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Acórdão do Tribunal de Última Instância
da Região Administrativa Especial de Macau




Recurso de decisão jurisdicional em matéria administrativa
N.° 17 / 2005

Recorrente: Secretário para a Economia e Finanças
Recorrido: A aliás A1





1. Relatório
   A aliás A1 interpôs recurso contencioso contra o acto do Secretário para a Economia e Finanças de 16 de Junho de 2004 que indeferiu o recurso hierárquico interposto do despacho do Director dos Serviços de Finanças que, por sua vez, lhe negou o pedido de atribuição de abono de passagens aéreas por conta da RAEM para o seu cônjuge por extensão do direito a transporte para gozo da licença especial.
   Por acórdão de 10 de Março de 2005 proferido no processo n.° 198/2004, o Tribunal de Segunda Instância concedeu provimento ao referido recurso contencioso, anulando o acto impugnado.
   Vem agora o Secretário para a Economia e Finanças apresentar o presente recurso jurisdicional perante o Tribunal de Última Instância, formulando as seguintes conclusões das alegações:
   “1. O acórdão recorrido procede a uma errada interpretação da lei – a al. a) do n.º 2 do art.º 7.º do Decreto-Lei n.º 62/98/M de 28 de Dezembro – no que concerne à inexistência de antecedentes históricos que tenham condicionado o direito ao transporte a uma situação patrimonial continuada no tempo.
   2. O acórdão recorrido, fundamentando a sua decisão na evolução do instituto e concluindo pela inexistência de qualquer limitação legal que fizesse depender o direito às passagens por uma situação patrimonial continuada no tempo, erra na interpretação da lei porquanto em 1985 o legislador estabeleceu que o mesmo requisito negativo se reportava a um período de doze meses imediatamente anteriores ao mês da apresentação do requerimento para a concessão da licença especial.
   3. O acórdão recorrido procede a uma errada interpretação e aplicação da lei – a al. a) do n.º 2 do art.º 7.º do Decreto-Lei n.º 62/98/M de 28 de Dezembro – porquanto analisa a norma sem atender às exigências do sistema em que a mesma se integra, considerando que o disposto no n.º 2 e n.º 3 do art.º 5.º exige a verificação dos requisitos para a concessão da licença especial e dos requisitos da extensão ao cônjuge do direito ao transporte no mesmo momento, todos por referência ao período temporal estatuído no n.º 1 do art.º 3.º.
   4. O acórdão recorrido procede a uma errada aplicação da lei, quando decide que a al. a) do n.º 2 do art.º 7.º do Decreto-Lei n.º 62/98/M de 28 de Dezembro, determina que a verificação de o cônjuge não auferir rendimentos superiores aos limites previstos na identificada norma deve reportar-se ao momento em que o trabalhador pretende viajar e à data da aquisição dos respectivos bilhetes, quando a lei expressamente consagra que tal verificação deve ocorrer no momento da análise do requerimento, conforme o n.º 2 e n.º 3 do art.º 3.º por referência ao período de três anos estabelecido no n.º 1 do art.º 3.º.
   5. A lei obriga a Administração a verificar os requisitos para a atribuição da licença especial no momento da apresentação do respectivo requerimento, onde consta o pedido das correspondentes passagens para o trabalhador e agregado familiar, com declaração de que os mesmos se encontram nas condições estabelecidas na al. a) do n.º 2 do art.º 7.º do DL 62/98/M, requisitos estes que conforme o n.º 2 e n.º 3 do art.º 3.º se reportam ao período de 3 anos de serviço efectivo prestado, conforme o estabelecido no n.º 1 do art.º 3.º.
   6. Não pode, por isso, a norma interpretada ser analisada isoladamente – os rendimentos auferidos pelo cônjuge reportam-se a um período temporalmente fixado o qual não é, legalmente, o momento da aquisição dos bilhetes, como decide o acórdão recorrido, tanto mais que deferido o requerimento o processamento do transporte por conta da Região é efectuado por abono directo ao titular do direito.
   7. A decisão recorrida impõe à Administração a prática de um acto administrativo ilegal, face à impossibilidade de verificar a legalidade da despesa como a lei determina.”
   Entendendo que o acórdão recorrido deve ser revogado.
   
