Processo nº 389/2011 Data: 20.10.2011
(Autos de recurso penal)
Assuntos : Crime de “Resistência e Coacção”.
Atenuação especial da pena.
Suspensão da execução da pena.
SUMÁRIO
1. A atenuação especial da pena apenas deve ter lugar em situações “extraordinárias” ou “excepcionais”, quando a conduta em causa se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatui os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respectivo.
2. O artigo 48º do Código Penal de Macau faculta ao juiz julgador a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido quando:
– a pena de prisão aplicada o tenha sido em medida não superior a três (3) anos; e,
– conclua que a simples censura do facto e ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (cfr. Art.º 40.º), isto, tendo em conta a personalidade do agente, as condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste.
E, mesmo sendo favorável o prognóstico relativamente ao delinquente, apreciado à luz de considerações exclusivas da execução da prisão não deverá ser decretada a suspensão se a ela se opuseram as necessidades de prevenção do crime.
O relator,
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José Maria Dias Azedo
Processo nº 389/2011
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. A, arguido com os sinais dos autos, respondeu à revelia no T.J.B., vindo, a final, a ser condenado pela prática de 1 crime de “resistência e coacção” p. e p. pelo art. 311° do C.P.M., na pena de 8 meses de prisão e no pagamento de MOP$1.000,00, a título de danos não patrimoniais ao ofendido B (B); (cfr., fls. 223 a 224).
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Após notificado, e porque inconformado, o arguido recorreu para, em sede de conclusões, afirmar o que segue:
“I. Vem o presente recurso interposto do acórdão que condenou o Arguido, ora Recorrente na pena de oito meses de prisão efectiva pela prática, em autoria material e sob a forma consumada, de um crime de resistência e coação p.p. pelo artigo 311° do Código Penal.
II. Não pode o Recorrente conformar-se com a pena concreta de prisão efectiva que os Mmos. Juízes a quo entenderam aplicar à sua conduta, por ser a mesma desproporcionada e inadequada nos termos legais, devendo aquela pena merecer censura em sede de consideração da dosiometria da medida concreta da pena, e de atenuação especial da pena.
III. O acórdão recorrido padece do vício de violação da lei expressa, por o Tribunal "a quo" não ter procedido a suspensão da execução da pena de prisão nos termos do disposto nos artigos 40° e seguintes do Código Penal, designadamente do artigo 48° e 65° do referido código, como se demonstrará a seguir.
IV. Apurados que sejam factos sobre o comportamento do arguido, sobre a sua vivência pessoal e profissional, após a prática daqueles outros factos pelos quais foi julgado será de concluir que a condenação do arguido em pena efectiva de prisão conduz a um claro excesso, devendo antes ser suspensa na sua execução conforme alude o artigo 48° do Código Penal.
V. Os factos em julgamento nos presentes autos ocorreram em 21 de Abril de 2005, ou seja, há mais de 6 anos, e quando o ora Recorrente se encontrava animado com uma taxa de álcool no sangue de 2.2gr/l.
VI. Não tendo o ora Recorrente estado presente na audiência de discussão e julgamento e portanto não tendo sido possível apresentar a sua defesa, na primeira pessoa e tendo tido apenas ao seu dispor a possibilidade de interposição de recurso, após ter sido notificado pessoalmente da decisão condenatória, apenas por via do presente Recurso pode o Arguido aduzir factos que conduziram à almejada suspensão da pena de prisão a que foi condenado.
VII. Veja-se que o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, que se invoca pela importância que o mesmo representa no sistema jurídico mundial, admite a possibilidade de julgamento do arguido na sua ausência e a compatibilidade deste procedimento com a Convenção Europeia dos Direitos do Homem, mas apenas e só desde que este. posteriormente, tenha o direito a que um tribunal de recurso decida. de novo tanto sobre a matéria de facto como sobre a matéria de direito, após a sua audição pessoal sobre o fundamento da acusação (cfr. António Rodrigues Gaspar, “Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, Direito Penal e Direito Processual Penal”, in RPCC, ano 12, n° 2, p. 290), citado no acórdão do TRL de 27.03.2003 8proc. 0093549, relator Nuno Gomes da Silva)
VIII. E o sistema jurídico desta Região compatibiliza-se com os mencionados princípios motivo pelo qual o Recorrente ora invoca perante este Venerando Tribunal factos que considera essenciais serem tidos em conta para a aplicação da medida concreta da pena, em face do preceituado no artigo 65° do Código de Penal.
