Processo nº 491/2011
Data do Acórdão: 17NOV2011
Assuntos:
Contrato a favor de terceiro
SUMÁRIO
Tendo sido celebrado um contrato de prestação de serviços entre a Ré e a Sociedade de XXX de Macau Lda., em que se estipula, entre outros, o mínimo das condições remuneratórias a favor dos trabalhadores que venham a ser recrutados por essa sociedade e afectados ao serviço da Ré, estamos em face de um contrato a favor de terceiro, pois se trata de um contrato em que a Ré (empregadora do Autor e promitente da prestação) garante perante a sociedade de XXX de Macau Lda.(promissória) o mínimo das condições remuneratórios a favor dos trabalhadores estranhos ao contrato (beneficiários).
O relator
Lai Kin Hong
Processo nº 491/2011
I
Acordam na Secção Cível e Administrativa do Tribunal de Segunda Instância da RAEM
No âmbito dos autos da acção de processo do trabalho nº CV1-09-0012-LAC, do 1º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Base, proposta por A, devidamente id. nos autos, contra a B (MACAU) – Serviços e Sistemas de Segurança Limitada, foi proferida a seguinte sentença julgando parcialmente procedente a acção:
I. Relatório:
A, de nacionalidade filipina, com residência em Macau na Rua do XXX, nº XX, Edifício XXX, Xº andar X, instaurou contra B (Macau) - Serviços e Sistemas de Segurança, Limitada, a presente acção declarativa sob a forma de processo comum, emergente de contrato de trabalho, pedindo que a Ré seja condenada a pagar-lhe a quantia total de MOP$218.008,00, acrescida de juros legais até integral e efectivo pagamento, assim discriminadas:
- MOP$73.020,00 a título de diferença no vencimento base;
- MOP$26.377,00 a título de diferença por trabalho extraordinário prestado;
- MOP$57.645,00 a título de subsídio de alimentação;
- MOP$46.116,00 a título de subsídio de efectividade;
- MOP$9.900,00 a título de diferenças retributivas pela prestação de trabalho em dia de descanso semanal;
- MOP$4.950,00 a título de indemnização pelo não gozo dos dias de descanso compensatório a que tinha direito;
Para fundamentar a sua pretensão alega, muito resumidamente, que entre 24 de Novembro de 1997 e 31 de Maio de 2008 prestou a sua actividade de guarda de segurança sob as ordens, direcção e fiscalização da Ré, mediante uma contrapartida salarial, acrescentando que, por ser um trabalhador não residente na RAEM, a sua contratação só foi autorizada porque a Ré celebrou previamente um contrato de prestação de serviços com uma terceira entidade fornecedora de mão de obra não residente, contrato esse que foi sujeito à apreciação, fiscalização e aprovação da Direcção dos Serviços de Trabalho e Emprego, para obedecer aos requisitos mínimos previstos na alínea d) do n.º 9 do Despacho n.º 12/GM/88 de 01 de Fevereiro (diploma que regula a contratação de trabalhadores não residentes).
Conclui assim que, de acordo com o definido nesses contratos de prestação de serviços aprovados pela DSTE, ao longo da sua relação laboral, teria direito a auferir um salário superior ao que lhe foi pago pela Ré, teria direito ao pagamento de trabalho extraordinário a uma remuneração horária superior ao que a Ré lhe liquidou, deveria ter recebido subsídio de alimentação e subsídio de efectividade que nunca lhe foram pagos, reclamando tais diferenças retributivas por via desta acção.
Por outro lado, alega ainda o Autor que a Ré não lhe pagou a compensação legal pela prestação de trabalho em dias de descanso semanal durante 12 de Abril de 2000 e 04 de Junho de 2001, nem lhe concedeu um dia de descanso compensatório nos trinta dias seguintes, quantias de que pretende ser indemnizado nos termos supra expostos.
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Frustrada a conciliação veio a Ré requerer a intervenção principal da Sociedade de XXX de Macau – o que não foi admitido, tal como resulta do douto despacho de fls. 169 a 170 – e contestar, excepcionando a competência do tribunal, por entender haver preterição de tribunal arbitral, e impugnando os fundamentos da acção, argumentando que o contrato de prestação de serviços só pode vincular os respectivos outorgantes, nunca terceiros estranhos a essa relação, acrescentando que cumpriu todas as obrigações que assumiu perante o Autor e decorrentes dos contratos individuais de trabalho que com ele celebrou.
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Foi elaborado despacho saneador em que se afirmou a validade e regularidade da instância, se julgou improcedente a excepção dilatória de preterição de tribunal arbitral arguida pela Ré, e onde se seleccionou a matéria de facto relevante para a decisão da causa.
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Interposto recurso pela Ré, da decisão que julgou este tribunal competente para decidir esta causa, veio o mesmo a ser julgado improcedente pelos fundamentos do douto Acórdão do Tribunal de Segunda Instância lavrado nos autos.
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A audiência de julgamento decorreu com observância do formalismo legal, tendo o Tribunal respondido à matéria controvertida por despacho que não foi objecto de qualquer reclamação pelas partes.
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Questões a decidir:
- se o contrato de prestação de serviços, ao abrigo do qual a Ré foi autorizada a contratar o Autor, define os requisitos/condições mínimas da relação laboral estabelecida entre as partes;
- se ao Autor são devidas as quantias peticionadas, nomeadamente a título de descanso semanal não gozado;
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II. Fundamentação de facto:
1) A Ré é uma sociedade que se dedica à prestação de serviços de equipamentos técnicos e de segurança, vigilância, transporte de valores.(A)
2) Desde o ano de 1993, a Ré tem sido sucessivamente autorizada o contratar trabalhadores não residentes para a prestação de funções de «guarda de segurança», «supervisor de guarda de segurança», «guarda sénior»(B)
3) Desde 1992, a Ré celebrou com a Sociedade de XXX de Macau Lda., os «contratos de prestação de serviços»: n.º 9/92, de 29/06/1992; nº 6/93, de 01/03/1993; nº 2/94, de 03/01/1994; nº 29/94, de 11/05/1994; nº 45/94, de 27/12/1994.(C)
4) O contrato de prestação de serviços com base no qual a Ré outorgou o contrato individual de trabalho com o Autor, era o "Contrato de Prestação de Serviços n.º 6/93, ao abrigo do Despacho do Secretário para a Economia e Finanças de 11 Dezembro de 1994, de admissão de novos trabalhadores vindos do exterior.(D)
5) Do contrato aludido em 4. resultava que os trabalhadores não residentes ao serviço da Ré teriam direito a auferir no mínimo MOP$90,00 diárias, acrescidas de MOP$15,00 diárias a título de subsídio de alimentação, um subsídio mensal de efectividade «igual ao salário de quatro dias», sempre que no mês anterior não tenha dado qualquer falta ao serviço, sendo o horário de trabalho de 8 horas diárias, sendo o trabalho extraordinário remunerado de acordo com a legislação de Macau.(E)
6) A Ré sempre apresentou junto da entidade competente, maxime junto da Direcção dos Serviços de Trabalho e Emprego (DSTE), cópia dos «contratos de prestação de serviços» supra referidos, para efeitos de contratação de trabalhadores não residentes.(F)
7) Entre 24 de Novembro de 1997 e 31 de Maio de 2008, o Autor esteve ao serviço da Ré, exercendo funções de “guarda de segurança”.(G)
8) Trabalhando sob as ordens, direcção, instruções e fiscalização da Ré.(H)
9) Era a Ré quem fixava o local e horário de trabalho do Autor, de acordo com as suas exclusivas necessidades.(I)
10) Durante todo o período de tempo anteriormente referido, foi a Ré quem pagou o salário ao Autor.(J)
11) A Ré e o Autor acordaram nos termos constantes dos documentos juntos aos autos a fls. 47 a 65, cujos teores aqui se dão por integralmente reproduzidos.(K)
12) Entre Dezembro de 1997 e Março de 1998, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor, a título de salário, a quantia de MOP$1,800.00 mensais. (L)
13) Entre Abril de 1998 e Fevereiro de 2005, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor, a título de salário, a quantia de MOP$2,000.00 mensais. (M)
14) Entre Março de 2005 e Fevereiro de 2006, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor, a título de salário, a quantia de MOP$2,100.00 mensais.(N)
15) Entre Março de 2006 e Dezembro de 2006, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor, a título de salário, a quantia de MOP$2,288.00 mensais.(O)
16) Entre 24 de Novembro de 1997 e 31 de Junho de 2002 a Ré sempre remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$9.30 por hora.(P)
17) Entre 1 de Julho de 2002 e 31 de Dezembro de 2002 a Ré remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$10.00 por hora.(Q)
18) Entre 1 de Janeiro de 2003 e 28 de Fevereiro de 2005 a Ré remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$11.00 por hora.(R)
19) Entre 1 de Março de 2005 e 28 de Fevereiro de 2006 a Ré remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$11.30 por hora.(S)
20) Entre 1 de Março de 2006 e 31 de Dezembro de 2006 a Ré remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$11.30 por hora.(T)
21) O Autor só teve conhecimento do efectivo e concreto conteúdo de um «contrato de prestação de serviços» assinado entre a Ré e Sociedade de XXX de Macau, já depois de cessada a relação de trabalho com a Ré, mediante informação por escrito prestada pela Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais (DSAL), a pedido do Autor em Julho de 2008 (resposta ao quesito 1.º).