   O recorrido, nas suas alegações, formulou as seguintes conclusões:
   “1. O argumento do recorrente de que em 1985 se exigia que se comprovasse que o cônjuge do titular do direito a licença especial ao longo dos 12 meses imediatamente anteriores à apresentação do requerimento serve antes para demonstrar que a vontade do legislador não é a de fazer exigir que se comprove a situação patrimonial do cônjuge do titular do direito ao longo de 3 anos mas que essa comprovação se deva fazer apenas tendo por referência o momento em que o titular do direito a licença especial apresenta o requerimento;
   2. Se o legislador conhecia esse limite que resultava da legislação de 1985 e não o consagrou em 1989 nem em 1998 foi porque o quis abandonar;
   3. Dizer que o prazo é de 3 anos porque é de 3 anos o prazo que o legislador define para a formação do direito à licença especial significa confundir realidades diferentes;
   4. O direito à licença especial e o direito ao transporte ainda que realidades interligadas, têm natureza, estrutura e teleologia diferenciadas;
   5. O direito à licença especial é um direito de formação sucessiva, dotado de uma estrutura complexa, constituída pelos momentos da aquisição, formação, vencimento e gozo;
   6. Porque é um direito de aquisição/formação progressiva é que a lei confere ao seu titular, nos casos em que a cessação definitiva de funções ocorra num momento em que não se tenha vencido ainda este direito, o direito a uma compensação pecuniária de valor correspondente a 5 dias por cada semestre de serviço prestado, contados a partir do dia imediato àquele em que venceu o direito a anterior licença;
   7. O direito a licença especial constitui uma concretização do direito ao repouso do trabalhador, tendo por finalidade a prossecução dos valores ligados ao repouso laboral e recuperação do equilíbrio social e psico-fisiológico do trabalhador, mas também da sua realização pessoal e cultural e da sua integração familiar;
   8. O direito a transporte não é um direito de formação progressiva, o decurso do tempo não tem relativamente a ele qualquer relevo, a aquisição do direito ao transporte apenas depende da existência de um direito à licença especial vencido;
   9. O abono de viagens aéreas para os membros do agregado familiar integra o mesmo direito a transporte de que é titular o do direito à licença especial e depende de cônjuge e os ascendentes e descendentes verificarem certos requisitos; para o cônjuge exige-se que não tenha rendimentos próprios mensais superiores ao valor do índice 160 ou anuais superiores àquele índice vezes 12 meses;
   10. O recorrido preencheu o requisito negativo que a lei estabelece para que pudesse beneficiar da extensão do direito ao transporte ao seu cônjuge, uma vez que este não tinha rendimentos próprios, dado que se encontrava desempregado, desde 23 de Abril de 2003;
   11. A lei não exige que este requisito negativo, para a extensão do direito a transporte ao cônjuge do titular do direito a licença especial, se tenha de verificar durante os 3 anos necessários para a formação do direito à licença especial, dado que o direito a transporte não é um direito de formação progressiva e a sua aquisição não depende do decurso de qualquer tempo;
   12. O legislador pretendeu com este direito apenas permitir que o gozo do direito à licença especial se não fizesse com prejuízo para a unidade do agregado familiar, sendo que o abono de passagens ao membros do agregado é um forma de incentivar o titular do direito à licença especial a gozá-lo na companhia dos mesmos;
   13. Afirmar que o requisito legal que permite a extensão ao cônjuge do direito ao transporte se tem de reportar necessariamente a todo aquele período de 3 anos, é não atender correctamente aos cânones interpretativos;
   14. O acórdão recorrido explicitou a solução que decorre da lei, pelo que não padece de qualquer vício.”
   Entendendo que deve ser negado provimento ao recurso e mantido o acórdão recorrido.
   
