DSEC.
- Carta para o Director dos Serviços de Assuntos de Justiça (DSAJ) a informar as duas convocações anteriores.
- Elaboração e junção ao processo dos Autos de Declarações dos participantes.
- Elaboração e junção ao processo do Auto de Declarações da arguida.
- Elaboração e junção ao processo dos Autos de Inquirição das testemunhas:
Dr. H, Chefe de Divisão da DSEC (fls73);
Sr. G, Agente de censos e inquéritos (fls 71 e 72);
Sr.a P, Assistente de Informática Especialista (fls 78);
Sra. T, Codificador Especialista de Comércio Externo (fls 76);
Sr.a L, Técnica-Auxiliar (fls 70);
Sr.a N, Técnica-Auxiliar (fls 67 e 68);
Sr.a U, Codificadora de Comércio Externo (fls 75);
Sr. V, Codificador Especialista de Comércio Externo (fls 77);
Sra. O, Codificadora (fls 69);
W, Codificadora de Comércio Externo (fls 66);
K, Secretária(fls 79);
Dr.a J DSAJ, intérprete - tradutora da DSAJ (fls 83);
Dr.a I, técnica superior da DSAJ (fls.84).
- Dedução da Acusação (n.º 2 do artigo 332º do ETAPM).
- Carta para entrega pessoal à arguida (suspensa preventivamente) da notificação da Acusação e de minuta de Recibo.
- Junção ao processo de três informações da secretária deste processo e do condutor da DICJ relatando as tentativas infrutíferas de entrega da notificação da acusação na casa de morada da arguida (fls. 93, 94 e 95).
- Envio à arguida de carta registada, com aviso de recepção, contendo a notificação da acusação (n.º 1 do artigo 333.° do ETAPM).
- Proposta de suspensão preventiva da arguida a partir de 11.07.2007.
- Junção ao processo de cópia do despacho do Senhor Secretário para a Economia e Finanças a autorizar a suspensão preventiva da arguida (fI.120).
- Junção ao processo da carta registada, com aviso de recepção, destinada a notificar a acusação, entretanto devolvida pelos Correios de Macau com a informação de “não reclamada” (fl. 124).
- Carta à DSEC a solicitar a publicação do aviso de notificação da acusação no B.O. e em dois jornais diários (n° 2 e 3 do artigo 333.° do ETAPM).
- Junção ao processo dos avisos publicados, em 4.07.2007, no B.O., no “Macau Daily News” e no “Ponto Final” (fls 128 a 131).
- Junção ao processo da carta de “Contestação referente ao processo disciplinar n° 3/2007/DSEC”, de 1.08.2007, dirigida ao instrutor do processo.
- Tradução da carta acima referida.
   3. Prova recolhida
   Com vista a apurar as eventuais infracções disciplinares e determinar a responsabilidade da arguida foram ouvidos os participantes e a arguida e inquiridas 13 testemunhas: onze trabalhadores da DSEC e ainda a tradutora e a secretária nomeadas para os processos 1/2007/DSEC e 2/2007/DSEC, ambas funcionárias da DSAJ.
   4. A acusação
   Finda a instrução do processo foi deduzida a acusação constituída pelos seguintes factos:
a. Em 1.03.2007, a arguida recusou comparecer na sala de reuniões do 17º andar da DSEC (Edifício Dinasty Plaza, Alameda Dr. Garfos d' Assumpção n° 411-417, em Macau) para prestar declarações no processo disciplinar n.º 1 e 2/2007/DSEC, após ter sido convocada, através de dois telefonemas seguidos, realizados para a extensão 837, às 10.15 h, pela Sr.a K, secretária da Direcção da DSEC nos quais foi referido, expressamente, que a convocação era uma ordem da Sr.a Directora da DSEC;
b. Na sequência da recusa em comparecer na citada sala de reuniões respondeu, ao telefone, que “Ela (a Directora) também é arguida, não me liguem mais e não me incomodem mais”.
c. No mesmo dia 1.03.2007, nos serviços da DSEC do 16° andar (Edifício Dinasty Plaza, em Macau), perante a Sr.a Directora da DSEC, o Sr. Instrutor do citado processo disciplinar, a tradutora intérprete Dr.a J e a secretária dos processos Dr.a I, dirigiu-se à Sr.a Directora da DSEC, afirmando, em cantonense, com voz bastante elevada: “Eu já apresentei queixa. Também és arguida. Não voltes a incomodar-me. Não penses que sendo Directora podes mandar em tudo”.
d) Na mesma ocasião e lugar e perante as mesmas pessoas, levantou-se, bruscamente, do seu posto de trabalho e ao afastar-se do local de trabalho dirigiu ao Sr. instrutor do processo disciplinar a seguinte ordem, em inglês, e com voz bastante alta, “You shut up”.
e. Afirmou, ao sair da sala e dirigindo-se à Sr.a Directora da DSEC: “Não tenho medo se quiseres podes despedir-me”.
f. Praticou os factos e proferiu as expressões acima mencionadas por forma a permitir que fossem ouvidas tanto pelas quatro pessoas referidas em 3. supra, como pela maioria dos trabalhadores instalados nas duas salas de trabalho da DSEC do 16° andar do Edifício Dinasty Plaza, em Macau.
   5. Defesa da arguida e avaliação da prova
   Na carta de “contestação” apresentada pela arguida na sequência da publicação do aviso de notificação da acusação, a arguida considera que o Auto de Declarações a fls 37 e 38 constitui a sua defesa/contestação escrita e não requer outras diligências adicionais de prova.
   Cabe, por isso, realçar que no citado Auto de Declarações, a arguida:
- Admite parcialmente os factos e circunstâncias descritos em b), c) e d) da Acusação;
- Considera que tais factos podem ter sido observados/ouvidos pelos colegas da sua sala - al. f) da acusação;
- Nega os factos descritos nas als. a) e e).
   Na mesma carta de defesa/contestação a arguida questiona a legitimidade dos processos disciplinares n° 1/2007/DSEC, 2/2007/DSEC e 3/2007/DSEC e nega a falta de respeito e de cortesia face à Directora substituta da DSEC - Dr.a C.
   A arguida diz ainda ter denunciado irregularidades administrativas da Directora substituta da DSEC porque tem a obrigação de denunciar as irregularidades cometidas pelos funcionários e de supervisionar a Administração Pública.
   Qualifica como “irregularidades administrativas” matéria de facto dada como provada nos processos n° 71/06 - RA; 74/06 - RA e 79/06 - RA.
   Solicita, por fim, ao instrutor do processo que confirme a inocência da arguida para poder regressar ao seu posto de trabalho e servir o público.
   6. Factos provados
   A factualidade constante da Acusação é de reduzida complexidade, decorre num tempo e espaço reduzidos e foi testemunhada por diversas pessoas cujo depoimento é convergente.
   Mesmo os factos contestados pela arguida - alíneas a) e e) da Acusação - vêm confirmados de forma pormenorizada e convincente por vária testemunhas conforme v.g. Autos a fls 79, 83 e 84.
   Por sua vez, a idoneidade e imparcialidade das testemunhas são irrefutáveis quer pelo conhecimento directo dos factos que revelam quer pela ausência de qualquer interesse no desfecho do processo (excepto a testemunha G, amigo da arguida e autor num dos citados processos administrativos).
   Sucede até que duas das testemunhas não conheciam a arguida e trabalham na DSAJ (autos de inquirição a fls 83 e 84).
   Por isso, são dados como provados todos os factos constantes da acusação.
   7. Infracções legais e sua qualificação
   Os factos provados constituem infracções claras dos deveres gerais de obediência e correcção a que estão obrigados os funcionários e agentes da Administração pública da RAEM.
   O dever de obediência pressupõe a existência um vínculo hierárquico que é indiscutível no caso da arguida e da Directora da DSEC (n° 5 do artigo 279° do ETAPM) mas não perante o instrutor do processo.
   O dever de correcção visa o comportamento dos funcionários e agentes perante os “utentes do serviço público, colegas, superiores hierárquicos e subordinados” nos termos do n.o 8 do artigo 279° do ETAPM. Ora, nestas categorias não cabe o instrutor de processo disciplinar.
   Todavia a al. a) do n.º 2 do artigo 315.° do ETAPM prevê um dever especial de respeito para com terceiros nos locais de serviço ou em serviço cuja violação, quando grave, fundamenta a aplicação da pena de aposentação compulsiva ou demissão.
   Esta categoria de terceiro (não superior hierárquico, nem colega nem subordinado) comporta, sem dúvida, o instrutor de processo disciplinar.
   Deste modo, o comportamento da arguida descrito nas alíneas a), b) e d) da Acusação constitui clara violação deste dever geral de obediência, previsto na al. c) do n° 2 e no n° 5 do artigo 279.° do ETAPM e ainda do dever especial de abstenção de actos de insubordinação ou de indisciplina graves previsto na al. b) do n° 2 do artigo 315.º, deste Estatuto. A ambos corresponde a pena de demissão ou aposentação compulsiva.
   Por sua vez, a prática dos actos descritos nas alíneas b), c), d) e e) da Acusação integra uma violação flagrante do dever geral de correcção, previsto na al. f) do n° 2 e no n° 5 do artigo 279.° do ETAPM e do dever especial de não desrespeitar gravemente superior hierárquico ou terceiro nos locais de serviço ou em serviço, previsto na alínea a) do n° 2 do artigo 315.°, deste Estatuto e a que corresponde, igualmente, a pena de demissão ou aposentação compulsiva.
   8. Circunstâncias agravantes e atenuantes
   O facto descrito e dado como provado na al. f) da Acusação integra, em si mesmo, a circunstância agravante da publicidade da infracção, provocada pela própria arguida, prevista na al. i) do n° 1 do artigo 283.° do ETAPM.
   Verifica-se, além disso, que os factos descritos nas alíneas a) a e) da Acusação integram, no seu conjunto, a circunstância agravante da cumulação de infracções, prevista na al. h) dos n° 1 e n° 5 do artigo 283.° do ETAPM.
   Em contrapartida, a prestação de mais de 10 anos de serviço classificados de “bom” é circunstância atenuante prevista na al. a) do artigo 282º do ETAPM.
   A arguida alega - de forma vaga - que a sua reacção se deve ao facto de a Directora substituta da DSEC considerar a arguida um elemento problemático e agir perante a arguida de forma preconcebida - atitude provocada pela denúncia de irregularidades administrativas apresentadas pela arguida em três processos intentados no Tribunal Administrativo de Macau.
   Trata-se, contudo, de considerações genéricas e juízos de natureza pessoal e não de factos comprovados.
   Na verdade, quanto a estas alegações apenas sabemos - é do domínio comum - que a arguida apresentou no Tribunal Administrativo da RAEM um pedido de indemnização, por alegados danos físicos e morais sofridos na DSEC, e este pedido foi considerado improcedente.
   A arguida alega ainda como justificação para as suas atitudes a falta de legitimidade do instrutor dos processos disciplinares n.º 1/2007/DSEC e 2/2007/DSEC.
   Trata-se de alegação improcedente, pois não foi apresentada qualquer prova da declaração dessa ilegitimidade e os processos foram mandados instaurar pelo Chefe do Executivo da RAEM por factos ocorridos fora DSEC.
   9. Pena proposta
   Tudo valorado, concluímos que os factos e circunstâncias constantes da acusação, pela sua gravidade e culpa subjacente, inviabilizam a manutenção do vínculo jurídico-funcional da arguida com o Governo da RAEM e, por isso, fundamentam a aplicação da pena de aposentação compulsiva - aplicável uma vez que a arguida tem mais de 15 anos de serviço efectivo na função pública.
   10. Competência para aplicação da pena
   É competente para aplicar a pena proposta de aposentação compulsiva o Senhor Secretário para a Economia e Finanças, nos termos da Ordem Executiva 12/2000, confirmada pela Ordem Executiva 6/2005.
   Direcção de Inspecção e Coordenação de jogos, aos 17 de Agosto de 2007”
   - Recebidos os Relatórios Finais, o Sr. Secretário para a Economia e Finanças propôs ao Chefe do Executivo o seguinte:
   “(一)第1/2007號紀律程序(以附文方式併附第2/2007號紀律程序) --- 該等程序乃行政長官分別於二零零七年一月二十二日及三十一日批示著令提起的,預審員為保安司司長辦公室顧問Dr. XXX,其報告建議科處A強迫退休或撤職的處分;
   (二)第3/2007/DSEC號紀律程序 --- 該程序乃本人二零零七年三月七日批示著令提起的,預審員為博彩監察協調局法律顧問Dr. XXXXX,其報告建議科處A強迫退休的處分;
   呈請行政長官 閣下考慮批示。
經濟財政司司長, XXX”
   - O Sr. Chefe do Executivo proferiu o seguinte despacho:
   “Considerando o relatório, datado de 28 de Maio de 2007, do instrutor dos processos disciplinares instaurados, por despachos do Chefe do Executivo de 22 de Janeiro de 2007 e de 31 de Janeiro de 2007, contra a funcionária A, adjunta-técnica especialista da Direcção de Serviços de Estatística e Censos;
   Considerando igualmente o relatório, datado de 17 de Agosto de 2007, do instrutor do processo disciplinar instaurado contra a mesma funcionária por despacho do Secretário para a Economia e Finanças, de 7 de Março de 2007;
   Aplico a A, adjunta-técnica especialista da Direcção de Serviços de Estatística e Censos, a pena única de demissão pelos fundamentos constantes nos referidos relatórios.” 2
   
