Proc. nº 233/2011 (recurso cível e laboral)
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 20/10/2011
Descritores: Declaração de remissão/quitação
SUMÁRIO:
I- A remissão consiste no que é vulgarmente designado por perdão de dívida.
II – A quitação (ou recibo, no caso de obrigação pecuniária) é a declaração do credor, corporizada num documento, de que recebeu a prestação.
III – O reconhecimento negativo de dívida é o negócio pelo qual o possível credor declara vinculativamente, perante a contraparte, que a obrigação não existe.
IV – O reconhecimento negativo da dívida pode ser elemento de uma transacção, se o credor obtém, em troca do reconhecimento, uma concessão; mas não o é, se não se obtém nada em troca, havendo então um contrato de reconhecimento ou fixação unilateral, que se distingue da transacção por não haver concessões recíprocas.
V – A remissão ou quitação de créditos do contrato de trabalho é possível após extinção das relações laborais.
Proc. N. 233/2011
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.
I- Relatório
A, com os demais sinais dos autos, moveu contra a STDM e a SJM acção de processo comum de trabalho pedindo a condenação desta no pagamento da indemnização no valor de Mop$ 979.990,10, correspondente aos descansos semanais, feriados obrigatórios e descansos anuais não gozados desde o início da relação laboral até ao seu termo.
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Na contestação, a ré SJM suscitou a excepção de ilegitimidade passiva e deduziu impugnação.
Por seu turno, a STDM excepcionou a prescrição dos créditos e a remissão de créditos e a renúncia expressa a quaisquer quantias e deduziu impugnação.
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No saneador, foi julgada improcedente a matéria da excepção de ilegitimidade da SJM e da prescrição, relegando para a sentença o conhecimento da demais matéria exceptiva.
Não houve recurso deste despacho.
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Recurso houve do despacho de fls. 509 sobre um requerimento apresentado pelo autor para efeitos probatórios.
Nas respectivas alegações, o recorrente concluiu:
A. A verdade que o processo procura atingir não é apenas a “verdade” da Base Instrutória, mas a verdade da relação material controvertida, a única que consente a justa composição do litígio imposta pelos referidos art.os 6.º, n.º 3 e no 442.º, n.º 1 do CPCM.
B. Os poderes cognitivos do juiz não estão limitados pela Base Instrutória, mas apenas pela matéria de facto alegada pelas partes, dentro do funcionamento dos ónus de alegação que sobre cada uma impendem, sem prejuízo do disposto nos n.os 2 e 3 do artigo 5.º do CPCM e n.º 1 do art.º 41.º do CPT.
C. A selecção dos factos assentes e a base instrutória são meros instrumentos de trabalho, destinados a facilitar a instrução, discussão e julgamento da causa, que não criam nem tiram direitos, designadamente o direito à prova dos fundamentos da acção.
D. Se, segundo o art.º 6.º, n.º 3 do CPCM, o juiz só pode fundar a decisão nos factos alegados pelas partes, sem prejuízo dos outros de que também deva conhecer, não faz sentido que indefira uma diligência probatória destinada à prova de um facto alegado pela parte, com o fundamento de que tal facto não consta da Base Instrutória.
E. O requerido no ponto 1 do requerimento probatório do A. destina-se à prova do alegado nos artigos 159.º e 163.º da petição inicial e, por conseguinte, releva para a apreciação da questão da invalidade do acto ou negócio a que se refere o quesito 25.º da Base Instrutória por demonstrar que a sociedade que a STDM constituiu para para se candidatar à concessão da licença de jogo não dispunha de autonomia funcional em relação à STDM, sendo instrumental à prossecução da sua estratégia para o negócio do jogo.
F. Acresce que as diligências probatórias requeridas não são, nem impertinentes (porque respeitam ao objecto da causa), nem desnecessárias (por respeitarem a matéria controvertida), nem dilatórias (porque não retardarem a normal marcha do processo a ponto de afectar o direito de obter uma decisão em prazo razoável)1, pelo que nada impunha ou justifica o seu indeferimento.
G. O requerido no ponto 3 do requerimento probatório do A. destina-se à prova da tese da transmissão da empresa ou do estabelecimento comercial (casino) da 1.a para a 2.a Ré - seja a que título for - conforme alegado nos artigos 51.º a 121.º da petição inicial e, por conseguinte, à prova da matéria do quesito 14.º da Base Instrutória.
H. É, de resto, irrelevante, para efeitos da hipótese prevista no art. º 111.º do Código Comercial, se houve ou não transmissão da propriedade para a SJM dos imóveis onde funcionavam os casinos da STDM, dado que pode haver transmissão da empresa ou do estabelecimento sem que ocorra a transmissão da propriedade das instalações físicas onde é desenvolvida a actividade.
