Processo nº 614/2010
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 01 de Dezembro de 2011
Descritores:
-Confissão extrajudicial
-Força probatória plena
SUMÁRIO:
I- Uma carta dirigida pelo executado ao exequente reconhecendo a dívida, se não impugnada, nem sindicada quanto à genuinidade da assinatura, e sem demonstração de que, por outro lado, tivesse sido escrita padecendo de alguma fonte de invalidade (art. 352º do CC), apresenta-se como documento genuíno e confessório: tem valor de confissão extrajudicial com força probatória plena (art. 351º, nº2, do CC).
II- A prova plena daí derivada pode, no entanto, ser contrariada mediante a prova do contrário, salvo as restrições especialmente determinadas. A prova testemunhal é uma dessas restrições (arts. 340º, “in fine”, 386º e 387º, nº2, do CC).
Processo Nº 614/2010
(recurso cível e laboral)
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM
I- Relatório
“Companhia de Investimento Imobilário A, Lda”, com os demais sinais dos autos, deduziu no TJB oposição à execução por meio de embargos em que é exequente “Bank of B Limited”.
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Houve contestação e na oportunidade foi proferida sentença que julgou a oposição procedente e extinta a obrigação subjacente à livrança e improcedente o pedido da embargante de condenação do embargado por litigância de má fé.
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É dessa sentença que ora recorre jurisdicionalmente o “Bank of B Limited”, em cujas alegações formula as seguintes conclusões:
1. Como resulta da alínea D da Especificação, a execução ordinária n.º CV2-01-0013-CEO foi movida tendo como base duas escrituras de facilidades bancárias com hipoteca.
2. Não se está, como conclui erroneamente o douto Tribunal a quo, na presença de uma nova execução com base no mesmo título executivo.
3. Pelo que a decisão recorrida se encontra em oposição com o fundamento de facto constante da alínea D da Especificação.
4. Nos termos do artigo 471º, n.º 1. al. c) do C.P.C. tal contradição é sancionada com o vício de nulidade da Sentença.
5. Caso contrário caberá sempre referir o seguinte:
6. O documento junto pelo Embargado, ora Recorrente, com o requerimento de 20.05.2008, é uma missiva dirigida ao Recorrente, escrita e assinada por um representante da sociedade embargante, aqui Recorrida, com aposição do carimbo oficial desta.
7. No mencionado documento, a Recorrida expõe o facto originador do crédito da Recorrente, bem como afirma ainda ser devedora da Recorrente na quantia de MOP$907.002,29.
8. Tal documento constitui uma verdadeira confissão de dívida, preenchendo todos os requisitos exigidos nos termos do art. 351º n.2 do Código Civil.
9. A confissão extrajudicial, feita em documento particular - que deverá ser tido como verdadeiro por não impugnado, segundo o disposto no art. 3682 n.2 1 do Código civil - e dirigida à contra-parte, no caso sub judice ao ora Recorrente,
10. Tem força probatória plena do facto que é desfavorável à parte declarante e favorável à contra-parte.
11. A prova legal plena só pode ser contrariada por meio de prova que mostre não ser verdadeiro o facto que dela for objecto (art. 340º do Código Civil).
12. Não logrou o Embargante, ora Recorrido, provar que a dívida exequenda já havia sido totalmente liquidada na execução hipotecária autuada com o n.º CV2-01-0013-CEO.
13. O Recorrido não produziu meio de prova que mostrasse não ser verdadeiro o facto objecto da prova legal plena - sub judice o conteúdo da confissão, isto é, que a sociedade Recorrida é ainda devedora do Recorrente na quantia de MOP$907.002,29.
14. É admissível a alteração da matéria de facto da sentença de 1ª Instância pelo Tribunal de Segunda Instância nos termos do art. 629º, n.º 1, alínea a) do Código de Processo Civil.
15. O douto tribunal a quo ao não considerar como provado o indicado no 1º Quesito da Base Instrutória: “Conforme contabilização efectuada até 3 de Fevereiro de 2005, a sociedade executada deve ao exequente a quantia global de MOP$907.002,29” veio efectivamente a violar o disposto nos artigos 340º e 351º n.º 2 ambos do Código Civil
16. Pois que tal quesito, não tendo sido objecto de prova em contrário, se deverá considerar provado com base numa prova legal plena.
17. Devendo, assim, concluir-se pela improcedência dos presentes embargos de executado,
18. Podendo a execução a que os presentes se encontram apensados prosseguir com base na livrança junta, pois que a obrigação que esta titula ainda não foi integralmente liquidada pela sociedade devedora, aqui Recorrida.
