打印全文
Proc. nº 761/2009
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 11 de Outubro de 2011.
Descritores: Nulidade do “saneador-sentença”
Omissão dos “factos assentes”
Sub-rogação legal
Despesas de condomínio
Enriquecimento sem causa

SUMÁRIO:
I- Quando o juiz no saneador decide o mérito da causa sem necessidade de mais provas, por julgar que a questão é meramente de direito, não estamos perante a nulidade do art. 571º, nº1, al. b), do CPC, por falta de especificação dos factos assentes, se nele for expressamente referido que, ainda que provados os factos invocados pelo autor, a solução não podia deixar de ser aquela que tomou.
II- Segundo o art. 586º do Cod. Civil, não basta o cumprimento da obrigação por terceiro para que este fique sub-rogado nos direitos do credor. Preciso é que ocorra uma de duas circunstâncias: ou a prévia garantia do cumprimento por parte do terceiro, ou o interesse directo na satisfação do crédito por parte desse mesmo terceiro.
III- Não existe sub-rogação se o promitente adquirente, mesmo após a tradição da coisa, paga as despesas de condomínio que constituíam encargo do proprietário promitente vendedor e referentes ao período anterior à celebração do contrato.
IV- Para que o tribunal conheça do enriquecimento sem causa, é necessário que o autor alegue e prove os factos que constituem os requisitos do enriquecimento, não podendo o tribunal substituir-se ao autor nesse plano, em razão do princípio do dispositivo e da substanciação.

Proc. nº 761/2009
(Recurso Cível e Laboral)
Acordam no Tribunal de Segunda Instância
I- Relatório

“A, Limitada”, com sede na Alameda Dr. XXX, nº XXX, Edif. XXX, Xº-X, moveu acção comum sob a forma de processo ordinário contra “B, Lda”, com sede na Avenida da XXX, nº XXX, Xº, edif. XXX, pedindo o pagamento de Mop$ 2.445.865,00, alegadamente em razão de despesas de condomínio efectuadas e não pagas, e juros vencidos (Mop$797.687,04) e vincendos até integral pagamento.
*
No saneador, o M.mo juiz do tribunal de 1ª instância julgou improcedente a ineptidão da petição inicial e, sem necessidade de mais provas ou diligências, conheceu do mérito da causa, julgando-a improcedente.
*
Desse despacho recorre a autora, em cujas alegações formula as seguintes conclusões:
a) Toda a sentença tem necessariamente de enumerar os factos que o Tribunal julga provados, pois só perante uma concreta versão dos factos é possível e faz sentido aí posterior tarefa de indagação, interpretação e aplicação das normas pertinentes à decisão do caso concreto.
b) Não elencando os factos em que fundamenta a decisão de direito, a sentença recorrida violou os arts. 556°/2, 562°/2 e 429°/1, do CPC, sendo nos termos do art. 571 °/1, al. b), do CPC, nulidade que a recorrente argui.
c) A obrigação de contribuir para as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns dos prédios constituídos em propriedade horizontal, prevista no artigo 1311º, do CC, é uma típica obrigação propter rem, que se caracteriza por o sujeito passivo ser determinado por ser titular de um determinado direito real sobre a coisa.
d) Tendo a Ré prometido vender à Autora, e esta prometido comprar àquela, diversas fracções autónomas, e tendo no momento da celebração do contrato sido as fracções entregues pela primeira à segunda, esta adquiriu nesse momento a posse e a fruição das mesmas.
e) Por isso, a obrigação de pagamento das mensalidades do condomínio em causa nos autos, quer as vencidas antes quer as vencidas depois da celebração dos contratos-promessa, passaram, em consequência da entrega das fracções negociadas, da esfera jurídica da Ré para a esfera jurídica da Autora, pelo que esta passou a ser a devedora dos montantes em dívida.
f) O contrato celebrado entre a Autora e a Ré em 02 de Junho de 2004 é, no que se refere ao pagamento a efectuar pela Ré e no confronto desta com a administração de condomínio um contrato com prestação a terceiro, que consente à Ré pagar directamente à administração do condomínio, mas não tendo atribuído a esta o direito de exigir essa prestação.
