Processo nº 738/2009
(Autos de Recurso Contencioso)
Data: 21 de Julho de 2011
ASSUNTO:
- Renovação da autorização de residência temporária
- Notificação deficiente
SUMÁRIO:
Não é em sede do recurso contencioso, o qual tem por finalidade a anulação dos actos recorridos ou a declaração da sua nulidade ou inexistência jurídica, se aprecia a eventual invalidade da notificação, com vista a obter uma nova em caso da procedência.
Para o efeito, a lei prevê um meio processual próprio, que é justamente a acção para prestação de informação, consulta de processo ou passagem de certidão, prevista na Secção IV do CPAC.
A alteração da situação jurídica inicial do interessado não determina logo a perda da autorização de residência, pois isso depende de se o interessado constituir em nova situação jurídica atendível pelo IPIM no prazo fixado por este.
Apesar o CPAC (artº 24º, nº 1) permitir a acumulação do pedido de determinação da prática de acto administrativo legalmente devido, tal não significa que o Tribunal pode ordenar a entidade recorrida praticar um acto administrativo com conteúdo concreto, sob pena de violar o princípio de separação de poderes e o disposto do nº 3, in fine, do artº 104º do CPAC.
O Relator,
Ho Wai Neng
Processo nº 738/2009
(Autos de Recurso Contencioso)
Data: 21 de Julho de 2011
Recorrente: A
Recorrido: Secretário para a Economia e Finanças
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I – Relatório
A, melhor identificado nos autos, vem interpor o presente Recurso Contencioso contra o despacho do Sr. Secretário para e Economia e Finanças, de 15/07/2009, que não autorizou a sua renovação da autorização de residência temporária, alegando, em sede de conclusão, o seguinte :
A) O artigo 70° do CPA estabelece, de forma taxativa, quais os elementos que devem constar da notificação de um acto administrativo;
B) Ao não ter sido notificado do texto integral do Despacho de Sua Excelência o Secretário para a Economia e Finanças, é o acto administrativo ilegal, por violação do artigo 70° do CPA, na medida em que o Recorrente foi apenas notificado dos fundamentos da decisão, em papel timbrado do IPIM, e não de todos os elementos a que faz alusão o artigo 70° do CPA;
C) Por outro lado, o "Despacho" a que se refere o ofício do IPIM, refª 14129/GJFR/2009, não se encontra exarado na referida informação anexa ao ofício, nem tão pouco é comunicado ou transcrito noutro local, razão pela qual não pode o Recorrente identificá-lo, com precisão, sem prejuízo de a isso estar obrigado;
D) Não tendo sido notificado do referido acto, está em causa a garantia de defesa do particular em face da Administração, visto não conhecer o Recorrente o conteúdo integral do acto administrativo em causa, nem tão pouco pode ter exacta noção se os fundamentos ora notificados e constantes da informação do IPIM foram objecto de concordância expressa, em toda a sua extensão, pelo Senhor Secretário para a Economia e Finanças da Região Administrativa Especial de Macau.
E) Facto que torna o acto administrativo ilegal, por vício de forma e falta dos elementos essenciais do acto administrativo recorrido, devendo o mesmo ser anulado e revogado à luz dos artigos 125°, 130° a 134°, 145°, 146°, 147°, 151° e 153° e seguintes do CPA.
F) Acresce que, o acto administrativo ora posto em causa, é também ilegal, por violação da lei, na medida em que - e sem conceder que a situação jurídica atendível tenha sido alterada - à luz da Lei n° 4/2003 e o Regulamento Administrativo n° 3/2005.