22) Entre 24 de Novembro de 1997 e 30 de Junho de 1999, o Autor trabalhou em turnos de 12 horas de trabalho por dia.(2.º)
23) Entre 24 de Novembro de 1997 e 30 de Junho de 1999, o Autor prestou 4 horas de trabalho extraordinário por dia (3.º)
24) Entre 1 de Julho 1999 e 30 de Junho de 2002 o Autor prestou 5019,5 horas de trabalho extraordinário.(4.º)
25) Entre 1 de Julho de 2002 e 31 de Dezembro de 2002 o Autor prestou 412 horas de trabalho extraordinário.(5.º)
26) Entre 1 de Janeiro de 2003 e 28 de Fevereiro de 2005 o Autor prestou 2486 horas de trabalho extraordinário.(6.º)
27) Entre 1 de Março de 2005 e 28 de Fevereiro de 2006 o Auotr prestou 323 horas de trabalho extraordinário.(7.º)
28) Entre 1 de Março de 2006 e 31 de Dezembro de 2006 o Autor prestou 434,5 horas de trabalho extraordinário.(8.º)
29) A Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de alimentação.(9.º)
30) Durante todo o período da relação laboral entre a Ré e o Autor, nunca o Autor – sem conhecimento e autorização prévia Ré – deu qualquer falta ao trabalho.(10.º)
31) A Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de «subsídio mensal de efectividade de montante igual ao salário de 4 dias».(11.º)
32) Entre 12 de Abril de 2000 e 04 de Junho de 2001 o Autor não gozou qualquer descanso semanal, com excepção dos dias 06 e 07 de Agosto, 10 de Setembro, 14 e 15 de Outubro do ano 2000. (12.º)
33) Pela prestação de trabalho pelo Autor nos dias de descanso semanal, o Autor sempre foi remunerado pela Ré com o valor de um salário diário, em singelo.(13.º)
34) Não lhe tendo a Ré concedido um dia de descanso compensatório.(14.º)
35) Foi por declaração de vontade do próprio Autor, que durante o período compreendido entre 24 de Novembro de 1997 e 11 de Abril de 2000 trabalhou voluntariamente nos dias de descanso semanal.(15.º)
III. Fundamentação jurídica:
A pretensão do Autor assenta no regime legal de contratação de trabalhadores não residentes, na defendida imperatividade das regras estabelecidas no Despacho n.º 12/GM/88 de 01 de Fevereiro incorporadas no clausulado mínimo do contrato de prestação de serviços exigido pela alínea c) do n.º 9 desse diploma legal.
Ficou provado que a Ré foi autorizada a contratar o Autor, enquanto trabalhador não residente, através da celebração de um contrato de prestação de serviços com uma entidade fornecedora de mão-de-obra não residente, contrato esse que posteriormente era apresentado junto da Direcção dos Serviços de Trabalho e Emprego para aprovação dessas condições de contratação (tal como ficou assente nos n.ºs 3 a 6), pelo que nesta acção importa, a nosso ver, como bem defende o Autor, analisar o regime legal a que está sujeita a contratação de trabalhadores não residentes, dado que não restarão dúvidas quanto à natureza jus laboral desta relação jurídica.
Os factos dados como assentes em 7) a 11) revelam que contrato estabelecido entre as partes é de trabalho, uma vez que está demonstrado que o Autor se obrigou, mediante uma retribuição, a prestar a sua actividade de guarda de segurança à ora Ré, fazendo-o sob a sua autoridade e direcção recebendo como contrapartida da sua actividade um salário mensal.
A Lei de Bases da Política de Emprego e dos Direitos Laborais1 no artigo 9.º admite a contratação de trabalhadores não residentes quando se verifiquem determinados pressupostos, estatuindo que essa contratação fica dependente de uma autorização administrativa a conceder individualmente a cada unidade produtiva.
Por sua vez, o Regime Jurídico das Relações de Trabalho estabelecido pelo Decreto-lei n.º 24/89/M, de 03 de Abril, vigente até 01 de Janeiro de 20092 e aprovado para definir os condicionalismos mínimos que devem ser observados na contratação entre os empregadores directos e os trabalhadores residentes, tal como resulta do seu artigo 1.º, n.º 2, esclareceu ele próprio que não seria aplicável a alguns conjuntos de relações de trabalho, entre os quais as relações de trabalho entre empregadores e trabalhadores não residentes, que seriam reguladas por normas especiais que se encontrem em vigor, nos termos do artigo 3.º, n.º 3, alínea d).
Essas normas especiais são (e foram), até à entrada em vigor da Lei n.º 21/2009 de 27.10, no passado dia 25 de Abril de 2010, as previstas no Despacho n.º 12/GM/88 de 01 de Fevereiro.
Enquanto regime especial não podem restar dúvidas quanto à sua directa aplicabilidade a esta relação jurídica, bem como quanto à circunstância de se tratar de um regime imperativo no que toca à contratação de mão-de-obra não residente no território da RAEM, afastando as regras gerais que o contrariem estabelecidas no Decreto-lei n.º 24/89/M, de 03 de Abril, e assim é em face dos artigos 1.º, n.º 2 e 6.º, n.º 3 ambos do Código Civil).
E as suas normas, que aqui transcrevemos para uma melhor compreensão do caso concreto, referem:
As empresas de Macau podem, no entanto, estabelecer contratos de prestação de serviços com terceiras entidades, visando a prestação de trabalho por parte de não-residentes, desde que obtido, para o efeito, despacho favorável do Governador (cfr. n.º 3 do citado Despacho).
O despacho referido no número anterior será proferido a requerimento da entidade interessada, depois de instruído com pareceres do Gabinete para os Assuntos de Trabalho e da Direcção dos Serviços de Economia (n.º4).
O procedimento para a admissão de mão-de-obra não-residente observará os trâmites seguintes:
a) O requerimento da entidade interessada será presente no Gabinete do Secretário-Adjunto para os Assuntos Económicos que despachará, mandando ouvir sobre o mesmo o Gabinete para os Assuntos de Trabalho e a Direcção dos Serviços de Economia, ou determinará a prestação dos esclarecimentos que julgue convenientes;
b) O Gabinete para os Assuntos de Trabalho e a Direcção dos Serviços de Economia pronunciar-se-ão sobre o pedido no prazo de 10 dias úteis;
c) Obtidos os pareceres referidos na alínea anterior, será proferido despacho que decidirá da admissão solicitada, determinando à requerente que, em caso afirmativo, faça presente o contrato de prestação de serviços com entidade habilitada como fornecedora de mão-de-obra não-residente, tal como previsto no n.º 7;
d) O contrato será remetido ao Gabinete para os Assuntos de Trabalho, a quem compete verificar e informar se se encontram satisfeitos os requisitos mínimos exigíveis para o efeito, designadamente os seguintes:
d.1. Garantia, directa ou indirecta, de alojamento condigno para os trabalhadores;
d.2. Pagamento do salário acordado com a empresa empregadora;
d.3. Assistência na doença e na maternidade;
d.4. Assistência em caso de acidentes de trabalho e de doenças profissionais;
d.5. Repatriamento dos trabalhadores considerados indesejáveis. (Os deveres mencionados em d.3. e d.4. serão obrigatoriamente garantidos através de seguro);
e) Fornecidos os elementos de informação referidos na alínea anterior será proferido despacho que decidirá da aprovação das condições de contratação dos trabalhadores não-residentes, fazendo remeter o processo ao Comandante das Forças de Segurança de Macau (n.º 9).
Foi exactamente este o procedimento adoptado pela Ré para contratar o Autor: definiu e obteve a aprovação das condições mínimas da sua contratação através do despacho do Secretário para a Economia e Finanças de 11 de Dezembro de 1994, conforme resulta provado nos autos.
Quanto a nós, essas condições, não só, são aplicáveis à relação contratual que se estabeleceu entre o Autor e a Ré em 24 de Novembro de 1997 (data em que se inicia de facto esta relação laboral), como não poderiam deixar de ser observadas pela Ré porque são essas, e não apenas as do contrato de trabalho que formalizou, que regem essa relação e foram condição da emissão da autorização necessária à celebração do contrato de trabalho, por parte da autoridade administrativa.
No domínio do Direito do Trabalho existem várias relações jurídicas a merecerem um tratamento especial e têm um regime especial justificado pela especificidade do trabalho a desenvolver3 sendo certo que no vertente caso a especialidade do regime da contratação de trabalhadores vindos do exterior se justifica por razões de política de emprego, preocupações sociais e regular funcionamento do mercado do trabalho.
Como ensina Pedro Romano Martinez4 Como em qualquer negócio jurídico, as partes têm liberdade de conformar as regras contratuais aos interesses que pretendem prosseguir. Todavia, no domínio laboral, a liberdade de estipulação contratual encontra-se limitada; a especial protecção do trabalhador, que o Direito do Trabalho pretende conferir, leva a que, frequentemente, se condicione a liberdade das partes na conformação das regras contratuais, até porque, não raras vezes, a situação factual de desigualdade entre as partes potenciaria o estabelecimento de regras desfavoráveis para o trabalhador. E continua não obstante esta especificidade, como em qualquer outro negócio jurídico, no contrato de trabalho importa distinguir as regras imperativas das supletivas. A liberdade de estipulação no contrato de trabalho encontra-se limitada, porquanto o número de normas injuntivas é superior àquele que se estabeleceu com respeito a outros negócios jurídicos.
O contrato de trabalho em apreço nestes autos tem, como já se afirmou, um regime especial que não poderia ser derrogado, afastado pelas partes.
