打印全文
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

I – Relatório
A interpôs recurso contencioso de anulação do despacho do Secretário para a Segurança, de 24 de Agosto de 2004, que indeferiu o seu pedido de prorrogação excepcional de residência por seis meses.
Por acórdão de 9 de Junho de 2005, do Tribunal de Segunda Instância, (TSI) foi concedido provimento ao recurso e anulado o acto recorrido.
Inconformado, interpõe o Secretário para a Segurança o presente recurso jurisdicional, terminando a respectiva alegação com a formulação das seguintes conclusões:
1 - O Tribunal de Segunda Instância anulou o acto recorrido considerando-o viciado de erro nos pressupostos de facto dado que em seu entender a situação de facto do recorrente foi incorrectamente qualificada como "relação de trabalho" e por isso não aplicável o RA n.º 17/2004 que se ocupa, apenas, de relações laborais.
2 - Entende o ora recorrente, que o RA n.º 17/2004 não se ocupa apenas de relações de trabalho "stricto sensu", sendo mais abrangente, e que,
3 - A situação de facto do acto recorrido é totalmente subsumível à norma do art.º 4.º do RA n.º 17/2004, qualquer que seja a qualificação jurídica que da mesma se faça.
4 - Sendo a situação de facto totalmente enquadrável no art.º 4.º do RA n.º 17/2004 não pode deixar de indeferir-se a pretensão, sob pena de se violar essa mesma norma.
5 - Donde se há-de concluir que o acto administrativo em apreço não padece de qualquer vício que determine a sua anulação.

A Exm.ª Procuradora-Adjunta emitiu o seguinte parecer:
“No presente recurso foi suscitada a questão de saber se é aplicável à situação sub judice em que se encontra o ora recorrido A a disciplina do Regulamento Administrativo n º 17/2004, concretamente o disposto no art.º 4.º do diploma.
O referido diploma tem como título "Regulamento sobre a Proibição do Trabalho Ilegal" e destina-se, conforme o seu art.º 1.º, a "estabelecer a proibição da aceitação ou prestação ilegal de trabalho e o correspondente regime sancionário".
Para além de outras situações, é considerado como "trabalho ilegal" aquele que é prestado pelo não residente de Macau que não possua a necessária autorização para exercer por conta de outrem, "ainda que não remunerada" - al. 1) do art.º 2.º do diploma.
E como casos excepcionais, dispõe o art.º 4.º o seguinte:
"1. Salvo disposição legal em contrário, não são abrangidas pelo disposto na alínea 1) do artigo 2.º do presente regulamento administrativo as seguintes situações em que o não residente preste uma actividade:
1) ...;
2) Quando a pessoa singular ou colectiva sediada na RAEM convide o não residente a exercer actividades religiosas, desportivas, académicas, de intercâmbio cultural e artísticas.
2. As excepções previstas no n.º 1 para permanência do não residente para a prestação de trabalho ou serviço são limitadas a um prazo máximo de quarenta e cinco dias por cada período de seis meses, consecutivos ou interpolados.
3. O período de seis meses referido no número anterior conta-se a partir da data da entrada legal do não residente na RAEM.
4. ....
5....."
Daí resulta que, não obstante a não qualificação como ilegal a situação em que um não residente, convidado pela pessoa singular ou colectiva sediada na RAEM, exerce actividades religiosas, desportivas, académicas, de intercâmbio cultural e artísticas, mesmo sem autorização necessária, certo é que o legislador estabelece o limite temporal para permanência do não residente para a prestação de trabalho ou serviço, que não pode ultrapassar 45 dias por cada período de 6 meses, consecutivos ou interpolados.