G) O n° 2 do artigo 18° do Regulamento Administrativo 3/2005 fixa os termos em que uma autorização de residência é concedida e, bem assim, os casos em que pode ser cancelada;
H) Com efeito, o critério definido pelo Regulamento Administrativo n° 3/2005, é a "extinção ou alteração dos fundamentos" que dá origem à autorização;
I) O Recorrente nunca perdeu a situação jurídica atendível, como poderá verificar-se por todos os factos apresentados supra;
J) Não estando, por isso, reunidos, os pressupostos que poderiam levar a Administração a indeferir o pedido de renovação da alteração sendo, em consequência, o acto ilegal, por mor de a situação jurídica se ter mantido inalterada.
K) Mesmo admitindo que a perdeu, i.e., que a situação jurídica se alterou, o que não se concede, mas que se admite por mera cautela de patrocínio, sempre se dirá que a Administração deveria ter concedido um prazo, nunca inferior a 30 dias, para que o interessado, o aqui Recorrente, pudesse constituir uma "nova situação jurídica atendível";
L) Ao não ter concedido prazo para que o Recorrente (admitindo que tal aconteceu) se constituísse em nova situação jurídica atendível, o acto administrativo violou o n.º 2 do artigo 18 do Regulamento Administrativo 3/2005.
M) O legislador consagrou, expressamente, o seu interesse na manutenção de investidores de reconhecida capacidade económica, desde que tal ajude ao desenvolvimento de Macau e independentemente do motivo inicial de residência alterar em momento superveniente.
N) Actuando a Administração, neste domínio, no âmbito de poderes discricionários, tal não significa que possa violar a lei, como parece ter acontecido no caso particular ora em apreço;
O) Idêntica conclusão se chega se enquadrarmos o regime especial do Regulamento Administrativo n° 3/2005 com o regime geral previsto no Regulamento Administrativo n° 5/2003.
P) Com efeito, a norma destes diplomas é deixar um amplo espaço de decisão à Administração, embora, em entender do Recorrente, apenas se possa falar de discricionariedade técnica ou imprópria.
Q) Nesta medida, afigura-se oportuno o presente Recurso, porquanto visa revogar o acto administrativo ora recorrido, com fundamento na sua falta de conveniência oportunidade, nos termos do artigo 146° do Código de Procedimento Administrativo.
R) Atendendo aos factos expostos, esteve e está preenchido o critério de interesse público que deveria ter servido de base à decisão do IPIM.
S) O Recorrente nunca esteve em situação ilegal, na medida em que sempre manteve e mantém o montante do investimento, desde a data em que, pela primeira vez, lhe foi autorizada a residência temporária, até ao dia em que tomou conhecimento da possível irregularidade, i.e., quando foi notificado do cancelamento.
T) Pedindo a Vossas Excelências para, na apreciação deste Recurso, atendam à situação material em que sempre se encontrou o Recorrente e, insistindo-se, nunca constituiu infracção às normas que disciplinam e fixam o critério de residência temporária da RAEM.
Pedindo que:
a) Deverá ser proferido Acórdão no sentido de que o Recorrente seja notificado do conteúdo integral do Despacho de Sua Excelência o Secretário para a Economia e Finanças, por forma a que dele tenha total conhecimento;
Ou caso assim não se entenda
b) Deverá ser o acto administrativo recorrido anulado e revogado, visto ser o mesmo anulável por vício de forma, ao abrigo da alínea c) do nº 1 do artigo 21º do Código de Processo Administrativo Contencioso, por não conter todos os elementos consagrados no artº 70º do CPA;
Ou, caso assim não se entenda
c) Deverá ser proferido Acórdão anulando e revogando o Despacho recorrido e determinando a prática de um outro, que defira a renovação da autorização de residência ao abrigo da Lei nº 4/2003 e o Regulamento Administrativo nº 3/2005.
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Regularmente citada, a entidade recorrida contestou nos termos constantes a fls. 213 a 216 dos autos, cujo teor aqui se dá integralmente reproduzido, pugnando pelo não provimento do recurso.
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Não foram apresentadas as alegações facultativas.
