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Processo nº 419/2011 Data: 20.10.2011
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Acidente de viação.
“Ofensa grave à integridade física por negligência”.
Erro notório na apreciação da prova.



SUMÁRIO

1. O erro notório na apreciação da prova existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores.

De facto, “É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal.

2. Assim, inviável é considerar-se existente o vício de erro notório com base em segmentos de apenas 2 dos 6 depoimentos prestados em audiência de julgamento, já que a convicção do Tribunal assentou na análise de “toda a prova” produzida.

O relator,

______________________
José Maria Dias Azedo

















Processo nº 419/2011
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. Por Acórdão do Colectivo do T.J.B. decidiu-se absolver o arguido A (A),da imputada prática, em autoria material e na forma consumada, de 1 crime de “ofensa grave à integridade física por negligência”, p. e p. pelo art. 142°, n.°s 1 e 3, conjugado com o art. 138°, al.s c) e d) do C.P.M. e art. 93°, n.° 1 da Lei do Trânsito Rodoviário julgando também improcedente o pedido de indemnização civil pelo demandante B (B) enxertado nos autos; (cfr., fls. 207 a 207-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

*

Inconformada, a demandante B (B) recorreu.
Motivou para concluir nos termos seguintes:

“1. À luz do acórdão proferido em 15 de Abril de 2011, no processo CR4-09-0109-PCC, pelo Juízo Criminal do TJB, onde se julgou improcedente a acusação deduzida pelo MºPº contra o arguido A (A) pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de ofensa grave à integridade física por negligência, p. e p. pelo art.º 142º, n.ºs 1 e 3, conjugado com o art.º 138º, al.s c) e d) do Código Penal e art.º 93º, n.º 1 da Lei do Trânsito Rodoviário, do referido crime absolvendo o arguido. Mais, o Juízo Criminal do TJB rejeitou o pedido intentado pela demandante B (B) em que foi requerido o pagamento, por parte da demandada Companhia de Seguros XXX, S.A.R.L., de indemnização no valor de MOP$331.601,20.
2. Deste modo, a recorrente recorre a parte do acórdão do referido processo em que se rejeitou o pedido de indemnização civil, uma vez que considera que existe erro notório na apreciação da prova.
3. O pedido de indemnização civil da recorrente foi rejeitado pelo Juízo Criminal do TJB, porque foram julgados improcedentes os factos da parte criminal.
Designadamente, os seguintes factos foram dados como não provados no acórdão:
“(…)
1. Quando chegou à zebra que está nas proximidades do poste de iluminação n.º 56C08, atropelou a ofendida B (B).
2. Na dada altura, a ofendida estava a atravessar a Avenida de Almeida Ribeiro sobre a referida zebra, na direcção do lado esquerdo para o lado direito, atento o sentido de marcha do arguido.
3. O referido acidente de viação foi provocado pelo incumprimento da Lei do Trânsito Rodoviário por parte do arguido, no sentido de que o mesmo não reduziu a velocidade do veículo ao aproximar-se da passagem para peões ou não parou o veículo quando for necessário, bem como atropelou a ofendida que estava a atravessar a faixa de rodagem.
4. O arguido sabia perfeitamente que a sua conduta era proibida e punida por lei.
(…)”
Razão pela qual, foram indicados em páginas 6 a 7 do acórdão, na parte de convicção do tribunal:
“Finda a audiência, neste momento, não está apurado o facto de que o autocarro de TRANSMAC, de matrícula n.º MM-XX-XX, conduzido pelo arguido, atropelasse a ofendida B (B) na passagem para peões e provocasse-lhe queda no chão e ferimentos. Assim sendo, segundo o princípio in dubio pro reo (…) julga improcedente a acusação (…), do referido crime absolvendo o arguido.
*
Dado que não foi apurado o facto ilícito de que o arguido atropelasse a ofendida na passagem para peões e provocasse-lhe queda no chão e ferimentos, rejeita-se o pedido intentado pela ofendida B (B), ora demandante, por arguido A (A), ao conduzir o autocarro de matrícula n.º MM-XX-XX, segurado pela demandada Companhia de Seguros XXX, S.A.R.L., ter atropelado e ferido a ofendida na passagem para peões, onde foi requerido o pagamento, por parte da demandada, de indemnização no valor de MOP$331.601,20 e os respectivos juros de mora, bem como as demais indemnizações que serão posteriormente calculadas e as custas processuais.”
4. Porém, o acórdão supramencionado é manifestamente inaceitável, nomeadamente, deveria resultar outra convicção, após a comparação das gravações da audiência do processo em apreço.
Cujo teor é o seguinte:
Ficheiro: Recorded on 30-Mar-2011 at 10.33.08 (0%W)#GN102811270)
Período da gravação: cerca de 00:44 a 01:18
“Procurador-Adjunto: Quando o carro estava parado, será que a metade do veículo, ou seja, a parte frontal deste já estava dentro da zebra?
Arguido: Sim, sim.
Procurador-Adjunto: Porque parou o carro?
Arguido: Houve alguém pretendia atravessar a estrada, por isso, parei o carro.
Procurador-Adjunto: Porque parou o carro? Parou porque sabia que houve pessoa que pretendia atravessar a estrada? É essa a sua ideia?
(…)
Arguido: Mas, não tinha certeza de que ela ia atravessar a estrada.
Procurador-Adjunto: Ora, a minha pergunta é porque é que na altura parou o carro? (…) Por que motivo você parou o carro?
Arguido: Julgava que ela ia atravessar a estrada.
Procurador-Adjunto: Se julgasse que ela ia atravessar a estrada, então, porque só parava o carro quando já estava em cima da zebra, em vez de o parar antes da chegada à zebra?
Arguido: Porque o carro é muito grande, por isso, não consegue parar imediatamente no momento de fazer a travagem.”