I. Inexiste, portanto, motivo atendível para indeferir a diligência requerida no ponto 3 do requerimento probatório do A., a qual sempre seria de deferir por se destinar à prova dos fundamentos da acção.
J. O requerido no ponto 4 do requerimento probatório do A. destina-se à prova do alegado no artigo 276.º da petição inicial, ou seja, se à data da assinatura da declaração referida no quesito 28.º da Base Instrutória se mantinha o estado de particular sujeição, nomeadamente o estado de particular sujeição, nomeadamente o estado de dependência económica do trabalhador face à 1.a Ré.
K. Trata-se de um facto que releva para determinar se a assinatura aposta pelo A. na declaração que lhe foi apresentada correspondeu à manifestação de uma vontade livre e esclarecida e, por conseguinte, se declaração a que se refere o quesito 28 da Base Instrutória é ou não válida.
L. Assim não entendeu o tribunal a quo, pelo que decisão recorrida, violou o disposto nos art.º 6.º, n.º 3 e no 442.º, n.º 1 do CPCM e, em consequência, “o direito à prova relevante” que assiste ao A. ora Recorrente.
M. O objecto da prova requerida nos pontos 1, 3 e 4 do requerimento probatório do A. consiste em factos nos quais o Tribunal pode fundar a sua decisão nos termos do art.º 5.º do CPCM, pelo que a sua relização se inscreve no direito à prova dos fundamentos da acção que assiste ao A.
N. A decisão recorrida, violou, assim, nesta parte, o disposto nos art.º 5.º, 6.º, n.º1 e 3 e 442.º, n.º 1 do CPCM e, em consequência “o direito à prova relevante” que assiste ao A., ora Recorrente.
O. A fundamentação da decisão recorrida tem subjacente uma concepção de “objecto de prova admissível” mais restritiva do que aquela que decorre da lei dado que, como flui dos artigos 335.º, n.º 1, do Código Civil, 5.º, n.os 1,2 e 3,6.º, nº3, 434.º, 436.º e 562.º, n.º 2, do CPCM, o objecto da prova não se matéria contida na Base Instrutória.
P. Neste contexto, nada obstava a que fossem deferidas as diligências de prova requeridas pelo A., uma vez que respeitam à matéria da causa e visam demonstrar factos de que o Tribunal pode e deve conhecer para fundar a sua decisão (art.º 5.º, 6.º, n.º 3 e 562.º, n.º 3, in fine, todos do CPCM), sendo prematuro, nesta fase processual, qualquer juízo antecipado sobre a sua maior ou menor relevância para a justa composição dos interesses em litígio.
NESTES TERMOS e no mais de direito que V. Ex.as mui douta e certamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso, substituindo-se o despacho ora recorrido por outro que ordene a realização das diligências probatórias requeridas, se razão diversa a tal não obstar, anulando-se os termos subsequentes do processo que dele dependam absolutamente, com as legais consequências.
Assim, mais uma vez, farão V. Ex as a costumada Justiça.
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Não houve contra-alegações.
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Prosseguiu o processo para julgamento, tendo na oportunidade sido proferida sentença que julgou a acção improcedente com absolvição das rés do pedido.
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É dessa sentença que ora vem interposto o recurso principal pelo autor, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
A. O despacho de fls. 407 proferido sobre a reclamação de fls. 401 e ss. - na parte em que indeferiu o aditamento à base instrutória da matéria alegada nos artigos 75.º, 158.º, 171.º, 172.º e 263.º da petição inicial - violou o disposto no artigo 430.º, n.º 1 do CPCM, pelo que, se razão diversa a tal não obstar, deve ser revogado, na parte que indeferiu o aditamento, com as legais consequências.
B. A resposta ao quesito 3.º da Base Instrutória deveria ter sido “Provado”, porque contradiz o alegado no artigo 114.º da Contestação da I.” Ré, bem como as respostas aos quesitos 2.º,6.º, 8.º e 10.º da Base Instrutória.
C. Se a Ré pagou ao Autor as quantias indicadas no quesito 10.º e se essas quantias se desdobram numa parte fixa e noutra variável em função das gorjetas conforme especificado no quesito 2.º, afigura-se que tais pagamentos têm lógica e necessariamente subjacente o acordo referido no quesito 3.º da Base Instrutória. É também esta a resposta que resulta das passagens do depoimento da testemunha B gravado ao minuto 0:00 a 0:50 do Translator 2 - Recorded on 18-May-2010 at 15.58.50 (-TG8RQ!G03311270).