   Conhecendo.
   No presente contencioso, a recorrente impugnou o despacho do Chefe do Executivo de 30/8/07 que lhe aplicou a pena única de demissão, em sede de três processos disciplinar, pelos seguintes vícios:
   1) O instrutor, ao desvalorizar positivamente o comportamento da Chefe hierárquica da Recorrente e ao valorizar negativamente, e em excesso, os actos imputados à Recorrente, violou os princípios da igualdade e imparcialidade consignados nos artigos 5º, n.º 1 e art. 7º do Código do Procedimento Administrativo.
   2) Quando a Recorrente nunca obteve resposta para as várias exposições que apresentou, relativas a questões graves e de grande relevo na área da “Relação interpessoal de Serviço”, sobre os quais os órgãos administrativos interpelados tinham o dever de se pronunciar, foi violado também o princípio da decisão, consignado no art. 11º do CPA.
   3) O Instrutor do processo disciplinar, ao tomar uma posição hostil à Recorrente, dando origem a novo processo disciplinar, estava impedido de continuar nessa posição de Instrutor, e ao não se considerar impedido, violou o princípio da imparcialidade.
   4) O Relatório Final, que não qualificou os factos individualmente, ao fazer a sua apreciação global e descontextualizá-los, torna-se ser impreciso na imputação dos factos dados como provado e deixa a pena ser aplicada com base em situação não especificada pelo Instrutor, origina que esse Relatório Final padeça do vício de violação de lei, nomeadamente o artigo 337° n° 1 do ETAPM.
   5) Os actos praticados pela Recorrente consubstanciaram o exercício da legítima defesa da sua honra, comprovadamente ofendida, o que logo se imporia com circunstância dirimente da responsabilidade disciplinar que eventualmente lhe pudesse ser assacada.
   6) A pena aplicada viola manifestamente o princípio da proporcionalidade, previsto no Art.º 5, n.º 2 do CPA.