Tendo a Ré optado por recorrer a este regime legal de contratação de trabalhadores terá de o observar integralmente, concedendo ao Autor e a todos aqueles que foram admitidos ao seu serviço a ele recorrendo, as condições mínimas constantes do contrato de prestação de serviços celebrado com a entidade fornecedora de mão de obra, uma vez que é esse contrato que define as condições mínimas, os limites, da prestação de trabalho por parte de não residentes, tal como decorre dos n.ºs 2, 3 e 9 do Despacho n.º 12/GM/88 de 01 de Fevereiro. Só há liberdade de estipulação na parte não regulada nesse contrato de prestação de serviço pelo que, quando a Ré decide formalizar o contrato de trabalho que já tinha estabelecido com o Autor (uma vez que o seu processo de contratação, tal como imposto normativamente pelo mencionado Despacho, já estava concluído), só poderia acordar em matérias que não atentassem contra esses requisitos mínimos e contra o regime jurídico a que está sujeito o contrato individual de trabalho em Macau, conforme infra se defenderá.
Note-se que nunca o Autor poderia ser admitido como trabalhador da Ré, na RAEM, por via de um contrato de trabalho individual que com ele celebrasse, verbalmente ou por escrito, antes ou depois da sua admissão (entenda-se contratação), nos termos deste regime legal especial.
Poderemos questionar a construção jurídica que está subjacente a este quadro legal de contratação, poderemos inclusive tentar enquadrar o contrato de prestação de serviços previsto no mencionado diploma num dos institutos jus civilisticos previstos no ordenamento jurídico de Macau, a verdade, porém, é que é esse o regime legal imposto no território e ao qual todas as empresas e particulares terão de se submeter se dele se quiserem prevalecer para contratarem trabalhadores vindos do exterior.
Assim sendo, dúvidas não restam que, como parte contratada, o Autor tem direito a prevalecer-se do clausulado mínimo constante do contrato de prestação de serviços, através do qual foi admitido ao serviço da Ré, para reclamar as diferenças remuneratórias e os complementos salariais a que tinha direito e que não lhe foram pagos.
Vejamos, pois, se os montantes peticionados pelo Autor lhe são efectivamente devidos.
O Autor reclama MOP$73.020,00 a título de diferenças remuneratórias entre o salário pago efectivamente pela Ré durante todo o período de execução do contrato e os valores a que estava obrigada através das condições definidas para tal contratação.
Está provado que:
- entre Dezembro de 1997 e Março de 1998, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor, a título de salário, a quantia de MOP$1,800.00 mensais, quando de acordo com o valor mínimo aprovado para a sua admissão deveria ter recebido MOP$90.00 diárias, ou seja, MOP$2.700,00 mensais, pelo que se regista uma diferença de MOP$900,00 mensais.
Assim, relativamente a este período, o Autor é credor da quantia de MOP$3.600,00 (4 meses x 900,00);
- entre Abril de 1998 e Fevereiro de 2005, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor, a título de salário, a quantia de MOP$2,000.00 mensais, quando deveria ter pago MOP$2.700,00 mensais, pelo que se regista uma diferença de MOP$700,00 mensais, num total de MOP$57.400,00 (82 meses x MOP$700,00);.
-entre Março de 2005 e Fevereiro de 2006, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor, a título de salário, a quantia de MOP$2,100.00 mensais, quando deveria ter pago MOP$2.700,00 mensais, pelo que se regista uma diferença de MOP$600,00 mensais, num total de MOP$7.200,00 (12 meses x 600 patacas);
- entre Março de 2006 e Dezembro de 2006, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor, a título de salário, a quantia de MOP$2,288.00 mensais, quando deveria ter pago MOP$2.700,00 mensais, pelo que se regista uma diferença de MOP$412,00 mensais, num total de MOP$4.120,00 (10 meses x 412 patacas);
Assim, verificamos que a título de diferenças retributivas tem o Autor direito a receber da Ré a quantia global de MOP$72.320,00.
No que tange ao trabalho extraordinário prestado pelo Autor à Ré também se verificam diferenças entre aquilo que era devido e o efectivamente pago, tendo em mente o que dispõem os artigos 10.º, n.º 2 e 11.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 24/89/M e o facto dado como assente em 5.
Assim, constatamos que:
- entre 24 de Novembro de 1997 e 30 de Junho de 2002 a Ré sempre remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$9.30 por hora, quando se obrigou a pagá-lo a MOP$11.25, havendo uma diferença de MOP$1.95, pelo que relativamente a este período, atentos os factos dados como assentes em 16, 22, 23, 24, 30 e 32 é o Autor credor da quantia global de MOP 14.351,03 (correspondente a 4 horas x 585 dias, ou seja, 2.340 horas prestadas entre 24.11.1997 e 30.06.1999 + 5019,5 horas relativas ao período seguinte, num total de 7.359,5 horas);
- entre 1 de Julho de 2002 e 31 de Dezembro de 2002 a Ré remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$ 10.00 por hora, havendo uma diferença de MOP$1.25, pelo que relativamente a este período, atentos os factos dados como assentes em 17 e 25, é o Autor credor da quantia de MOP$ 515,00 (correspondente a 412 horas x 1.25 patacas);
- entre 1 de Janeiro de 2003 e 28 de Fevereiro de 2005 a Ré remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$ 11.00 por hora, havendo uma diferença de MOP$0,25, pelo que relativamente a este período, atentos os factos dados como assentes em 18 e 26, é o Autor credor da quantia de MOP$ 621,50 (correspondente a 2486 horas x 0,25 patacas);
- a partir de 1 de Março de 2005 e até Dezembro de 2006 a Ré remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$11.30 por hora, pelo que entendemos que nenhuma diferença lhe será devida a partir dessa data, sendo certo que dos factos dados como provados não se vislumbra matéria que permita a aplicação do “diferencial especial” que o Autor quantificou em MOP$1.00 por cada hora de trabalho.
Em conclusão, a título de diferenças retributivas devidas ao Autor por trabalho prestado para além do horário normal de trabalho incumbe à Ré pagar a quantia total de MOP$15.487,53.
O Autor reclama, ainda, o pagamento de subsídio de alimentação e efectividade previstos no contrato de prestação de serviços.
Neste ponto está provado que durante todo o período da relação laboral entre a Ré e o Autor, nunca este - sem conhecimento e autorização prévia pela Ré - deu qualquer falta ao trabalho (cfr. facto 30), sendo que esta nunca lhe pagou qualquer quantia a título de subsídio de alimentação e qualquer quantia a título de «subsídio mensal efectividade de montante igual ao salário de 4 dias» (factos 29 e 31).
A ré obrigou-se a pagar MOP$15.00 diárias a titulo de subsídio de alimentação, um subsídio mensal de efectividade «igual ao salário de quatro dias», sempre que no mês anterior não tenha dado qualquer falta ao serviço (cfr. facto 5).
Assim sendo, haverá que julgar procedente o pedido do Autor de lhe ser paga a quantia de MOP$57.645,00 a título de subsídio de alimentação por 3843 dias de trabalho efectivamente prestado durante 10 anos, 6 meses e 6 dias
Idêntica conclusão se retira quanto ao subsídio de efectividade, dado que o Autor demonstrou nunca ter dado qualquer falta ao serviço durante esses 10 anos, 6 meses e 6 dias, razão pela qual lhe será devida a quantia peticionada no montante de MOP$45.430,00 (correspondentes a MOP$360,00 mensais x 12 meses x 10 anos, 6 meses e 6 dias).
Por fim, o Autor pretende ser indemnizado pelos dias de descanso semanal que não gozou entre 12 de Abril de 2000 e 04 de Junho de 2001, com excepção dos dias 06 e 07 de Agosto, 10 de Setembro, 14 e 15 de Outubro do ano 2000, facto demonstrado em 36.
Sucede, no entanto, que as normas específicas, constantes do aludido Despacho normativo, nada referem quanto aos princípios, aos direitos, deveres e garantias a que fica sujeita essa relação de trabalho, ou seja, quanto ao núcleo inderrogável de normas a que se encontram sujeitas as relações laborais no território; e nada foi definido quanto a esta matéria no contrato de trabalho escrito assinado entre as partes.
Esta questão não se coloca na actualidade uma vez que o artigo 20.º da Lei n.º 21/2009 de 27.105 estabelece a aplicação subsidiária do regime geral das relações de trabalho aos contratos com trabalhadores não residentes (aplicação subsidiária essa que já é consentânea com a redacção do artigo 3.º, n.º 3, 1) da Lei n.º 7/2008, Lei das Relações de Trabalho), mas no âmbito do Despacho n.º 12/GM/88 de 01 de Fevereiro, não existia qualquer remissão para o Regime Jurídico das Relações de Trabalho, estabelecido pelo Decreto-lei n.º 24/89/M, de 03 de Abril, sendo certo que este último diploma mesmo referia, como supra se consignou, que os contratos de trabalho celebrados entre empregadores e trabalhadores não residentes não seriam por ele abrangidos por estarem reguladas pelas normas especiais que se encontrem em vigor.
Ora, como vimos, para além das regras relativas ao procedimento de contratação, não existiram quaisquer normas especiais a regular as relações de trabalho entre não residentes e empregadores de Macau até ao passado dia 25 de Abril de 2010.
Significa isto que o Autor não se pode prevalecer do regime jurídico estabelecido pelo Decreto-lei n.º 24/89/M, de 03 de Abril, quando é o próprio contrato de prestação de serviços que faz remissão para a legislação laboral de Macau?