   A Magistrada do Ministério Público junto do Tribunal de Última Instância emitiu o seguinte parecer:
   “Inconformando com o douto acórdão do TSI que julgou procedente o recurso contencioso interposto por A1, vem o Secretário para a Economia e Finanças interpor recurso, imputando o vício da violação de lei, concretamente a errada interpretação e aplicação do disposto na al. a) do n.º 2 do art.º 7.º do DL n.º 62/98/M.
   Discute-se o sentido em que deve ser interpretada a referida norma, que faz estender ao cônjuge do trabalhador que adquira o direito ao gozo de licença especial o direito a transporte por conta da RAEM, “desde que comprove não ter rendimentos próprios mensais superiores ao valor do índice 160 ou anuais superiores àquele índice vezes 12 meses”, o que corresponde, no caso vertente, a 8.000 patacas ou 96.000 patacas, respectivamente.
   Como se sabe, o direito à licença especial vence-se sucessivamente de 3 em 3 anos de serviço efectivamente prestado pelo trabalhador, daí que vem surgida a questão de interpretação sobre aquela norma e a divergência entre os diferentes entendimentos, do trabalhador e da Administração, que deu origem aos recursos interpostos nos presentes autos.
   Para o ora recorrente, uma vez que é estabelecido um espaço temporal de 3 anos para que o funcionário possa adquirir de novo o direito ao gozo da licença especial, é natural o pressuposto legal que confere a extensão ao cônjuge do direito ao transporte também se reportar àquele mesmo período de 3 anos, pelo que quando requer à Administração para suportar as despesas com o transporte do seu cônjuge, o funcionário deve provar que, no decurso de todo o período de 3 anos, o seu cônjuge não obteve rendimentos mensais superiores ao índice 160 ou anuais superiores àquele índice vezes 12 meses, sob pena de indeferimento do seu pedido.
   Divergentemente, defende o interessado ora recorrido que, para a extensão do direito a transporte ao cônjuge, não é necessário que aquele requisito se tenha de verificar durante os 3 anos exigidos para a formação do direito à licença especial, sendo bastante que a sua verificação se reporta ao momento em que se encontra vencido o direito à licença especial.
   No douto acórdão ora recorrido, o Tribunal faz uma análise profunda sobre a norma em causa, interpretando-a de acordo com o comando do art.º 8.º do Código Civil com recurso aos elementos literal, histórico, teleológico e sistemático, e acaba por dar razão à tese do respectivo interessado.
   Também nos parece mais defensável esta interpretação, pelo que não podemos deixar de a acompanhar.
   De facto, a extensão ao cônjuge do direito a transporte não é a mesma coisa que a concessão da licença especial, embora esta constitua pressuposto daquela. É verdade que a lei estabelece o período de 3 anos para o gozo da licença especial, no entanto tal não significa, por si tão só, que a verificação do requisito em causa tem de reportar-se necessariamente a todo aquele período.
   O mais importante é que, na consagração da al. a) do n.º 2 do art.º 7.º vê-se muito bem a intenção do legislador em evitar que o gozo de licença especial pelo funcionário possa trazer prejuízo à unidade do seu agregado familiar só porque o cônjuge não é titular do mesmo direito nem tem capacidade económica suficiente para suportar as respectivas despesas, salvaguardando assim a unidade da família e também o presumido interesse do trabalhador de passar o período de licença especial na companhia do cônjuge.
   Tal como argumenta o Magistrado do Ministério Público no seu parecer dado no recurso contencioso, “na verdade, ... , o espírito que presidiu à norma que permite a extensão ao cônjuge do direito ao transporte por conta da Região foi, inquestionavelmente, o de, em caso de poder económico insuficiente daquele, assumir a RAEM as despesas com o respectivo transporte, de modo a poder o casal usufruir em conjunto o período de férias a título de licença especial”.
   Interpretando a norma conforme este espírito, parece-nos demasiado restritiva a interpretação feita pela Administração que exige a verificação daquele requisito em todo o período temporal de 3 anos, o que não corresponde ao espírito legislativo.
   Assim sendo, e salvo o devido respeito por opiniões diferentes, afigura-se-nos que não se verifica a violação da lei na interpretação do Tribunal.
   