   Vejamos.
   
1. Do princípio da igualdade e da decisão
Quanto aos primeiros dois pontos da impugnação do acto punitivo, subscrevemos o douto parecer do Ministério Público, nesta parte, pois, as sanções disciplinares não derivam de qualquer requerimento ou qualquer iniciativa dos particulares, mais propriamente dos interessados, antes sendo aplicadas “motu proprio” pela Administração, independentemente de qualquer requerimento, pedido ou iniciativa exteriores. Assim, o mero facto de, eventualmente, ter qualificado positivamente o comportamento dos superiores hierárquicos da recorrente, e não ter sido dada resposta às cartas e solicitações do recorrente, “em nada pode contender com a validade do acto, este último, esse sim, a constituir a decisão do procedimento, sendo que para o que ora se cuida, tanto basta”.
Pelo que em sede do presente processo, não pode este Tribunal pronunciar dessa impugnada omissão, ao abrigo do princípio da separação de poderes.
   Quanto à violação do princípio da igualdade, digamos que, subscrevendo o douto parecer do Ministério Público, só faz sentido falar em ofensa do princípio da igualdade quando, no mínimo, nos encontremos face a situações similares, o que, manifestamente, não sucede: os actos imputados à recorrente são completamente diferentes dos actos que a decisão do Tribunal Administrativo considerou terem sido praticados pela sua superiora hierárquica.
   Mas, ainda que fossem similares, se, no plano da legalidade, se justificasse a abertura de procedimento disciplinar contra a recorrente, não seria pelo facto de se não ter procedido de igual forma contra a superior hierárquica que aquele princípio se mostraria violado, já que não assiste direito à igualdade na ilegalidade.
   Seja como for, fora do processo disciplinar, não tendo a virtualidade de pôr em causa a validade do acto.
Improcede-se o recurso nesta parte.

2. Do cumprimento do artigo 337° n° 1 do ETAPM
   Prevê o artigo 337º (Relatório) do ETAPM que:
   “1. Finda a instrução do processo, e mostrando-se junto ao mesmo registo disciplinar do arguido, o instrutor elaborará, no prazo de 10 dias, um relatório completo e conciso donde conste a descrição dos factos que integram as infracções, sua qualificação e gravidade, importâncias que porventura haja a repor e seu destino, e bem assim a pena que entender justa, ou a proposta para que os autos se arquivem por ser insubsistente a acusação.
   ... .”
   Desde logo, podemos confirmar, do relatório final, onde se remeter para todos os efeitos legais ao teor da acusação que havia uma descrição concreta dos factos acusados, e, após disto, fizeram as respectivas integrações e subsunções jurídicas dos mesmos factos, com a devida referência às normas violadas e infracções praticadas, bem como das sanções que, em princípio, lhe cabem.
   O eventual vício ocorrido em violação deste n° 1 é um vício formal na fundamentação do acto de relatório final. Dos contextos da mesma peça procedimental, não se verifica esse impugnado vício, pois estão cumpridos ou satisfeitos todos os requisitos formais legalmente exigidos, havendo descrição de factos, e a sua qualificação jurídica e a pena susceptível.
   Já se trata da outra coisa a questão de saber se dos factos poderiam chegar a conclusão a que a sua qualificação se tinha feita, pois já é questão do mérito da sua integração, a questão de correcção da qualificação jurídica dos factos, (que será apreciada no ponto a seguir), mas não o vício formal do não cumprimento da regra prevista no artigo 337° do ETAPM.
   Para já improcede o recurso nesta parte.