Constata-se nos autos que a permanência de A em Macau e a sua dedicação às respectivas actividades de missionário, a contar do primeiro dia da sua entrada em Macau, já excederam o prazo estipulado na citada norma legal, pelo que foi indeferido o seu pedido de prorrogação excepcional da permanência.
Como resulta do douto Acórdão ora recorrido, entende o Tribunal a quo que, não estando provado que A estabeleceu, com a Associação Igreja, relação de trabalho com os elementos necessários exigidos por lei para a qualificar como tal, não é de aplicar o regime previsto do Regulamento Administrativo n.º 17/2004.
Não podemos deixar de concordar com o douto entendimento do Tribunal a quo quanto à qualificação jurídica da relação entre A e a dita Igreja, uma vez que, face aos elementos constantes dos autos e ao conceito de relação de trabalho definido por lei, concretamente pelo art.os 1079.º do CPC e art.º 2.º al. c) do DL n.º 24/89/M, é de crer que não estamos perante uma relação de trabalho "stricto sensu".
No entanto e no que concerne à questão de aplicabilidade do referido Regulamento Administrativo, somos de opinião que o seu âmbito de aplicação é mais amplo do que o defendido pelo Tribunal a quo, não se limitando a relações de trabalho nos termos tal como vêm definidas na lei.
Interpretando conjuntamente as disposições legais em causa, nomeadamente os art.os 2, al. 1) e 4.º do Regulamento Administrativo n.º 17/2004, parece-nos que, não obstante o termo ("trabalho", "trabalho ilegal") utilizado neste diploma para definir o seu objecto, o legislador não pretende delimitar o âmbito de aplicação do diploma apenas a situações em que entre o não residente de Macau e a pessoa singular ou colectiva são estabelecidas relações de trabalho ou contratos de trabalho "stricto sensu".
Na realidade, a al. 1) do art.º 2.º refere que é considerado ilegal o trabalho prestado pelo não residente sem a necessária autorização, "ainda que não remunerado" (o sublinhado é nosso).
Como se sabe, a relação de trabalho definida na lei tem como elemento essencial a "retribuição", na medida em que a actividade é prestado mediante "retribuição".
Daí que, se também é visto como ilegal o trabalho sem remuneração, como é que se pode concluir que o termo utilizado no diploma em causa deve ser interpretado de acordo com o conceito jurídico que é exacta e rigorosamente dado por lei e, consequentemente, o mesmo diploma se aplica apenas a situações em que se estabeleçam relações de trabalho "stricto sensu" .
Salvo o devido respeito, parece-nos que, tal como entende o nosso Colega do MP no seu parecer dado no recurso contencioso, cujas considerações também subscrevemos, a concepção assumida pelo Regulamento Administrativo n.º 17/2004 é mais ampla, abrangendo não só situações de relação de trabalho, mas também outras actividades exercidas ou serviços prestados pelo não residente, mesmo não remunerados, e talvez será mais correcto falar-se de "actividade" e não "trabalho" no sentido técnico.
Nota-se que o pedido de prorrogação excepcional de permanência foi apresentado com vista à continuação de prestação de serviço missionário, pelo que, antes da decisão, a Administração deve ter em conta o disposto no n.º 2 do art.º 4.º do Regulamento Administrativo n.º 17/2004 que estabelece o limite temporal para a permanência do não residente para a prestação de trabalho ou serviço.
A situação de facto ora em apreciação é enquadrável na al. 2) do n.º 1 do art.º 4.º do Regulamento e, consequentemente, sujeita-se ao prazo máximo fixado no n.º 2 do mesmo artigo.
Pelo exposto, parece-nos que o presente recurso merece provimento”.