D. Acresce que o facto de o Autor ter sempre recebido uma importância diária, retribuição fixa, uma outra quantia variável, designada por “gorjetas resulta” reconhecido pela 1a Ré no artigo 140.oda Contestação.
E. A resposta ao quesito 4.º da Base Instrutória também deveria ter sido “Provado”.
F. Isto porque os croupiers dos casinos não são remunerados em função do volume de apostas realizadas na mesa de jogo, nem são eles que fixam o seu período e horário de trabalho, sendo-lhes vedado trabalhar quando e quanto lhes convém conforme, de resto, resulta do alegado nos artigos 97.º a 99.º da Contestação da 1 a Ré e do facto de o Autor ter o estatuto de trabalhador permanente definido no artigo 2.º, f) do RJRL), conforme resulta do especificado na alínea A) dos Factos Assentes e da resposta ao quesito 1.º da Base Instrutória.
G. Quanto aos quesitos 5.º e 9.º da Base Instrutória, a resposta deveria ter sido “Provado”, tendo em conta que essa matéria se encontra reconhecida pela 1.a Ré nos artigos 121.º a 123.º, 140.º e 141.º da Contestação e resulta das respostas aos quesitos 6.º, 7.º e 8.º da Base Instrutória.
É também esta a resposta que resulta do depoimento da testemunha B gravado ao minuto 0:50 a 1:55 do Translator 2 – Recorded on 18-May-2010 at 15.58.50 (-TG8RQ!G03311270) e 0:00 a 1:09 do Translator2 – Recorded on 18-May-2010 at 16.01.02 (-TG9#AIG03311270) e 0:49 a 0:50 do Translator1 – Recorded on 18-May-2010 at 16.01.21 (-TG9#T2G03211270).
H. Concretamente, quanto aos quesitos 11.º a 13.º da Base Instrutória, a reposta deveria ter sido “Provado”, tendo em conta o especificado na alínea B) dos Factos Assentes.
I. Se a 1.a Ré compensou o Autor pelo trabalho prestado nos dias de descanso semanal, anual e nos feriados obrigatórios, conforme especificado na alínea B) dos Factos Assentes, tal significa que a 1.a Ré reconheceu que o Autor trabalhou nos períodos de suspensão obrigatória remunerada da prestação de trabalho. Caso contrário não o teria compensado.
J. Acresce que a 1.a Ré reconheceu o direito do A. à compensação dos períodos não gozados de descanso obrigatório remunerado (e feriados) discriminados na Tabela de fls. 91 anexa ao oficio 8744/LEIL/DIT/2006 do Departamento de Inspecção do Trabalho. Caso contrário não teria concordado no pagamento do montante da indemnização calculado a fls. 91 pela Direcção dos Serviços de Trabalho e Emprego.
K. É também essa a resposta que resulta (i) da força probatória plena da Tabela de fls. 91 aceite pela l.” Ré, (ii) do incumprimento do ónus da prova da defesa por excepção do alegado nos artigos 84.0 e 85.0 da Contestação de fls. 246 e ss. e (iii) da prova testemunhal produzida sobre a não suspensão da prestação de trabalho nos períodos de descanso obrigatório remunerado.
Concretamente, quanto aos quesitos 11.º a 13.º da Base Instrutória, a resposta deveria ter sido “Provado”, tendo em conta a confissão da La Ré no artigo 80. º e 171. º da Contestação de fls. 246 e ss. e as passagens do depoimento da testemunha B gravadas ao minuto 1:15 a 1:41 do Translator 2 - Recorded on 18-May-2010 at 16.01.02 (-TG9#AIG03311270) e 0:00 a 0:22 do Translator 2 Recorded on 18-May-2010 at 16.02.49 (-TG9%P3W03311270) e 0:00 a 0:57 do Translator 2 - Recorded on 18-May-2010 at 16.03.25 (-TG9(H6103311270) e 0:00 a 0:39 do Translator 2 - Recorded on 18-May-2010 at 16.04.27 (-TG9)ZHI03311270).
L. Ao responder não provado à matéria dos quesitos 11.º a 13.º da Base Instrutória que configura defesa por excepção da Ré - o Tribunal a quo violou o disposto no art. o 335.º, n.º 2 do CCM e incorreu em erro na apreciação da matéria de facto.
M. As respostas aos quesitos 11.º a 13.º da Base Instrutória resultaram assim de um erro de percepção na produção de prova, dado que do depoimento transcrito da testemunha B resulta claramente que o Autor provou o que lhe competia, ou seja, de que não gozou os dias de descanso obrigatório remunerado a que tinha direito durante o período em que trabalhou para a 1.a Ré e que esta não lhe pagou o competente acréscimo salarial.