Do mesmo ficheiro:
Período da gravação: cerca de 03:42 a 04:09
“Procurador-Adjunto: Será que você já tinha reparado aquela pessoa antes de chegar à zebra e estava a pensar em que ela ou parava ou passava a estrada, por isso, acabou por continuar o seu caminho, entretanto, até ao meio, apercebeu que surgiu o problema e, enfim, parou o carro?
Arguido: Não conseguia prever o que iria acontecer e se ela atravessaria ou não a estrada.”

Do mesmo ficheiro:
Período da gravação: cerca de 12:51 a 14:55
“Procurador-Adjunto: Na dada altura, antes da ocorrência do acidente, você estava no passeio para peões a preparar-se para atravessar a estrada ou já estava em cima da zebra?
Demandante: Estava na zebra.
(…)
Procurador-Adjunto: Antes da ocorrência do acidente, você viu o autocarro que se aproximava?
Demandante: Sim, o autocarro estava a aproximar-se de mim.
(…)
Procurador-Adjunto: Se visse que o autocarro estava a aproximar-se de si, então, porque continuava a atravessar a estrada?
Demandante: Já estava no meio do caminho.
Procurador-Adjunto: … Já estava em cima da zebra?
Demandante: Sim, já estava no meio da zebra.
Procurador-Adjunto: … Julgava que o autocarro ia dar prioridade a si para atravessar a estrada?
Demandante: Sim.
(…)
Procurador-Adjunto: … Ainda se lembra qual parte do autocarro embateu em si? Foi a parte frontal, lateral ou central do veículo?
Demandante: … Na altura estava assustada e encontrava-se em estado pânico… Já não me lembro mais…”
5. Pelo teor acima exposto, a recorrente manifestou expressamente que, na altura, estava a atravessar a estrada através da zebra e foi ali atropelada pelo autocarro em causa. Embora a recorrente não se lembre de alguns detalhes do acontecimento, o núcleo do teor dos factos está muito claro.
6. Mais, os depoimentos prestados pela recorrente na audiência em relação ao acidente de viação são credíveis, designadamente, atendendo a que o Presidente do Colectivo do Juízo Criminal já lhe fez a respectiva advertência na prestação de depoimentos, cujo teor é o seguinte:
O ficheiro acima referido:
Período da gravação: cerca de 10:59 a 11:17
“Juiz: Hoje, como você assume a qualidade da parte civil que intentou o pedido de indemnização, por isso, não precisa de prestar juramento, mas, mesmo assim, você necessita de dizer a verdade, senão poderia ficar presa, caso dizer coisas falsas ou mentir no tribunal, percebe ou não?
(Resposta da demandante inaudível)
Juiz: Percebe.”
7. Pelo exposto, o facto provado do acórdão respeitante ao ponto 2 da acusação, i.e., “na dada altura, a ofendida preparava a atravessar a Avenida de Almeida Ribeiro sobre a referida zebra, na direcção do lado esquerdo para o lado direito, atento o sentido de marcha do arguido (vide croqui de fls. 14 dos autos)”, é incompatível com a realidade, pois, basta compará-lo com as gravações da audiência, verifica-se que existe erro notório na apreciação da prova.
8. Mais, os factos abaixo indicados foram dados como não provados pelo Juízo Criminal do TJB, contudo, também se verifica que existe erro notório na apreciação da prova quando compará-los com as gravações da audiência.
“1. Quando chegou à zebra que está nas proximidades do poste de iluminação n.º 56C08, atropelou a ofendida B (B).
2. Na dada altura, a ofendida estava a atravessar a Avenida de Almeida Ribeiro sobre a referida zebra, na direcção do lado esquerdo para o lado direito, atento o sentido de marcha do arguido.
3. O referido acidente de viação foi provocado pelo incumprimento da Lei do Trânsito Rodoviário por parte do arguido, no sentido de que o mesmo não reduziu a velocidade do veículo ao aproximar-se da passagem para peões ou não parou o veículo quando for necessário, bem como atropelou a ofendida que estava a atravessar a faixa de rodagem.
4. O arguido sabia perfeitamente que a sua conduta era proibida e punida por lei.”