   E se assim não for entendido, parece que ainda se pode falar numa terceira interpretação, mais defensável do que a tese apresentada pelo recorrente.
   Isto é, mesmo aceitando o entendimento de que o período de aferição do requisito em causa se deve reportar ao de 3 anos, achamos que o que se releva é o rendimento médio auferido pelo cônjuge do funcionário durante os 3 anos, resultante do cálculo de rendimento total em 3 anos dividido por 36 meses, o que parece mais equilibrado.
   
   Pelo exposto, e uma vez que não nos parece ocorrido nos autos o vício invocado pelo recorrente, somos a pugnar pelo não provimento do presente recurso.”
   
   
   Foram apostos vistos pelos juízes-adjuntos.
   
   
   
   2. Fundamentos
   2.1 Foram dados como provados os seguintes factos pelo Tribunal de Segunda Instância:
   “O recorrente é trabalhador da Administração Pública da Região Administrativa, detendo a qualidade de funcionário.
   É titular do direito à licença especial, ao abrigo do art.º 3.º do Decreto-Lei n.º 87/89/M, de 21 de Dezembro e do art.º 2.º do Decreto-Lei n.º 62/98/M, de 28 de Dezembro.
   Tendo decorrido 3 anos de serviço efectivo prestado na Região, contados desde o dia imediato àquele em que se venceu o direito à licença anterior, e obteve notações não inferiores a BOM (cfr. art.º 3.º, n.ºs 1 e 4 do Decreto-Lei n.º 62/98/M), em 13 de Abril de 2004, formulou junto dos seus Serviços o pedido de gozo do direito à licença especial
   Tendo aí indicado pretender gozar este direito nos Estados Unidos da América, entre os dias 12 de Julho e 10 de Agosto de 2004.
   Requereu ainda que lhe fossem abonadas as passagens aéreas a que tem direito para si e para o seu cônjuge, B.
   E foi a primeira vez que pediu que fossem abonadas passagens aéreas para o seu cônjuge, uma vez que este passou a estar desempregado, e, portanto, sem rendimentos próprios, a partir de 23 de Abril de 2003.
   Razão esta que havia já determinado anteriormente o pedido e a obtenção de subsídio de família por este membro do seu agregado familiar.
   No entanto, em 25 de Maio, ficou a saber que o Senhor Director dos Serviços de Finanças, por despacho de 20 de Maio de 2004, lhe indeferira o pedido, na parte em que pedia o abono das passagens aéreas para o seu cônjuge.
   Por não poder concordar com o entendimento subjacente àquele despacho de indeferimento, teve o recorrente de interpor recurso hierárquico necessário para o Exmo. Senhor Secretário para a Economia e Finanças, o que teve lugar em 28 de Maio de 2004.
   Vindo, no entanto, este mesmo órgão a negar provimento ao recurso interposto, mantendo a decisão de indeferimento com base, no essencial, no mesmo fundamento constante do despacho hierarquicamente recorrido.
   É do seguinte teor a notificação do despacho de 16 de Junho de 2004 do Exmo. Senhor Secretário para a Economia e Finanças (ora entidade administrativa recorrida, do qual foi oportunamente interposto o presente recurso contencioso:
«Notificação do Despacho do Sr. Secretário para a Economia e Finanças, de 16/06/2004.
   Nos termos do disposto no art.º 68.º do Código do Procedimento Administrativo, fica pelo presente notificado do Despacho do Sr. Secretário para a Economia e Finanças, de 16 de Junho de 2004, exarado na Informação n.º 129/NAJ/AS/04, sendo o seu teor o que a seguir se transcreve :
   “Concordo com a parecer. Indefiro o pedido.
   Ass. Tam Pak Yuen, em 16/06/2004.”
   Reproduz-se, de seguida, a informação que sustentou o despacho transcrito:
   “1 - O indeferimento do pedido de abono do transporte relativo ao cônjuge de A, beneficiário do direito ao gozo de licença especial, está fundamentado no disposto na al. a) do n.º 2 do art.º 7.º do Decreto-Lei n.º 62/98/M, de 20 de Dezembro, que apenas atribui o direito a transporte ao cônjuge que comprove não ter rendimentos próprios mensais superiores ao valor do índice 160 ou anuais superiores àquele índice vezes 12 meses.