N. Sendo que o que não ficou provado nem nestes nem em nenhuns outros depoimentos, foi apenas o alegado nos art.os 84.º e 85.º da Contestação de fls. 245 e ss., cuja prova competia exclusivamente à 1.a Ré, por se tratar de defesa por excepção.
O. Acresce que as RR. não produziram qualquer contraprova destinada a tornar duvidosos os factos constitutivos do direito do Autor.
P. Esta conclusão é, de resto, a única consistente com a posição da 1.a Ré assumida nos artigos 94.º, 95.º, 98.º e 99.º da Contestação da 1.a Ré.
Q. E, não tendo a 1.3 Ré feito a prova que lhe competia dos dias de suspensão ad hoc da prestação de trabalho do Autor, nem que esses dias tivessem coincidido com os dias de suspensão da prestação de trabalho impostos imposto por lei (cfr. Resposta ao quesito 39.º da Base Instrutória), afigura-se provado por força do disposto no art.º 788.º, n.º2 e 335.º, n.º 2 e 3 do CCM, que o Autor não gozou dos dias remunerados de descanso obrigatório a que tinha direito por força da lei.
R. Os pontos concretos da matéria de facto a que respeitam os quesitos 3.º a 5.º, 9.º, e 11.º a 13.º da Base Instrutória foram pois incorrectamente julgados, devendo, por conseguinte, ser a resposta aos referidos quesitos alterada para “Provado” nos termos do disposto no art.º 629.º, n.º 1, a) do CPCM.
S. À mesma conclusão se chega por via das regras do ónus da prova, dado que, perante a imputação de não ter respeitado o regime legal imperativo da suspensão remunerada da prestação do trabalho, a Ré contrapôs que o regime convencional de descansos ad hoc descrito nos art.os 78.º, 94.º e 95.º da Contestação da la Ré justificava a derrogação das regras imperativas do regime legal, sem que, no entanto, tivesse alegado e provado os factos integradores do cumprimento do regime legal a que estava adstrita ou quaisquer factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado pelo Autor, como lhe impunha o disposto no art.º 335.º, n.º 2 do CCM e a presunção de culpa estabelecida no art.º 788.º, n.º 1 do mesmo diploma.
T. Ou seja, a la Ré não negou que o Autor tivesse prestado trabalho nos períodos de descanso obrigatório remunerados previstos na lei, nem alegou ou provou que remunerou e compensou esse trabalho de acordo com a lei, tendo mesmo alegado no artigo 80. º da Contestação de fls. 246 e ss. que todos os dias de descanso não foram remunerados.
U. Sendo certo que qualquer regime de faltas justificadas ou folgas não remuneradas só pode ser somado ao regime legal, de forma que a suspensão remunerada da prestação de trabalho ocorrerá nas situações acordadas e nas impostas por lei, excepto se coincidirem, o que não ficou provado.
V. Sucede que a alegação (não provada) do cumprimento de um qualquer acordo que derrogue a aplicação do regime imperativo dos descansos obrigatórios, não é suficiente para elidir a presunção do incumprimento culposo do regime legal imperativo da suspensão remunerada da prestação do trabalho.
W. Sendo certo que, sem conceder, mesmo em caso de dúvida, sempre os factos alegados pelo Autor a que se reportam os quesitos 3.º a 5.º, 9.º, e 11.º a 13.º da Base Instrutória, deviam ter sido considerados como constitutivos do direito por força do disposto no art.º 335.º, n.º 3, do CCM.
X. Assim, a sentença recorrida ao não dar como provados todos os factos constitutivos do direito do A., designadamente os factos dos quesitos 3.º a 5.º, 9.º, e 11.º a 13.º º da Base Instrutória violou o disposto no art.º 558.º, n.º 1 do CPCM e nos art.os 335.º, n.º 2 e 3, 339.º e 788.º, n.º 1, todos do CCM, devendo, por conseguinte, serem as respostas aos referidos quesitos da Base Instrutória alteradas para “Provado” nos termos do disposto no art.º 629.º, n.º 1, a) do CPCM.
Y. O Tribunal a quo respondeu “Não provado” ao quesito 15.º da Base Instrutória. Trata-se de uma resposta incorrecta.
Isto porque face à obrigação prevista na cláusula oitava, número um do contrato de concessão de exploração de jogos de fortuna ou azar, às passagens do depoimento da testemunha B gravados ao minuto 0:28 a 0:47 Translator 2 - Recorded on 18-May-2010 at 16.07.03 (-TG92BJG03311270) e aos documentos de fls. 450 e ss., 455 e ss, e 457 e ss., a SJM iniciou a sua exploração em 1 de Abril de 2002 através dos mesmos factores de produção2 (instalações, pessoal, equipamento, etc.) antes afectos à exploração de jogos de fortuna ou azar pela 1a Ré, tendo sido transferidos onze casinos, 330 mesas de jogo e mais ou menos 7000 empregados da, STDM para a SJM .