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“Companhia de Investimento Imobiliário A, lda” apresentou resposta ao recurso, formulando as seguintes conclusões:
a) Foi o presente recurso interposto pelo embargado, da decisão proferida pelo Tribunal de 1ª Instância que julgou “procedente a oposição do Embargante, declarando extinta a obrigação subjacente à livrança em causa”;
b) É contra esta douta decisão que o embargado, ora recorrente, se insurge porquanto, tudo visto e analisado, entende que o documento que juntou aos autos em 2008/5/20 - cópia de uma carta, datada de 28 de Março de 2005, alegadamente enviada pela embargante ao Banco embargado - constituiria uma confissão extrajudicial de dívida que deveria ser tida como verdadeira por não impugnada e, consequentemente, teria “... força probatória plena do facto que é desfavorável à parte declarante e favorável à contra-parte”.
Salvo o devido respeito, sem razão;
c) A questão em apreço cinge-se, pois, em saber se a carta alegadamente enviada pela recorrida ao recorrente corporiza uma confissão de dívida.
Entende a recorrida que não;
d) Na verdade, está-se na presença de uma carta cuja letra e assinatura pertencerão a um representante da recorrida - não se sabendo, no entanto, se com poderes para o acto - mas de cujo o conteúdo se não extrai uma confissão de dívida;
e) Da aplicação das normas dos artigos 345º nº 1, 350º e 353º, todos do Código Civil, aos factos em apreço, resulta que a posição assumida pela embargante, ora recorrida, ao longo do processo, é a do não reconhecimento da realidade do facto que o recorrente ora pretende ver reconhecido; pelo que a alegada confissão não é inequívoca; e, da indivisibilidade dos factos daquela alegada declaração, ter-se-á que concluir que a recorrida nada deve ao recorrente;
f) É, como refere (e bem) a decisão recorrida, “uma questão de matemática”: a soma das parcelas a crédito e débito entre recorrente e recorrida conduz à inegável conclusão de que esta nada deve ao recorrente - o exequente na execução para pagamento de quantia certa;
g) E, voltando à questão da matemática referida na decisão recorrida, dir-se-á que a alegada “confissão” da recorrida é notoriamente inexistente, pelo que, mesmo que de uma confissão se tratasse - o que se expressamente se impugna - a mesma sempre seria ineficaz;
Por outro lado,
h) Verifica-se que o recorrente peticiona na acção executiva a que a recorrida se opôs por embargos a quantia, em “capital”, de MOP$907.002,29 e na referida carta, pretensamente confessória da dívida, a recorrida alude a esta mesma quantia, mas a título de “juros e multas”;
i) Por este motivo, entendeu o Tribunal “a quo”, em audiência de julgamento, notificar o embargado, ora recorrente, para juntar aos autos documento contabilístico comprovativo da existência da dívida da embargante, ora recorrida;
j) Obviamente, não logrou o recorrente comprovar a dívida da recorrida, razão pela qual o quesito 1º da base instrutória foi dado como não provado.;
l) Salvo o devido respeito, o que o recorrente pretende é sindicar a livre convicção do Tribunal “a quo”;
m)Contudo, atenta a fundamentação da decisão, tal sindicância colide com o princípio da livre apreciação das provas (artº 558º do C.P.C.), estando, por outro lado, vedado ao Tribunal de Segunda Instância alterar a decisão da matéria de facto proferida pelo Tribunal “a quo”, porquanto do processo não constam “... todos os elementos de prova que serviram de base à decisão ...” (artº 629º nº 1, al. a) do C.P.C. “a contrario”);
Assim sendo,
n) Não se tendo provado que “conforme contabilização efectuada até 3 de Fevereiro de 2005, a sociedade executada deve ao exequente a quantia global de MOP$907.002,29, a título de capital”, a oposição à execução formulada pela ora recorrida teve, pois, o condão de fazer verificar como não existente o direito de crédito do ora recorrente e, consequentemente, a inexequibilidade do título por ele detido.
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Cumpre decidir.