IX. Ao longo dos vários anos que decorreram desde a data dos factos - 21 de Abril de 2005 - até à audiência de julgamento - 11 de Junho de 2009 - e bem assim até à presente data, as circunstâncias de vida pessoal e profissional do ora Recorrente em muito se alteraram. Na verdade,
X. Desde Agosto de 2008 o ora Recorrente vive maritalmente, com C, de nacionalidade Filipina.
XI. Sendo que em 8 de Agosto de 2009, dessa união nasceu um filho, de nome D;
XII. Perante a gravidez da sua companheira, e na eminência de ser pai, em Maio de 2009 o ora Recorrente, deslocou-se para o Reino Unido, com a finalidade de se submeter a um tratamento de desintoxicação do álcool, por forma a livrar-se de um vicio que há muito o perseguia.
XIII. O Recorrente começou a trabalhar para poder suportar economicamente a sua família, sendo que mais recentemente, em 4 de Setembro de 2010, o ora Recorrente desempenhava as funções de cozinheiro, num restaurante de “take away” denominado Fusion Lounge Chinese and Thai sito em ...... SI. ......, OL 16 ……, onde auferia a quantia de 250 libras semanais.
XIV. Ao longo dos últimos anos o Recorrente tem enfrentado o desvalor das suas condutas, bem sabendo que por mais de uma vez teve comportamentos que hoje o envergonham.
XV. Tais factos não puderam ser atendidos pelo douto Tribunal a quo porquanto o julgamento decorreu na ausência do arguido, não tendo assim sido possível ao douto Colectivo ajuizar a personalidade do ora Recorrente.
XVI. Atenta a idade actual do ora Recorrente e as circunstâncias pessoais (nomeadamente integração familiar e profissional) a mera censura do facto ira realizar cabalmente as finalidades da punição, sendo a manutenção da pena efectiva de prisão a que o Arguido foi condenado contraproducente.
XVII. Houve toda uma alteração das circunstâncias de vida do arguido desde a data da prática dos factos - Abril de 2005- até a presente data.
XVIII. Circunstâncias que esse Venerando Tribunal deverá atender, convencendo-se que nesta fase da vida do Recorrente bastará a mera censura dos factos e a ameaça de cumprimento da pena de prisão para serem alcançados os objectivos da punição.
XIX. Como se assinala no acórdão do STJ de 31.01.2008 (proc. 07P3272, relator Rodrigues da Costa) que ora se invoca pela similitude de regimes, “são sobretudo razões de prevenção especial (e não considerações de culpa) as que estão na base do instituto, permitindo substituir uma pena institucional ou detentiva, por outra não detentiva, isoladamente aplicada ou associada à subordinação de deveres que se impõem ao condenado, destinados a reparar o mal do crime e (ou) de regras de conduta, estabelecidas estas com o fim de melhor reinserir aquele socialmente em ordem ao acatamento dos valores comunitários, cujo respeito, pelo afastamento do condenado da criminalidade (e não pela sua regeneração) se pretende obter. (.... )”
XX. A pena de prisão efectiva poderá, aliás, frustrar as finalidades da punição, sobretudo a prevenção especial, negando a ressocialização do Recorrente
XXI. Certo é que o registo criminal do ora Recorrente é extenso o que desabona a seu favor, mas também é verdade que todos os factos pelos quais foi até à data condenado se ocorreram pelo menos há 6 anos.
XXII. Conforme aliás doutamente decidido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Dezembro de 2002, processo 4196/02, “A circunstância de um arguido ser reincidente não obsta à possibilidade de se lhe suspender a execução da pena aplicada em medida não superior três anos, se se tiver como justificado formular a conclusão de que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente a finalidade da punição. II- Para esse efeito é necessário que, reportando-se ao momento da decisão e não ao da pratica do crime, o julgador possa fazer um juízo favorável relativamente ao comportamento do arguido, no sentido de que a ameaça da pena seja, adequada e suficiente para a realizar as finalidades da punição.” (in anotação ao artigo 50° do Código Penal Português, Maia Gonçalves, 16a edição, ano 2004, pag 206, Almedina).
XXIII. Sendo coerentes com a fundamentação aduzida e a própria moldura concreta da pena aplicada, afigura-se desadequado e desproporcional a pena de prisão efectiva aplicada ao Arguido, que vai ao arrepio das já citadas normas, cometendo-se um claro excesso ao não suspender a execução da pena a que alude o artigo 48° do Código Penal.