Salvo melhor entendimento, é para nós evidente que ao qualificarmos o contrato em questão nestes autos como de trabalho, tal como resulta definido no artigo 1079.º do Código Civil (mesmo que lhe caiba um regime específico no que se refere ao procedimento de contratação), terá de se ir buscar ao Regime Jurídico das Relações de Trabalho, estabelecido pelo Decreto-lei n.º 24/89/M, de 03 de Abril, as normas que o regulem naquilo que não for incompatível com o Despacho normativo n.º 12/GM/88 de 01 de Fevereiro, e porque este diploma é totalmente omisso quanto aos direitos, deveres e garantias dos sujeitos da relação de trabalho, nomeadamente no que concerne ao direito e à retribuição dos dias de descanso semanal.
A Lei de Bases da Política de Emprego e dos Direitos Laborais já citada estabelece no artigo 5.º, n.º 1, alínea e) que todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, nacionalidade ou território de origem, têm direito a um limite máximo da jornada de trabalho, ao descanso semanal e a férias periódicas pagas, bem como a receber remuneração nos dias feriados.
O artigo 43.º da Lei Básica da RAEM estabelece que as pessoas que não sejam residentes de Macau, mas se encontrem na Região Administrativa Especial de Macau, gozam, em conformidade com a lei, dos direitos e liberdades dos residentes de Macau, previstos no seu capítulo III, nomeadamente, são iguais perante a lei e não podem ser discriminados em razão da sua nacionalidade.
Por outro lado, vigoram em Macau vários textos internacionais de carácter geral mas com incidência no âmbito do direito do Trabalho que consagram o princípio da igualdade dos trabalhadores, independentemente do seu país de origem, em sede de cumprimento das obrigações emergentes de um contrato de trabalho; nomeadamente o Pacto Internacional de Direitos Económicos, Sociais e Culturais (PIDESC) e o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (PIDCP), ambos de 16 de Dezembro de 1966, estabelecendo este último que os Estados Parte que o subscrevem se comprometem a respeitar e garantir a todos os indivíduos que se encontrem nos seus territórios e estejam sujeitos à sua jurisdição os direitos reconhecidos (...) sem qualquer distinção derivada, nomeadamente, de (...) origem nacional (6).
Ora, no território de Macau é a própria Lei Básica que consagra o princípio da equiparação e, como tal, todos os trabalhadores, independentemente do seu país de origem, devem beneficiar dos mesmo direitos laborais que este ordenamento jurídico consagra.
Ao abrigo de tais princípios básicos, tendo ainda em mente que os casos que a lei não prevê devem ser regulados segundo a norma aplicável ao caso análogo, nos termos do artigo 9.º do Código Civil, outra conclusão não se poderá retirar que os contratos de trabalho celebrados por trabalhadores não residentes, até à entrada em vigor da Lei n.º 21/2009, devem ser regulados pelo Decreto-lei n.º 24/89/M, de 03 de Abril, em todas as questões imperativas nele previstas, quando se mostrem mais favoráveis ao trabalhador.
Neste sentido se pronuncia Miguel Quental 7 defendendo que na falta de normas especiais aplicáveis às relações de trabalho entre empregadores locais e trabalhadores não residentes haverá de integrar tal “lacuna” com recurso aos princípios gerais» constantes do próprio Regime Jurídico das Relações Laborais.
Regressando à pretensão do Autor.
O Autor alega que não gozou entre 12 de Abril de 2000 e 04 de Junho de 2001 descansos semanais e que tem direito ao pagamento desses dias pelo dobro do seu salário diário.
De facto, ficou provado que o Autor não gozou qualquer descanso semanal nesse período, com excepção dos dias 06 e 07 de Agosto, 10 de Setembro, 14 e 15 de Outubro do ano 2000, conforme está assente em 32.
Está igualmente provado que pela prestação de trabalho pelo Autor nos dias de descanso semanal, o Autor sempre foi remunerado pela Ré com o valor de um salário diário, em singelo e que não lhe foi concedido um dia de descanso compensatório nos trinta dias seguintes – cfr. factos 33 e 34.
Por fim, conforme era alegado pela Ré, está assente que o Autor, durante o período em que vigorou o seu contrato de trabalho, trabalhou voluntariamente nesses dias de descanso semanal, conforme decorre do facto 35.
O artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M de 03 de Abril dispõe, no seu n.º 1, que todos os trabalhadores têm direito a gozar, em cada período de sete dias, um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, sem prejuízo da correspondente retribuição, calculada nos termos do disposto sob o artigo 26.º.
A propósito desta questão e face à redacção da alínea b) do nº 6 do artigo 17º citado, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 32/90/M, de 9 de Julho, impõe-se definir se no caso em apreço o Autor auferia um salário ao dia, à semana ou ao mês (sendo certo que antes dessa alteração, ou seja, na redacção do Decreto-Lei n.º 24/89/M de 03 de Abril , o n.º 6 do artigo 17.º tinha um corpo único e, sem fazer distinções, atribuía ao trabalhador o direito a ser retribuído em dobro, pelo trabalho prestado em dias de descanso semanal).
No caso dos autos, o que está demonstrado é que o salário era pago mensalmente (cfr. factos 12 a 15) pelo que, para efeitos daquela disposição legal como tal deve ser considerado (que o Autor era remunerado mensalmente resulta igualmente claro da cláusulas dos seus sucessivos contratos de trabalho onde sempre se fez constar que estava garantido um valor base correspondente a um período de 30 dias, a ser depositado, também mensalmente, no dia 06 de cada mês).
O n.º 6 do artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M de 03 de Abril, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 32/90/M, de 9 de Julho, dispõe, pois, que o trabalho prestado em dia de descanso semanal deve ser pago: a) aos trabalhadores que auferem salário mensal, pelo dobro da retribuição normal.
É totalmente irrelevante que esse trabalho seja prestado por iniciativa do empregador ou do trabalhador; sendo prestado em dia destinado ao descanso semanal a entidade patronal sabe que, nos termos da lei e independentemente de qualquer declaração do trabalhador a permitir que esses dias sejam pagos em singelo, terá de os compensar com uma retribuição acrescida. Se não quiser ter esse encargo o empregador deve admitir ao seu serviço trabalhadores em número suficiente para os organizar em trabalho por turnos de forma a garantir, a todos eles, o direito básico ao descanso semanal, e impor-lhes, atento o seu poder de direcção, essa paragem semanal.
Vejamos, então, quais os valores que deveriam ter sido pagos a este trabalhador e não foram, partindo dos valores de retribuição diários que lhe eram devidos e tendo em consideração que a Ré já fez o seu pagamento em singelo, ou seja, segundo a seguinte forma de cálculo:
dia descanso semanal não gozado x 1 retribuição diária = compensação em falta (tal como decidiu o douto Acórdão do Tribunal de Última Instância, de 27 de Fevereiro de 2008, proferido no processo n.º 58/2007; e porque, no nosso entendimento, o pagamento em singelo, nesta situação, é a interpretação que corresponde à letra da lei, atenta a diferença, manifesta que existe com a indemnização devida pelo trabalho prestado em dias de feriado obrigatório remunerado) .
Aqui chegados, como sabemos que o rendimento diário devido ao Autor era de MOP$90,00, tendo em conta o facto dado como assente em 5, e como entre 12 de Abril de 2000 e 04 de Junho de 2001 teria direito a gozar 62 dias de descanso semanal, tendo gozado 5, podemos concluir que é credor da quantia de MOP$5.130 00, a este título.
Tendo ficado provado que o Autor, durante todo esse período trabalhou voluntariamente nos dias de descanso semanal, consideramos que nenhum valor lhe será devido a título de descansos compensatórios não gozados nos trinta dias seguintes, na esteira do defendido por José Carlos Bento da Silva e Miguel Arruda Quental8.
A todas as quantias supra mencionadas acrescerão juros a contar da data do trânsito em julgado desta sentença, em face ao que tem vindo a ser entendido pelo Tribunal de Segunda Instância da RAEM, nomeadamente no Acórdão proferido no processo nº 426/2007, datado de 26.07.2007, e o que dispõe o artigo 794.º, n.º 4 do CC, por estarmos na presença de um crédito ilíquido, os juros moratórios, só se vencem a contar da data em que seja proferida a decisão que procede à liquidação do quantum indemnizatório.
IV. Decisão:
Nestes termos e pelos fundamentos expostos, julga-se a acção parcialmente procedente e em consequência condena-se a Ré a pagar ao Autor as seguintes quantias:
a) MOP$72.320,00 a título de diferenças salariais;
b)MOP$15.487,53 a título de diferença retributiva por trabalho extraordinário prestado;
c) MOP$57.645,00 a título de subsídio de alimentação;
d) MOP$45.430,00 a título de subsídio de efectividade;
e) MOP$5.130 00, pela prestação de trabalho em dia de descanso semanal;
f) juros moratórios sobre cada uma das aludidas quantias, à taxa legal a contar do trânsito em julgado desta sentença.
As custas serão a cargo da Ré e do Autor na proporção do decaimento, sem prejuízo do apoio judiciário com que litiga o primeiro.
Registe e notifique.
Elaborado em computador e revisto pela signatária.
Macau, 06.05.2011
Não se conformando com essa sentença, veio a Ré recorrer dela concluindo e pedindo que:
I. Vem o presente recurso interposto da Sentença proferida pelo douto Tribunal a quo, em 16 de Julho de 2010, e pela qual foi a ora Recorrente condenada a pagar ao Autor, ora Recorrido, os seguintes montantes:
• MOP$72.320,00 a título de diferenças salariais;
• MOP$15.487,53 a titulo de diferença retributiva por trabalho extraordinário;
• MOP$57.645,00 a título de subsídio de alimentação;
• MOP$45.430,00 a título de subsídio de efectividade;
• MOP$5.130,00 pela prestação de trabalho em dia de descanso semanal;
• juros moratórios sobre cada uma das aludidas quantias, á taxa legal a contar do trânsito em julgado desta sentença
II. O Despacho n.º 12/GM/88, de 01 de Fevereiro não constitui a fonte das normas especiais que regem as relações laborais que se estabeleçam entre empregadores de Macau e trabalhadores não residentes, a que alude a alínea d) do n.º 3 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M.