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II- Os Factos
A sentença deu por assente a seguinte factualidade:
- A sociedade executada obteve do exequente diversos créditos bancários. (A)
- A executada subscreveu uma livrança com data de 17 de Dezembro de 1999, no montante de MOP$18.600.000,00. (B)
- Tal livrança fazia parte de um conjunto de garantias que o embargado exigiu à embargante, das quais se destacam duas hipotecas voluntárias a favor do embargado, registadas na C.R.P., respectivamente, em 22/5/96 sob o nº 9962 e 3/4/98 sob o nº 2573C. (B1)
- A coberto daquelas garantias, a embargante obteve do embargado apenas os seguintes créditos:
* Em 31/5/96, a quantia de MOP$3.000.000,00;
* Em 28/8/96, a quantia de MOP$2.000.000,00;
* Em 3/4/98, a quantia de MOP$3.000.000,00;
* Em 7/4/98, a quantia de MOP$3.500.000,00;
* Em 25/8/98, a quantia de MOP$2.500.000,00;
* Em 23/12/99, a quantia de MOP$1.800.000,00. (B2)
- Em 3/4/98, a embargante reembolsou o embargado em MOP$2.000.000,00, amortizando parcialmente a sua dívida, em capital. (B3)
- A embargante nunca utilizou a totalidade do que lhe foi concedido a título de facilidades bancárias. (B4)
- A livrança venceu-se em 3 de Fevereiro de 2005. (C)
- No ano de 2001, a exequente intentou contra a sociedade executada uma acção executiva para pagamento de quantia certa, baseada naquelas duas hipotecas voluntárias, na qual alegou que, em 26 de Abril de 2001, a dívida da embargante, em capital, era de MOP$14.499.258,70. (D)
- No decurso desta execução, foi penhorado e vendido judicialmente o terreno sobre o qual incidiram as respectivas inscrições hipotecárias, tendo-se apurado o valor de MOP$33.400.010,00. (E)
- Na liquidação desta execução, foram pagos à exequente MOP$14.499.258,70, juros vencidos no valor de MOP$6.945.763,25, encargos no valor de MOP$930.000.00 e despesas com os imóveis onerados no valor de MOP$36.862,35, o que totalizou MOP$22.411.884,30. (F)
Da Base Instrutória
- Provado o que consta da alínea F). (2º)
- As hipotecas referidas na alínea B1) supra garantiam empréstimos concedidos na modalidade de facilidades bancárias, nos montantes, respectivamente, de MOP$15.000.000,00 e MOP$3.600.000,00, ou seja, no total de MOP$18.600.000,00, exactamente o valor da livrança dos autos. (3º).
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III- O direito
1- Da nulidade
Vem, em 1º lugar, invocada a nulidade da sentença de que trata o art. 571º, nº1, al. c), do CPC, com fundamento na contradição entre o teor da alínea D) da Especificação e a decisão tomada.
Para o recorrente, Banco da B, ao contrário do que resulta da sentença, não se está na presença de uma nova execução com base no mesmo título, mas sim perante a execução de um título diverso daquele que esteve na base da execução ordinária autuada com o nº CV2-01-0013-CEO, concretamente duas escrituras de facilidades bancárias com hipotecas. Razão pela qual, o tribunal a quo com tal afirmação contradiz o vertido nas alíneas B1 e D da especificação.
Vejamos.
Antes de mais nada, realinhemos muito bem a matéria de facto assente (“especificada”) e provada.
a) - O Banco da B concedeu à executada/embargante diversos créditos bancários (al.A);
b) - Para tanto, a executada garantiu o pagamento dos créditos através de, pelo menos duas hipotecas voluntárias e uma livrança (alíneas B) e B1);
c) - Tais hipotecas serviram para garantir empréstimos concedidos na modalidade de facilidades bancárias nos montantes de Mopo$15.000.000, 00 e MOP$ 3.600.000,00 tudo no total de MOP$ 18.600.000,00 (resposta ao quesito 3º);
d) - A executada/embargante subscreveu uma livrança no valor de MOP$ 18.600.000,00 (al. B);
e) - A coberto de todas as garantias referidas em b), a executada/embargante obteve do Banco da B ora recorrente (exequente/embargado) apenas créditos no valor de MOP$ 15.800.000,00 (al. B2);
f) E dessa importância a embargante pagou MOP$ 2.000.000,00 (al. B3);
g) A executada/embargante nunca utilizou a totalidade do que lhe foi concedido a título de facilidades bancárias (al. B4);
h) Foi movida uma execução contra a aqui recorrida (executada/embargante) com base nas tais duas hipotecas, em que se visava o pagamento de MOP$14.499.258,70 mais os juros, encargos e despesas (al. F);
Somos nós agora a perguntar: haverá nestas respostas alguma contradição?