XXIV. Assim, “a suspensão da execução da pena com ou sem regime de prova são substitutivos particularmente adequados das penas privativas de liberdade que importa tomar maleável na sua utilização, libertando-os, na medida do possível, de limites formais, por forma a com eles cobrir uma apreciável gama de infracções puníveis com pena de prisão”.
XXV. Não entender desta forma, seria afastar o Recorrente do convívio do seu filho da mulher e outros familiares, seis anos após a prática dos factos pelo qual foi condenado.
XXVI. Conforme dispõe o artigo 48° do Código Penal a pena podem ser suspensa se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, a simples censura do facto e a ameaça de prisão cumpram adequada e suficientemente as finalidades da punição.
XXVII. Considerando o quadro concreto descrito e o normativo legal citado, é de concluir que estão preenchidos todas as condições para que o tribunal decida por um juízo de prognose social favorável ao arguido e defira a tão almejada pretensão da suspensão da pena.
XXVIII. Dai que se tem entendido que para evitar a dessocialização do agente da comunidade onde esteja integrado e a fim de sensibilizar o mesmo agente condenado pela prática de crime desta natureza tendo ainda em conta as finalidades de prevenção especial deste crime na pessoa do próprio agente.
XXIX. Tendo por isso o Acórdão recorrido violado o disposto no art. 48° do Código Penal, bem como os princípios da proporcionalidade, da necessidade e da adequação das penas, ínsitos no art. 64° do mesmo diploma legal, pois, tendo sido a Recorrente julgada e condenada mais de três anos após a conduta ilícita, uma pena efectiva é desnecessária para cumprir as finalidades da punição”; (cfr., fls. 287 a 301).
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Respondendo, e em conclusão, diz o Exmo. Magistrado do Ministério Público o que segue:
“1. O recorrente não é delinquente primário.
2. As alterações da sua vida pessoal não se mostram as mudanças da sua personalidade e modo de execução de factos.
3. O recorrente foi condenado na pena por duas vezes pela prática de crime de injúria aos agentes de autoridade, sendo concedida a suspensão da pena de prisão, e mais, foi condenado na pena pela prática de crime de furto e de crime de ofensa à integridade física, também sendo concedida a suspensão da execução da pena.
4. O último crime de injúria aconteceu no ano de 1999.
5. Os autos não se mostram o arrependimento do recorrente, ao invés, o recorrente tenda eximir-se da responsabilidade criminal por violar os dispostos das medidas de coacção.
6. Segundo os antecedentes criminais do recorrente, podemos ver que a simples ameaça da prisão não pode fazer com que o recorrente mantenha actos lícitos, nem realizar as finalidades da punição.
7. O recorrente não possuiu aos requisitos de substância da concessão da suspensão da execução da pena de prisão.
8. O acórdão dos juízes a quo não violou os art.ºs 40.º, 48.º, 64.º e 65.º do Código Penal, deve ser mantido”; (cfr., fls. 320 a 322 e 352 a 356-v).
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Admitido o recurso com efeito e modo de subida adequadamente fixados, vieram os autos a este T.S.I..
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Em sede de vista, juntou o Exmo. Representante do Ministério Público o seguinte douto Parecer:
“Acompanhamos as judiciosas considerações da nossa Colega junta ao tribunal de primeira instância.
Apesar de invocar vários dispositivos do Código penal, o recorrente restringe a sua impugnação à questão de suspensão da execução da pena de prisão.
Como se sabe, a suspensão da execução da pena só é decretada quando se verificarem, em caso concreto, todos os pressupostos, tanto formais como materiais, de que a lei faz depender a aplicação do instituto.
O funcionamento do instituto depende da verificação do pressuposto material exigido no n° 1 do art° 48° do CPM: que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Daí que temos de ter em conta a premente necessidade de prevenção criminal, geral e especial.
No caso sub judice, chama-se atenção, com particular acuidade, razões de prevenção especial.
E há que atentar, a propósito, no passado criminal do recorrente.
O que equivale a afirmar que podem e devem ser relevadas as circunstâncias posteriores ao facto.
Por outro lado e face ao disposto no n° 2 do art° 411 ° do CPPM, o recorrente será convocado para a audiência, se for caso desse.
E a sua presença permitirá o contacto vivo e imediato, que poderá contribuir, eventualmente, para uma prognose, favorável ou não, à luz do art° 48° n° 1 do CPM.
Este o nosso parecer”; (cfr., fls. 360 a 361).