Z. Esses trabalhadores, incluindo o A., continuaram a trabalhar para a SJM nos mesmos casinos, nos mesmos postos de trabalhoe e sem perda antiguidade que adquiriram ao serviço da la Ré.
AA. É o que resulta da folha 82 de fls. 76 e ss. segundo a qual a antiguidade do Autor na STDM manter-se-á com a assinatura do Contrato de Trabalho dos Empregados da Sociedade de Jogos de Macau, S.A., na SJM e será acumulada com o tempo de serviço nesta prestado.
BB. Estes depoimentos e documentos não foram infirmados, pelo que a resposta ao quesito 15.º da Base Instrutória devia ter sido positiva.
CC. O Tribunal a quo respondeu “Não provado” ao quesito 16.º da Base Instrutória.
DD. Esta resposta afigura-se errada porque o Autor já trabalhava desde do dia 01 de Abril de 2002 nos casinos da SIM como croupier na data em que assinou o contrato de fls. 76 e ss., tendo por isso mantido a antiguidade adquirida ao serviço da STDM nos termos do do anexo de fls. 82 do referido contrato, como aliás, também decorre do teor dos documentos de fls. 450 e ss., 455 e ss. e 457 e ss.
EE. Todos estes documentos não foram infirmados, pelo que a resposta ao quesito 16.º devia ter sido positiva.
FF. O Tribunal a quo respondeu “Não provado” ao quesito 20.º da Base Instrutória.
GG. Esta resposta afigura-se errada porque, face à conclusão 四 do documento de fls. 92, ao disposto no art.º 7.º, 1.º, alínea a) do Decreto-lei 52/98/M, de Novembro, ao documento de fls. 92 e ao facto de Autor não dispor de conhecimentos jurídicos suficientes para desconfiar da legalidade da decisão tomada pela Direcção dos Serviços do Trabalho e Emprego, afigura-se demonstrado que a resposta ao quesito 20.º da Base Instrutória só poderia ter sido PROVADO.
HH. É também o que resulta das passagens do depoimento da testemunha B gravados ao minuto 1 :24 a 2:45 do Translator 2 - Recorded on 18-May-2010 at 16.08.02 (-TG93Q@W03311270).
II. Este depoimento e documento não foram infirmados, pelo que a resposta ao quesito 20.º devia ter sido positiva.
JJ. O Tribunal a quo respondeu “Não provado.”ao quesito 24.º da Base Instrutória.
KK. Ora, dos depoimentos das testemunhas B 0:01 a 2:38 do Translator 2 - Recorded on 18-May-2010 at 16.17.59 (-TG9FZ9W03311270), conjugado com o teor literal das folhas 89 e 90 do ofício do DIT e da primeira parte do documento de fls. 282, resulta que o Recorrente assinou a primeira parte da declaração contida no documento de fls. 282 por nela ter lido e, por conseguinte, de ter convencido, de que se tratava de um bónus de serviço extraordinário de eventuais direitos pelo serviço prestado nos períodos de descanso obrigatório.
LL. Este depoimento e documentos não foram infirmados, pelo que a resposta quesito 24.º devia ter sido positiva.
MM. O Tribunal a quo respondeu “Não provado. “aos quesitos 27.º e 28.º da Base Instrutória.
NN. Esta resposta resultou de um erro de percepção da prova produzida, da passagens do depoimento da testemunha B gravados ao minuto 0:01 a 2:38 do Translator 2 - Recorded on 18-May-2010 at TG9FZ9W03311270) e 8:10 a 8:45 do Translator 2 - Recorded on 18-May-2010 at 16.17.59 (-TG9FZ9W03311270) aponta um sentido, e o Tribunal a quo percebeu e decidiu o contrário.
OO. Acresce que o Tribunal a quo não tomou em consideração o facto de à data da assinatura da declaração referida nas respostas aos quesitos 35.º e 36. º da Base Instrutória, ser ainda a 1 a Ré quem continuava a pagar o salário aos trabalhadores que transitaram para a 2.a Ré (cfr. doe. de fls. 173 e ss.).
PP. Ao não tomar em consideração este facto essencial à resposta ao quesito 28.º da Base Instrutória, o Tribunal a quo violou o disposto no artigo 5.º, n.º 2, 436.º e 562.º, n.º 3, in fine, todos do CPCM.
