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Processo nº 770/2010
(Autos de Recurso Jurisdicional Contencioso)

Data: 10 de Novembro de 2011

Assunto:
- Audiência prévia do interessado
- Falta de fundamentação

SUMÁRIO:
- A audiência de interessados é uma das formas da concretização do princípio da participação dos particulares no procedimento administrativo, legalmente previsto no artº 10º do CPA, nos termos do qual os órgãos da Administração Pública devem assegurar a participação dos particulares, bem como das associações que tenham por objecto a defesa dos seus interesses, na formação das decisões que lhes disserem respeito.
- O seu incumprimento gera, consoante os casos, a anulabilidade ou nulidade do acto.
- A não audição prévia de interessado só determina a nulidade do acto quando está em causa um procedimento sancionatório ou disciplinar, no qual o direito a contraditório constitui um direito fundamental de defesa do arguido/suspeito, cujo falta implica uma diminuição da sua defesa, ofendendo assim o conteúdo essencial daquele direito fundamental, pelo que o acto é nulo nos termos da al. d) do nº 1 do artº 122º do CPA, bem como no artº 11º, nº 2 do DL nº 52/99/M.
- O que já não acontece noutros procedimentos administrativos que não têm esta índole sancionatória ou disciplinar, cuja falta apenas origina a anulabilidade do acto.
- O dever de fundamentação visa dar conhecimento ao administrado quais são as razões de facto e de direito que serviram base de decisão administrativa, ou seja, permitir o administrado conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pela entidade administrativa, para que possa optar aceitar o acto ou impugná-lo através dos meios legais.
- O incumprimento do dever de fundamentação gera apenas a anulabilidade do acto, e não a sua nulidade.
O Relator,
Ho Wai Neng

Processo nº 770/2010
(Autos de Recurso Jurisdicional Contencioso)

Data: 10 de Novembro de 2011
Recorrente: A – CENTRO DE MÁQUINAS DE DIVERSÃO, LDA.
Entidade Recorrida: CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO DO IACM

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

I – Relatório
  Por sentença de 02/06/2010, o Tribunal Administrativo da RAEM julgou procedente a excepção de caducidade do direito de recurso e, em consequência, rejeitou o recurso contencioso da ora recorrente.
  Dessa decisão vem a recorrente interpor o presente recurso jurisdicional, alegando, em sede de conclusão, o seguinte:
A. A recorrente não foi notificada, nos termos do disposto no Art. 93.º do C.P.A para a audiência dos interessados, apesar de a decisão proferida ser desfavorável à pretensão formulada no requerimento que deu início ao presente procedimento administrativo;
B. A audiência de interessados é obrigatória por força do disposto no n.º 1 do Art. 93.º do C.P.A e deve ter lugar antes de ser proferida a decisão final do procedimento:
C. A audiência dos interessados é um corolário do princípio da participação ínsito no Art. 10.º do C.P.A, segundo o qual os órgãos da administração devem assegurar a participação dos particulares na formação das decisões que lhes disserem respeito, designadamente através da respectiva audiência;
D. Uma vez que não foi ouvida nos termos do Art. 93.º do C.P.A, não sabe a recorrente que dados foram considerados para o indeferimento da licença de 54 máquinas, nem se foram os mesmos para deferir o licenciamento das 17;
E. A fundamentação do acto é obscura e insuficiente, o que equivale a falta de fundamentação, nos termos do disposto no Art. 115.º do C.P.A.
F. Prescreve o Art. 114.º n.º 1 do C.P.A que: "Para além dos casos em que a lei especialmente o exija, devem ser fundamentados os actos administrativos que, total ou parcialmente:
f) Impliquem revogação, modificação ou suspensão de acto administrativo anterior. "
G. Por seu lado o Art. 122.º n.º 1 do mesmo código estabelece que: "São nulos os actos a que falte qualquer dos elementos essenciais ou para os quais a lei comine expressamente essa forma de invalidade."
H. Assim, o acto em crise "revoga o despacho proferido pela Vice-presidente da Conselho de Administração" pelo que pelas disposições combinadas já citadas carecia de fundamentação, com um dos seus elementos essenciais.
I. O Art. 123.º n.º 1 do C.P.A que "O acto nulo não produz quaisquer efeitos jurídicos, independentemente da declaração de nulidade."
J. E o n.º 2 "A nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada, também a todo o tempo, por qualquer órgão administrativo ou por qualquer tribunal."
K. Assim, sendo a nulidade invocável a todo o tempo, não se verifica a caducidade.
L. A decisão recorrida violou os Art. 10.º, 93.º n.º 1, 114.º n.º 1, 115.º, 122.º n.º 1 e 123.º n.º 1 e 2 do C.P.A.
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A entidade recorrida não respondeu à motivação do recurso da recorrente.
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O Ministério Público é de parecer da improcedência do recurso.
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Foram colhidos os vistos legais dos Mmºs Juizes-Adjuntos.