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O Ministério Público emitiu o seguinte parecer:
“O interessante, no domínio do presente processo, é que, encontrando-nos integralmente de acordo com as conclusões formuladas pela entidade recorrida nas suas alegações, alcançamos, porém, inversa solução para o caso.
Ou seja :
- Dos elementos constantes dos autos e respectivo instrutor, colhe-se que, de facto, a notificação do acto efectuada ao recorrente continha os elementos necessários e essenciais para o efeito, a que alude o artº 70º, CPA, designadamente o teor, fundamento e meios de reacção, pelo que mal se percebe como esgrimir com tal matéria, de resto atinente apenas à eficácia, que não à validade do acto questionado ;
- Depois, entendemos também que a “aplicação de fundos” exigida pelo Dec Lei 14/95/M afasata a possibilidade do recurso ao crédito dentro da Região, para obtenção do montante mínimo necessário à almejada autorização de residência por investimento, havendo que tratar-se de fundos próprios, já que, como é evidente, a intenção legislativa teve em mente a captação de investimentos do exterior para a Região, que não o encorajamento à concessão de crédito pelos bancos de Macau ;
- Aceita-se, de igual modo, que o interessado não possa livremente alterar a situação que fundamentou a concessão de autorização de residência, havendo que conservar a mesma “a título permanente”, no dizer dos termos legais
- Finalmente, o caso do recorrente rege-se efectivamente pelo disposto no Dec Lei 14/95/M , por força do previasto na al 1) do nº 1 do artº 22º do R.A. 3/2005.
Ora, é precisamente esta última asserção que nos reconduz a diferente perspectiva da assumida pela recorrida.
É que, nos precisos termos do nº 3 do artº 7º daquele diploma legal “Em caso de perda da titularidade da situação jurídica que determinou a concessão de autorização de residência, esta deve ser cancelada se, no prazo que lhe for fixado e não inferior a 30 dias, o interessado não se constituir em nova situação jurídica atendível” (sublinhado nosso).
No caso, não nos encontraremos perante situação de cancelamento, mas de indeferimento de renovação.
Cremos, porém, que, fundando-se a decisão, como se funda, na perda de titularidade da situação jurídica que determinou a concessão da autorização de residência, se imporia, de igual forma, a fixação ao recorrente de prazo para, eventualmente, se constituir em “nova situação jurídica atendível”, já que é ainda aquela al 1) do nº 1 do artº 22º do R.A. 3/2005 que manda aplicar a doutrina do Dec. Lei 14/95/M também à renovação dos pedidos de residência, razões por que não se imporia ao recorrente a comunicação da alteração da sua situação, à luz do agora exigido no artº 3º do artº 18º do R.A. citado.
É claro que nos não mostramos incólumes ou indiferentes à perspectiva de tal abordagem ser susceptível de acarretar noção ou ideia de alguma permissividade ou permeabilidade face a situações em que os interessados, abrangidos pelo regime do Dec Lei 14/95/, após a obtenção da residência temporária por investimento e até à respectiva renovação possam, impunemente, “retirar” o investimento, sendo certo que, no intuito de captação de investimentos de reconhecida relevância económica, os mesmos devem ser realizados de forma estável e contínua : contudo, esse é um problema do legislador, sendo que, quiçá por tal motivo, terá introduzido, em sede do R.A. em causa a obrigatoriedade da comunicação a que nos vimos reportando .
Simplesmente, ao prever, no mesmo, a aplicação, nos casos congéneres ao do recorrente, e mesmo em sede de renovação, a continuação da aplicação do Dec Lei 14/95/M, (donde aquela obrigatoriedade não consta), a tal regime se terá que submeter este Tribunal, bem como a Administração, à qual todavia, restará sempre a devida, efectiva e permanente fiscalização dessas situações.
Seja como for, pelas razões acima aduzidas, por violação do disposto no nº 3 do artº 7º do Dec Lei 14/95/M, somos a pugnar pelo provimento do presente recurso.”
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Foram colhidos os vistos legais dos Mmºs Juizes-Adjuntos.