9. A par disso, indicou-se no acórdão: “No autocarro de TRANSMAC, de matrícula n.º MM-XX-XX, conduzido pelo arguido, não se verifica nenhuma marca deixada pelo embate.”. No entanto, o Tribunal não deve usar este ponto como fundamento para ilidir o facto da existência do embate. Porque a recorrente é uma idosa, tendo o estado físico extremamente fraco, basta haver um embate ligeiro, poderia causar-lhe ofensa grave. Segundo as regras da experiência comum, face a esse género de ofensa, muito provável não deixe qualquer vestígio no respectivo veículo.
10. Assim, a recorrente interpôs recurso respeitante à parte do pedido de indemnização civil. O Tribunal deve abolir o acórdão do referido processo, admitindo o recurso interposto.
11. O TSI deve apreciar o teor do acórdão que foi indicado no ponto 13 da motivação da petição do recurso e dar como provados os factos ali referenciados. O teor do acórdão indicado no ponto 12 da motivação da petição do recurso deve ser revisado. Mais, o TSI deve averiguar a existência do nexo de causalidade entre os factos acima referidos e os danos da recorrente, dando como provados os factos em apreço, a fim de dar provimento ao pedido de indemnização civil da recorrente. A circunstância supramencionada conforma com o fundamento do recurso previsto no art.º 400º, n.º 2, al. c) do Código de Processo Penal.
12. Nestes termos, o TSI deve julgar procedente o recurso interposto.

Outros pedidos
13. À recorrente foi concedido o apoio judiciário no processo supracitado. Nos termos do art.º 2º, n.º 5 do Decreto-Lei n.º 41/94/M, o apoio judiciário mantém-se para efeitos de recurso, pelo que o tribunal superior deve continuar a dispensar a recorrente do pagamento total de custas e preparos, bem como as demais despesas provenientes da instauração do presente procedimento e da execução eventual da respectiva decisão, abrangendo as despesas com as certidões, imposto do selo, honorários do mandatário e preparos.
14. Dado que o respeito pela dignidade do defensor oficioso só se projecta na circunstância em que lhe forem atribuídos tempestivamente os honorários, solicita-se ao douto tribunal superior que seja deferido o adiantamento de honorários pelo GPTUI ou pela entidade competente, caso houver necessidade de fixar honorários no recurso interposto”; (cfr., fls. 315-v a 325).

*

Em resposta, entende o Exm° Magistrado do Ministério Público que o recurso deve ser julgado procedente; (cfr., fls. 342 a 345).

*

Admitido o recurso, vieram os autos a este T.S.I..

*

Em sede de vista, juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:

“É certo que o tipo e gravidade dos ferimentos que, na altura dos acontecimentos, a ofendida apresentava, mal se compatibilizam com eventual queda “motu próprio” no solo, sem intervenção de terceiros, pese embora a sua avançada idade, nas circunstâncias que são estabelecidas nos autos.
Contudo, em nosso critério, nada permite, em absoluto, concluir que assim não possa ter sucedido.
A verdade é que, pelos próprios termos do externado no douto acórdão em escrutínio, se colhe que, “malgré” todas as diligências e meios de prova produzidos, os membros do colectivo não lograram alcançar, com rigor e segurança, a convicção de que o embate entre o veículo conduzido pelo recorrido e o corpo da aqui recorrente tenha, de facto, ocorrido.
E, do escrutínio dos meios de prova produzidos a que temos acesso, não divisamos que essa dúvida se não apresente como razoável e inultrapassável, já que, por um lado, se não mostra efectivamente comprovada, com o necessário rigor e segurança, a ocorrência do atropelamento, independentemente do ponto de embate, sendo que, por outra banda, se não descortina que outra ou outras diligências válidas e relevantes devessem ou pudessem ter sido empreendidas no sentido de melhor esclarecimento dos factos e dissipação da dúvida instalada.
Pese embora as “reticências” a que começámos por aludir, concernentes à não compaginação dos ferimentos apresentados pela ofendida numa mera queda no solo sem intervenção de terceiros, a verdade é que não ressalta, de forma patente e evidente, que os julgadores, dentro da margem de apreciação consagrada no art° 114°, CPP, tenham errado ao considerarem como não provado que o recorrido tenha atropelado a recorrente, não se vendo que as “regras de experiência e raciocínio geral”, como explicita o Exmo colega junto do tribunal “a quo” pudessem ter levado à conclusão inevitável que o embate ocorreu.
Tudo indica que possa ter acontecido, mas nada o garante, em termos probatórios.
E, essa dúvida sobre a ocorrência do próprio facto delituoso, que não vemos ultrapassável, quer com os dados disponíveis, quer com eventuais diligências que pudessem ter sido efectivadas, ou a efectivar, haverá que reverter em favor do arguido.
Razões por que entendemos ser de manter o decidido, negando-se provimento ao presente recurso”; (cfr. fls. 351 a 352).

*

Passa-se a decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão provados os factos seguintes:

“1. Em 3 de Março de 2008, por volta das 07H25, o arguido conduzia o autocarro de TRANSMAC, de matrícula n.º MM-XX-XX, circulando na Avenida de Almeida Ribeiro, na direcção da Rua do Visconde Paço de Arcos para a Avenida da Praia Grande.

2. Na dada altura, a ofendida preparava a atravessar a Avenida de Almeida Ribeiro sobre a referida zebra, na direcção do lado esquerdo para o lado direito, atento o sentido de marcha do arguido (vide croqui de fls. 14 dos autos).
3. O relatório dos ferimentos e o exame clínico de medicina legal da ofendida constam de fls. 26, 42, 43 e 44 dos autos, que, para os devidos efeitos jurídicos, aqui se dão por integralmente reproduzidos.

4. O presente acidente causou, directa e necessariamente, à ofendida a fractura das 3ª a 7ª costelas acompanhada do hemotórax do lado esquerdo, fractura compressiva da 12ª vértebra torácica, fractura da apófise mastóide do lado esquerdo, fractura compressiva antiga das 2ª e 3ª vértebras lombares, rompimento no lábio superior e equimose nos tecidos moles da parte temporal do lado esquerdo, ficando a mesma com 120 dias de convalescença. Os aludidos ferimentos provocaram ofensa grave à integridade física e perigo para a vida à ofendida (vide exame clínico de medicina legal de fls. 44 dos autos).

5. Na ocorrência do acidente, o tempo estava bom, o pavimento estava seco e a densidade do trânsito era regular.

6. O aludido acidente não só causou ofensa grave à integridade física à ofendida, mas também perigo para a sua vida.
***
Mais, foram provados na audiência os seguintes factos:
Segundo o certificado de registo criminal, o arguido é delinquente primário.
O arguido exerce funções de condutor de autocarro, auferindo o salário mensal de 9.000,00 a 10.000,00 patacas, tem como habilitações literárias o 3º ano do ensino secundário e não tem encargo familiar.