II – Os factos
Estão provados os seguintes factos, por acordo das partes e por documentos constantes do processo instrutor:
A) A Igreja está regularizada em Macau, estando constituída como "Associação Igreja", em chinês "教會", e em inglês "Association of The Church", com sede no [Endereço];
B) A Associação Igreja (doravante designada apenas como Igreja) dedica-se, entre outras actividades, à promoção de programas e actividades de natureza religiosa, beneficência, educacional, cultural, social, recreativa, assistência social ou outros de natureza não lucrativa;
C) Como elemento essencial para a prossecução da sua actividade, a Associação necessita do indispensável suporte missionário, constituído essencialmente por elementos pertencentes à Igreja que representa;
D) Os referidos missionários vêm regularmente a Macau desde há vários anos, sem qualquer objecção, em regime de rotatividade e por períodos não superiores a seis meses;
E) A, de nacionalidade norte-americana, ofereceu-se para prestar serviço de missionário em Macau, na Igreja, como parte dos seus deveres;
F) A apresentou em 28/06/2004, ao Chefe do Executivo, um pedido de prorrogação excepcional de permanência na Região Administrativa Especial de Macau pelo prazo de 6 meses, ao abrigo do art. 12.º do Regulamento Administrativo n.º 5/2003;
G) Sobre o requerimento do recorrente e de outros 3 indivíduos, recaiu a seguinte informação:
“Assunto: Pedidos de prorrogação excepcional da permanência
Informação n.º XXX.XXXX/XXXX/X Data:11/08/2004
   1. Os requerentes abaixo mencionados (n.os 1 a 4, id. constante do mapa I) apresentaram, respectivamente em 15 e 28 de Junho do corrente ano, os pedidos de prorrogação excepcional de permanência por um período de 6 meses, nos termos do artigo 12.º do Regulamento Administrativo n.º 5/2003, a fim de dedicar-se às actividades de evange1ização na Associação Igreja.
   (Mapa I) Os dados de identificação dos 4 indivíduos:
Ordem
Nome
Nacionalidade
N.º de
Passaporte
Válido até
Data da
Primeira
entrada
Prazo da
Permanência
autorizado
Dias da
Permanência
em Macau
1
B
EUA
XXXXXXXXX
06/06/2009
03/06/04
18/07/04
70 dias
2
C
EUA
XXXXXXXXX
06/08/2007
18/06/04
08/07/04
55 dias
3
A
EUA
XXXXXXXXX
09/09/2013
18/06/04
18/07/04
55 dias
4
D
Filipinas
XXXXXXXX
24/03/2009
12/06/04
22/07/04
61 dias
   2. Documentos apresentados:

- Uma cópia do passaporte dos requerentes acima referidos (Doc.1);
- A Associação Igreja emitiu ofícios respectivamente em 28 de Maio e 17 de Junho do corrente ano, em que certifica que os requerentes acima referidos são missionários da referida Associação, ajudando a Associação a exercer actividades de evangelização em Macau durante 6 meses. Na estadia em Macau dos referidos requerentes, as despesas de alimentação, alojamento, assistência médica, transporte e toda a necessidade de viver ficarão a cargo da referida Associação (Doc. 2);
- Uma cópia do certificado relativo a registo da referida Associação (n.º XXXX), emitida pela Direcção dos Serviços de Identificação em 2 de Abril de 2004 (Doc. 3);
- Uma cópia do estatuto orgânico da referida Associação, em versão portuguesa (Doc. 4).
3. Segundo os elementos existentes, verifica-se que o Secretário para a Segurança já autorizou, até agora, a prorrogação excepcional de permanência em Macau dos 15 missionários da Associação em causa respectivamente até Julho, Agosto e Outubro do corrente ano, entre os quais, 3 já saíram de Macau e os seus pedidos já foram cancelados.
4. Visto que o Regulamento sobre a Proibição de Trabalho Ilegal aprovado pelo Regulamento Administrativo n.º 17/2004, entrou em vigor em 1 de Julho do corrente ano, este Comissariado emitiu um ofício para a Direcção dos Serviços de Trabalho e Emprego para consultar as disposições do referido Regulamento, e em 5 de Agosto do corrente ano, recebeu a resposta da DSTE através do ofício n.º XXXX/XXXXX/XX/XXXX/XX. Conforme a referida resposta, como a permanência dos requerentes em causa em Macau e a sua dedicação às respectivas actividades, a contar do primeiro dia da sua entrada em Macau, já excederam o prazo estipulado pelo artigo 4.º n.º 2 do Regulamento Administrativo supracitado (quarenta e cinco dias por cada período de seis meses, consecutivos ou interpolados), a situação dos referidos requerentes deve ser considerada trabalho ilegal e os indivíduos em causa devem pedir autorização para trabalho à DSTE.
5. O 1º requerente entrou em Macau em 3 de Junho de 2004 e a sua permanência em Macau foi autorizada até 3 de Julho de 2004. Posteriormente, ele entrou em Macau outra vez através do Terminal do Porto Exterior em 18 de Junho de 2004 e a sua permanência em Macau foi autorizada até 18 de Julho de 2004. Até agora, ele já tem permanecido em Macau há 70 dias; os 2.º e 3.º requerentes entraram em Macau em 18 de Junho de 2004 através do Terminal do Porto Exterior e a sua permanência foi autorizada até 18 de Julho de 2004 e, até agora, eles já têm permanecido em Macau há 55 dias; a 4.ª requerente entrou em Macau em 12 de Junho de 2004 através do Terminal do Porto Exterior, a sua permanência foi autorizada até 12 de Julho de 2004; mais tarde, ela entrou em Macau outra vez em 18 de Junho de 2004, através do Terminal do Porto Exterior e foi autorizada permanecer em Macau até 18 de Julho de 2004; posteriormente, ela entrou em Macau mais uma vez em 22 de Junho de 2004, através do Terminal do Porto Exterior e foi autorizada permanecer em Macau até 22 de Julho de 2004. Ela tem permanecido em Macau há 61 dias.
6. No dia em que apresentaram os seus pedidos em 15 e 28 de Junho do corrente ano, os 4 requerentes supra mencionados encontravam-se na situação de permanência legal em Macau.
7. À consideração superior.
O informante, O Chefe interino do Comissariado de Estrangeiros
(Ass.: Vide o original) (Ass.: Vide o original)
   Guarda Policial n.º XXXXXX”.
H) Foi emitido o seguinte parecer:
“Parecer:
Concordo, à consideração do Exmo. Secretário para a Segurança.
Aos 17 de Agosto de 2004
Comandante substituto do CPSP
(ass. - vide o original)
1. Os 4 requerentes mencionados na presente Informação apresentaram os pedidos de prorrogação excepcional da permanência por um período de 6 meses nos termos do artigo 12.º do Regulamento Administrativo n.º 5/2003, a fim de dedicar-se às actividades de evangelização na Associação Igreja.
2. A Associação Igreja emitiu ofícios respectivamente em 28 de Maio e 17 de Junho do corrente ano, em que certifica que os requerentes acima referidos são missionários da referida Associação, ajudando a Associação a exercer actividades de evangelização em Macau dos referidos requerentes, as despesas de alimentação, alojamento, assistência médica, transporte e toda a necessidade de viver ficarão a cargo da referida Associação.
3. A permanência dos requerentes em causa em Macau e a sua dedicação às respectivas actividades, a contar do primeiro dia da sua entrada em Macau, já excederam o prazo estipulado pelo artigo 4.º n.º 2 do Regulamento sobre a Proibição do Trabalho Ilegal, aprovado pelo Regulamento Administrativo n.º 17/2004 (quarenta e cinco dias por cada período de seis meses, consecutivos ou interpolados). Conforme o ofício n.º XXXX/XXXXX/XX/XXXX/XX, emitido pela Direcção dos Serviços de Trabalho e Emprego em 5 de Agosto do corrente ano, a situação acima referida deve ser considerada trabalho ilegal e os indivíduos em causa devem pedir autorização para trabalho à DSTE.
4. Nestes termos, proponho que não autorize os pedidos de prorrogação excepcional dos 4 requerentes em causa. A situação da permanência do requerente será resolvida automaticamente conforme os procedimentos inerentes deste Serviço depois de a DSTE conceder a autorização para trabalho aos requerentes em causa.
   5. A consideração superior do Comandante substituto.
   Aos 17 de Agosto de 2004.
   O Subintendente interino do Serviço de Migração,
(Ass.: vide o original)”.
I) Em 24 de Agosto de 2004, o Secretário para a Segurança proferiu o seguinte despacho:
“Despacho:
Indefiro, nos termos e com os fundamentos do parecer constante desta informação. Em 24 de Agosto de 2004.
O Secretário para a Segurança
Cheong Kuok Va (ass. - vide o original)”.
Este é o acto recorrido.