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O Tribunal é o competente.
As partes possuem a personalidade e a capacidade judiciárias.
Mostram-se legítimas e regularmente patrocinadas.
Não há questões prévias, nulidades ou outras excepções que obstam ao conhecimento do mérito da causa.
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II – Factos
Com base nos documentos juntos aos autos e ao respectivo P.A., considera-se assente a seguinte factualidade com interesse à boa decisão da causa:
1. Por despacho do Chefe do Executivo da RAEM, de 10/08/2005, foi autorizada a fixação temporária de residência do recorrente na RAEM , por ter feito um investimento em valor superior a MOP1,000,000.00 numa fracção autónoma sita na Rua dos Clérigos, 7, Taipa.
2. Fracção autónoma essa foi adquirida, em 03/07/2004, pelo montante de HKD3,500,000.00, equivalente a MOP3,605,000.00.
3. Na mesma data, o recorrente hipotecou a dita fracção autónoma ao Banco Comercial de Macau, SA, para abertura de crédito em concessão de facilidades bancárias gerais até ao limite de HKD$2.500.000,00.
4. A referida fracção foi vendida em 30 de Junho de 2006 pelo montante de MOP6,766,402.69.
5. Em 04/05/2004, o recorrente adquiriu uma outra fracção autónoma, sita na Avenida da República, nº 16, Edifício XX, 5.° Andar A, pelo preço de MOP6,849,500.00
6. Na mesma data, o recorrente hipotecou a dita fracção autónoma ao Banco Comercial de Macau, SA, para abertura de crédito em concessão de facilidades bancárias gerais no valor de HKD$4.000.000,00.
7. Em 24/04/2006, o recorrente, através do seu advogado, dirigiu um requerimento ao Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau (IPIM), conforme consta a fls. 3 a 4 do P.A., cujo teor aqui se dá integralmente reproduzido, pedindo que “seja alterado o direito imobiliário, considerado investimento relevante e que serve de fundamento à autorização da sua fixação de residência na Região Administrativa Especial de Macau, para o direito de domínio útil da fracção autónoma designada por “A5”, do 5º andar “A”, para habitação, com entrada pelo nº XX da Av. da República, descrito sob o nº 12080 na Conservatória do Registo Predial de Macau, que adquiriu pelo preço de HKD$6,650,000.00 (seis milhões seiscentos e ciquenta mil dólares de Hong Kong) e que se encontra onerado por hipoteca para garantia de eventual obrigação pecuniária até ao limite da quantia de HKD$4,000,000.00 (quatro milhões de dólares de Hong Kong).
8. Em 19/06/2006, o IPIM respondeu pela forma seguinte (fls. 42 do P.A.):
“Tendo consultado o respectivo processo e os documentos apresentados, verificam-se que os referidos elementos reúnem basicamente as condições legais. Porém. Reiteramos que não pode por si ou por seu procurador vender ou hipotecar o(s) imóvei(s) novo comprado(s) como fundamento da autorização de fixação de residência no período de manutenção de fixação de residência.”
9. Em 06/07/2006, o recorrente hipotecou a fracção autónoma identificada no nº 4 ao Banco CITIC KA WAH, por forma a obter facilidades bancárias até ao limite de HKD$6,000,000.00, equivalentes a MOP6,180,000.00.
10. Em 14/12/2007, o recorrente hipotecou mais uma vez a mesma fracção autónoma ao Banco CITIC KA WAH, por forma a obter facilidades bancárias até ao limite de HKD$2,500,000.00, equivalentes a MOP2,575,000.00.
11. Em 06/02/2009, o recorrente deve o referido Banco a quantia de HKD$7,563,643.97, equivalentes a MOP$7,790,553.29 (fls. 131 do P.A.).