II – Factos
É assente a seguinte factualidade:
1. Em 20 de Janeiro de 2009, no uso das competências delegadas pelo Presidente do Conselho de Administração do IACM, o Vice-Presidente daquele Conselho proferiu o despacho, indeferindo que a recorrente instalasse na "Cidade de Diversão XX (XX娛樂城)" as 58 máquinas de diversão, do tipo n.ºs 1-12, enumeradas na informação n.º 243/DLA/SAL/2009; e, concordando com a instalação das restantes 13 máquinas de diversão e com a renovação da licença administrativa destas (vide fls. 43 a 44 do apenso).
2. Em 31 de Julho de 2009, o Conselho de Administração do IACM proferiu a deliberação, revogando o aludido despacho e deferindo a renovação da licença administrativa e a instalação na "Cidade de Diversão XX (XX娛樂城)" das 17 máquinas de diversão, em 14 tipos diferentes, constantes da proposta n.º 3121/DLA/SAL/2009 (vide fls. 11 a 13 do apenso).
3. Em 1 de Setembro de 2009, o IACM notificou à recorrente da aludida deliberação através do ofício n.º 15299/1810-O/DLA/SAL/2009. Indicou-se na notificação que a recorrente pode deduzir reclamação, no prazo legal, contra o agente ou interpor recurso contencioso perante o Tribunal competente na matéria administrativa (vide fls. 9 a 10 do apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
4. Em 14 de Setembro de 2009, a recorrente interpôs recurso hierárquico contra a referida deliberação perante o IACM (vide fls. 8 do apenso).
5. Em 13 de Outubro de 2009, o Conselho de Administração do IACM proferiu a deliberação, considerando como uma reclamação o referido recurso hierárquico e rejeitando-a (vide fls. 5 a 7 do apenso).
6. Em 14 de Outubro de 2009, o IACM notificou à recorrente da aludida deliberação através do oficio n.º 17880/2458-O/DLA/SAL/2009 (vide fls. 3 a 4 do apenso).
7. Em 13 de Novembro de 2009, a recorrente interpôs recurso contencioso contra a deliberação proferida em 31 de Julho de 2009 pelo Conselho de Administração do IACM, perante este Tribunal.