3. Do impedimento do instrutor
   Defende-se a recorrente com o fundamento de vício da violação da lei por o Senhor Instrutor dos primeiros dois processos disciplinares não ter declarado impedido ou recusado da continuação dos ulteriores termos procedimentais, face à atitude hostil à recorrente.
   Não obstante o artigo 277º do ETAPM determina que “Aplicam-se supletivamente ao regime disciplinar, as normas de Direito Penal em vigor na RAEM, com as devidas adaptações”, o artigo 327° do mesmo diploma prevês expressamente o regime de impedimento do instrutor:
   “1. Está impedido de exercer a função de instrutor aquele cuja intervenção corra o risco de ser considerada suspeita, por haver motivo sério susceptível de gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade e, nomeadamente, pelos fundamentos seguintes:
   a) Ter sido, directa ou indirectamente, ofendido ou prejudicado pela infracção;
   b) Ser parente na linha recta ou até ao terceiro grau na linha colateral do arguido, do participante, ou de qualquer funcionário, agente ou particular ofendido, ou de alguém que com os referidos indivíduos viva em economia comum;
   c) Estar pendente em tribunal processo em que o instrutor e o arguido ou o participante sejam partes;
   d) Ser credor ou devedor do arguido ou do participante ou de algum seu parente na linha recta ou até ao terceiro grau na linha colateral;
   e) Haver inimizade grave ou grande intimidade entre o arguido e o instrutor, ou entre este e o participante ou ofendido;
   f) Ser o instrutor subordinado ou inferior hierárquico do ofendido;
   g) Ter já dado parecer ou informação sobre o enquadramento jurídico de factos praticados pelo arguido, relevantes para o processo.
   2. Quando o instrutor nomeado se encontrar nas circunstâncias mencionadas no número anterior poderá requerer escusa dessas funções ou ser recusado a requerimento do arguido ou do participante.
   3. Os requerimentos a que se refere o número anterior serão apresentados no prazo de 48 horas, contadas do conhecimento da nomeação do instrutor ou do facto que serve de fundamento à recusa e com eles serão oferecidos todos os meios de prova.
   4. Produzida a prova referida, a entidade que tiver mandado instaurar o processo disciplinar decide, no prazo de 48 horas, se há lugar à substituição de instrutor, procedendo, se for caso disso, à respectiva designação.
   5. Da decisão proferida sobre os requerimentos de escusa ou recusa cabe recurso hierárquico, nos termos do n.º 3 do artigo 341.º
   6. Os actos praticados pelo instrutor que tiver sido declarado impedido são nulos, salvo se não puderem ser repetidos utilmente e se se verificar que deles não resulta prejuízo para a justiça da decisão do processo.”
   Por sua vez, o próprio Código de Procedimento Administrativo prevê o regime de impedimento e de suspeição:
   Artigo 46.º (Casos de impedimento)
   1. Nenhum titular de órgão ou agente da Administração Pública pode intervir em procedimento administrativo, ou em acto ou contrato de direito público ou privado da Administração, nos casos seguintes:
   a) Quando nele tenha interesse, por si, como representante ou como gestor de negócios de outra pessoa;
   b) Quando, por si, ou como representante de outra pessoa, nele tenha interesse o seu cônjuge, algum parente ou afim em linha recta ou até ao 2.º grau da linha colateral, bem como qualquer pessoa com quem viva em economia comum;
   c) Quando, por si, ou como representante de outra pessoa, tenha interesse em questão semelhante à que deva ser decidida, ou quando tal situação se verifique em relação à pessoa abrangida pela alínea anterior;
   d) Quando tenha intervindo no procedimento como perito ou mandatário ou haja dado parecer sobre questão a resolver;
   e) Quando tenha actuado no procedimento como perito ou mandatário o seu cônjuge, parente ou afim em linha recta ou até ao 2.º grau da linha colateral, bem como qualquer pessoa com quem viva em economia comum;
   f) Quando contra ele, seu cônjuge ou parente em linha recta esteja intentada acção judicial proposta por interessado ou pelo respectivo cônjuge;
   g) Quando se trate de recurso de decisão proferida por si, ou com a sua intervenção, ou proferida por qualquer das pessoas referidas na alínea b) ou com intervenção destas;
   h) Quando se trate de questão relativa a um particular que seja membro de uma associação de defesa de interesses económicos ou afins, da qual também faça parte o titular do órgão ou agente.
   2. Excluem-se do disposto no número anterior as intervenções que se traduzam em actos de mero expediente, designadamente actos certificativos.
   Artigo 50.º
   (Fundamento da escusa e suspeição)
   1. O titular de órgão ou agente deve pedir dispensa de intervir no procedimento quando ocorra circunstância pela qual possa razoavelmente suspeitar-se da sua isenção ou da rectidão da sua conduta, e designadamente:
   a) Quando, por si ou como representante de outra pessoa, nele tenha interesse parente ou afim em linha recta ou até ao 3.º grau da linha colateral, ou tutelado ou cautelado dele ou do seu cônjuge;
   b) Quando o titular do órgão ou agente ou o seu cônjuge, ou algum parente ou afim na linha recta, for credor ou devedor de pessoa singular ou colectiva com interesse directo no procedimento, acto ou contrato;
   c) Quando tenha havido lugar ao recebimento de dádivas, antes ou depois de iniciado o procedimento, pelo titular do órgão ou agente, seu cônjuge, parente ou afim em linha recta;
   d) Se houver inimizade grave ou grande intimidade entre o titular do órgão ou agente, ou o seu cônjuge e a pessoa com interesse directo no procedimento, acto ou contrato.
   2. Com fundamento semelhante e até ser proferida decisão definitiva, pode qualquer interessado opor suspeição a titulares de órgãos ou agentes que intervenham no procedimento, acto ou contrato.
   Sabe-se que a instrução, pela recolha de dados essenciais para a decisão de que se reveste, exige “…uma ponderação objectiva, isenta e imparcial dos factos e interesses envolvidos”.3
   Os motivos que servem do impedimento do instrutor elencados no n° 1 deste citado artigo não se encontram taxativamente previstos, mas sim exemplicativo, mormente pela palavra de “nomeadamente”, e o essencial é quando se verificar a situação em que a sua “intervenção corra o risco de ser considerada suspeita, por haver motivo sério susceptível de gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade”.
   Resulta dos autos que, por se sentir ofendido pela conduta da recorrente, o Senhor Instrutor nos primeiros dois procedimentos disciplinares, participou contra a mesma e pelo qual foi instaurado o 3° processo disciplinar.
   Contudo, o Senhor Instrutor não se declarou impedido, continuando a exercer as suas funções nos primeiros dois processos disciplinares.
   Salvo o devido respeito, pelo facto de ser ofendido no terceiro processo disciplinar, por motivo necessariamente pessoal (ser atingido pelas palavras ofensivas proferidas pela recorrente), a sua continuação a exercer as funções de instrutor não pode deixar de criar uma situação em que é susceptível de gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade.
   Além disso, todos os processos disciplinares foram tratados, na fase da decisão, de forma unitária, no sentido de aplicar uma pena única de demissão, tendo com certeza levado em consideração todas as circunstâncias da prática dos factos constantes dos primeiros dois processos disciplinares, que foram lavados ao cabo nas diligências presididas pelo Senhor Instrutor, ofendido do terceiro processo disciplinar, diligências dessas em que não se podem afastar a desconfiança sobre sua imparcialidade por poder ter sofrido influência pela sua posição de ser ofendido.
   Por este quadro das circunstância, não se pode deixar de verificar um motivo sério e objectivo para o impedimento do senhor instrutor, devendo assim pedir a escusa a continuação nos ulteriores termos procedimentais nos termos do n° 2 do citado artigo 327° do ETAPM.
   Com o não impedimento do Senhor Instrutor, os actos por si praticados nos dois primeiros processo disciplinares incorrem na nulidade nos termos do n° 6 do mesmo artigo 327°.
   
   Mesmo assim não se entenda, o acto ora recorrido não pode deixar de ter sorte de ser anulável.
   Se não vejamos.
   