Não nos parece. Realmente, as facilidades bancárias foram garantidas por duas hipotecas e somaram MOP$ 18.600.000,00, exactamente o valor da livrança. Simplesmente, a executada/embargante/ora recorrida não chegou a utilizar a totalidade desse dinheiro que foi posto à sua disposição. Em boa verdade, para todas as garantias que ofereceu, ela apenas utilizou créditos no valor de MOP$ 15.800.000,00, de que pagou posteriormente MOP$ 2.000.000,00.
Ou seja, o Banco tinha duas hipotecas e uma livrança e nessa execução (que prosseguiu até ao seu termo e onde foi satisfeito o valor da dívida) accionou as hipotecas. Diferentemente, na execução que deu origem aos presentes autos accionou a livrança, pretendendo obter o pagamento de parte da dívida alegadamente por pagar, no valor de MOP$907.002,29.
Com todos estes dados reunidos, cremos estar em condições de concluir: A livrança serviu para “garantir” o mesmo que as hipotecas garantiam: o pagamento de MOP$ 18.600.000,00. Simplesmente, o que é certo é que de todo o dinheiro posto à disposição da executada, ela apenas utilizou MOP$ 15.800.000,00, a que abateu em 3/04/1998 a importância de MOP$2.000.000,00.
Ou seja, nenhuma outra importância foi utilizada pela executada com dinheiro emprestado pelo Banco!
Ora, se nenhuma contradição avistamos nesta matéria de facto - assente ab initio e provada em julgamento – do mesmo modo nenhuma contradição enxergamos entre essa fundamentação de facto e a decisão tomada.
Só uma coisa não está bem dita na sentença. É quando o Ex.mo Juiz “a quo” refere que “não pode o embargado vir executar outra vez a mesma livrança”. Realmente, o título dado à execução é aqui, sim, a livrança, mas na execução a que se refere a alínea D) dos factos assentes o que foi accionado foram as hipotecas voluntárias. De qualquer maneira, para lá desta imprecisão, o que conta para o caso é saber de eventual extinção da obrigação da embargante/executada/ora recorrida pelo pagamento.
Em suma, não estamos perante a arguida nulidade.
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2- Do mérito da sentença
A circunstância de a recorrida não ter utilizado todo o dinheiro posto à sua disposição quererá dizer que nada mais deve ao Banco ora recorrente?
É a vexata questio.
O Banco recorrente entende que a recorrida ainda lhe deve a quantia de $ 907.002,29 e, por isso, considera que o tribunal “a quo” andou mal no julgamento da matéria de facto.
Está em causa a matéria do quesito 1º onde se perguntava se “conforme contabilização efectuada até 3 de Fevereiro de 2005 a sociedade executada deve ao exequente a quantia global de MOP$ 907.002,29 a título de capital” e que mereceu a resposta de não foi provado.
Pretendia-se dissipar aquilo que a 1ª instância pensou ser um non liquet e a solução do julgamento efectuado foi, factualmente, contrário aos interesses do Banco.
O recorrente, porém, defende que o documento de fls. 202-203 (carta endereçada pela embargante ao Banco), traduzido para português a fls. 204-205, mostra que a executada/ora recorrida confessou aquela dívida a título de juros e multas. Confissão extrajudicial de dívida de que haveria de extrair-se a prova plena que emana do art. 351º, nº2, do Cod. Civil, que a recorrida não teria contrariado nos termos do art. 340º do mesmo Código, preceitos que, deste modo, acha terem sido violados na douta sentença impugnada.
O problema assim posto é, como se vê, de apuramento do valor do documento de fls. 202-205.
E na medida em que aquela carta assinada por um representante da empresa executada/ora recorrida é dirigida à parte contrária pode realmente conter uma confissão, já que aceita ou reconhece dever ao Banco recorrente ainda a importância de 907.002,29 patacas. Trata-se de um documento não impugnado, não arguido de falso, não atacado de falta de genuinidade de assinatura. Por outro lado, nada nos autos revela que ele tenha sido obtido sob extorsão ou com base em erro-vício na declaração. Ou seja, não parece padecer de alguma fonte de invalidade por erro, dolo ou coacção (cfr. art. 352º do CC). Nessa medida, e porque é contrário aos interesses do seu autor e da sociedade que ele representa (não esqueçamos que a assinatura é aposta sobre um carimbo da empresa), é um documento particular genuíno e confessório1. Ao mesmo tempo, confissão com força probatória plena (art. 351º, nº2, do CC).
Isso, porém, não significa que o conteúdo da declaração que ele encerra seja verdadeiro ou não possa ser infirmado em tribunal. Na realidade, é preciso reconhecer as diferenças entre confissão judicial e extrajudicial.