g) Não tendo a Ré cumprido, podia a Autora como o fez, pagar ela à administração do condomínio a totalidade das mensalidades em apreço e a seguir exigir o correspondente reembolso 1 regresso à Ré com fundamento no contrato de 02 de Junho de 2004
h) Pelo que decidindo de forma diferente, a sentença recorrida violou o disposto nos arts. 1311°, 1175°, 1187°/b, 399°/1, e 400°/2, do CC.
i) Pode também entender-se que não faz sentido que se faça recair definitivamente sobre a adquirente o dever de pagar despesas que são devidas como contrapartida pela fruição dos imóveis, durante o período de tempo pelo qual não o usufruiu, pelo que embora as prestações pecuniárias para as despesas de condomínio sejam obrigações propter rem, elas estão de tal modo ligadas à fruição da coisa que não se transferiram definitivamente para a Autora pelo que esta pagando a dívida fica legalmente sub-rogada na posição de credor.
j) A partir do momento da celebração dos contratos-promessa e da tradição dos imóveis passou a recair sobre a Autora adquirente a obrigação de pagamento das mensalidades de condomínio, mas essas despesas estão tão ligadas à fruição da coisa que devem em qualquer caso recair também sobre quem teve essa fruição pelo período de tempo correspondente a tal fruição, pelo que essa obrigação continuou também a recair sobre a Ré alienante, podendo a administração do condomínio ter exigido o seu pagamento a uma ou a outra.
k) Tendo a Autora cumprido, pode a seguir exigir o correspondente reembolso / regresso à Ré com fundamento em sub-rogação legal, nos termos do art. 586°, do CC.
I) Pelo que decidindo de forma diferente, a sentença recorrida violou o disposto nos arts. 1311°, 1175°, 1187°/b e 586°, do CC.
Nestes termos, deve ser dado provimento ao presente recurso e, consequentemente, ser a sentença recorrida revogada e substituída por outra que ordene o prosseguimento dos autos, com selecção da matéria de facto relevante face às várias soluções plausíveis da questão de direito, seguindo-se os demais termos até final, o que constitui uma decisão de JUSTIÇA.
*

Em contra-alegações a ré defendeu-se do seguinte modo conclusivo:
A. Ao conhecer imediatamente do mérito da causa, nos termos do disposto no Art. 429.º n.º 1 al. b) do CP.C, o Meritíssimo Juiz a quo não tem de aplicar o Art. 556.º n. º 2 do C.P.C;
B. O Meritíssimo Juiz a quo aceita todos os factos alegados pela A., citando-a (fê-lo em letra diferente e entre aspas), elencando todos os factos que a A. alegou na P.I.. Cumprindo, assim, o estipulado no Art. 562.º n.º 2 e 571.º n.º 1 al. b), ambos do C.P.C.
C. No caso dos autos a venda ainda não se tinha realizado pelo que a Recorrente é mera promitente compradora das fracções, ou seja, tem a expectativa de as vir a adquirir.
D. Em momento algum a Recorrente alega que tenha pago o que quer que seja a título de princípio de pagamento ou sinal, ou até, que haja pago a totalidade do preço.
E. Não alega que tenha havido tradição da coisa.
F. Não se invoca nem resulta dos autos que na sequência dos aludidos contratos tivesse ficado obrigada a pagar as despesas de condomínio;
G. Logo sendo a obrigação de pagar as despesas de condomínio do condómino e não tendo a Recorrente essa qualidade, não gozando de qualquer direito real sobre os imóveis,' nunca podia ser-lhe exigido o pagamento do condomínio;
H. A A./Recorrente não alegou qualquer interesse directo na satisfação do crédito da Ré, pelo que nunca seria de aplicar o Art. 586.º do C.C, não havendo qualquer sub-rogação legal.
I. Não violou o Tribunal a quo nenhuma das normas apontadas pela recorrente.
*
Cumpre decidir.