III. As normas específicas constantes do Despacho n.º12/GM/88 regulam apenas o procedimento administrativo para admissão em Macau de trabalhadores não residentes e não determinam um regime jurídico regulador das relações laborais que se estabeleçam entre o empregador e um trabalhador não residente, porquanto, tratando-se de um Despacho, nos termos do então vigente Estatuto Orgânico de Macau, o mesmo foi proferido pelo Governador no âmbito das suas funções executivas, (cfr. artigo 16.°, n.º 2 do Estatuto Orgânico de Macau).
IV. O Despacho do Secretário para a Economia e Finanças mais não é do que um acto administrativo proferido no âmbito do procedimento previsto no Despacho 12/GM/88, de 01 de Fevereiro.
V. O Despacho 12/GM/88 estabelece um processo e um conjunto de condições administrativas para efeitos de obtenção de autorização de contratação de mão-de-obra estrangeira que culmina na prolação de um Despacho de Autorização, mas deste processo e condições administrativas não resulta a obrigatoriedade para a Requerente de contratar em determinadas condições, uma vez que o diploma em apreço carece da imperatividade subjacente ao direito do trabalho.
VI. E, ainda que resultasse de tais condições administrativas aquela obrigatoriedade, por estarmos perante um puro processo administrativo, também as consequências da sua violação se poderiam apenas reflectir no campo administrativo, não tendo qualquer reflexo na relação contratual de trabalho celebrada entre a Recorrente e o Recorrido.
VII. Face à natureza jurídica do Despacho 12/GM/88 não poderá o mesmo, ou qualquer acto administrativo ao abrigo do mesmo praticado, coarctar a liberdade contratual das partes, e gerar na esfera jurídica de qualquer delas direitos ou deveres que não tenham sido livre e reciprocamente acordados.
VIII. Nem as normas do Despacho n.º 12/GM/88, que o douto Tribunal a quo considerou tratarem-se das normas especiais a que alude a alínea c) do n.º 3 do artigo 3.° do Decreto-Lei 24/89/M, de 03 de Abril, e nem as condições constantes do contrato de prestação de serviços celebrado com a Sociedade de XXX de Macau, Lda. e sobre o qual recai o Despacho de Aprovação do Gabinete do Secretário-Adjunto para os Assuntos Económicos, são passíveis de regular o conteúdo das relações laborais que se venham a estabelecer na sequência da contratação autorizada.
IX. A relação laboral que se estabeleceu entre a ora Recorrente e o Recorrido rege-se somente pelo princípio da liberdade contratual, princípio esse que foi devidamente observado aquando da celebração do contrato de trabalho entre a Recorrente e o Recorrido, o qual foi integralmente cumprido pela ora Recorrente.
X. A Sentença ora em recurso padece do vício de erro na aplicação do direito, tendo incorrectamente interpretado e aplicado as disposições constantes do Despacho n.º 12/GM/88, de 01 de Fevereiro, sendo que deveria ter considerado que tal diploma legal, ou qualquer acto ao abrigo do mesmo praticado, não consitui o regime especial regulador da relação laboral que se estabeleceu entre a Recorrente e o Recorrido (entidade empregadora de Macau e trabalhador não residente).
XI. Por outro lado, afastado que está o entendimento de que o Despacho n.º 12/88/GM, de 01 de Fevereiro ou qualquer acto administrativo ou contrato de prestação de serviços ao abrigo do mesmo celebrado e aprovado, constituem a fonte das condições especiais reguladoras das relações laborais que se estabeleçam entre entidade patronal residente e trabalhador não-residente, para que o contrato de prestação de serviços celebrado entre a Recorrente e a Sociedade de XXX de Macau pudesse produzir efeitos na esfera jurídica do Recorrido havia que afastar o princípio "res inter alios acta aliis neque nocet neque prodest", enquadrando-o num dos "casos especialmente previstos na lei" (artigo 400º, nº 2 do CC).
XII. Atenta a natureza das obrigações assumidas pelos outorgantes do contrato de prestação de serviços, como seja o recrutamento e importação de mão-de-obra estrangeira e a contratação dessa mão-de-obra estrangeira, resulta por demais óbvio que o Autor não poderia assumir a posição de nenhuma das partes originais, pelo que o contrato em apreço não é enquadrável na figura do contrato para pessoa a nomear.
XIII. O contrato em apreço também não é enquadrável na figura do contrato a favor de terceiros porquanto neste tipo de contratos o benefício do terceiro nasce directamente do contrato e não de qualquer acto posterior e a obrigação do promitente é a de efectuar uma prestação e não celebrar outro contrato, ao passo que do contrato celebrado entre a Ré e a Sociedade de XXX de Macau resulta que esta se comprometia a recrutar determinado número de pessoas para virem a ser contratadas pela Ré para lhe prestarem determinada actividade manual ou intelectual mediante o pagamento de determinada retribuição e outras condições.
XIV. Para que o contrato celebrado entre a Ré e a Sociedade de XXX de Macau pudesse ser qualificado como um verdadeiro contrato a favor de terceiro, sempre seria necessário que resultasse dos autos a intenção dos contratantes de atribuir directamente ao Autor (terceiro beneficiário) um crédito ou uma vantagem patrimonial, de tal modo que este adquirisse o direito à prestação prometida de forma autónoma, por via directa e imediata do contrato, podendo, por isso, exigi-la do promitente.
XV. O contrato de prestação de serviços celebrado entre a Ré e a Sociedade de XXX de Macau, Limitada, não produz quaisquer efeitos na esfera jurídica do Autor, que do mesmo não é parte, e por não o conhecer nunca lhe criou qualquer expectativa de vir a ser beneficiário do mesmo, pelo que está definitivamente afastada a figura do contrato a favor de terceiro.
XVI. Também não estamos perante um contrato de cedência de trabalhadores uma vez que entre a Sociedade de XXX de Macau, que ocuparia a posição de empresa cedente, e o Autor, não foi celebrado qualquer contrato de trabalho.
XVII. Finalmente, poder-se-ia defender que estamos perante um contrato promessa, nos termos do qual a ora Recorrente se teria obrigado perante e Sociedade de XXX de Macau a celebrar contratos de trabalho com os trabalhadores não residentes que aquela recrutasse, e que tal promessa se estendeu aos termos em que tais contratos de trabalho deveriam ter sido celebrados, mas ainda que assim fosse, o que não se concede, tal promessa apenas foi assumida perante a Sociedade de XXX de Macau e não perante o Autor, ora Recorrido, donde para este nunca resultariam quaiquer direitos.
XVIII. O contrato de prestação de serviços celebrado entre a ora Recorrente e a Sociedade de XXX de Macau não produz quaisquer efeitos na esfera jurídica do Autor, que do mesmo não é parte e que nem a aprovação administrativa a que foi sujeito tal contrato de prestação de serviços não lhe conferiu a virtualidade de produzir efeitos jurídicos na esfera do Autor.
XIX. O Autor, ora Recorrido, apenas poderia reclamar da ora Recorrente créditos que lhe adviessem da concreta violação das obrigações assumidas por força da celebração entre as partes do contrato individual de trabalho, o que em caso não sucedeu, porquanto a ora Recorrente sempre pagou ao Autor, ora Recorrido, os valores acordados em tais contratos, e suas sucessivas renovações, a título de salário e horas extraordinárias - conforme resulta das alíneas L) a T) dos factos assentes, bem como da prova documental junta aos autos.
XX. Sem conceder, e para o caso de se entender que as condições do contrato de prestação de serviços têm de ser aplicáveis à relação contratual estabelecida entre Recorrente e Recorrido, como fez o douto Tribunal a quo sempre se diga que terá de improceder o pedido de diferenças retributivas por alegado trabalho extraordinário prestado.
XXI. Conforme clausulado no referido contrato de prestação de serviços "(...) sendo a prestação de trabalho extraordinário remunerado de harmonia com o disposto na legislação do tabalho em vigor em Macau para os operários residentes",
XXII. A Recorrente nunca se obrigou a pagar o trabalho extraordinário à razão de MOP11.25/hora, mas antes a paga-lo nos termos previstos na legislação em vigor para os trabalhadores residentes, ou seja, o Decreto-lei 24/89/M de 3 de Abril.
XXIII. O acréscimo salarial pela prestação do trabalho extraordinário corresponde ao acordado entre empregador e trabalhador, não tendo sido alegado pelo Autor, ora Recorrido que não tivesse sido pago de acordo com o acordado com a Recorrente, nem que seria outra a sua vontade negocial, pelo que, ao contrário do decidido pelo Douto Tribunal a quo nunca poderia proceder a pretensão do Recorrido quanto ao pagamento das diferenças salariais pelo trabalho extraordinário prestado, por inexistir fonte geradora da obrigação.
XXIV. No decurso da relação laboral, ou seja, ao longo de mais de 11 anos, ficou estabelecido que o trabalho prestado seria remunerado através do pagamento do salário em singelo.
XXV. O douto Tribunal a quo não poderia ter condenado a Ré com base no disposto no Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 03 de Abril, sob pena de violação expressa da alínea d), do n.º 3 do artigo 3.° desse mesmo diploma legal.