12. Em 19/08/2009, o valor da dívida do referido Banco era de HKD$5,062,401.77, equivalentes a MOP$5,214,273.82.
13. À data de 21/08/2009, o recorrente tem no referido Banco depósitos no valor de HKD$1,061,986.98 e de MOP$3,100.00 (Doc. n.º 5 dos autos).
14. Além da aquisição da fracção autónoma identificada no ponto nº 5, o recorrente, através das sociedades ou fundos em que participa, tem investido em Macau.
15. Por despacho do Secretário para a Economia e Finanças, de 15/07/2009, foi indeferida a renovação da autorização de residência temporária do recorrente, com base nos fundamentos constantes na Informação-Proposta nº 2521/居留/2004/01R, de 22/06/2009 (fls. 92 a 95 do P.A.), cujo teor aqui se dá integralmente reproduzido.
III – Fundamentos
O recorrente, como fundamentos do presente recurso contencioso, invocou o seguinte:
- A notificação do acto recorrido é deficiente, por não conter todos os elementos legalmente exigidos;
- Existe erro nos pressupostos de facto, uma vez que ele “nunca perdeu a situação jurídica atendível da renovação da autorização da fixação de residência temporária.
- Mesmo que se considerasse que a sua situação jurídica deixou de ser atendível para o efeito, a entidade recorrida não cumpriu o disposto do nº 2 do artº 18º do Regulamento Administrativo nº 3/2005, isto é, não lhe concedeu um prazo não inferior a 30 dias para constituir uma nova situação jurídica atendível.
Vamos agora analisar se o recorrente tem razão.
I. Da alegada deficiência da notificação do acto recorrido:
Nos termos do artº 70 do CPA, devem constar da notificação os seguintes elementos:
a) o texto integral do acto administrativo;
b) a identificação do procedimento administrativo, incluindo a indicação do autor do acto e a data deste;
c) o órgão competente para apreciar a impugnação do acto e o prazo para esse efeito; e
d) a indicação de o acto ser ou não susceptível de recurso contencioso.
Em primeiro lugar, não se deve confundir a notificação e o acto administrativo propriamente dito.
É através da notificação, se dá conhecimento ao seu destinatário dos elementos essenciais do acto administrativo propriamente dito.
Quando a notificação omita os elementos legalmente exigidos, determina, consoante os casos, a ineficácia do acto (se a notificação não dê a conhecer o sentido, o autor e a data da decisão) – artº. 26º, nº 1, do CPAC, ou simplesmente a suspensão da contagem do prazo de recurso – artº 27º do CPAC.
Mas nunca determina a invalidade do acto administrativo propriamente dito, por não ser parte constitutiva do mesmo.
Não é em sede do recurso contencioso, o qual tem por finalidade a anulação dos actos recorridos ou a declaração da sua nulidade ou inexistência jurídica, se aprecia a eventual invalidade da notificação, com vista a obter uma nova em caso da procedência.
Para o efeito, a lei prevê um meio processual próprio, que é justamente a acção para prestação de informação, consulta de processo ou passagem de certidão, prevista na Secção IV do CPAC.
Improcede assim o pedido principal do recorrente, por não ser legalmente admissível no âmbito do recurso contencioso.
II. Do alegado erro nos pressupostos de facto:
Entende o recorrente que, não obstante a fracção autónoma “A5” do 5º andar do edifício XX, sito na Avenida da República nº 16 ter sido adquirido em 2004 pelo preço de MOP$6,849,500.00, deveria atender ao seu valor aumentado no momento em que autorizou a alteração da situação jurídica que serviu de base da sua autorização de fixação de residência temporária, e não simplesmente ao seu valor inicial de compra.
Para o recorrente, à data da autorização da alteração em referência pelo IPIM, isto é, em 19/06/2006, a dita fracção autónoma valia, aproximadamente e num cálculo conservador, HKD$9,000,000.00.
Assim sendo e mesmo haver dívidas bancárias no valor de HKD$7,563,643,97, o seu investimento continua exceder um milhão de patacas.
