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Acórdão do Tribunal de Última Instância
da Região Administrativa Especial de Macau



Recurso extraordinário de fixação de jurisprudência
N.° 4 / 2006

Recorrente: A






1. Relatório
   A, recorrente nos autos de recursos n.º 141/2004 do Tribunal de Segunda Instância e n.º 35/2004 do Tribunal de Última Instância, vem interpor o presente recurso extraordinário para fixação de jurisprudência do acórdão do Tribunal de Segunda Instância proferido em 1 de Dezembro de 2005 no processo n.º 284/2005, com fundamento na oposição de diversos acórdãos referidos no requerimento de interposição do recurso, que termina com a formulação das seguintes conclusões:
   “1. Os acórdãos em oposição, identificados nesta motivação, são anteriores e pronunciam-se sobre as mesmas questões de direito que o acórdão recorrido – art.º 419.º do CPP;
   2. O acórdão de 10/03/2004 decide que, em caso de coexistência de vários actos, i.e., detenção de drogas para consumo pessoal e outras finalidades, é necessário apurar a quantidade de droga para cada fim, ou um deles; o acórdão proferido nos presentes autos determina que o Tribunal deve apurar a matéria factual necessária à formação da sua convicção sem insuficiências, devendo fundamentar as suas decisões;
   3. A quantidade de droga tem que ser apurada, não só para determinar o crime de tráfico efectivamente praticado, o normal ou de quantidades diminutas, mas também para servir de circunstância a ser considerada e valorada para efeitos de graduação da pena;
   4. O acórdão proferido e que condena o recorrente, é frontalmente oposto ao estabelecido jurisprudencialmente;
   5. Da matéria factual assente, resultando que o recorrente é consumidor, não resulta qual a quantidade destinada a consumo ou outros fins, se é que coexistiram;
   6. O acórdão ora recorrido e a orientação jurisprudencial nele contida, são contrários à solução de direito encontrada no acórdão de 22/07/2004 e de 15/04/2004, para além dos restantes mencionados;
   7. Quando não for possível apurar as quantidades de substância estupefaciente, atento princípio in dubio pro reo, deve condenar-se pelo crime menos gravoso;
   8. Era possível ao Tribunal de Julgamento apurar tais quantidades, pois dispunha dos meios técnicos e processuais necessários para o fazer, mas não o fez;
   9. Não tendo apurado tais quantidades, embora detivesse os meios processuais e técnicos para o fazer, cumprindo a Jurisprudência referida, teria que ter condenado o recorrente, in maxime, pelo crime p.p. no art.º 9.º do Decreto-Lei n.º 5/91/M;
   10. O Venerando Tribunal, aquando da apreciação do recurso ordinário interposto, devia ter tido em conta a Jurisprudência referida, o que não aconteceu;
   11. Donde, o acórdão recorrido é contrário à Jurisprudência anterior, já identificada nesta peça processual;
   12. Atendo o inderrogável princípio in dubio pro reo, o recorrente nunca poderá ser condenado por outro crime que não o do art.º 9.º do Decreto-Lei n.º 5/91/M, conforme a Jurisprudência anterior assentou e o que desde já se requer.”
   Pedindo o provimento do recurso e a fixação de jurisprudência de acordo com a solução requerida.
   
   O Ministério Público emitiu resposta no sentido de rejeição do recurso nos termos do art.º 423.º do Código de Processo Penal (CPP) por o recorrente não ser parte legítima para interpor o presente recurso. Entende-se que, segundo o art.º 419.º, n.º 1 do CPP, o recurso para fixação de jurisprudência pode ser interposto pelo Ministério Público, pelo arguido, pelo assistente ou pela parte civil, do acórdão proferido em último lugar, o recorrente não assume qualquer das referidas qualidades, sendo totalmente estranho ao processo, de n.º 284/2005, onde foi prolatado o acórdão recorrido.
   
   
   Foram apostos vistos pelos juízes-adjuntos.
   
   
   
   2. Fundamentos
   2.1 Legitimidade para interposição do recurso
   O recorrente interpôs o presente recurso extraordinário de fixação de jurisprudência do acórdão do Tribunal de Segunda Instância proferido em 1 de Dezembro de 2005 no processo n.º 284/2005, indicando como acórdão fundamento o do mesmo tribunal de 22 de Julho de 2004 proferido no processo n.º 141/2004.
   
   Sobre a admissibilidade do recurso, dispõe o art.º 419.° do CPP, na redacção dada pelo art.° 73.° da Lei n.° 9/1999 (com a rectificação publicada no Boletim Oficial da RAEM de 24 de Janeiro de 2000):
   “1. Quando, no domínio da mesma legislação, o Tribunal de Última Instância proferir dois acórdãos que, relativamente à mesma questão de direito, assentem em soluções opostas, o Ministério Público, o arguido, o assistente ou a parte civil podem recorrer, para uniformização de jurisprudência, do acórdão proferido em último lugar.
   2. É também admissível recurso, nos termos do número anterior, quando o Tribunal de Segunda Instância proferir acórdão que esteja em oposição com outro do mesmo tribunal ou do Tribunal de Última Instância, e dele não for admissível recurso ordinário, salvo se a orientação perfilhada naquele acórdão estiver de acordo com a jurisprudência já anteriormente fixada pelo Tribunal de Última Instância.
   3. ...
   4. Como fundamento do recurso só pode invocar-se acórdão anterior transitado em julgado.”
   Do n.º 1 deste artigo resulta claramente que só o Ministério Público, o arguido, o assistente ou a parte civil do acórdão proferido em último lugar, ou seja, do acórdão recorrido, podem interpor o presente recurso de fixação de jurisprudência.
   Ora, o recorrente é apenas arguido no processo que deu origem aos recursos n.º 141/2004 do Tribunal de Segunda Instância e n.º 35/2004 do Tribunal de Última Instância, sem nenhuma relação com o acórdão recorrido.
   Na realidade, o acórdão recorrido foi proferido pelo Tribunal de Segunda Instância no processo n.º 284/2005 em que é arguido e recorrente B. Independentemente de toda a ambiguidade na indicação pelo recorrente de acórdãos recorrido e de fundamento, é este o acórdão proferido em último lugar e que deve ser tido em conta para aferir a legitimidade do recorrente.
   É certo que o ora recorrente é arguido no processo donde emanou o acórdão de fundamento. Mas essa qualidade é irrelevante para ser considerado legítimo na interposição do presente recurso. Em princípio, o arguido só tem legitimidade para recorrer de decisões contra ele proferidas (art.º 391.º, n.º 1, al. b) do CPP). O legislador não abriu o leque de sujeitos legítimos para além de sujeitos processuais do acórdão recorrido precisamente porque na decisão do recurso extraordinário pode determinar a revisão apenas do acórdão recorrido ou o reenvio do respectivo processo.
   Uma vez que falta ao recorrente legitimidade para a interposição do presente recurso extraordinário, este não é admissível, o que determina a sua rejeição ao abrigo do art.º 423.º do CPP.
   
   
   
   3. Decisão
   Face ao exposto, acordam em rejeitar o recurso.
   Custas pelo recorrente com taxa de justiça fixada em 5UC.
   Após o trânsito, comunique ao processo CR1-05-0155-PCC.
   
   
   Ao 8 de Março de 2006.


Os juízes:Chu Kin (Relator)
Viriato Manuel Pinheiro de Lima
Sam Hou Fai

Processo n.° 4 / 2006 6