QQ. Neste quadro, na ausência de qualquer prova de sinal contrário, e face ao teor dos documentos fls. 173 e ss. e 184 e ss. comprovativos de que era a 1a Ré quem continuou a pagar o salários ao Autor mesmo após a sua transferencia para a 2.a Ré, conjugado com os factos notórios publicados no BORAEM e no XX Daily(XX日报), afigura-se que os elementos de prova produzidos nos autos e atendíveis para o julgamento da matéria de facto não suportam a convicção que o Tribunal a quo formou quanto à matéria dos quesitos 27.º e 28.º da Base Instrutória.
RR. Assim da prova produzida resulta que o Recorrente assinou o documento de fls. 282 para não perder o emprego ou sofrer represálias da SIM a mando da 1 a Ré.
SS. As respostas aos quesitos 27.º e 28.º da Base Instrutória deveriam, pois, ter consistido numa resposta positiva ou explicativa do tipo: “PROVADO que o Autor assinou o documento de fls. 282 também por estar convencida de que, se não assinasse, perderia o emprego, por despedimento ou por não renovação do contrato.”
TT. Este depoimento e documentos não foram infirmados, pelo que a resposta ao quesito 31.º devia ter sido positiva.
UU. O Tribunal a quo respondeu “Não provado. “ ao quesito 31.º da Base Instrutória. Esta resposta resultou de um erro de percepção da prova produzida, dado que as passagens do depoimento da testemunha B gravados ao minuto 2:38 a 3:30 do Translator 2 - Recorded on 18-May-2010 at 16.17.59 (-TG9FZ9W03311270).
VV. No que respeita ao quesito 31.º da Base Instrutória, o ónus da contraprova dos factos impeditivos, modificativos e/ou extintivos cabia à Ré, por configurar defesa por excepção (cfr. art.º 335.º, n.º 2 do CCM).
WW. Sucede que a Ré não alegou nem provou que informou o Autor do sentido das decisões de fls. 108 a 132v e 153 a 172v, pelo que a resposta ao quesito 31.º da Base Instrutória deveria ter sido uma resposta explicativa do tipo: Provado que: o Autor, quando assinou a “declaração” (聲明書), não sabia que os tribunais tinham decidido em situações semelhantes atribuir aos trabalhadores da 1.a Ré compensações por descanso não gozado mais elevada, dado que esta não o informou do sentido das decisões de fls. 108 a 132v e 153 a 172v.
XX. Doutra banda, com interesse para a caracterização da parte variável da remuneração como salário do A. ficaram provados os factos indicados nas respostas aos quesitos 2.º,6.º a 8.º e 10.º da Base Instrutória.
YY. A quase totalidade da remuneração do A. era paga pela 1.a Ré a título de rendimento variável (cfr. nas respostas aos quesitos 2.º, 6.º a 8.º e 10.º da Base Instrutória), o qual integra o salário.
ZZ. Ao contrário do que sucede noutros ordenamentos jurídicos, o legislador de Macau recortou o conceito técnico jurídico de salário nos artigos 7.º, b), 25.º, n.º1 e 2 e 27.º, n.º 2 do RJRL.
AAA. É o salário tal como se encontra definido nos artigos 7.º, b), 25.º, n.º1 e 2 e 27.º, n.º 2 do RJRL que serve de base ao cálculo de inúmeros direitos dos trabalhadores, designadamente ao cálculo do acréscimo salarial devido pelo trabalho prestado nos períodos de descanso obrigatório.
BBB. A interpretação destas normas não deverá conduzir a um resultado que derrogue, por completo, a sua finalidade, a qual consiste em fixar, de forma imperativa, a base de cálculo dos direitos dos trabalhadores.
CCC. A doutrina invocada na douta sentença recorrida não serve de referência no caso “sub judice” por ter subjacente diplomas (inexistentes em Macau) que estabelecem o salário mínimo, e definem as regras de distribuição pelos empregados das salas de jogos tradicionais dos casinos das gorjetas recebidas dos clientes.
DDD. Em Portugal quem paga as gorjetas aos trabalhadores dos casinos que a elas têm direito não é a própria Concessionária, que nunca tem a disponibilidade do valor percebido a título de gorjetas, mas as Comissões de distribuição das gratificações (CDG), as quais, sendo distintas e autónomas da empresa concessionária são moldadas como entidades equiparáveis a pessoas colectivas, sujeitas a registo, com sede em cada um dos casinos.3
EEE. Ao contrário, em Macau, quem paga aos trabalhadores a quota-parte a que eles têm direito sobre o valor das gorjetas é a própria concessionária que o faz seu, e não a comissão responsável pela sua recolha e contabilização.