Por outro lado, tem ainda depósitos bancários mais de um milhão de patacas (MOP$1,061,968.98) e outros investimentos na RAEM.
Assim, entendeu que o acto recorrido ao considerar que não estava reunidos os requisitos legais para a renovação da fixação de residência temporária, errou nos pressupostos de facto.
Terá razão o recorrente?
A resposta não deixa de ser negativa por razões que expomos a seguir.
Em 24/04/2006, o recorrente pediu ao IPIM que “seja alterado o direito imobiliário, considerado investimento relevante e que serve de fundamento à autorização da sua fixação de residência na Região Administrativa Especial de Macau, para o direito de domínio útil da fracção autónoma designada por “A5”, do 5º andar “A”, para habitação, com entrada pelo nº XX da Av. da República, descrito sob o nº 12080 na Conservatória do Registo Predial de Macau, que adquiriu pelo preço de HKD$6,650,000.00 (seis milhões seiscentos e ciquenta mil dólares de Hong Kong) e que se encontra onerado por hipoteca para garantia de eventual obrigação pecuniária até ao limite da quantia de HKD$4,000,000.00 (quatro milhões de dólares de Hong Kong).”
Resulta claramente do requerimento do próprio recorrente que ele pede a autorização da alteração com base no valor da aquisição da fracção autónoma e não o valor do mercado à data do pedido.
E a autorização da alteração do IPIM também foi feita com base neste valor, decisão essa que foi devidamente notificada ao recorrente e ele nunca a impugnou, ou seja, a aceitou.
Nesta conformidade, o recorrente não pode, em sede do presente recurso contencioso, indicar um outro valor diferente àquele inicialmente oferecido por si próprio e aceite pela Administração, sob pena de violar o caso julgado e o princípio de boa-fé, previsto no artº 8º do CPA.
Quanto aos depósitos bancários, estes não integram no conceito de investimento nos termos do DL nº 14/95/M, daí que são irrelevantes para o caso em apreço.
Em relação a outros investimentos em Macau, cumpre dizer que a renovação do título de residência está sujeita à verificação dos mesmos requisitos da sua emissão inicial ( artº 8º, nº 2 do DL nº 14/95/M).
Assim, uma vez que o fundamento que serviu da autorização da fixação de residência temporária do recorrente foi a aquisição de propriedade imobiliária com valor não inferior a um milhão de patacas (cfr. al. d) do nº 1 do artº 2º do DL nº 14/95/M, com nova redacção dada pelo DL nº 22/96/M, de 22/04), os investimentos alegadamente feitos em outras sociedades comerciais através das quais investem no sector imobiliário de Macau, não constituem, à partida, objecto de apreciação no pedido da renovação do título de residência.
Aliás, como é sabido, as sociedades comerciais gozam de personalidade jurídica própria e autonomia patrimonial em relação aos seus sócios, pelo que os investimentos feitos por elas não podem ser considerados como investimentos próprios dos seus sócios.
Sobre as questões de saber se os investimentos que o recorrente fez nestas sociedades podem ser considerados como investimentos relevantes para RAEM e a sua possibilidade de constituir uma nova situação jurídica atendível para efeitos de renovação da fixação de residência, já não cabe a este Tribunal pronunciar no presente recurso contencioso, em virtude de que as mesmas ainda não foram colocadas à apreciação da entidade recorrida.
Nestes termos, é improcedente este argumento do recurso.
III. Da não concessão do prazo para reconstituição da situação juridicamente atendível:
Imputa também o recorrente ao acto recorrido o vício da violação da lei por incumprimento do disposto do nº 2 do artº 18º do Regulamento Administrativo nº 3/2005, isto é, não lhe concedeu um prazo não inferior a 30 dias para constituir uma nova situação jurídica atendível.