III – O Direito
1. A questão a resolver
O ora recorrido A, não residente de Macau, veio para esta Região como missionário. Requereu, posteriormente, a prorrogação da autorização da sua permanência em Macau.
A Administração entendeu que, de acordo com o Regulamento Administrativo n.º 17/2004 (designado de Regulamento sobre a Proibição do Trabalho Ilegal) já havia ultrapassado o seu período de permanência em Macau e por esta razão indeferiu o pedido.
O ora recorrido A entende que o Regulamento Administrativo n.º 17/2004 não se aplica à sua situação, por não existir entre ele e a Associação Igreja uma relação laboral, por não receber salário e não haver uma subordinação jurídica ou relação de autoridade entre ele e Associação.
O Acórdão recorrido aceitou esta tese, dizendo não se podendo qualificar a relação em causa entre o ora recorrido A e a Associação Igreja como uma relação laboral, e que a aplicação do Regulamento Administrativo n.º 17/2004 pressupõe a existência de relação laboral, pelo que anulou o acto recorrido.
Esta é, pois, a única questão a apreciar, a de saber a aplicação do Regulamento Administrativo n.º 17/2004 pressupõe a existência de relação laboral.

2. Âmbito de aplicação do Regulamento Administrativo n.º 17/2004
i) Entre o ora recorrido A e a Associação Igreja não existe uma relação de trabalho subordinado;
ii) A aplicação do Regulamento Administrativo n.º 17/2004 não pressupõe a existência de relação de trabalho subordinado;
iii) O Regulamento n.º 17/2004 aplica-se a quem exerça na Região Administrativa Especial de Macau (RAEM) uma actividade religiosa.
A primeira e terceira proposições não são postas em dúvida no processo.
i) Quanto à primeira.
O ora recorrido A não recebe salário, embora do processo instrutor conste que a Associação cristã à qual está vinculado custeia a sua alimentação e alojamento.
O contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direcção desta (art. 1079.º, n.º 1 do Código Civil).
Certo que na relação de trabalho subordinado é essencial a existência de remuneração,1 sendo que, quando esta é constituída por prestação pecuniária e por géneros ou prestação de outra natureza, o valor da prestação pecuniária não deve ser inferior a 50% do montante total do salário (art. 25.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3.4, aplicável apenas ao trabalho dos residentes, mas que não custa admitir que constitua princípio aplicável mesmo ao trabalho não-residente).
Temos, pois, como adquirido que entre o ora recorrido A e a Associação Igreja não existe uma relação de trabalho subordinado.
ii) Quanto à segunda proposição
O Regulamento Administrativo n.º 17/2004 está intitulado Regulamento sobre a Proibição do Trabalho Ilegal.
O art. 1.º fixa o objecto do Regulamento, dizendo que o mesmo “... estabelece a proibição da aceitação ou prestação ilegal de trabalho e o correspondente regime sancionatório”.
O art. 2.º estabelece o âmbito de aplicação do regulamento, dispondo o seguinte:
“Artigo 2.º
Âmbito de aplicação
  Para efeitos do presente regulamento administrativo considera-se trabalho ilegal aquele que é prestado:
  1) Pelo não residente que não possua a necessária autorização para exercer actividade por conta de outrem, ainda que não remunerada;
  2) Pelo não residente que, apesar de possuir a necessária autorização para trabalhar por conta de outrem, se encontra a exercer a sua actividade, remunerada ou não, para entidade diversa da que requereu a sua contratação;
  3) Pelo não residente que, apesar de possuir a necessária autorização para trabalhar por conta de outrem, se encontra a exercer a sua actividade sem observância de outras condições de contratação, com excepção da referida na alínea 2), impostas pelo respectivo despacho de autorização;
  4) Pelo não residente que exerce uma actividade em proveito próprio, sem observância das condições definidas no artigo seguinte”.