XXVI. O salário acordado entre as partes, não obstante ser pago mediante uma periodicidade mensal, era calculado de acordo com as horas de trabalho prestadas pelo Autor, ao contrário do decidido na sentença em recurso que considerou que o Autor era remunerado ao mês, o que constitui um erro notório na apreciação da prova, pelo que deve a Recorrente ser absolvida do pagamento da compensação arbitrada.
XXVII. A Sentença proferida pelo Douto Tribunal de Primeira Instancia e ora posta em crise violou o disposto na alínea c) do n.º 3 do artigo 3.°, artigo 11°, nº 2 e 17.°, n.º 6, alínea a), todos do Decreto-Lei 24/89/M, de 03 de Abril, as disposições do Despacho 12/GM/88, de 1 de Fevereiro, artigos 399° e 400.° n.º 2 do Código Civil.
Nestes termos, e nos mais em Direito que V.Exas mui doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser revogada a Sentença recorrida e substituída por Douto Acórdão a ser proferido por esse Venerando Tribunal que julgue improcedente a acção e conclua pela absolvição da Ré ora Recorrente de todo os pedidos na mesma formulados.
Termos em que farão V. Exas. a costumada JUSTIÇA!!!
Notificada o Autor ora recorrido, contra-alegou pugnando pela improcedência do recurso (vide as fls. 338 a 355 dos p. autos).
II
Foram colhidos os vistos, cumpre conhecer.
Antes de mais, é de frisar que não foi impugnada a qualificação jurídica como contrato individual de trabalho do celebrado entre o Autor e a Ré.
Sobre a questão da qualificação jurídica do contrato de prestação de serviço celebrado entre a Ré e a Sociedade de XXX de Macau, Limitada, este Tribunal de Segunda Instância já se pronunciou de forma unânime em vários acórdãos, concluindo que se trata de um contrato a favor de terceiro – Cfr. nomeadamente os Acórdãos do TSI tirados em 12MAIO2011, 19MAIO2011, 02JUN2011 e 16JUN2011, respectivamente nos proc. 574/2010, 774/2010, 876/2010 e 838/2011.
Por razões que passaremos a expor infra, não se vê razão para não manter o já decidido acerca dessa mesma questão.
Tendo em conta a qualificação jurídica do contrato celebrado entre a Ré e a Sociedade de XXX de Macau, Limitada, feita nesses Acórdãos tirados nos processos mais ou menos congéneres, já podemos antever com segurança que iremos ficar dispensados de analisar a bondade da parte das conclusões tecidas e das qualificações jurídicas operadas pela Exmª Juiz a quo, ora impugnadas pela Ré ora recorrente, nomeadamente a existência ou não de um regime legal de contratação dos trabalhadores não residentes até à publicação da Lei nº 21/2009, e a da natureza jurídica e do alcance normativo do Despacho nº 12/GM/88 de 01FEV.
Assim, de acordo com o sintetizado nas conclusões do recurso, são as seguintes questões que constituem o objecto do presente recurso:
1. Da qualificação jurídica do acordo celebrado entre a Ré e a Sociedade de XXX de Macau, Limitada;
2. Da natureza mensal do salário; e
3. Da aplicação analógica do D. L. Nº 24/89/M.
Passemos então a apreciá-las.
1. Da qualificação jurídica do acordo celebrado entre a Ré e a Sociedade de XXX de Macau, Limitada
Tal como dissemos supra, a propósito dessa mesma questão de direito, o Tribunal de Segunda Instância já se pronunciou, de forma unânime, em vários processos congéneres, sobre a natureza jurídica do negócio celebrado entre a ora Ré B e a Sociedade de XXX de Macau, Limitada e que não se vê razão para não manter a posição já por este Tribunal assumida de forma unânime.
Ora sinteticamente falando, in casu, o Autor veio reivindicar os direitos com base num contrato de prestação de serviços celebrado entre a Ré e a Sociedade de XXX de Macau Limitada.
Ficou provado nos autos que no contrato de prestação de serviços celebrado entre a Ré e a Sociedade de XXX de Macau Limitada, foram acordadas as condições de trabalho, nomeadamente o mínimo das remunerações salariais, os direitos ao subsídio de alimentação e ao subsídio mensal de efectividade, e o horário de trabalho diário, que deveriam ser oferecidos pela Ré aos trabalhadores a serem recrutados pela Sociedade de XXX de Macau Limitada e a serem afectados ao serviços à Ré.
E o Autor é um desses trabalhadores recrutados pela Sociedade de XXX de Macau Limitada e afectados ao serviço da Ré que lhe paga a contrapartida do seu trabalho.
O Tribunal a quo qualifica o contrato de prestação de serviços, celebrado entre a Ré e a Sociedade de XXX de Macau Limitada como um contrato a favor de terceiro, regulado nos artºs 437º e s.s. do Código Civil.
Então vejamos.
Reza o artº 437º do Código Civil que:
1. Por meio de contrato, pode uma das partes assumir perante outra, que tenha na promessa um interesse digno de protecção legal, a obrigação de efectuar uma prestação a favor de terceiro, estranho ao negócio; diz-se promitente a parte que assume a obrigação e promissário o contraente a quem a promessa é feita.
2. Por contrato a favor de terceiro, têm as partes ainda a possibilidade de remitir dívidas ou ceder créditos, e bem assim de constituir, modificar, transmitir ou extinguir direitos reais.
O Prof. Almeida Costa define o contrato a favor de terceiro como “aquele em que um dos contraentes (promitente) se compromete perante o outro (promissário ou estipulante) a atribuir certa vantagem a uma pessoa estranha ao negócio (destinário ou beneficiário)” – Almeida Costa, in Direito das Obrigações, 7ª ed., p.297 e s.s..
In casu, foi celebrado um contrato de prestação de serviços entre a Ré e a Sociedade de XXX de Macau Limitada., em que se estipula, entre outros, o mínimo das condições remuneratórias a favor dos trabalhadores que venham a ser recrutados por essa sociedade e afectados ao serviço da Ré.
Assim, estamos perante um contrato em que a Ré (empregadora do Autor e promitente da prestação) garante perante a Sociedade de XXX de Macau Limitada (promissária) o mínimo das condições remuneratórios a favor do trabalhador (beneficiário) estranho ao contrato, que enquanto terceiro beneficiário, adquire, por efeito imediato do contrato celebrado entre aquelas duas contraentes, o direito ao “direito a ser contratado nessas condições mínimas remuneratórias”.
Finalmente quanto às razões em que se apoiou o Exmº Juiz a quo ao não qualificar como contrato a favor de terceiro o celebrado entre a Ré e a Sociedade de XXX de Macau Limitada, é de subscrever integralmente as seguintes razões já expostas no Acórdão deste Tribunal tirado em 19MAIO2011 no processo 574/2010:
Mas, mesmo numa perspectiva de direito obrigacional puro, não somos a acompanhar, sem escolhos a leitura, aliás com mérito, que o Mmo Juiz faz dos diferentes institutos, muito particularmente no que se refere ao contrato a favor de terceiro.
Mas antes de prosseguirmos importa referir que não poucas vezes a realidade da vida é mais rica do que a realidade conceptualizada e, assim, as soluções do legislador não são bastantes para abarcar toda a factualidade.
Isto, para enfatizar que, por isso mesmo, os institutos previstos pelo legislador não são o bastante para regular toda a realidade negocial e daí que se devam conjugar, até em nome da liberdade contratual, diferentes contratos, surgindo-nos as situações de negócios mistos ou inominados.
É a partir desta constatação que nos damos a perguntar a nós próprios o que impede, em termos meramente de autonomia privada e de liberdade contratual, que alguém assuma perante outrem a obrigação de dar trabalho a um terceiro, mediante certas condições e estipulações. Sinceramente que não nos ocorre nenhum obstáculo.
Estamos perante um contrato a favor de terceiro quando, por meio de um contrato, é atribuído um benefício a um terceiro, a ele estranho, que adquire um direito próprio a essa vantagem.4
Esta noção está plasmada no artigo 437º do CC, aí se delimitando o objecto desse benefício que se pode traduzir numa prestação ou ainda numa remissão de dívidas, numa cedência de créditos ou na constituição, transmissão ou extinção de direitos reais.
O objecto imediato do contrato a favor de terceiro pode ter, na verdade, diversa natureza jurídica e os mais diferentes conteúdos económicos, bastando que a aquisição pelo terceiro seja de um benefício ou de uma vantagem.5
A razão excludente da configuração de um contrato a favor de terceiros, na tese do Mmo Juiz a quo, parece-nos algo limitativa.
Porque a obrigação assumida consiste numa prestação e não na celebração de um contrato, tal enquadramento não caberia ao caso.
Não estamos certos desta aparente linearidade.
A Ré compromete-se com uma dada Sociedade a dar trabalho ao A. e assume o compromisso de o fazer em determinadas condições.
Sinceramente que não vemos onde não exista aqui a assumpção de uma prestação, qual seja a de dar trabalho a A, a de contratar com ele e a de lhe pagar X.
Prestação é a conduta a que o devedor está obrigado ou seja o comportamento devido, na expressão lapidar de Pessoa Jorge.9
Ora o facto de a Ré ter assumido a obrigação de dar trabalho, tal não é incompatível com uma prestação de contratar, relevando aí a modalidade de uma prestação de facere. Uma prestação de facto, na verdade, pressupõe o desenvolvimento, em prol do credor, de determinada actividade e pode até traduzir-se numa prestação de um facto jurídico quando as actividades desenvolvidas são jurídicas.10
As coisas, postas assim, tornam-se agora mais claras e o instituto em referência mais se encaixa no nosso caso.