2. Factos provados do pedido cível:
Além dos factos provados imputados na acusação, também foram dados como provados os seguintes factos do pedido cível:
1) Na dada altura, a empregadora do arguido, ou seja, Transmac — Transportes Urbanos de Macau, S.A.R.L., pagou parcialmente as despesas médicas à demandante e, ao efectuar o pagamento, recebeu dela a factura destas despesas.
2) A demandante faltou de pagar a quantia de MOP$10.345,00 das despesas médicas ao Centro Hospitalar Conde de S. Januário.
3) Mais, a demandante pagou ao Hospital Kiang Wu as despesas com tratamentos médicos e as despesas médicas na quantia total de MOP$1.330,00, sendo o montante de indemnização que ainda não está requerido.
4) Após a ofensa, a demandante submeteu-se logo ao tratamento médico no Centro Hospitalar Conde de S. Januário.
5) Poucos dias depois, a demandante pediu para deixar o hospital, contudo, ainda se encontrava fisicamente com lesões graves.
6) Em seguida, a demandante transferiu-se para o Hospital Kiang Wu, onde foi internada há cerca de 2 meses.
7) Deste modo, a demandante submeteu-se sucessivamente, pelo menos, a duas cirurgias e, além disso, sofreu das inconveniências resultantes da transferência do hospital.
8) A demandante não parou de sofrer as dores insuportáveis; os músculos e nervos dela sofreram frequentemente das dores fortes, o que levava um período de tempo longo para o seu alívio.
9) No início do ferimento, a demandante costumava ter dores por várias vezes dentro dum dia e, às vezes, as dores eram tão fortes que lhe impedissem a alimentação.
10) Os dentes e os respectivos tecidos do lado esquerdo da demandante afundaram-se devido ao acidente em apreço, causando-lhe inconveniência na alimentação.
11) Após o acidente, por causa das dores, registou-se uma grande redução das horas de descanso da demandante, ou seja, agora só consegue dormir cerca de duas horas por dia enquanto antes costumava dormir seis horas por dia, e, muitas vezes, a demandante sofria de insónia.
12) A demandante estava deprimida, achou que era incapaz e até estava preocupada com que não conseguisse ser recuperada, estando constantemente em sofrimento.
13) No momento em que a ofendida B (B) se encontrava em queda, o seguro obrigatório de responsabilidade civil do autocarro de TRANSMAC, de matrícula n.º MM-XX-XX, conduzido pelo arguido A (A), era garantido pela demandada Companhia de Seguros XXX, S.A.R.L.
(2) Factos não provados:
Finda a audiência, não foram dados como provados os seguintes factos imputados na acusação:
1. Quando chegou à zebra que está nas proximidades do poste de iluminação n.º 56C08, atropelou a ofendida B (B).
2. Na dada altura, a ofendida estava a atravessar a Avenida de Almeida Ribeiro sobre a referida zebra, na direcção do lado esquerdo para o lado direito, atento o sentido de marcha do arguido.
3. O referido acidente de viação foi provocado pelo incumprimento da Lei do Trânsito Rodoviário por parte do arguido, no sentido de que o mesmo não reduziu a velocidade do veículo ao aproximar-se da passagem para peões ou não parou o veículo quando for necessário, bem como atropelou a ofendida que estava a atravessar a faixa de rodagem.
4. O arguido sabia perfeitamente que a sua conduta era proibida e punida por lei.
Mais, não foram considerados provados os restantes factos do pedido de indemnização civil e da contestação que são incompatíveis com os factos provados.
(3) Convicção do tribunal
In casu, a ofendida alegou que, na ocorrência dos factos, atravessava a passagem de peões com outras pessoas e, daí, foi atropelada e ferida pelo autocarro de TRANSMAC, de matrícula n.º MM-XX-XX, conduzido pelo arguido.
O arguido negou na audiência que tivesse atropelado a ofendida e alegou que já a tinha reparado quando estava com uma distância de cerca de 4 a 5 metros da passagem para peões em causa, assim como, não tinha sentido do embate do veículo com a ofendida quando circulava até à referida passagem para peões, mais, na altura, tinha parado o veículo porque pensava que a ofendida pretendia atravessar a estrada, no entanto, após ter o veículo parado, via através do retrovisor o pé da ofendida, pelo que duvidava que a mesma tivesse escorregado no chão e ferido ao atravessar a estrada por ter pisado na água que estava ao lado da passagem para peões.
No autocarro de TRANSMAC, de matrícula n.º MM-XX-XX, conduzido pelo arguido, não se verifica nenhuma marca deixada pelo embate.
Não se consegue confirmar o ponto do embate no pavimento alegado pela ofendida.
Assim, finda a análise das declarações prestadas pelo arguido e ofendida na audiência de julgamento, dos depoimentos das testemunhas e dos documentos comprovativos dos autos, o Tribunal reconheceu os factos constantes da acusação, do pedido cível e da contestação”; (cfr., fls. 292-v a 298-v).

Do direito

3. Vem a demandante B (B) recorrer da decisão que julgou improcedente o pedido de indemnização civil que enxertou nestes autos.

Como resulta do que atrás se expôs, é de opinião que o Tribunal a quo incorreu em “erro notório na apreciação da prova”.

Cremos, porém, que não lhe assiste razão, necessária não sendo uma abundante exposição para se demonstrar este nosso ponto de vista.

Vejamos.

Repetidamente tem este T.S.I. afirmado que:

“O erro notório na apreciação da prova existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores.”