   Entende-se que esta comprovação se deve produzir por referência a cada um dos três anos que precederam a constituição do direito ao gozo da licença especial por ser esse o período em que este direito se foi sucessivamente formando e com ele, conexamente, o direito ao transporte conferido pelo n.º 1 do citado art.º 7.º.
   A este respeito, citamos o exposto na al. f), 2, do ofício n.º 1978/SAP/DDP/2004, de 21/05/04, em que se notifica o indeferimento da pretensão recorrida, do seguinte teor: sendo consabido que o direito a transporte do cônjuge por conta do Território não se constitui como um direito autónomo (sendo antes uma extensão do direito a transporte do titular do direito à licença especial, decorrente, por sua vez, do direito ao gozo da licença) temos por irrefutável dever a estatuição constante da al. a) do n.º 2 do art.º 7.º ser conjugada com a leitura do disposto no art.º 3.º do mencionado diploma.
   E, seguidamente, na al. h) diz o mesmo ofício: se o legislador consagrou um espaço temporal de 3 anos para que o direito ao gozo entre na esfera jurídica do funcionário e possa, de seguida, mediante o preenchimento dos pressupostos previstos pelo n.º 1 do art.º 3.º do Decreto-Lei n.º 62/98/M, ser adquirido o consequente direito a transporte, somos compelidos a interpretar que os pressupostos legais que conferem a extensão ao cônjuge do direito ao transporte terão, necessariamente, de reportar-se àquele mesmo período de tempo.
   Deste modo, o legislador faz repercutir a situação económica do cônjuge durante esse período para o efeito da extensão do direito ao transporte conexo ao direito ao gozo da licença especial, obviando a que o índice de remuneração mensal verificada à data do seu vencimento não corresponda ao nível económico médio verificado em cada um dos anos que contam para a formação do direito ao gozo da licença especial.
   Ora, no caso vertente, do exame do respectivo processo administrativo constata-se, em face da Informação prestada pelos competentes Serviços, que o cônjuge do recorrente auferiu, durante os anos de 2001 e 2002, de remunerações mensais superiores ao índice 160, facto impeditivo da atribuição do direito ao transporte requerido.
   2 - Devemos, no entanto, deter-nos na análise da argumentação jurídica em que se fundamenta o recurso, em apreço ao remeter para o exposto no ofício n.º XXXXXXXXXX, de 08/09/03, da DSAFP, endereçado à ATFPM onde se pode ler, no ponto 7 seguinte:
   “ ... é apenas na data em que se efectiva o gozo da licença especial que se procede à verificação dos pressupostos que condicionam a extensão do transporte aos familiares (cônjuge, ascendentes e descendentes) desses trabalhadores beneficiários da licença especial.”
   E no ponto 12 do mesmo ofício diz-se: “É que não é demais reiterar o significado a atribuir à expressão direito ao gozo de licença especial, constante do n.° 1 do aludido art.º 7.º, não deve ser dissociado de uma análise global e integrada de todo o regime em que se consubstancia o denominado processo de licença especial regulado nos art.ºs 2.º a 8.º (atente-se que o direito à licença especial e gozo não são realidades jurídicas coincidentes)”.
   Concluindo-se no ponto 13 do referido ofício que “Desta conjugação resulta dever considerar-se que o direito do transporte extensivo a familiares depende tão só e unicamente do acto de conferência dos pressupostos aferidos no momento do efectivo gozo da licença especial”.
   3 - Parece-nos, todavia, salvo o devido respeito pela opinião expressa, que esta questão foi já acertadamente abordada na Informação n.° 17/IL-S.E.F/2002, de 11/04/2002, que mereceu a concordância do Senhor Secretário para a Economia e Finanças, em que a este respeito se distinguem, por um lado, o momento em que o cônjuge do titular do direito ao gozo de licença especial, para quem foi requerida a extensão do direito a transporte, deverá comprovar os seus rendimentos próprios mensais ou anuais e, por outro, o espaço temporal sobre o qual deverá incidir essa comprovação.