Nem o facto de a Ré se ter comprometido a celebrar um contrato exclui o enquadramento que se persegue.
O benefício para o terceiro está, como bem se alcança, não só na chance de obter trabalho (para mais enquanto não residente) e das utilidades e vantagens materiais que daí decorrem para o trabalhador, parte terceira nesse contrato, bem como das condições que a Ré se compromete a observar em benefício do trabalhador.
Aliás, esta possibilidade de acopulação entre o contrato primitivo e o contrato de trabalho posteriormente celebrado entre A. e Ré resulta como uma decorrência das obrigações primitivamente assumidas. É a primeira relação contratual, a relação de cobertura, que origina e modela a segunda relação, a relação entre o promitente e o terceiro.11
Ora, nada obsta que desta relação entre o promitente e o terceiro, para além do assumido no primitivo contrato entre o promitente e o promissário, nasçam outras obrigações como decorrentes de um outro contrato que seja celebrado entre o promitente (Ré, empregadora) e o terceiro (A., trabalhador).12
Esta aproximação encontramo-la também em Pires de lima e A. Varela, enquanto anotam que “o artigo 443º(leia-se 437º) trata não só dos casos em que todo o contrato estabelecido a favor de terceiro, como daqueles em que o contrato ou negócio a favor de terceiro se insere no contexto de um outro contrato, ao lado dele, sem prejuízo de um e outro se integrarem unitariamente na mesma relação contratual. É o que sucede, por exemplo, na doação ou no legado com encargo a favor de terceiro que pode ser um direito de preferência sobre a coisa doada ou legada, ou ainda na instituição de uma fundação com encargo a favor de pessoa ou pessoas determinadas.”13
Reunidos assim todos os requisitos legais previstos no artº 437º/1 do Código Civil, obviamente estamos em face de um verdadeiro contrato a favor de terceiro, pois é imediata e não reflexamente que a favor do trabalhador foi assumida pela Ré a obrigação de celebrar um contrato de trabalho em determinadas condições com o Autor.
2. Da natureza mensal do salário
Para a recorrente, o salário acordado entre as partes ser pago mediante uma periodicidade mensal, era calculado de acordo com as horas de trabalho prestadas pelo Autor, ao contrário do decidido na sentença em recurso que considerou que o Autor era remunerado ao mês, o que constitui um erro notório na apreciação da prova.
Alega a recorrente que os factos alegados pelo Autor nos artigos 49º, 52º, 55º e 58º da petição inicial e aceites pela Ré no artigo 30º da sua contestação e, por conseguinte, confessados, não têm correspondência com os factos constantes das alíneas g) a j) da motivação de facto.
A fim de facilitar a apreciação da questão colocada, passamos a transcrever a seguir os factos provados, concernentes aos pagamentos salariais na constância da relação de trabalho entre o Autor e a Ré.
Entre Dezembro de 1997 e Março de 1998, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor, a título de salário, a quantia de MOP$1.800,00 mensais.
Entre Abril de 1998 e Fevereiro de 2005, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor, a título de salário, a quantia de MOP$2.000,00 mensais.
Entre Março de 2005 e Fevereiro de 2006, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor, a título de salário de MOP$2.100,00 mensais.
Entre Março de 2006 e Dezembro de 2006, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou a Autor, a título de salário de MOP$2.288,00 mensais.
Quid juris?
Ora, os valores de salário concretamente provados, pelo contexto em que foram inseridos e pela lógica das coisas, não podem deixar de ser interpretados como referentes aos valores de um salário mensal.
Ora, in casu, os vários valores mensalmente pagos respeitam aos vários períodos de tempo sucessivos, quais são: de DEZ1997 a MAR1998, de ABR1998 a FEV2005, de MAR2005 a FEV2006 e de MAR2006 a DEZ2006.
Isto é, aos vários espaços de tempo, uns mais longos outros mais curtos, todos temporalmente quantificados em mês no calendário dos correspondentes anos civis.
Nota-se que durante toda a extensão de cada um desses espaços de tempo, o autor auferia sempre um salário num constante valor de dinheiro (MOP$1.800,00, MOP$2.000,00, MOP$2.100,00 e MOP$2.288,00).
E entende-se por mês cada uma das 12 divisões do ano solar, sete com 31 dias, quatro com 30 dias e uma com 28 dias ou (nos anos bissextos) 29 dias.
Pergunta-se será possível que num espaço de tempo mais ou menos longo, nomeadamente o compreendido entre ABR1998 e FEV2005, o Autor auferia, a título de salário, em todos os meses, sempre o mesmo constante valor de MOP$2.000,00, se este valor mensal fosse determinado de acordo com as horas de trabalho efectivamente prestadas pelo Autor?
Ou seja, será possível que, num período de 83 meses (de ABR1998 a FEV2005), o Autor e a Ré, conseguiram engendrar o número das horas de trabalho efectivamente prestadas, em cada um dos 83 meses de duração variada (uns com 31 dias, outros com 30, 28 ou 29 dias), por forma a corresponder exactamente a um salário no valor sempre igual de MOP$2.000,00, nem mais nem menos uma pataca?
Naturalmente as regras da experiência da vida levam-nos a responder negativamente a essa interrogação.
Uma vez que, não tendo todos estes meses o mesmo número de dias, uns com 31, outros com 30, 28 ou 29, só através de uma variação intencionalmente manipulada e bem calculada do número das horas de trabalho é que se torna possível manter sempre inalterado o quantum salarial (MOP$2.000,00) durante tantos meses.
Não cremos que foi o que aconteceu.
Antes pelo contrário, cremos que o facto de ter sido sempre no mesmo valor o salário mensalmente auferido pelo autor durante todo o período de tempo em causa deve-se à circunstância de o Autor ter auferido um salário mensal, independente do número dos dias em cada mês.
Assim, cai por terra toda a argumentação deduzida pela Ré, à luz da qual, não obstante a periodicidade do pagamento do salário ao Autor ser mensal, a verdade é que o seu quantum era determinado de acordo com as horas de trabalho efectivamente prestadas pelo Autor.
As mesmas razões valem igualmente para os restantes períodos de tempo em causa.
3. Da aplicação analógica do D. L. Nº 24/89/M
Por força do princípio da igualdade consagrado no artº 5º/1 da Lei nº 4/98/M, a sentença recorrida entende que se aplica por analogia o regime legal estabelecido no D.L.nº 24/89/M aos trabalhadores não residentes até à publicação da Lei nº 21/2009.
Manifestando a sua discordância, a Ré ora recorrente aponta que a preconizada aplicação analógica do D.L.nº 24/89/M fez incorrer a sentença recorrida no vício de manifesto erro de julgamento por violação do artº 3º/3 do mesmo decreto.
Então vejamos.
Como se sabe, até à entrada em vigor da Lei nº 21/2009 não existe no ordenamento jurídico de Macau normativos que regulam o conteúdo das relações juridico-laborais celebradas com trabalhadores não residentes.
O que existe é apenas o Despacho nº 12/88/M e a Lei nº 4/98/M.
Só que nenhum desses actos normativos tem por objectivo regular o conteúdo das relações juridico-laborais celebradas com trabalhadores não residentes, nomeadamente na matéria de direitos, deveres e garantias do trabalhador.
É verdade que do artº 3º/3-d) do D. L. Nº 24/89/M resulta que este diploma não se aplica às relações de trabalho entre empregados e trabalhadores não residentes, as quais são reguladas pelas normas especiais que se encontram em vigor.
Todavia, o problema é que não existe normas especiais reguladoras das relações de trabalho entre empregados e trabalhadores não residentes durante o período a que se reportam os factos dos presentes autos.
Para a recorrente, na circunstância da falta das normas especiais, será aplicado o regime contratualmente assumido e aceite pelas partes e bem assim os princípios gerais de direito de trabalho assumidos pelo nosso direito, como sejam, nomeadamente os previstos no artº 5º da Lei nº 4/98/M.
Na esteira desse raciocínio, defende que in casu o cálculo da remuneração a pagar ao trabalhador pelo trabalho extraordinário e pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal ser aplicado de acordo com aquilo que as partes acordaram, ou seja, o pagamento do mesmo como se um dia de trabalho normal se tratasse, o qual se encontra já pago, devendo a Ré, ora Recorrente ser absolvida do pedido.
Para nós, a boa solução quanto ao regime aplicável só poderá ser encontrada mediante a cuidadosa averiguação da razão de ser subjacente ao acima referido artº 3º/3-e) do D.L. nº 24/89/M.
Ou seja, temos de procurar saber primeiro qual é a razão que levou o nosso legislador a decidir a retirar a aplicabilidade do decreto às relações de trabalho entre empregados e trabalhadores não residentes e remetê-las para a lei especial.
A resposta está expressamente dita na Lei nº 4/98/M de 27JUL.
Essa lei, intitulada “Lei de Bases da Política de Emprego e dos Direitos Laborais”, estabelece no seu artº 9º que:
(Complemento dos recursos humanos locais)
1. A contratação de trabalhadores não residentes apenas é admitida quando, cumulativamente, vise suprir a inexistência ou insuficiência de trabalhadores residentes aptos a prestar trabalho em condições de igualdade de custos e de eficiência e seja limitada temporalmente.
2. A contratação de trabalhadores não residentes não é admitida quando, apesar de verificados os requisitos constantes do número anterior, contribua de forma significativa para a redução dos direitos laborais ou provoque, directa ou indirectamente, a cessação, sem justa causa, de contratos de trabalho.