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Cumpre decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Deu o Colectivo do T.J.B. como provados os factos seguintes:
“Em 21 de Abril de 2005, pelas 00:30 horas, os guardas da PSP, E (E)(guarda n.º 19XXXX) e B (B)(guarda n.º 11XXXX), receberam ordens para se deslocarem ao Karaoke “......” (......卡拉OK), sito na Rua de ......, n.º 29A, r/c, para tratar dum caso de agressão.
Após os dois guardas terem chegado ao local verificaram que A (arguido) encontrava-se em estado de embriaguez daí que perguntaram a F e G (G) que estavam presentes a fim de saber do decorrer do acontecimento. Estes dois indivíduos referiram que, há momentos atrás, o arguido tinha envolvido em discussão e agressão com dois seus familiares que por essa razão, os guardas pediram-lhes para se deslocarem à esquadra para investigação mas tendo o arguido recusado a colaboração e dado um empurrão ao guarda B, e proferindo ao respectivo guarda o seguinte: “Que foda a tua mãe” (屌你老母), o guarda avisou-o de imediato para não dizer estas palavras obscenas, mas o arguido continuou a proferir essas palavras aos dois guardas. Dado o arguido ter recusado em se cooperar, os guardas tiveram que mandar vir ao local uma viatura da P.S.P, a fim de conduzir o arguido à esquadra para investigação.
Quando a viatura da P.S.P. ter chegado ao local, os dois guardas e o arguido estavam a sair do local do Karaoke, preparando-se para conduzir o arguido à viatura da P.S.P., mas o arguido recusou entrar e proferiu aos dois guardas o seguinte: “A não ser que me algemem, pois que só assim que me leva a entrar na viatura, que foda a tua mãe(除非你用孖葉鎖我,我就上車,屌你老母)”.
Os dois guardas voltaram novamente a avisar o arguido, mas este continuou a recusar entrar na viatura da P.S.P. e a resistir-se, dando pontapés ao guarda E do qual tem atingido no corpo e rosto do guarda E causando-lhe assim ferimentos na parte torácica e na boca do respectivo guarda.
Daí que, os dois guardas tiveram que utilizar algemas para o deter, mas, o arguido continuou a resistir se, causando ao guarda B, ferimentos no pescoço e mão esquerda que o fez doer bastante.
Posteriormente, na PSP, o arguido foi submetido a um exame de pesquisa de álcool que foi confirmado possuir uma taxa de álcool no sangue correspondente a 2,20 gramas por litro.
Os guardas E e B também se deslocaram ao Hospital Conde S. Januário para tratamento, que após efectuado a perícia médico-legal dos ferimentos, foi verificado que o guarda E possuía ligeira contusão dos tecidos moles do nível da sexta costela anterior da parede torácica lateral direita (eritema), e o lábio inferior esfolado. Os seus ferimentos possuem características de ter sido causado por objectos embotados ou objectos do género, precisando de 1 dia para se recuperar; o guarda B ter tido contusão na parte do pescoço e dos tecidos moles da mão esquerda (Hafalgesia). Os seus ferimentos possuem características de ter sido causado por objectos embotados ou objectos do género, precisando de 1 dia para se recuperar.
O arguido agiu livre, voluntaria e conscientemente, bem sabia que os guardas se encontravam a desempenhar as suas funções em conformidade com a lei, que precisava de se deslocar acompanhado dos guardas até à esquadra para investigação, mas o arguido para desobedecer as ordens dos polícias, dolosamente actuou de forma agressiva para com os polícias com o intuito de dificultar o desempenho das funções policiais.
O arguido bem sabia da ilegalidade dos seus actos e que serão punidos pela lei.
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Mais se provou:
O guarda com ferimentos E alegou que desistiu da indemnização pecuniária.
O guarda com ferimentos B pediu a indemnização pecuniária pelos danos morais.
De acordo com CRC, o arguido não é delinquente primário.
O arguido foi julgado e condenado em vários processos desde ano de 1986.
O arguido foi condenado, em 5 de Janeiro de 2005, sob Processo Comum Colectivo n.º CR1-04-0013-PCC do 1º Juízo Criminal do presente Tribunal, pela prática de dois crimes de furto qualificado, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão por cada um, em cúmulo jurídico, na pena única total de 2 anos e 9 meses de prisão, com execução da pena de prisão pelo período de 3 anos. O acórdão foi recorrido para o Tribunal da Segunda Instância que determina o reenvio do processo para novo julgamento, a seguir, em 29 de Julho de 2005, foi condenado pela prática de dois crimes de furto qualificado, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão por cada um, em cúmulo jurídico, na pena única total de 2 anos e 9 meses de prisão, com execução da pena de prisão pelo período de 3 anos.