***
II- Os Factos
Embora o juiz não tenha feito no despacho saneador a indicação dos factos assentes (a omissão será tratada à frente, quando da apreciação do recurso), nada obsta a que os indiquemos nós, ao abrigo art. 629º do CPC (se o preceito permite a alteração, também há-de permitir a fixação da factualidade provada que o juiz “a quo” não expressamente consignou).
Temos, assim, por assente, por documentos e confissão, a seguinte factualidade:
a) Em 23 de Fevereiro de 2001, a Autora “A, Limitada” prometeu comprar à ré, “B, Lda”, que lhe prometeu vender e delas fez entrega àquela as fracções autónomas, sitas no NAPE, edifício XXX, em Macau indicadas nos documentos 1, 2 e 3 juntos com a petição inicial.
b) Algum tempo depois, a autora foi contactada pela”Sociedade de Administração Predial XXX”, encarregada da administração do condomínio do aludido edifício, reclamando o pagamento de importâncias em dívida desde o mês de Fevereiro de 1995.
c) Eram importâncias que correspondiam a despesas de condomínio respeitantes às fracções que a autora prometera comprar.
d) O valor ascendia a Mop$ 2.445.865,00.
e) A autora interpelou a ré para regularizar a situação.
f) A empresa administradora do condomínio não aceitava o pagamento das despesas que se iam vencendo, sem o pagamento das despesas referentes aos valores atrasados.
g) Em 2/06/ 2004 autora e ré reduziram a escrito um acordo segundo o qual a ré pagaria as despesas de condomínio vencidas até Fevereiro de 2001 e que a autora pagaria os encargos devidos a partir de Março desse mesmo ano.
h) A ré não pagou as despesas vencidas até Fevereiro de 2001 e em 12 de Agosto de 2004 a autora pagou a totalidade da dívida.
***
O Direito
1- Da nulidade do despacho saneador
O despacho saneador não fez a selecção da matéria de facto. Não obstante, conheceu do pedido. Ora, é precisamente por causa disso, isto é, por tal despacho não ter elencado os factos julgados provados que a recorrente começa por arguir a sua nulidade, com base no art. 571º, nº1, al. b), do CPC.
Vejamos. Efectivamente, quando o despacho saneador conhece do mérito da causa, toma geralmente o nome de “saneador-sentença”. E o rigorismo literal da expressão, tendo em conta o cofre legal onde se abriga o valor da matéria de facto, apontaria para a necessidade de consignação dos elementos factuais adquiridos sem qualquer impugnação. Estamos a pensar nos arts. 556º, nº2 e 562º, nº2 do CPC. Na verdade, são preceitos que, embora dedicados à fase da sentença, inculcam o dever de expor publicamente os factos dados por provados, para desse modo se efectuar, com toda a transparência, o exame crítico do acervo da matéria obtida.
E até diríamos mais: Se a lei consente o conhecimento imediato do pedido sempre que o estado da causa o permitir “…sem necessidade de mais provas…” (ver art. 429º, nº1, al.b), do CPC), isso tautologicamente parece reforçar a ideia de que para o efeito são suficientes as provas já obtidas (não são precisas mais nenhumas). Ora, as provas são a demonstração dos factos através dos meios próprios. Mas, se é assim, isto é, se o juiz do saneador entende que os meios existentes nos autos (confissão, documentos, v.g.) trazem ao processo as provas bastantes, a lógica imporia talvez que dissesse quais os factos obtidos através dessas provas. Imporia a lógica e aconselharia o bom senso e a prudência, pois nessa tarefa o juiz, ao fazê-lo, acaba por se obrigar a uma maior atenção a todas as vertentes possíveis na busca da solução. E quanto maior for a atenção do juiz aos factos, provavelmente maior será a dose de acerto da solução jurídica.