4. Da qualificação jurídica dos factos e do desproporcionalidade da pena aplicada
   Foram instaurados três processos disciplinares contra a ora recorrente, tendo nos primeiros dois sido proposta a pena aplicável de aposentação compulsiva ou de demissão e no último a de aposentação compulsiva, e, finalmente foi aplicada a pena única de demissão.
   Para a aplicação destas duas penas disciplinares, o artigo 315º (Aposentação compulsiva ou demissão) do ETAPM prevê que:
   1. As penas de aposentação compulsiva ou de demissão serão aplicáveis, em geral, às infracções que inviabilizem a manutenção da situação jurídico-funcional.
   2. As penas referidas no número anterior serão aplicáveis aos funcionários e agentes que, nomeadamente:
   a) Agredirem, injuriarem ou desrespeitarem gravemente superior hierárquico, colega, subordinado ou terceiro, nos locais de serviço ou em serviço;
   b) Praticarem actos de insubordinação ou de indisciplina graves ou incitarem à sua prática;
   c) No exercício das suas funções praticarem actos manifestamente ofensivos das instituições e princípios constitucionais;
   d) Praticarem ou tentarem praticar qualquer acto que lese ou contrarie os superiores interesses do Estado ou do Território;
   e) Participarem infracção disciplinar de algum funcionário ou agente, com falsidade ou falsificação, quando daí resulte a injusta punição do denunciado;
   f) Dentro do mesmo ano civil derem 20 faltas seguidas ou 30 interpoladas, sem justificação;
   g) Revelem comprovada incompetência profissional;
   h) Violarem segredo profissional ou cometerem inconfidências de que resultem prejuízos materiais ou morais para a Administração ou para terceiro;
   i) Em resultado do lugar que ocupem, aceitarem ilicitamente ou solicitarem, directa ou indirectamente, dádivas, gratificações, participações em lucros ou outras vantagens patrimoniais, ainda que sem o fim de acelerar ou retardar qualquer serviço ou expediente;
   j) Comparticiparem ilicitamente em oferta ou negociações de emprego público;
   l) Forem encontrados em alcance ou desvio de dinheiros públicos;
   m) Tomarem parte ou interesse, directamente ou por interposta pessoa, em qualquer contrato celebrado ou a celebrar com qualquer organismo ou serviço da Administração;
   n) Com intenção de obterem para si ou para terceiro qualquer benefício ilícito, faltarem aos deveres do seu cargo, não promovendo atempadamente os procedimentos adequados ou lesarem, em negócio jurídico ou por mero acto material, os interesses patrimoniais que no todo ou em parte lhes cumpre administrar, fiscalizar, defender ou realizar;
   o) Forem condenados, por sentença transitada em julgado em que seja decretada pena de demissão ou, por qualquer forma, revelem indignidade ou falta de idoneidade moral para o exercício das funções.
   3. A pena de aposentação compulsiva só poderá ser aplicada se o funcionário ou agente reunir o período mínimo de 15 anos de serviço contados para efeitos de aposentação, na ausência do que lhe será aplicada a pena de demissão.”
   Perante esta disposição legal, para nos presentes processos disciplinares, com a pena única e máxima de demissão, a administração não pode deixar de responder positivamente, em cúmulo, as seguintes duas perguntas:
   Uma: seria o comportamento da recorrente subsumível à previsão normativa que remete o caso para a violação do dever de obediência e de correcção?
   Outra: estaria assim verificada a inviabilidade da manutenção da relação funcional?
   Prevê os n°s 5 e 8 do artigo 279º do ETAPM quanto aos deveres de obediência e de correcção que:
   “O dever de obediência consiste em acatar e cumprir as ordens dos seus legítimos superiores hierárquicos, dadas em objecto de serviço e com a forma legal.”
   “O dever de correcção consiste em tratar com respeito e urbanidade os utentes dos serviços públicos, os colegas, os superiores hierárquicos e os subordinados.”
   A violação de alguns dos deveres, consubstanciando embora a infracção disciplinar nos termos do artigo 281º do mesmo ETAPM, isoladamente, não gera afastamento do serviço. É preciso que a violação, em concreto, e fundadamente, importe a inviabilidade da manutenção da relação funcional prevista no citado nº 1 do artigo 315º.
   A priori, parece que não seja difícil concluir dos factos constantes das acusações pelas imputadas infracções. Não obstante, porém, o que nos parece é que não se pode concluir por aquele juízo de inviabilização da manutenção da relação funcional.
   Se não vejamos.
   O conceito inviabilização da manutenção da relação funcional concretiza-se através de juízos de prognose em que a Administração goza de grande liberdade de apreciação4.
   Quer dizer, é-lhe livre consignar factos comprovativos desta prognose, mas o juízo de ter o facto importar a inviabilidade da manutenção da relação funcional já seria vinculativo para a entidade punitiva, juízos esses que se têm que ter com base nos factos concretos, devidamente descritos e provados, pois nesta parte não está no poder discricionário da Administração, por não depender da sua escolha ou vontade, mas a sua conclusão depende de factos concretos e objectivos que a revela. Nesta parte, podemos ter intervenção.
   Quer da uma quer da outra acusação, assim como nos relatórios finais, infelizmente, não fizeram menção à possibilidade de tais infracções poderem quebrar o vínculo de confiança que deve existir entre superiores hierárquicos e subordinados, isto é, de inviabilizarem a manutenção da relação funcional estabelecida entre a entidade administradora e a Recorrente.
   Simplesmente pela falta destes factos para chegar aquela conclusão retirada no acto punitivo, incorreu este no erro nos pressupostos de direito, pelo erro na qualificação jurídica dos factos, erro esse que se reconduz à violação de lei nos actos vinculados5.
   Pois, sabemos que, se o órgão administrativo julga que o pressuposto do seu acto é um, dando como ocorridos factos que, efectivamente, não ocorreram, há violação de lei, uma vez que o momento da verificação dos factos é sempre vinculado.6
   A vontade da Administração tem de ser esclarecida sendo, contudo, irrelevantes os vícios de vontade quando se trata de acto predominantemente vinculado.
   