   Segundo a citada Informação, a resposta não poderá ser outra que considerar o momento da apresentação do requerimento da extensão ao direito do transporte como o momento em que se constitui o dever de produzir a prova da verificação dos requisitos legalmente previstos. Isto porque, pela leitura das normas aplicáveis, resulta claramente que a extensão do direito a transporte tem de ser requerida pelo trabalhador que adquiriu o direito ao gozo de licença especial e, deferido o requerimento, os serviços devem iniciar o processo para a concessão das passagens.
   Outra questão, bem diferente, é a do âmbito temporal da prova a apresentar com o requerimento, considerando o regime preceituado no Decreto-Lei n.º 62/98/M, como segue:
   – Em face do disposto no n.º 1 do art.º 3.º, o pessoal com direito à licença especial pode requerer o seu gozo após 3 anos de serviço efectivo com classificação não inferior a Bom;
   – Ao abrigo do n.º 1 do art.º 7.º, o trabalhador que adquira o direito ao gozo de licença especial tem o direito a transporte;
   – Este direito, nos termos do n.º 2 do mesmo artigo, é extensivo ao cônjuge que comprove não ter rendimentos próprios mensais superiores ao valor do índice 160 ou anuais superiores àquele índice vezes 12 meses.
   – Sobre esta última questão, pode ler-se na referida Informação o seguinte : “a resposta, salvo melhor opinião, é a de que, com o requerimento, deve ser feita a prova de que, no decurso dos três anos de serviço efectivo prestado ao Território pelo titular do direito ao gozo da licença especial, o cônjuge não obteve rendimentos mensais superiores ao valor do índice 160 ou anuais superiores àquele índice vezes 12 meses.
   Assim, o elemento essencial a considerar passa a ser, para efeitos de comprovação desses rendimentos, o momento em que se venceu o direito à licença especial.
   Para este efeito não tem qualquer relevância o momento da apresentação do requerimento”.
   Acrescentaremos, pelas mesmas razões, que não é o momento do efectivo gozo da licença especial que releva para a definição do âmbito temporal da comprovação dos rendimentos exigida nos termos da lei para a extensão do direito de transporte mas sim o momento em que o trabalhador adquiriu o direito ao gozo da licença especial após 3 anos de serviço efectivo com classificação não inferior a Bom.
   Até porque o momento do efectivo gozo pode ser dissociado, por antecipação ou adiantamento, do momento em que o direito ao gozo da licença especial se venceu mediante requerimento do trabalhador apresentado no ano civil em que se preencham os requisitos para a sua concessão, nos termos previstos no art.º 6.º do Decreto-Lei n.º 62/98/M.
   Não podem, nestas circunstâncias, ser valorados para a produção da prova os rendimentos próprios mensais ou anuais do cônjuge incluídos no âmbito temporal de nova licença considerando para esta análise que, nos termos do n.º 4 do art.º 3.º deste diploma legal, o período para a concessão de nova licença inicia-se no dia imediato àquele em que se venceu o direito à licença anterior.
   Por tudo o que precede, concluímos, contrariamente ao exposto no requerimento, em apreço, que a verificação dos pressupostos legais que condicionam a atribuição do direito ao transporte do cônjuge se deve reportar ao momento em que se vence o direito ao gozo de licença especial e não ao momento da apresentação do requerimento que dá início ao processo de comprovação desses pressupostos.
   基於此,及倘 閣下同意,由於上述理由以及事實及法律依據,認為應否決該訴願並維持透過2004年5月21日第1978/SAP/DDP/2004號公函送達的公共會計廳廳長2004年5月20日的不批準批示。
   Nesta conformidade, e no caso de concordância superior, pelas razões e fundamentos de facto e de direito acima expostos, julga-se de negar provimento ao recurso e de manter o despacho de indeferimento de que se recorre, emitido a 20/05/04 pela Senhora Chefe do DCP e notificado pelo ofício n.º 1978/SAP/DDP/2004, de 21/05/04.”
   Nos termos do disposto na al. d) do art.º 70.º do CPA, cumpre informar V. Exa. de que o despacho de 16/06/04, acima transcrito, do Exmo. Senhor Secretário para a Economia e Finanças, que indeferiu a sua petição, é susceptível de recurso contencioso.
   Com os melhores cumprimentos,
   Direcção dos Serviços de Finanças, na RAEM, aos 18 de Junho de 2004.
   O Coordenador do NAJ,»”
   