Mas eis que o art. 430º, nº1 do CPC parece, de algum modo, perturbar a tranquilidade da conclusão que se ia adivinhando nas palavras antecedentes. Com efeito, este preceito reza que o juiz, “…selecciona a matéria de facto relevante…” no próprio despacho (saneador) “Se o processo tiver de prosseguir…”. Portanto, a conclusão aparente: Se o processo tiver que prosseguir, isso se deve à circunstância de haver matéria controvertida que importe esclarecer: nessa hipótese, o juiz afirmará quais os factos que julgue assentes e os que, porque duvidosos, integrarão a base instrutória. Mas, se não tiver que prosseguir, já o juiz não terá que fazer a selecção da matéria de facto. A selecção da matéria de facto, nesta tese, só se justifica por haver matéria por provar (a selecção da matéria de facto teria assim essa dupla missão: consignar a matéria desde logo assente e quesitar a controvertida). É a posição da recorrida nas suas contra-alegações.
Claro que ambas as posições apresentam virtudes. A primeira até se pode fundar na circunstância acrescida de o despacho saneador em concreto ter uma função sentenciadora. Como tal, seguindo a estrutura formal da sentença, haveria que fazer a discriminação dos factos, porque assim o manda o art. 562º do CPC.
A segunda tem a vantagem do argumento da economia de meios. Não havendo controvérsia sobre o núcleo principal de factos, e se estes não admitem diversas soluções plausíveis de direito (pressuposto contido no art. 430º do CPC), porque na mente do julgador uma só é possível, o conhecimento do direito nesta fase pode dispensar a precisão cósmica do apuramento fáctico, o afinamento da verdade material. Basta, para o efeito, que o quadro material desenhado pelo autor, mesmo que provado, não suporte a posição jurídica que ele defende na acção.
Esta 2ª posição tem a nossa adesão, ainda que não deixemos de registar o perigo que ela comporta para o juiz na sua opção, se pensarmos que algum facto impugnado possa ter escapado ao julgador e, desse modo, ruir toda a sua construção, em especial se toma por certa alguma realidade factual não totalmente pacífica.
No caso em apreço, o juiz disse que a questão era “meramente de direito” (fls. 189) porque, antes mesmo de transcrever a invocação factual feita pela Autora (fls. 188 e verso), havia considerado que o assunto girava em torno do apuramento da posição jurídica substantiva da impetrante ao efectuar o pagamento das despesas de condomínio “alegadamente da responsabilidade da ré” (fls. 188). Ou seja, o juiz não tratou o caso assente em factos impugnados, e, ao ter o cuidado de apelar ao advérbio “alegadamente”, deu o mote à sua tese: Não disse que a responsabilidade era da ré (até porque esse era um assunto controvertido), mas admitindo em abstracto, que assim fosse, a posição da autora não era a de sub-rogação! Ou seja, o juiz não jogou com factos dados por provados, mas jogou com os factos invocados para deles extrair a conclusão de que, mesmo que totalmente demonstrados (fls. 189), em caso nenhum, eles serviriam de suporte à procedência da pretensão do invocante. E isso já parece ser possível, à semelhança do que pode o juiz fazer quando indefere liminarmente a petição inicial se considerar “…evidente que a pretensão do autor não pode proceder”.
Razão, pois, para, à luz do art. 571º, nº1, al. b), do CPC se negar razão à recorrente a propósito da suscitada nulidade.
*
2- Do mérito da decisão recorrida
Entendia a autora na petição inicial que a ré, enquanto proprietária das fracções que àquela prometeu vender, tinha obrigação de suportar os encargos de condomínio, ao abrigo do art. 1331º, al. d) e 1332º, nºs 1 e 3, do Cod. Civil, até ao momento em que celebrou os respectivos contrato-promessa. Só de então em diante seria encargo seu.
Como a ré as não tivesse pago directamente à empresa encarregada da administração, pagou-as a autora por ela, no que ficou sub-rogada nos direitos da administradora, nos termos dos arts. 576º, nº1 e 586º e 589º do C.C.
Será assim?