No primeiro caso, se for escrita a confissão, o confitente não pode fazer contraprova, nem prova do contrário e apenas a poderá atacar invocando erro ou outro vício de consentimento (art. 352º do CC). Estaremos, por assim dizer, perante uma prova “pleníssima”2.
Na confissão extrajudicial, a prova plena pode ser “contrariada” mediante prova em contrário, isto é, através de prova de que o facto que constitui o seu objecto não é verdadeiro (art. 340º do CC).
Claro, essa prova do contrário, tem que ser feita pela parte confitente. É sobre si que recai o ónus de destruir a força e eficácia da sua própria confissão, já que a parte a quem esta foi apresentada dela beneficia e, portanto, nenhum interesse tem em contradizê-la.
Mas, neste ponto surge um obstáculo no caminho. É que se o art. 340º não impede a prova do contrário, já não pode deixar de se ter em conta, por outro lado, a circunstância de haver alguma restrição adjectiva “especialmente determinada na lei” (art. 340º cit., “in fine”). E existe, efectivamente.
Com efeito, “A prova por testemunhas é admitida em todos os casos em que não seja directa ou indirectamente afastada” (art. 386º, CC).
E, por outro lado, “…não é admitida a prova por testemunhas, quando o facto estiver plenamente provado por documento ou por outro meio com força probatória plena” (art. 387º, nº2, CC)3, tal como sucede, por exemplo, com a confissão probatória plena. A não ser que essa prova testemunhal vise demonstrar a existência de convenção contrária ao documento que com ela se pretende demonstrar4
Quer isto dizer que a prova do contrário que a recorrida pudesse fazer através de testemunhas parece estar aqui de todo arredada, tanto mais que nem sequer foi invocada a existência de convenção contrária ao conteúdo do documento. Isto é, a empresa executada/embargante/ora recorrida não fez (nem o podia fazer) prova testemunhal de que não devia aquela importância.
Ainda assim, foi quesitada a matéria do ponto 2º da Base Instrutória onde se permitia, precisamente, a prova do contrário, isto é que “Essa quantia titulada pela referida livrança já havia sido integralmente paga na execução hipotecária a que se aludiu na matéria de facto assente”. O ónus da recorrida (executada/embargante) não foi satisfeito.
Claro que ainda adivinhamos alguma resistência à conclusão para a qual nos encaminhamos e ela residirá na circunstância de o art. 1º da base Instrutória ter recebido resposta negativa. Todavia, essa resposta pode perceber-se neste sentido: Não está provado que a executada deva 907.002,29 a “título de capital” emprestado pelo Banco, ou que essa dívida esteja apurada “conforme contabilização efectuada até 3 de Fevereiro”, mas é admissível que ela deva aquela importância a título de “juros e multas” (tal como confessado).
Ora, porque os autos não mostram nenhum documento que demonstre o contrário daquilo que foi confessado e as testemunhas da recorrida também não podiam contrariar a prova plena resultante da referida confissão, a conclusão a extrair é que o tribunal “a quo” não tinha dados para infirmar a prova plena de que vimos falando.
Podemos, pois, dizer que os elementos do processo impunham decisão diversa, o que nos permite modificar a decisão de facto nos termos do art. 629º, nº1, al. b), do CPC.
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IV- Decidindo
Nos termos expostos, acordam em conceder provimento ao recurso e, por via disso:
1- Modificar a resposta ao art. 1º da Base Instrutória, que passará a ser a seguinte redacção:
“Provado que a sociedade executada deve ao exequente a quantia global de MOP$ 907.002,29 a título de juros e multas”.
2- Revogar a sentença da 1ª instância quanto ao ponto 1 da “Decisão” e, consequentemente, julgar improcedente a oposição da embargante.
3- Manter inalterada a sentença no ponto 2 da “Decisão”, por não fazer parte do objecto do recurso.
Custas pela recorrida.
TSI, 01 / 12 / 2011
José Cândido de Pinho
Lai Kin Hong
Choi Mou Pan
1 Ac. TSI, de 16/03/2006, Proc. nº 299/2005.
2 Viriato Lima, Manual de Direito Processual Civil, pag. 421.
3 Neste sentido, o Ac. do STJ de “6/01/1994, Proc. 083807 : “ Assente que determinadas confissões de dívida têm força probatória plena (artigo 358 do Código Civil), não há lugar a interpretação dos contextos dos documentos, sendo, por isso, inadmissível a prova por testemunhas ao abrigo do artigo 392 do Código Civil”.
4 Neste sentido, AC. STJ de 29/11/2005, proc. nº 05ª3283.
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