O arguido foi condenado, em 4 de Agosto de 2005, sob Processo Comum Colectivo n.º CR1-05-0137-PCC do 1º Juízo Criminal do presente Tribunal, pela prática de um crime de injúria qualificada, na pena de 2 meses de prisão, com execução da pena de prisão pelo período de 1 ano.
O arguido foi condenado, em 5 de Fevereiro de 2009, sob Processo Comum Colectivo n.º CR1-06-0051-PCC do 1º Juízo Criminal do presente Tribunal, pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, na pena de 7 meses de prisão, e de um crime de injúria qualificada, na pena de 2 meses de prisão, em cúmulo jurídico, na pena única total de 8 meses de prisão, com execução da pena de prisão pelo período de 2 anos. O arguido praticou os crimes supracitados em 5 de Setembro de 2004”; (cfr., fls. 220 a 222 e 342 a 345-v).
Na audiência de julgamento do recurso efectuada com a presença do arguido e em conformidade com o estatuído no art. 41° do C.P.P.M., apurou-se que aquele tem como habilitações literárias a 4ª classe do ensino primário, tendo a seu cargo, 1 filho menor e a sua esposa, auferindo mensalmente cerca de MOP$10.000,00.
Do direito
3. Feito que está o relatório e transcrita a factualidade considerada provada, vejamos.
Vem A, arguido, recorrer do Acórdão proferido pelo Colectivo do T.J.B., que o condenou pela prática de 1 crime de “resistência e coacção” p. e p. pelo art. 311° do C.P.M., na pena de 8 meses de prisão e no pagamento de MOP$1.000,00, a título de danos não patrimoniais ao ofendido B.
Não discutindo a qualificação jurídico-penal da sua conduta que do julgamento efectuado resultou provada, bate-se, em síntese, o arguido por uma “pena não privativa da liberdade”.
Em síntese, alega que:
–– é a pena desproporcionada e inadequada, e que devia ser especialmente atenuada; (cfr., concl. II); e que,
–– tendo-se presente que os factos ocorreram há mais de 6 anos, e que entretanto alterada está a sua vida, devia-se ter decidido pela suspensão da execução da pena, tendo-se assim violado os art.°s 40°, 48° e 65° do C.P.M.;
Pois bem, vejamos então se lhe assiste razão.
Os comandos legais pelo arguido ora recorrente invocados tem o teor seguinte:
Art. 40°
“1. A aplicação de penas e medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
2. A pena não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa.
3. A medida de segurança só pode ser aplicada se for proporcionada à gravidade do facto e à perigosidade do agente”.
Art. 48°
“1. O tribunal pode suspender a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 3 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
2. O tribunal, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordina a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos dos artigos seguintes, ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou determina que a suspensão seja acompanhada de regime de prova.
3. Os deveres, as regras de conduta e o regime de prova podem ser impostos cumulativamente.
4. A decisão condenatória especifica sempre os fundamentos da suspensão e das suas condições.
5. O período de suspensão é fixado entre 1 e 5 anos a contar do trânsito em julgado da decisão”.
Art. 65°
“1. A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção criminal.
2. Na determinação da medida da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando nomeadamente:
a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;
b) A intensidade do dolo ou da negligência;
c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica;
e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;
f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.
3. Na sentença são expressamente referidos os fundamentos da determinação da pena”.
Transcritos que ficaram os comandos pelo ora recorrente invocados, vejamos.
O crime pelo mesmo recorrente cometido, é punido com pena de prisão até 5 anos; (cfr., art. 311° do C.P.M.).
E, aquando da decisão quanto à pena a aplicar assim ponderou o Colectivo a quo:
“A determinação da medida da pena deve ser feita nos termos dos art.ºs 40.º e 65.º do Código Penal.
A determinação da medida da pena é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção criminal, ao mesmo tempo, o tribunal deve considerar o grau de ilicitude do facto, o modo execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente, a intensidade do dolo, os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram, as condições pessoais do agente e a sua situação económica, a conduta anterior ao facto e a posterior a este e outras circunstâncias já determinadas.
Pelo que, in casu, considerando as circunstâncias supracitadas e a culpa do arguido, bem como o impacto negativo trazido à dignidade da Autoridade Policial, à tranquilidade social e à integridade física dos dois ofendidos, este Tribunal Colectivo entende que é mais adequado condenar o arguido na pena de 8 meses de prisão pela prática de crime de resistência e coacção.