3. A contratação de trabalhadores não residentes depende de autorização administrativa a conceder individualmente a cada unidade produtiva.
4. O recurso à prestação de trabalho por trabalhadores não residentes pode ser definida por sectores de actividade económica, consoante as necessidades do mercado, a conjuntura económica e as tendências de crescimento sectoriais.
É bem óbvia a intenção do legislador no sentido de que a contratação dos trabalhadores não residentes tem sempre natureza complementar dos recursos humanos locais.
O que justifica que a sua regulação seja remetida para uma lei especial e a diferenciação no tratamento dos trabalhadores locais e dos não residentes.
Da leitura dos normativos desse artº 9º, nota-se que não é admissível o recurso à importação da mão-de-obra por motivo da redução de custos na produção ou na exploração, mas sim por razões estritas da falta de recursos humanos locais disponíveis.
Assim, se o recurso a trabalhadores não residente não puder ter por objectivo reduzir custos da entidade patronal a fim de aumentar a sua competitividade no mercado ou maximizar os seus lucros, a diferenciação no tratamento dos trabalhadores locais e dos não residentes só se justifica no que diz respeito à sua contratação ou importação, e nunca aos seus direitos, deveres e garantias fundamentais.
Aliás estas ideias estão bem patenteadas no texto do artº 9º/1 da mesma lei de base, pois ai estão enfatizadas as condições de igualdade de custos na contratação de trabalhadores não residentes.
Por outro lado, a Lei Básica manda no seu artº 40º a continuação da aplicação das disposições constantes do Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais, mediante leis da Região Administrativa Especial de Macau.
Nos termos do artº 7º do Pacto, estabelece-se que
Os Estados-Signatários no presente Pacto reconhecem o direito de toda a pessoa gozar de condições de trabalho equitativas e satisfatórias que assegurem, em especial:
a) Uma remuneração que proporcione como mínimo a todos os trabalhadores:
i) Um salário igual pelo trabalho de igual valor, sem distinções de nenhuma espécie; em particular, deve assegurar-se às mulheres condições de trabalho não inferiores às dos homens, com salário igual para trabalho igual;
ii) Condições de vida dignas para eles e para as suas famílias, em conformidade com as disposições do presente Pacto.
b) Segurança e higiene no trabalho;
c) Iguais oportunidades de promoção no trabalho à categoria superior que lhes corresponda, sem outras considerações que não sejam os factores de tempo de serviço e capacidade;
d) O descanso, usufruir do tempo livre, a limitação razoável das horas de trabalho e férias periódicas pagas, assim como a remuneração dos dias feriados.
O que foi justamente concretizado no artº 5º da Lei de Base acima referida.
Reza esse artº 5º com a epígrafe Direitos Laborais que:
1. Todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, nacionalidade ou território de origem, têm direito:
a) À retribuição do trabalho, segundo a quantidade, natureza e qualidade;
b) À igualdade de salário entre trabalho igual ou de valor igual;
c) À prestação do trabalho em condições de higiene e segurança;
d) À assistência na doença;
e) A um limite máximo da jornada de trabalho, ao descanso semanal e a férias periódicas pagas, bem como a receber remuneração nos dias feriados;
f) À filiação em associação representativa dos seus interesses.
2. É garantida especial protecção às mulheres trabalhadoras, nomeadamente durante a gravidez e depois do parto, aos menores e aos deficientes em situação de trabalho.
Por força dessas normas de origem constitucional e da lei ordinária que vimos supra, temos sempre a obrigação de salvaguardar o princípio da igualdade de salário entre trabalho igual ou de valor igual.
Defende agora a recorrente que na falta das normas especiais reguladoras da forma da compensação de trabalho prestado pelo Autor, enquanto trabalhador não residente, em dias de descanso semanal, deve aplicar-se o acordo contratualmente estipulado, isto é, o pagamento como se um dia de trabalho normal se tratasse.
Só aceitariamos essa tese se do contratualmente acordo resultasse uma forma da compensação mais favorável ao Autor do que o mínimo exigido pela lei geral.
Comparando a forma hipotética de compensações à luz do estabelecido no D. L. nº 24/89/M e a forma defendida pela Ré, nomeadamente no que diz respeito às compensações do trabalho extraordinário e do trabalho prestado em dias de descanso semanal, salta à vista que o preconizado pela ora recorrente se mostra menos favorável ao Autor, o que viola o acima citado princípio da igualdade de salário entre trabalho igual ou de valor igual.
Portanto não é de aceitar a tese da recorrente.
Então como é que vamos preencher a lacuna da lei, resultante da falta das normas especiais a que se refere o artº 3º/3 do D. L. nº 24/89/M.
A este propósito diz o Código Civil no seu artº 9º que:
1. Os casos que a lei não preveja são regulados segundo a norma aplicável aos casos análogos.
2. Há analogia sempre que no caso omisso procedam as razões justificativas da regulamentação do caso previsto na lei.
3. Na falta de caso análogo, a situação é resolvida segundo a norma que o próprio intérprete criaria, se houvesse de legislar dentro do espírito do sistema.
Ora, in casu, com respeito pelo princípio da igualdade de salário entre trabalho igual ou de valor igual, entendemos que as razões subjacentes ao citado artº 17º do D. L. nº 24/89/M e justificativas da atribuição de uma compensação pelo dobro da retribuição normal valem perfeitamente para a regulação, ora omissa na lei vigente, da compensação do trabalho prestado em dias de descanso semanal pelo trabalhadores não residentes.
Nem se diga que a essa solução obsta a circunstância de o próprio D. L. nº 24/89/M ter determinado a sua não aplicação às relações laborais com trabalhadores não residentes, uma vez que a não aplicação é condicional, isto é, só se não aplica se existirem normas especiais nesta matéria.
Não se verificando essa condição, naturalmente nada obsta a aplicação analógica.
Ademais, mesmo que não se recorresse à aplicação analógica do artº 17º do mesmo decreto para a integração da lacuna, a solução seria a mesma, pois pegando do princípio da igualdade de salário entre trabalho igual ou de valor igual, estamos sempre habilitados para criar uma norma de teor igual a fim de a aplicar ao caso sub judice, ao abrigo do disposto no artº 9º/3 do Código Civil.
Encontrado o regime legal aplicável, já estamos em condições de o aplicar ao caso em apreço.
Na esteira da jurisprudência pacífica do TSI a este propósito (cf. nomeadamente os Ac. deste TSI nos proc. 780/2007, 912/2009), temos vindo a entender que no âmbito do Decreto-Lei nº 24/89/M, para cálculo de quantia a pagar ao trabalho voluntariamente prestado em dias de descanso semanal, a fórmula é:
2 X o salário diário médio X número de dias de prestação de trabalho em descanso semanal, fora das situações previstas no artº 17º/3, nem para tal constrangido pela entidade patronal.
Apesar de in casu o Tribunal a quo se ter limitado a aplicar o multiplicador de X 1 e não X 2, como aqui defendemos, é de manter essa parte da sentença recorrida pura e simplesmente por não ter o Autor impugnado por via de recurso.
Tudo visto, é de concluir.
Em face do defendido por nós, acerca da qualificação jurídica do contrato celebrado entre a Ré e a Sociedade de XXX de Macau Limitada, da natureza mensal do salário do Autor e Da aplicação analógica do D. L. Nº 24/89/M, improcede todo o peticionado pela Ré nas motivações do recurso por ele interposto.
Assim, sem necessidade de mais delongas, é de julgar improcedente o recurso da Ré.
Tudo visto resta decidir.
III
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em conferência negar provimento ao recurso interposto pela Ré, mantendo na íntegra a sentença recorrida.
Custas pela recorrente em ambas as instâncias.
Notifique.
RAEM, 17NOV2011
Lai Kin Hong
Choi Mou Pan
João A. G. Gil de Oliveira
1 Aprovada pela Lei n.º4/98/M, de 27 de Julho, publicada no BO de Macau n.º 30, I série.
2 Altura em que entrou em vigor a Lei n.º 7/2008, Lei das Relações de Trabalho.
3 Como acontece, por exemplo, no direito português com o contrato de trabalho rural, de trabalho portuário, de trabalho a bordo, profissionais do espectáculo ou do desporto; e como se verifica em Macau quanto à relação de serviço doméstico.
4 In Direito do Trabalho, Almedina, Janeiro de 2004, pág. 603 e seguintes.
5 Lei da contratação de trabalhadores não residentes.
6 Vide Guilherme Machado Dray, in Autonomia Privada e Igualdade na Formação e Execução de Contratos Individuais de Trabalho, Estudos do Instituto de Direito do Trabalho, Vol. I, Almedina, Janeiro de 2001, pág.33 e ss..
7 No artigo “Os Direitos dos Trabalhadores Não Residentes à Luz do Regime Jurídico das Relações Laborais da RAEM” publicado pela Universidade de Macau, Boletim da Faculdade de Direito, Ano XIII, n.º 27, 2009, págs. 363 a 380.
8 In Manual de Formação de Direito do Trabalho em Macau, Centro de Formação Jurídica e Judiciária, 2006, pág. 96.
4 - Diogo Leite Campos, Contrato a favor de terceiro, 2ª ed., 1991, 13
5 - Leite de Campos, ob. cit., 17
9 - Obrigações, 1966, 55
10 - Menezes Cordeiro, Dto Obrig., 1980, 1º, 336 e 338
11 - Leite de Campos, ob. cit.27
12 - Leite Campos, ob. cit. 79 e 115
13 - CCAnot. 4ª ed.,1987, vol I, 426
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Ac. 491/2011-1