Em defesa, a entidade recorrida chamou atenção de que ao caso do recorrente não se aplica o citado Regulamento Administrativo, já que este só entrou em vigor no momento posterior, pelo que não é aplicável aos processos pendentes por força da sua norma transitória (cfr. artº 22º, nº 1, al. 1)).
Quid iuris?
Ambas as partes têm razão.
A entidade recorrida tem razão no sentido de que o caso do recorrente continua a reger-se pelo DL nº 14/95/M.
E o recorrente tem razão na parte que diz respeito à necessidade de lhe conceder um prazo não inferior a 30 dias para constituir uma nova situação jurídica atendível, mas não com fundamento no nº 2 do artº 18º dp Regulamento Administrativo nº 3/2005, mas sim no nº 3 do artº 7º do DL nº 14/95/M, nos termos do qual “Em caso de perda da titularidade da situação que determinou a concessão de autorização de residência, esta deve ser cancelada se, no prazo que lhe for fixado e não inferior a trinta dias, o interessado não se constituir em nova situação jurídica atendível.”
É certo que o presente caso não é de cancelamento, mas de indeferimento de renovação.
Porém, como bem notou o Dignº Magistrado do Mº Pº junto deste Tribunal que “fundando-se a decisão, como se funda, na perda de titularidade da situação jurídica que determinou a concessão da autorização de residência, se imporia, de igual forma, a fixação ao recorrente de prazo para, eventualmente, se constituir em “nova situação jurídica atendível”.
No mesmo sentido, cite-se o Acórdão do TUI, de 06/04/2001, proferido no Proc. nº 55/2010, no qual entendeu que “Embora a al. d) do n.° 1 do art.° 2.° do Decreto-Lei n.º 14/95/M exige a permanência de aplicação de fundos em propriedade imobiliária, a alteração da situação jurídica do interessado não determina logo a perda da autorização de residência, pois isso depende de se o interessado constituir em nova situação jurídica atendível pelo IPIM no prazo fixado por este.”
Assim, procede este argumento do recurso e o acto recorrido deve ser anulado por violação do disposto no art.° 7.°, n.° 3 do Decreto-Lei n.º 14/95/M.
No que respeita ao pedido de determinar a prática de um outro acto que defira a renovação da autorização de residência ao abrigo da Lei nº 4/2003 e o Regulamento Administrativo, cumpre dizer que apesar o CPAC (artº 24º, nº 1) permitir a acumulação do pedido de determinação da prática de acto administrativo legalmente devido, tal não significa que o Tribunal pode ordenar a entidade recorrida praticar um acto administrativo com conteúdo concreto, sob pena de violar o princípio de separação de poderes e o disposto do nº 3, in fine, do artº 104º do CPAC.
Termos em que se decide em não atender ao pedido em causa.
IV – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em conceder provimento ao recurso interposto, anulando o acto recorrido.
Sem custas, por a entidade recorrida gozar da isenção subjectiva.
Notifique e registe.
RAEM, aos 21 de Julho de 2011.
Ho Wai Neng Presente
José Cândido de Pinho Vitor Coelho
Lai Kin Hong (vencido nos termos da declaração de voto)
Processo nº 738/2009
Declaração de voto de vencido
Vencido quanto ao dispositivo que determinou a anulação do acto recorrido com fundamento na falta da notificação da recorrente para se constituir em nova situação atendível pelo IPIM no prazo para o efeito fixado, pois entendo que quer face ao disposto no artº 7º/3 do Decreto-Lei nº 14/95/M quer ao do artº 18º/2 do Regulamento Administrativo, só tem lugar a tal notificação no caso de cancelamento da autorização de residência, e não também na renovação da autorização de residência, dado que neste último caso, o próprio interessado tem o dever instruir devidamente o requerimento com todos os elementos necessários à renovação da autorização, em que naturalmente se abrangem os concernentes à eventual alteração da sua situação jurídica determinante da concessão da autorização renovanda.
RAEM, 21JUL2011
Lai Kin Hong
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Proc. nº 738/2009