   E ainda por este vício de violação da lei, gera-se com certeza a desproporcionalidade da pena aplicada.
   É claro que, quanto à moldura da pena, se diz que, se ao tribunal é possível analisar da existência material dos factos nos moldes acima referidos e averiguar se eles constituem infracções disciplinares, já lhe não cabe apreciar a medida concreta da pena, ou a justiça e oportunidade da punição, salvo em casos de erro grosseiro e manifesto, porque essa é uma tarefa da Administração que se insere na chamada discricionariedade técnica ou administrativa7.
   Como acima ficou consignado, para que alguma violação dos deveres gere o seu afastamento do serviço, é preciso que a violação, em concreto, e fundadamente, importe a inviabilidade da manutenção da relação funcional prevista no nº 1, do art. 315º do RJFPM.
   Nessa tarefa, para a subsunção ao preceito (art. 315° n° 1, do RJFPM) não basta a gravidade do facto objectivo, é necessário ter ainda em conta as circunstâncias particulares em que ele foi praticado, os seus efeitos ou consequências no desenvolvimento da função e o reconhecimento de que o seu autor revela uma personalidade inadequada ao exercício de funções públicas8.
   Há-de haver, além disso, um quid perturbador da relação de confiança recíproca que inviabilize a manutenção do vínculo profissional. Como ainda se disse noutro aresto, a pena de demissão aplica-se ”a comportamentos que atinjam um grau de desvalor de tal modo grave que mine e quebre, definitiva e irreversivelmente, a confiança que deve existir entre o serviço público e o agente”.9
   Tem sido entendido na jurisprudência de Portugal, que aqui se convoca a título de jurisprudência comparada, “A valoração das infracções disciplinares como inviabilizantes da manutenção da relação funcional tem de assentar não só na gravidade objectiva dos factos cometidos, mas ainda no reflexo dos seus efeitos no desenvolvimento da função exercida e no reconhecimento, através da natureza do acto e das circunstâncias em que foi cometido, de que o seu autor revela uma personalidade inadequada ao exercicio dessas funções”10
   Quer dizer, se é certo que ao órgão com competência disciplinar se reconhece “no preenchimento dessa cláusula geral, ampla margem de liberdade administrativa, tal tarefa está limitada pelos princípios da imparcialidade, justiça e proporcionalidade - além de ficar, depois, sujeita ao poder sindicante dos tribunais administrativos, se forem detectáveis erros manifestos”.11
   Dos autos, para além da referida falta de fazer constar dos factos concretos que permitissem concluir pelo juízo de inviabilidade da manutenção da relação funcional, tudo indica que as infracções imputadas não contenderam com o próprio exercício das funcções públicas, mas sim, da partida, das relações pessoais entre a recorrente e as suas superioras hierárquicas, pelo factos estranhos do serviço.
   As circunstâncias em que a recorrente praticou os actos, sendo embora censurável, a sua conduta não teve a mesma gravidade no plano das consequências:
   Foi imputados pelos seguintes factos:
  1) Processo disciplinar n.º 1/2007
   - Em conferência de imprensa realizada no dia 7 de Janeiro do corrente ano (documentos de fls,. 2 a 31 e 59 a 71 e CD audio, juntos aos autos), convocada pela arguida a pretexto de denunciar publicamente a não renovação do contrato além do quadro de uma técnica superior da mesma Direcção de Serviços, produziu, na presença de vários jornalistas de órgãos de comunicação social e de alguns colegas do seu serviço, declarações objectivamente ofensivas de seus superiores hierárquicos do que se destaca a afirmação de que os titulares dos altos cargos da DSEC liderados por C, Directora Substituta, são uma vergonha, menosprezam uma sentença do tribunal, ignorando-a, continuando a reprimir os colegas que depuseram como suas testemunhas em processo judicial que ela intentou contra os dirigentes da DSEC.
   - Nessa ocasião imputa à mesma dirigente comportamento parcial e de protecção da Chefe de Divisão, D, autora, no seu entendimento de delitos muito graves no interior daquela DSEC e que, comparando a dirigente com o Chefe de Departamento A, que depôs como testemunha no processo judicial, ela e os demais dirigentes andam de cabeça virada para baixo porque, uma vez que protegem um em detrimento de outros, não são capazes de encarar as outras pessoas.
   - Acrescentou ainda no âmbito do mesmo circunstancialismo de modo e tempo que a sua Directora Substituta C, tem pretensões ilimitadas, que passam por estabelecer na DSEC o “seu reino”, no âmbito do qual se une à Chefe de Divisão, D, para criar um clima de repressão na DSEC, imputando-lhes a criação de pornografia e exclamando que “isto é o fim da moralidade no interior de um órgão público”, fazendo passar a ideia de que os actos praticados no interior da DSEC são próprios de locais onde se praticam actos libidinosos.
   - Culminando a sua intervenção na conferência de imprensa, a arguida referindo-se não a Secretária para a Administração e Justiça, afirmou: “A Secretária E ainda é mais ridícula” e, de forma mais genérica, referindo-se aos mais altos dirigentes, proclamou: “Vocês, titulares de altos cargos, desinteressam-se pela morte de uma pessoa, pelas repressões que são levadas a cabo, deixando que chefias lideradas por C procedam em todos os seus actos de forma arbitrária, ela (Secretária), é muito arrogante, muito altiva”.
   - Estes factos tiveram repercussão na imprensa diária, afectando a imagem, a honra, o bom nome e a reputação dos visados em particular e, de uma forma generalizada, a da própria RAEM e a de, pelo menos, uma de suas instituições, a DSEC, sobre a qual se quiseram projectar juízos de incumprimento das obrigações, de devassidão e de imoralidade.
   - Em 18 de Dezembro de 2006 dirigiu uma exposição à Secretária para a Administração e Justiça na qual usa expressões falhas de urbanidade e respeito devido a uma titular de um cargo principal, não se inibindo de lhe conceder um prazo de 5 dias para que responda às suas questões, fechando pelo modo que segue: “Significaria isso um reconhecimento tácito do acto da Chefe de Divisão D por parte da DSEC e da administração? Significaria também que V Ex.a considera que se devem dar beijinhos e acariciar colegas de sexo oposto para atingir os objectivos da avaliação”.
   - Em 26 de Dezembro dirigiu uma exposição ao Secretário para a Economia e Finanças, também ela redigida em termos que se consideram falhos de urbanidade no relacionamento com o titular de um cargo principal, bem como do respeito que lhe é devido, exposição na qual insinua que a sua Directora Substituta e a Chefe de Divisão, D, praticam “actos insolentes e desprezíveis, semelhantes a coacção para a prática de prostituição”.
   - Na mesma exposição, a arguida, acusa o Secretário para a Economia e Finanças de não lhe dar resposta às questões que lhe colocara anteriormente, ameaçando-o de dar conhecimento público do escândalo protagonizado por D e C, alertando os quinhentos mil habitantes de Macau para a desonra daquelas funcionárias.
   - Prossegue, ainda, no mesmo tom, ameaçando o Secretário para a Economia e Finanças de contra ele se queixar perante o Tribunal de Segunda Instância e perante o Governo Central com fundamento em o mesmo proteger os altos dirigentes da DSEC, por nada fazer contra os actos insolentes e desprezíveis que ali se praticam, na sua opinião semelhantes a “coacção sobre outrem para a prática de prostituição” .
   - Sem suster o seu ímpeto, a arguida, depois de referir o caso que em finais do ano de 2006 envolveu o ex-secretário para os Transportes e Obras Públicas, Eng.º F, que classifica como sendo um fracasso do Governo, lança, na mesma carta, ao Secretário para a Economia e Finanças, um pretenso aviso: “Não pense que com o tempo pode ofender as minhas testemunhas e as de G, pois lutar até final, mas caso V Ex. a venha a enfrentar outro fracasso estou certa de que dificilmente conseguirá responder perante o povo chinês”.
   - Em carta de 29 de Dezembro de 2006, que dirigiu à Secretária para a Administração e Justiça, percorreu idêntico caminho, formulou-lhe alguma questão das quais se fez prevalecer para pedir a intervenção da interpelada na DSEC, de teor desrespeitoso quer pessoal, quer institucionalmente, do que são exemplo: “Tenho a ousadia de perguntar a V Ex. a em que tipo de trabalho é que o pessoal só consegue atingir os seus objectivos do respectivo desempenho acariciando as mãos ou os pés de colegas do sexo masculino dando beijinhos? Estou confiante que isto não acontece a não ser com as prostitutas e na DSEC, não é verdade”?
   - Prossegue na mesma missiva “Espero que desta vez possa V Exa. resolver seriamente o problema, escusando esquivar-se, visto que é remunerada pelos contribuintes fiscais, pelo que deve responder e prestar serviço aos mesmos, sem se preocupar somente em manter os seus poderes e o seu cargo. Sou uma pessoa recta que em nome da justiça não transijo nem recuo, esperando assim que V Ex.a possa dar-me, desta vez, uma resposta séria”.