   
   2.2 Aplicação do requisito para concessão do direito a transporte ao cônjuge do titular do direito a licença especial
   Está em discussão a interpretação e aplicação da norma constante da al. a) do n.º 2 do art.º 7.º do Decreto-Lei n.º 62/98/M de 28 de Dezembro sobre o requisito económico da concessão do direito a transporte ao cônjuge do titular do direito a licença especial.
   O Tribunal de Segunda Instância entende que tal requisito se deve reportar ao momento em que deva viajar e comprar os respectivos bilhetes.
   Para o ora recorrente, é no momento da apresentação do respectivo requerimento que se procede ao exame do preenchimento dos requisitos para a concessão da licença especial e da extensão ao cônjuge do direito a transporte, por um lado, e os requisitos reportam sempre ao período de cada um dos três anos de serviço, espaço temporal condicionante da formação da licença especial previsto no n.º 1 do art.º 3.º do referido Decreto-Lei, por outro.
   Para o recorrido, a lei não exige que o requisito para a extensão do direito a transporte ao cônjuge do titular do direito de licença especial se tenha de verificar durante os tais três anos, em termos semelhantes à limitação temporal de um ano estabelecida no n.º 2 do Despacho n.º 120/85 de 19 de Junho de 1985, e a comprovação se deva fazer apenas tendo por referência o momento do vencimento do direito à licença especial e da apresentação do requerimento do respectivo gozo.
   