FFF. O primitivo carácter de liberalidade das gorjetas diluiu-se no momento e na medida em que as gorjetas dadas pelos clientes não revertiam directamente para os trabalhadores mas, ao invés, eram reunidas, contabilizadas e distribuídas pela 1.a Ré, segundo um critério por ela fixado (distribuição essa, sublinhe-se, que, como ficou provado, era feita por todos os trabalhadores da 1. a Ré e não apenas por aqueles que contactavam com os clientes).
GGG. No caso dos autos, as gorjetas que se discutem não pertencem aos trabalhadores a quem são entregues pelos clientes dos casinos - cfr respostas aos quesitos 2.º,6.º a 8.º e 10.º da Base Instrutória.
HHH. Estas gorjetas pertencem à 1. a Ré que com elas faz o que entende, nomeadamente o especificado nas respostas aos quesitos 2.º, 6.º a 8.º e 10.º da Base Instrutória.
III. A Ré tinha o dever jurídico de pagar ao A. quer a parte fixa, quer a parte variável da remuneração do trabalho - cfr respostas aos quesitos 2.º, 6.º, 7.º e 8.º da Base Instrutória.
JJJ. O pagamento da parte variável da retribuição do A. - que corresponde à quase totalidade da contrapartida do seu trabalho - traduziu-se numa prestação regular, periódica, não arbitrária e que sempre concorreu durante todo o período da relação laboral para o orçamento pessoal e familiar do trabalhador.
KKK. Tais gratificações sendo de montante superior à remuneração - base são tidas como parte integrante da retribuição, dada a sua regularidade e o seu carácter de permanência, independentemente de quem as atribua.4
LLL. Assim, nos termos do disposto nos artigos 7.º, b) e 25.º, n.º 1 e 2 do RJRL, A parte variável da retribuição do A. deverá considerar-se como salário para efeitos do cômputo da indemnização pelo trabalho prestado nos períodos de dispensa e descanso obrigatório.
MMM. As gorjetas dos trabalhadores dos Casinos e, em especial as auferidas pelo A. durante todo o período da sua relação laboral com a 1.a Ré, em ultima ratio devem ser vistas como «rendimentos do trabalho», porquanto devidos em função, por causa e por ocasião da prestação de trabalho, ainda que não necessariamente como correspectivo dessa mesma prestação de trabalho, mas que o passam a ser a partir do mom que pela prática habitual, montantes e forma de distribuição, com eles o trabalhador passa a contar, sendo que sem essa componente o trabalhador não se sujeitaria a trabalhar com um salário que, na sua base, é um salário insuficiente para p necessidades básicas resultantes do próprio trabalho.
NNN. Acaso se entenda que o salário do A. não era composto por duas partes: uma fixa e uma variável, então o mesmo será manifestamente injusto – porque intoleravelmente reduzido ou diminuto - e, em caso algum, preenche ou respeita os condicionalismos mínimos fixados no Regime Jurídico das Relações Laborais da RAEM, designadamente nos artigos 7.º, b), 25.º, n.º 1 e 2 e 27.º, n.º 2 desse diploma.
OOO. De tudo quanto se expôs resulta que, a douta Sentença do Tribunal de Primeira Instância, na parte em que não aceita que a quantia variável auferida pelo A. Durante toda a relação de trabalho com a 1.a Ré seja considerada como sendo parte variável do salário do A., terá feito uma interpretação incorrecta do disposto nos artigos 5.º; 7.º, n.º1, al. b); 25.º; 26.º e n.º do art. 27.º todos do Decreto-lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril.
PPP. Os trabalhadores dos casinos não são remunerados em função do resultado ou do período de trabalho, nem são eles que fixam o seu período e horário de trabalho, sendo-lhes vedado trabalhar quando e quanto lhes convém.
QQQ. O salário diário destina-se a remunerar os trabalhadores nas situações em que não é fácil, nem viável, prever, com rigor, o termo do trabalho a realizar, como sucede, e.g., nas actividades sazonais, irregulares, ocasionais e/ou excepcionais, bem como na execução de trabalho determinado, precisamente definido e não duradouro, ou na execução de uma obra, projecto ou outra actividade definida e temporária.
RRR. O salário diário é, pois, próprio dos contratos de trabalho onde a prestação do trabalho não assume carácter duradouro, o que não sucede com o desempenho da actividade de trabalhador de casino, que consiste num trabalho continuado e duradouro, a que, automaticamente, corresponde o estatuto de trabalhador permanente no termo do primeiro ano de trabalho consecutivo.