Pois bem, é indiscutível que o Regulamento se aplica a quem exerça uma actividade por conta de outrem, ainda que não remunerada, já que é esse o âmbito de aplicação das alíneas 1) e 2) do art. 2.º.
Por outro lado, estatui o art. 3.º do mesmo Regulamento:
“Artigo 3.º
Actividade em proveito próprio
1. O exercício pessoal e directo por parte do não residente de actividade em proveito próprio está sujeito a prévia autorização administrativa para esse efeito.
2. O disposto no número anterior não se aplica, porém, aos casos em que exista regulamentação específica que autorize o não residente a exercer, pessoal e directamente, uma actividade em proveito próprio.
3. A autorização referida no n.º 1 deve ser solicitada ao Secretário para a Economia e Finanças, através da Direcção dos Serviços de Trabalho e Emprego, observando o respectivo pedido os trâmites do regime jurídico aplicável à contratação de trabalhadores não residentes.
  4. O não residente que já se encontre a exercer, pessoal e directamente, actividade em proveito próprio apenas com base na sua inscrição fiscal de início de actividade, deve requerer, no prazo de 30 dias a contar da data da entrada em vigor do presente regulamento administrativo, a autorização referida no n.º 1”.
Este preceito determina que quem trabalha por conta própria esteja sujeito a uma autorização administrativa para esse efeito, seguindo os trâmites do regime jurídico aplicável à contratação de trabalhadores não residentes.

3. Como se disse, não pode sofrer dúvida séria que o Regulamento se aplica a quem exerça uma actividade por conta de outrem, ainda que não remunerada, já que é esse o âmbito de aplicação das alíneas 1) e 2) do art. 2.º.
Quer isto dizer que o Regulamento não se aplica apenas às situações tecnicamente designadas de trabalho subordinado, sujeitas ao regime do contrato de trabalho.
Aplica-se, também, aos que exercem uma actividade por conta de outrem, ainda que não remunerada.
O que significa que o Regulamento quando emprega a expressão trabalho ilegal emprega um conceito que não corresponde ao conceito jurídico designado de trabalho subordinado. Mas isso não é nenhum problema para o intérprete, desde que a lei, como é o caso, esclareça devidamente que situações pretende abranger. Em matéria de interpretação de normas jurídicas o intérprete deve estar prevenido contra o conceitualismo.
Ora, o recorrido A exerce uma actividade por conta de outrem, a Associação Igreja, embora não seja remunerado. Na verdade, está integrado na estrutura da Igreja, obedece às regras da Associação, não é, propriamente, um free lancer.
Logo, é manifesto que a sua actividade está sujeita ao Regulamento n.º 17/2004.

4. Por outro lado, a subsunção da actividade do ora recorrido A a tal Regulamento em nada viola o art. 1079.º do Código Civil (que contém a definição de contrato de trabalho) nem os arts. 7.º e 8.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M (que estabelece os deveres do trabalhador e do empregador). É que não está em causa qualquer contrato de trabalho e, de qualquer modo, este último diploma nem se aplica a não residentes (art. 1.º, n.º 1).
Também o Regulamento não viola convenções internacionais que estatuem que o salário é essencial ao contrato de trabalho.
É que o Regulamento também se aplica a situações que nada têm que ver com o contrato de trabalho.

5. iii) O Regulamento n.º 17/2004 aplica-se a quem exerça na Região Administrativa Especial de Macau (RAEM) uma actividade religiosa.
Isso resulta directamente do art. 4.º, n. os 1, alínea 2) e 2: quando alguma pessoa tenha sido convidada a exercer actividades religiosas em Macau não pode aqui permanecer mais do que 45 dias por cada período de seis meses sem estar munido de autorização.
O recurso merece, pois, provimento.

IV - Decisão
Face ao expendido, concedem provimento ao presente recurso jurisdicional e negam provimento ao recurso contencioso.
Custas pelo ora recorrido A nos dois recursos, jurisdicional e contencioso, com taxas de justiça, respectivamente, de 3 UC e 2 UC e procuradoria de 1/3.

Macau, 11 de Janeiro de 2006

Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) - Sam Hou Fai - Chu Kin

Fui presente:
Song Man Lei
1 Cfr. A. MONTEIRO FERNANDES, Direito do Trabalho, Almedina, Coimbra, 11.ª ed., 1999, p. 130, PEDRO ROMANO MARTINEZ, Direito do Trabalho, Almedina, Coimbra, 2002, p. 276 e BERNARDO DA GAMA LOBO XAVIER, Direito do Trabalho, Verbo, Lisboa/S. Paulo, 1999, p. 290.
---------------

------------------------------------------------------------

---------------

------------------------------------------------------------




1
Processo n.º 24/2005