  2) Processo apenso (Proc. Disciplinar n.º2/2007)
   - Colhe-se dos autos que a arguida, A, devidamente convocada para o efeito, recusou, no dia 03.03.2006, o conhecimento da homologação da avaliação do seu desempenho relativa ao ano de 2005, invocando o impedimento da notadora D, pelo facto de a mesma ser parte em processo judicial movido pela notada.
   - Todavia, a arguida sabe que a tomada de conhecimento é pressuposto da definitividade do acto, após a qual lhe é legítimo impugnar quer graciosa quer contenciosamente – vd artigo 23 n.º 1 do Regulamento Administrativo 31/2004.
   - Conforme consta, ainda, dos autos, a arguida não compareceu à reunião agendada para o dia 15.01.2007 que, nos termos do artigo 16.º do Regulamento Administrativo n.º 31/2004, lhe foi marcada para efeitos de avaliação do desempenho, justificando-se com o facto de ter requerido a suspensão do respectivo processo de avaliação, mais afirmando que a Directora Substituta não lhe inspirava confiança.
   - Na reunião, o seu interlocutor seria o seu actual Chefe de Divisão, H, contra quem não pendia, nem fora invocado qualquer impedimento justificativo de escusa ou recusa nos termos do artigo 3.° do citado Regulamento Administrativo, não procedendo, assim as invocadas razões para não colaboração no processo de avaliação do desempenho por parte da arguida, A.
   - A arguida tem o dever de saber que, nos termos da lei, deve participar no seu processo de avaliação, sob pena de os seus objectivos se resultarem prejudicados, sem embargo de lhe assistir o direito de impugnar graciosa ou contenciosamente todos os actos que entenda lesivos dos seus interesses, mas jamais pode abster-se da colaboração a não ser que a lhe seja reconhecida a recusa do notador, o que não acontecera.
   - A arguida agiu livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta lhe era proibida por lei, não obstante, jamais se inibiu de insistir e persistir na revelia ao cumprimento dos seus deveres de funcionária.
   - A arguida praticou, assim, todos os factos de que vem acusada nos artigos antecedentes com perfeito conhecimento de que violava os deveres inerentes à sua qualidade de funcionária da administração pública da RAEM representando intelectualmente os respectivos efeitos, pelo que a sua culpa se apresenta sob a forma de dolo intenso, correspondendo-lhe um elevado juízo de censura ético-disciplinar.
3) Processo Disciplinar n° 3/2007/DSEC
   - Em 1.03.2007, ter recusado comparecer na sala de reuniões do 17º andar da DSEC (Edifício Dinasty Plaza, Alameda Dr. Carlos d' Assumpção n° 411-417, em Macau) para prestar declarações no processo disciplinar n.° 1 e 2/2007/DSEC, após ter sido convocada, através de dois telefonemas seguidos, realizados para a extensão 837, às 10.15h, pela Sr.a K, secretária da Direcção da DSEC nos quais foi referido, expressamente, que a convocação era uma ordem da Sr.a Directora da DSEC;
   - Na sequência da recusa em comparecer na citada sala de reuniões ter respondido, ao telefone, que “Ela (a Directora) também é arguida, não me liguem mais e não me incomodem mais”.
   - No mesmo dia 1.03.2007, nos serviços da DSEC do 16° andar (Edifício Dinasty Plaza, em Macau), perante a Sr.a Directora da DSEC, o Sr. Instrutor do citado processo disciplinar, a tradutora intérprete Dr.a J e a secretária dos processos Dr.a I, ter-se dirigido à Sr.a Directora da DSEC, afirmando, em cantonense, com voz bastante elevada: "Eu já apresentei queixa. Também és arguida. Não voltes a incomodar-me. Não penses que sendo Directora podes mandar em tudo”.
   - Na mesma ocasião e lugar e perante as mesmas pessoas, ter-se levantado, bruscamente, do seu posto de trabalho e ao afastar-se do local de trabalho ter dirigido ao Sr. instrutor do processo disciplinar a seguinte ordem, em inglês, e com voz bastante alta, “You shut up”.
   - Ter afirmado, ao sair da sala e dirigindo-se à Sr.a Directora da DSEC: “Não tenho medo se quiseres podes despedir-me”.
   - Ter praticado os factos e proferido as expressões acima mencionadas por forma a permitir que fossem ouvidas tanto pelas quatro pessoas referidas em 3. supra, como pela maioria dos trabalhadores instalados nas duas salas de trabalho da DSEC do 16° andar do Edifício Dinasty Plaza, em Macau.
   Como podemos ver claramente, por um lado, todos os factos não foram praticados no exercício das funções públicas de que desempenhava, podendo embora ter afectar o exercício das funções públicas, tanto nos actos da conferência de imprensa, como nas repetidas recusas a cooperação quer no procedimento de classificação como no de instrução, sendo também embora censurável, não teriam ser considerada como a consequência tão gravosa que leva a sua expulsão com fundamento de inviabilidade da manutenção da relação funcional, devendo com certeza ter em conta as circunstâncias da sua prática, nomeadamente os motivos pelos quais os actos foram praticados. E não podemos deixar de acrescentar, a quebra da relação pessoal entre a recorrente e as suas superioras não implica a quebra definitiva da relação funcional do serviço, enquanto não está esclarecido a razão da quebra das suas relações pessoais, seria arbitrário concluir pela inviabilidade da manutenção da relação funcional do serviço, pois uma eventual mudança do cargo de trabalho ou da recorrente ou das chefes poderia com certeza evitar a quebra definitiva ou a inviabilidade da manutenção da relação funcional.
   Por isso, enquanto os factos foram praticados fora do exercício das funções, não por si próprio provocou definitivamente a quebra das relações funcionais, não seria necessário levarem ao extremo os meios de defesa dos interesses públicos para punir uma conduta que tinha sida desencadeado do conflito pessoal dos agentes administrativos por motivos estranho do exercício das funções públicas, sob pena de criar uma imagem da “vingança” dos poderes superiores administrativos.
   Ao contrário, temos de dar alguma compreensão na conduta da recorrente constante do primeiro processo disciplinar que demonstrava as repetidas exposições, contra as suas superioras dos Serviços, dirigidas aos Secretários por não ter obter respostas, o que lhe levou a sentir-se frustrada na defesa do seu direito legítimo, de forma a levá-la em ponderação na medida da punição da infracção disciplinar, como circunstâncias atenuantes, em termos gerais.
   Ainda por cima, tal como acima ficou consignado, havia motivo sério para o impedimento do Senhor Instrutor, deixando uma margem de dúvida sobre a imparcialidade do Senhor Instrutor nos primeiros dois processos integrados num processo unitário para a decisão final de demissão.
   Por outro lado, não estamos perante elementos que nos levem a concluir que a recorrente esteja dotado de uma personalidade inadequada ao exercício de funções públicas, enquanto tem vinda a ser classificada como “BOM”.
   Em suma, não está descrito um quadro de facto que abale a eficiência, o prestígio e a idoneidade do Serviço onde está colocado, nem indicia que a recorrente seja ineficiente e não cumpra com rigor as tarefas que lhe sejam confiadas.
   A ser assim, o acto punitivo aplicou, em nossa opinião, o artigo 315°, nº 1, do RJFPM em manifesto erro. O que traz, como consequência, a anulação do acto punitivo.
   