É verdade que uma das obrigações dos condóminos é o pagamento dos encargos a que estão sujeitos para conservação e fruição das partes comuns (arts. 1331º, al. d) e 1332º do C.C.). E também certo é que tais encargos, se não satisfeitos pelo obrigado, geram uma dívida que, verificados certos condicionalismos, pode levar à produção de um título executivo (art. 1339º do C.C.).
São encargos, por outro lado, conexos com a coisa e por causa dela. São obrigações que decorrem da relação do titular do direito real com o bem e por isso se dizem propter rem ou ob rem (Antunes Varela, in Obrigações, pag. 151; Menezes Cordeiro, “Direitos Reais”, pag.366-367; Henrique Mesquita, in “A Propriedade Horizontal no Código Civil Português, RDES, XXIII, pag. 130; Ac. do STJ de 17/04/2007, Proc. nº 07B577; STJ, de 2/03/2010, Proc. nº 5662/07.5YYPRT-A.S1; STJ, de 14/09/2010, Proc. nº 4955/07.6TVLSB). A tal ponto isto é assim que só é obrigado quem for titular do direito real, a menos que a ele renuncie, e que a sucessão nesse direito implica uma sucessão na obrigação e, portanto, no débito.
Fique, porém, claro que esta sucessão não atinge o débito que constituía o encargo do anterior titular. Já por isso, se o alienante não pagar as prestações de condomínio que constituíam o seu encargo pelo período em que foi titular da coisa, o adquirente não assume automaticamente a obrigação de as pagar. Na realidade, continuam a ser obrigações do alienante (neste sentido, Penha Gonçalves, Direitos Reais, 2ª ed., 1993, pag. 132 e sgs.).
E se assim é, o administrador de condomínio não pode exigir ao adquirente a prestação do encargo que ao anterior titular cumprisse.
Evidentemente que a autora não adquiriu em 2001 a propriedade as fracções em causa, porque não celebrou nenhum contrato de compra e venda; prometeu, simplesmente, comprá-las, embora tenha havido desde logo a sua “traditio”. De qualquer maneira, mesmo que os contratos tivessem eficácia real (não provada) e fossem acompanhados da tradição da coisa (esta, sim, alegada e não impugnada), nem por isso, eles fariam recair sobre o terceiro adquirente o ónus do pagamento dos encargos passados.
Portanto, uma primeira conclusão: não tinha a autora que pagar os encargos da ré, nem a administradora de condomínio podia negar o recebimento das quantias da sua (A.) responsabilidade enquanto não fossem pagos os da ré referentes ao período anterior.
O certo é que a autora tudo pagou! E por ter pago, pergunta-se, terá ficado subrogada no lugar do credor?
A situação não está coberta pelo art. 583º do CC (sub-rogação pelo credor), uma vez que o preceito obriga a que o credor que recebe a prestação de terceiro (aqui, seria a A.) deve sub-rogá-lo expressamente até ao momento do cumprimento da obrigação. E tal expressão não aconteceu. Também não estamos perante uma sub-rogação pelo devedor, tal como delineada pelo art. 584º, na medida em que, se não é necessário o consentimento do credor, ao menos a vontade de sub-rogar deve ser expressamente manifestada pelo devedor. E isso também não sucedeu, neste caso.
Fica por apreciar a sub-rogação legal a que alude o art. 586º do CC. Só que este artigo diz que “fora dos casos previstos nos artigos anteriores ou noutras disposições da lei, o terceiro que cumpre a obrigação só fica sub-rogado nos direitos do credor quando tiver garantido o cumprimento ou quando, por outra causa, estiver directamente interessado na satisfação do crédito”.
Como se vê, não basta o cumprimento da obrigação para que o terceiro fique sub-rogado nos direitos do credor. Preciso é que ocorra uma de duas circunstâncias: ou a prévia garantia do cumprimento por parte do terceiro, ou o interesse directo na satisfação do crédito por parte desse mesmo terceiro.