   Nos termos do n.º 1 do art.º 3.º do Decreto-Lei n.º 62/98/M, para o pessoal da função pública que tem o direito à licença especial, pode requerer o seu gozo após três anos de serviço efectivo prestado a RAEM, com classificação não inferior a Bom.
   As despesas com o transporte do trabalhador que adquira o direito ao gozo de licença especial constituem encargo da RAEM até ao limite da viagem por via aérea a Portugal, segundo o n.º 1 do art.º 7.º do mesmo diploma.
   E prescreve assim o seu n.º 2:
   “2. O direito a transporte a que se refere o número anterior é extensivo aos seguintes familiares:
   a) Cônjuge, desde que comprove não ter rendimentos próprios mensais superiores ao valor do índice 160 ou anuais superiores àquele índice vezes 12 meses;
   b) Ascendentes e descendentes de ambos os cônjuges que confiram direito a subsídio de família.”
   A lei não refere expressamente sobre o período de tempo a ser considerado para avaliar a situação económica do cônjuge do trabalhador titular de licença especial, condição da extensão do direito a transporte.
   Não há dúvida que a extensão do direito a transporte a cônjuge e ascendentes e descendentes de ambos os cônjuges visa facilitar a reunião familiar, evitando que o trabalhador titular do direito seja obrigado a gozar a licença especial sem o acompanhamento dos familiares mais próximos apenas por causa de insuficiência económica destes. Daí a fixação dos referidos critérios como condição da extensão.
   É certo que o direito ao gozo de licença especial é de formação progressiva ao longo dos três anos de serviço efectivo prestado. Da falta da menção do limite temporal nas alíneas do n.º 2 do citado art.º 7.º não se pode concluir que os requisitos económicos constantes deste n.º 2 referem apenas ao momento do vencimento do direito ao gozo de licença especial ou da apresentação do requerimento do respectivo gozo, mas não a qualquer período, nomeadamente os tais três anos para a formação do direito.
   A letra da al. a) do n.º 2 deste art.º 7.º aponta para este sentido. O critério de rendimentos mensais ou anuais não superiores aos valores de índice 160 e deste vez 12 pressupõe a consideração de um certo período e não um preciso momento.
   O gozo de licença especial é previsível para o titular e os seus familiares com possível direito a transporte. Assim, o momento em que se deve viajar ou da compra dos respectivos bilhetes não é decisivo para efeito de avaliar o preenchimento do requisito económico, como entende o tribunal recorrido, nem o é o momento de vencimento do direito ou de apresentação do requerimento. A insuficiência ou suficiência económica do cônjuge só neste preciso momento não deve ter a virtualidade de justificar o cobrimento ou não das suas despesas de transporte pela RAEM, pois a intenção do legislador é ajudar os familiares mais próximos do titular do direito a licença especial que se encontram numa situação constante e não ocasional de insuficiência económica para custear as despesas de transporte.
   O requisito para os ascendentes e descendentes previsto na al. b) do mesmo número é entendido em termos semelhantes, ou seja, impossível de ser considerado só para determinado momento.
   Tendo o direito ao gozo de licença especial a referência dos três anos de serviço efectivo prestado, o direito a transporte do cônjuge e dos ascendentes e descendentes também deve ter a mesma referência temporal para avaliar a respectiva situação económica. Parece mais justo considerar a situação económica do mesmo período de tempo da formação do direito ao gozo de licença especial, ou seja, o mesmo período de três anos, sobretudo quando os rendimentos dos familiares são variáveis e até ocorra a situação de desemprego em determinada altura, como aconteceu exactamente no presente caso.
   Se o nível de rendimento do cônjuge for constante, então não se suscita nenhuma dificuldade na aplicação dos requisitos económicos previstos no n.º 2 do art.º 7.º. Quando se encontram situações económicas variáveis durante o período de três anos de formação do direito a gozo de licença especial, é de considerar globalmente o rendimento médio deste período de três anos para avaliar o preenchimento do requisito, e não separadamente os rendimentos médios em cada um dos três anos.
   
   Assim, o acto impugnado do ora recorrente violou o disposto na al. a) do n.º 2 do art.º 7.º do Decreto-Lei n.º 62/98/M na medida em que tomou como critério a referência a cada um dos três anos que precederam a constituição do direito a gozo de licença especial, em vez de considerar globalmente a situação dos três anos. Embora com fundamento diferente, deve ser mantida a decisão do acórdão recorrido no sentido de anular o acto impugnado.
   
   
   
   3. Decisão
   Face ao exposto, acordam em julgar improcedente o recurso.
   Sem custas por o recorrente estar legalmente isento.
   
   
   
   Aos 15 de Dezembro de 2005.



           Juízes:Chu Kin (Relator)
Viriato Manuel Pinheiro de Lima
Sam Hou Fai
A Procuradora-Adjunta presente na conferência:
Song Man Lei

Processo n.° 17 / 2005 21