De facto, “É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal.”; (cfr., v.g., Ac. de 12.05.2011, Proc. n° 165/2011, e mais recentemente de 26.05.2011, Proc. n.° 268/2011 do ora relator).

No caso, e atento o que se deixou consignado, não nos parece que o Colectivo do T.J.B. tenha incorrido no “erro” pelo demandante invocado, pois que não se vislumbra como, onde ou em que termos tenha violado qualquer regra sobre o valor de prova tarifada, regra de experiência ou legis artis.

Na óptica do demandante ora recorrente, outra devia ser a convicção do Tribunal atentas as declarações do arguido e das que prestou em julgamento.

Serve-se assim destes elementos probatórios, para extrair a conclusão da existência do imputado “erro notório na apreciação da prova”.

Porém, não se pode olvidar que no dito julgamento prestaram declarações e depoimentos, um total de 6 pessoas, (cfr., fls. 201 a 202-v), e que o Tribunal decide de acordo com a sua convicção formada em consequência da análise global de toda a prova produzida, pelo que inadequado é invocar-se apenas (partes de) 2 depoimentos para, com base neles, se concluir pela existência do imputado “erro notório”.
Não se nega que a ofendida ficou ferida.

Porém, correcto também não é, assacar-se, (cegamente), responsabilidade ao arguido, independentemente do que se provou ou não.

Com efeito, para além da alegada queda da ofendida, até se pode dar o caso de ter sido esta a embater na viatura conduzida pelo arguido, caindo de seguida ao chão, não nos parecendo de, assim, censurar a livre convicção do Tribunal a quo.

Nesta conformidade, e subscrevendo-se também aqui o douto Parecer que atrás se deixou transcrito, motivos não há para se conceder provimento ao recurso.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, nega-se provimento ao recurso.

Custas pelo recorrente.

Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$1.000,00.

Macau, aos 20 de Outubro de 2011

(Relator)
José Maria Dias Azedo

(Segunda Juiz-Adjunta)
Tam Hio Wa

(Primeiro Juiz-Adjunto)
Chan Kuong Seng (vencido, nos termos da declaração de voto junta)










表決聲明書
  本人不同意中級法院合議庭剛剛對第419/2011號上訴案所作的有關裁定B的上訴理由不成立的判決,所持理由如下:
  在本案中,雖然交通事故傷者B作為民事索償原告,是無權就原審法庭在有關嫌犯A在刑事責任方面所作的開釋決定提出質疑,但她就完全有資格去就原審法庭的民事開釋決定提出上訴。
  B在民事索償起訴狀(見卷宗第92至第100頁)內,明確表明把檢察院在刑事公訴書內所描述的控訴事實視為民事索償的起訴事實。換言之,載於卷宗第48頁內的公訴書第四段有關「意外發生時......地面乾爽......」的事實,亦是民事索償的起訴事實。
  而就此點「事實」,原審法庭亦明確認定為獲證事實(見載於卷宗第204頁背面的原審判決書第4頁第5點的既證事實)。
  如此,原審法庭又何須因亦有考慮「嫌犯懷疑受害人橫過馬路因人行橫道旁邊水跡濕滑自行倒地受傷」,而最終認為未能查明受害人是在使用行人橫道時被嫌犯所駕車輛撞倒?的確,如「地面乾爽」,又何來「濕滑」之處?
  此外,既然作為在民事索償請求中唯一被告的保險公司,在載於卷宗第143頁的答辯狀第1頁第1和第2點內,就載於卷宗第48頁的第一點事實中所指的「被害人當時正使用斑馬線橫過馬路」的情節,也分別表明「嫌犯駕駛之車輛……在駛至……斑馬線時……讓受害人先行通過斑馬線」、「……受害人倒在斑馬線上……」,原審法庭在審理民事索償起訴事實時,是不得把受害人當時正使用斑馬線橫過馬路這情節,視為未經證實的事實。
  綜上,原審法庭在審理上述具體實質涉及民事起訴事實的事實時明顯出錯,而有關錯誤亦直接影響了原審法庭對其餘涉及交通意外成因的民事起訴事實的判斷。
  據此,本人主張應裁定B的上訴理由成立,並因此應把涉及原審判決書第6頁內所指的四項「未能獲得證明」的事實之民事索償訴訟標的,發回初級法院以全新組合的合議庭重審(見澳門《刑事訴訟法典》第400條第2款c項和第418條第1款和第3款的規定)。
                  第一助審法官
陳廣勝

Proc. 419/2011 Pág. 30

Proc. 419/2011 Pág. 1