   Ponderado, resta decidir.
   
   Acordam neste Tribunal de Segunda Instância em julgar procedente o presente recurso contencioso e em consequência em anular o acto recorrido.
   Sem custas por não são devidas.
RAEM, aos 27 de Outubro de 2011


(Relator) Presente Choi Mou Pan Vítor Manuel Carvalho Coelho

(Segundo Juiz-Adjunto)
Ho Wai Neng

(Primeiro Juiz-Adjunto) João A. G. Gil de Oliveira (vencido nos termos da declaração que junto)




Processo n.º 719/2007


         Declaração de voto de vencido

     Não acompanho a douta decisão que fez vencimento fundamentalmente pelas razões vertidas no parecer do Digno Magistrado do MP e que se mostra transcrito no acórdão, aduzindo ainda os seguintes argumentos:
    Considero que a questão do impedimento do instrutor devia ter sido suscitada e decidida no processo disciplinar, aderindo à posição do Cons. Leal-Henriques, Manual de Dto Disciplinar, CFJJ, 2005, 216 e segs;
    Considero que a conduta da funcionária em causa é muito grave e não deixa, objectivamente, de comprometer a manutenção da sua relação funcional, visto o teor e a forma das afirmações, acusações e imputações que excedem em muito as regras mais elementares da urbanidade e do respeito para com os superiores, para já não falar em consubstanciação de matéria criminal, bem como pela diversidade de pessoas e dirigentes atingidos, para não falar sequer da publicidade que foi intencionalmente procurada, pondo em causa a integridade e o bom nome da própria Administração.
     Razão por que entendo que não devia ser anulado o acto ora recorrido.
     Macau, 27 de Outubro de 2011

  João A. G. Gil de Oliveira
1 Esta proposta tinha os seguintes fundamentos, em chinês:
“1. 就統計暨普查局兩名工作人員A和B藉投訴該局領導及主管人員的事件,公然對特區政府及若干主要官員作出不適當的言論,我們一直十分關注並積極跟進事件的發展。
2. 經法律顧問研究A及B於二零零七年一月七日在記者招待會上派發予傳媒的文件(請參閱附件一)及發言(請參閱附件二的記者招待會錄音筆錄)後,發覺該等文件及A發言的內容含有不當言詞及指控,該等言詞及指控既損害了政府的威信與名譽,又損害了官員的形象和名譽,當中更夾載了對行政長官、行政法務司司長及本人侮辱和誹謗的成份,涉嫌構成嚴重的違法、違紀行為。
3. 為信守依法施政的理念,特區政府有必要就上述要件採取法律所規定的程序及適用的措施,以遏止公務人員公然違紀的行為。
4. 如蒙 閣下同意,祈請批准對統計暨普查局的工作人員A開展相關的紀律程序,並建議 閣下委任非本司範疇的法律人員擔任紀律程序的預審員。
此呈
經濟財政司司長, XXX
二零零七年一月十七日”
2 其中文內容:
  考慮到負責處理兩份涉及統計暨普查局特級技術輔助員A的紀律的預審員於二零零七年五月二十八日所作出的綜合報告,該等紀律程序乃行政長官分別於二零零七年一月二十二日及三十一日批示著令提起的;
  亦考慮到另一同樣以人員為對象的紀律程序的預審員於二零零七年八月十七日所作出的報告,該紀律程序乃經濟財政司的二零零七年三月七日批示著令提起的;
  綜合上述兩份報告的理據,科處統計暨普查局特級技術輔助員A撤職的獨一處分。
二零零七年八月三十日,於行政長官辦公室。
行政長官, XXX
3 M. Esteves de Oliveira, Pedro C. Gonçalves e J. Pacheco Amorim, in Código de Procedimento Administrativo, 2ª ed., pag. 246.
4 Acs. do TUI, de 3/05/2000, Proc. n° 9/2000; 15/10/2003, Proc. n° 26/2003; 29/06/2005, Proc. n° 15/2005; Vide ainda, a título comparativo, em Portugal: Ac. do STA de 01/03/91, Proc. N° 28 339; cit. ac. do STA, de 6/10/93, in Ap. ao DR de 15/10/96, pag. 4831, Proc. N° 30 463; Ac. do STA de 03/05/94, Proc. nº 29 726; Ac do STA de 30/11/94, Proc. Nº 32 500.
5 Neste sentido vide entre outros o acórdão deste Tribunal de 27 de Janeiro de 2000 do processo n° 1176.
6 Cfr. Prof. Marcello Caetano, in “Manual de Direito Administrativo” I, 467.
7 Acs. do STA, de 11/12/86, in BMJ nº 362/434 e de 5/06/90, in BMJ nº 398/355; de 02/10/90, in BMJ nº 400/712; de 03/03/94, Proc. Nº 033069; de 23/03/95, Proc. Nº 032586, entre outros.
8 Entre outros, o Ac. do STA de 6/10/93, in Ap. ao DR de 15/10/96, pag. 4831.
9 Ac. do STA de 11/10/2006, Proc. nº 010/06.
10 Tal como se decidiu no Acórdão de 01 de Abril de 2003 do STA, do Rec. 1.228/02. No mesmo sentido, os acórdãos do STA 18.6.96, proc.º nº 39.860, de 16.5.02, proc.º nº 39.260, de 5.12.02, proc.º n° 934/02, de 24/03/2004, Proc. n° 0757/03; e 11/10/2006, Proc. n° 010/06.
11 Cfr, o cit. 24/03/2004, Proc. nº 0757/03; tb. Ac. do STA/Pleno de 19/03/99, Proe. nº 030896.
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