Ora, no caso dos autos, não se alcança que a autora alguma vez tenha garantido o pagamento da dívida (fiança, hipoteca, etc). E, por outro lado, também não se vislumbra que interesse ele tenha tido no pagamento da dívida da ré. Na verdade, só com um interesse próprio, com conteúdo económico prático e juridicamente relevante (não cabe aqui o interesse moral, por exemplo) é possível falar-se em sub-rogação. Nesse caso, o cumprimento por terceiro justificar-se-ia em situações em que, de outro modo, poderia haver perda ou limitação de um direito que já pertença ao terceiro, como também se aceitaria nos casos em que o solvens apenas pretende acautelar a consistência económica do seu direito1.
Mas, convenhamos, nada disto está em causa nos presentes autos. Efectivamente, nem a autora era garante da obrigação da ré, nem o não pagamento por si mesma traria qualquer consequência desfavorável ou negativa para a sua esfera económica, pois que entre a dívida da ré e a sua não havia qualquer conexão. Por isso, nunca a administração podia exigir da autora o cumprimento de uma obrigação de outrem, nem tão-pouco se podia ela recusar a receber o pagamento das prestações devidas pela autora a partir de 2001. E caso isso acontecesse de verdade, seria a mora imputável à credora (cfr. art. 802º do CC), sem ignorar a possibilidade que a autora tinha de proceder à consignação em depósito, nos termos dos arts. 832º, nº1, al. b) do CC e 920º e sgs. do CPC. Quer isto dizer, portanto, que a posição jurídica substantiva da autora em nada seria atingida caso não pagasse pela ré aquilo que lhe era exclusivamente devido.
Por conseguinte, a situação não cabe na previsão do art. 586º do C.C.
É certo que a situação podia apresentar alguns contornos de similitude com o preceituado no art. 472º do CC, que estabelece o “cumprimento de obrigação alheia na convicção de estar obrigado a cumpri-la”.
Mas, nem isso verdadeiramente aqui ocorre, na medida em que a autora não se acha, e nunca se achou, obrigada a cumprir obrigação alheia. Isso mesmo até decorre do acordo escrito que A. e R. celebraram, nos termos do qual a primeira só teria que pagar a partir da celebração dos contratos de promessa, ou seja, a partir de 2001. O pagamento só foi feito com inclusão das importâncias anteriores por a administradora não aceitar o pagamento das despesas da responsabilidade da autora sem estarem pagas as vencidas, que eram da responsabilidade da ré. Foi um pagamento que se deveu a “sufocante pressão por parte da empresa administradora do condomínio”, mas sempre com a consciência de que “pagou o que não devia” (ver art. 17º da petição inicial). O que prova que este não foi um pagamento baseado em erro, tal como é pressuposto na norma do art. 472º citado.
Quer tudo isto dizer que a sentença andou bem e não merece censura ao não ter concedido procedência à acção com fundamento na sub-rogação fundada no art. 586º (podendo a situação constituir, embora, um caso de “enriquecimento sem causa”, a petição inicial não lhe fez, porém, a menor referência, sendo certo que a falta de causa do enriquecimento tem que ser alegada como provada, de harmonia com o princípio geral estabelecido no art. 335º do CC, por quem pede a restituição2).

***

IV- Decidindo
Nos termos expostos, acordam os juízes que compõem este colectivo em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
TSI, 11 / 10 / 2011.
José Cândido de Pinho
Lai Kin Hong
Choi Mou Pan










1 Pires de Lima e Antunes Varela, C.C. Anotado, I, pag. 608; Luis M. Teles de Menezes Leitão, in Direito das Obrigações, Vol. II, pag.41/42.
2 Neste sentido, Ver Código Civil anotado, Vol. I, de Pires de Lima e Antunes Varela, 4ª ed., pag. 456; também Ac. do STJ de 2/02/2010, Proc. nº 1761/06. 97UPRT.S1; Ac. STJ de 2/07/2009, Proc. nº 123/07.5TJVNF.S1; Ac. TSI, de 6/10/2011, Proc. Nº 537/2009.
---------------

------------------------------------------------------------

---------------

------------------------------------------------------------