III – Fundamentos
A recorrente, sem por em causa o seu recurso contencioso ter sido interposto fora do prazo legal, entende que, quer o vício da não audiência prévia do interessado, quer o de falta de fundamentação, ambos determinam a nulidade do acto recorrido, daí que no caso em apreço, nunca há lugar a caducidade do direito de recurso, tendo em conta o disposto nº 1 do artº 25º do CPAC, nos termos do qual o direito de recurso de actos nulos ou juridicamente inexistentes não caduca, podendo ser exercido a todo o tempo.
Quid iuris?
Nos termos do artº 122º, nº 1 do CPA, são nulos os actos a que falte qualquer dos elementos essenciais ou para os quais a lei comine expressamente essa forma de invalidade.
A audiência de interessados é uma das formas da concretização do princípio da participação dos particulares no procedimento administrativo, legalmente previsto no artº 10º do CPA, nos termos do qual os órgãos da Administração Pública devem assegurar a participação dos particulares, bem como das associações que tenham por objecto a defesa dos seus interesses, na formação das decisões que lhes disserem respeito.
E destina-se a evitar, face ao administrado, o efeito surpresa e, no mesmo passo, garantir o contraditório, de modo a que não sejam diminuídos os direitos ou interesses legalmente protegidos dos administrados.
O seu incumprimento gera, consoante os casos, a anulabilidade ou nulidade do acto.
É pacífica, quer ao nível da doutrina, quer da jurisprudência, a não audição prévia de interessado só determina a nulidade do acto quando está em causa um procedimento sancionatório ou disciplinar, no qual o direito a contraditório constitui um direito fundamental de defesa do arguido/suspeito, cuja falta implica uma diminuição da sua defesa, ofendendo assim o conteúdo essencial daquele direito fundamental, pelo que o acto é nulo nos termos da al. d) do nº 1 do artº 122º do CPA, bem como no artº 11º, nº 2 do DL nº 52/99/M.
O que já não acontece noutros procedimentos administrativos que não têm esta índole sancionatória ou disciplinar, cuja falta apenas origina a anulabilidade do acto, que é o caso sub justice.
Pois, “a função instrumental do direito de audiência, como se expendia já no acórdão de 01/03/2000 (Rec. 44545) torna incompreensível que se lhe atribua a dignidade de direito fundamental – e, muito menos, que se considere que a sua preterição ofende "o conteúdo essencial de um direito fundamental" (artº 133º, nº 2, alínea d, do CPA) em termos de que tal gravidade justifique o seu sancionamento com a nulidade do acto conclusivo do respectivo procedimento – quando o direito substantivo em causa no procedimento não merece, ele próprio, a qualificação de direito fundamental” (Ac. do STA, de 02/10/2007, Proc. nº 0348/07).
Quanto ao dever de fundamentação, dispõe o artº 114º do CPA que os actos administrativos que neguem, extingam, restrinjam ou afectem por qualquer modo direitos ou interesses legalmente protegidos, ou imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções, devem ser fundamentados.
O dever de fundamentação visa dar conhecimento ao administrado quais são as razões de facto e de direito que serviram base de decisão administrativa, ou seja, permitir o administrado conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pela entidade administrativa, para que possa optar aceitar o acto ou impugná-lo através dos meios legais.
Repare-se, apesar a fundamentação ter a função de permitir o administrado optar impugnar ou não o acto, tal não significa que “constitui pressuposto juridicamente necessário, ou condição insuprível, do exercício do direito de recurso contencioso, mas unicamente condição ou factor da sua maior viabilidade prática” (cfr. Ac. do STA, de 25/05/2011, Proc. nº 091/11).
Daí que o não cumprimento do dever de fundamentação gera apenas a anulabilidade do acto, e não a sua nulidade.
É certo que a falta de fundamentação traduz num vício de forma, só que ainda não atingiu ao grau de nulidade, por não ser uma “falta em absoluto da forma legal” ou uma “falta de elemento essencial do acto”.
No mesmo sentido e em homenagem do estudo do Direito Comparado, temos os Acs. do STA, proferidos nos Procs. nºs 012424/79 e 0348/07, de 18/10/1979 e 02/10/2007, respectivamente.
Inexistindo qualquer causa de nulidade do acto recorrido, a decisão recorrida na parte que julgou a caducidade do direito de recurso não merece de censura.
Nesta conformidade, é de improceder o recurso na sua íntegra.

IV – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em negar provimento ao recurso interposto, confirmando a sentença recorrida.

Custas pela recorrente, com 8UC de taxa de justiça.
Notifique e registe.

RAEM, aos 10 de Novembro de 2011.
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
Lai Kin Hong

Presente
Victor Manuel Carvalho Coelho
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