Nos termos do art.º 48.º do Código Penal, atendendo à personalidade do arguido, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, nomeadamente, considerando os registos criminais do arguido, não pode julgar que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, pelo que, o Tribunal Colectivo decide a não suspender a execução da pena de prisão aplicada em medida”; (cfr., fls. 347 a 348).
–– Pois bem, e começando pela “medida da pena”, cremos que nenhum reparo merece a pena de 8 meses de prisão fixada.
De facto, não se vislumbram motivos para uma “atenuação especial”, já que esta apenas deve ter lugar em situações “extraordinárias” ou “excepcionais”, (ou, como temos vindo a afirmar, “quando a conduta em causa se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respectivo”, (cfr., v.g., o recente Ac. deste T.S.I. de 14.04.2011, Proc. n°130/2011 e de 30.06.2011, Proc. n° 383/2011), o que não é o caso dos autos, certo sendo também que a pena em questão, de 8 meses de prisão, nem sequer chega a 1/5 do seu limite máximo, que, como se consignou, é de 5 anos.
Assim, atenta a natureza e tipo do crime, aos “fins das penas”, (art. 40°), e aos critérios que se devem atender na determinação da pena, (art. 65°), evidente é que nenhuma censura merece a dita pena.
–– Quanto à peticionada suspensão da execução da pena.
Os factos que deram origem à condenação ora em apreciação ocorreram 21.04.2005.
Na altura, estava o ora recorrente alcoolizado, apresentando uma taxa de álcool no sangue correspondente a 2,20 gramas por litro.
Do seu C.R.C., e como se pode ver da matéria de facto provada, constam diversas condenações, constatando-se que os factos em questão ocorreram em período de suspensão da execução de uma outra pena que lhe tinha sido aplicada.
Perante isto, que dizer?
Ora, repetidamente tem este T.S.I. afirmado que:
“O artigo 48° do Código Penal de Macau faculta ao juiz julgador a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido quando:
– a pena de prisão aplicada o tenha sido em medida não superior a três (3) anos; e,
– conclua que a simples censura do facto e ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (cfr. Art.º 40.º), isto, tendo em conta a personalidade do agente, as condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste.
E, mesmo sendo favorável o prognóstico relativamente ao delinquente, apreciado à luz de considerações exclusivas da execução da prisão não deverá ser decretada a suspensão se a ela se opuseram as necessidades de prevenção do crime”; (cfr., v.g., Ac. de 13.04.2000, Proc. n° 61/2000, e mais recentemente, de 14.07.2011, Proc. 412/2011 do ora relator).
In casu, atento o “passado criminal” do ora recorrente, com várias condenações, e à forma de cometimento do crime em questão, evidentes são as necessidades de prevenção especial.
Com efeito, o recorrente demonstra uma personalidade em nada preocupada com as normas básicas de convivência social, com tendência para a prática do crime, chegando ao ponto de insultar e agredir (gratuitamente) agentes da autoridade que se limitavam a cumprir o seu dever.
Por sua vez, atenta a mencionada natureza e tipo do crime dos autos, inegável é também que fortes são as razões de prevenção geral.
Com efeito, a bem de todos os que partilham o desejo de viverem numa sociedade com paz social, há que acautelar e assegurar que a Polícia exerça, efectiva e cabalmente, as suas funções, salvaguardando-se também a confiança da comunidade na norma jurídica violada.
Perante isto, mostra-se pois que a simples censura do facto e a ameaça da prisão não realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, o que inviabiliza, de todo, a pretendida suspensão da execução da pena em questão.
Não se olvida que os factos ocorreram em 2005, e decorridos estão 6 anos.
Porém, não se pode olvidar que, pelo menos, em parte, tal período de 6 anos também se deve ao facto de o arguido se ter colocado em paradeiro desconhecido, (não obstante o Termo de Identidade e Residência que prestou), dando assim origem a procedimentos processuais que não deixaram de provocar delongas processuais, não se podendo assim considerar tal período de tempo como “circunstância favorável ao arguido”.
Tudo visto, resta decidir.
Decisão
4. Nos termos e fundamentos expostos, acordam negar provimento ao recurso.
Pagará o recorrente a taxa de justiça que se fixa em 6 UCs.
Macau, aos 20 de Outubro de 2011
(Relator)
José Maria Dias Azedo
(Primeiro Juiz-Adjunto)
Chan Kuong Seng
(Segundo Juiz-Adjunto)
Lai Kin Hong
Proc. 389/2011 Pág. 32
Proc. 389/2011 Pág. 1