SSS. O entendimento de que a remuneração do A. em particular, consiste num salário diário, não ficou provado por se tratar de matéria de direito, nem se coaduna com o tipo de funções do Autor, nem com as condições de trabalho, nem com estatuto de trabalhador permanente definido no artigo 2.º, f) do RJRL), o qual pressupõe o exercício de uma determinada função dentro da empresa, de forma continuada e duradoura no tempo.
TTT. Nesta parte, a douta sentença deve ser alterada com as legais consequências, designadamente no que respeita à configuração e base de cálculo do salário e ao cômputo da indemnização pelo trabalho prestados nos períodos de descanso semanal, anual e feriados obrigatórios.
UUU. Por conseguinte, a decisão relativa ao montante da compensação por descanso semanal deverá ser revogada por interpretação incorrecta do disposto nos art.º 7.º, n.º 1, al. b); 17.º, n.º 6, a), 25.º, n.º 2; e 27.º, n.º 2, todos do Decreto-lei n.º 24/89 de 3 de Abril, fixando-se esse valor em MOP$526.l56,95, por aplicação da fórmula (salário médio diário X 2).
VVV. A decisão relativa ao montante da compensação por descanso anual relativa ao período de 21/09/1990 a 23/07/2002 deverá ser revogada por violação do disposto quanto ao salário nos art.os 7.º, n.º 1, al. b); 25.º, n.º 2; e 27.º, n.º 2 do RJRL, e do disposto quanto à fórmula de cálculo nos art. os 21.º, n.º 1, 22.º, n.º 2, e 26.º, n.º1 do mesmo diploma, devendo fixar-se em MOP$90.525,00, por aplicação da fórmula (salário médio diário X 3).
WWW. A decisão relativa ao montante da compensação pelos feriados obrigatórios relativo ao período de 21/09/1990 a 23/07/2002, deverá ser revogada por violação do disposto no art.º 20.º, n.º 1 do RJRL, fixando-se esse valor em MOP$93.026,53, por aplicação da fórmula (salário médio diário X 3).
XXX. O total da indemnização devida ao Autor pelo trabalho prestado nos períodos remunerados de suspensão obrigatória da prestação de trabalho cifra-se, portanto, em MOP$709.708,47 (MOP$526.156,95 + MOP$90.525,00 + MOP$93,026.53).
YYY. Subsidiariamente, face ao reconhecimento no artigo 80.º e 171.º da Contestação da 1 a Ré de que a suspensão da prestação de trabalho, quando concedida, não era remunerada, deveria o Tribunal a quo ter, pelo menos, condenado pagamento do valor de MOP$324,262.32 relativo ao acréscimo salarial correspondente ao n.º de dias de descanso obrigatório remunerado previstos na lei.
NESTES TERMOS e no mais de direito que V. Ex.as mui douta e certamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso com as legais consequências, designadamente, revogando-se a sentença recorrida e condenando-se as RR. no pagamento do valor de MOP$709.708,47 pelo trabalho prestado nos períodos de suspensão obrigatória da prestação de trabalho ou SUBSIDIARIAMENTE, no valor de MOP$324,262.32 correspondente à remuneração da totalidade dos dias de descanso remunerados previstos na lei.
*
Em contra-alegações, a STDM concluiu:
A. A Douta Sentença Recorrida andou bem ao julgar que não existiu qualquer transmissão de empresa comercial entre a ora Recorrida e a Sociedade de Jogos de Macau, S. A.;
B. Pelo que deve manter-se o decidido, absolvendo-se integralmente qualquer das duas Recorridas.
C. O Recorrente e Recorrida celebraram validamente um negócio jurídico de Remissão de Créditos, cerca de um ano depois da cessação da relação laboral, não merecendo reparo a decisão tomada pelo Tribunal a quo.
D. As fichas que a outra Recorrida nos presentes autos, Sociedade de Jogos de Macau S. A., ficou autorizada a utilizar (por força da cláusula centésima quarta do Contrato de Concessão da para a Exploração de Jogos de Fortuna e Azar em Casino) não são um estabelecimento comercial à luz da lei de Macau.
E. O Recorrente celebrou com a Recorrida um negócio jurídico de Remissão de Créditos válido, cerca de um ano depois da cessação da relação laboral.
F. Veja-se, a mero título de exemplo, um excerto do douto Acórdão do Tribunal de Última Instância da R. A. E. M. de de 30 de Julho de 2008, proferido no Processo de Recurso n.º 27/2008: “A remissão de créditos do contrato de trabalho é possível após extinção das relações laborais”.
G. A Sentença Recorrida respeitou o artigo 854º do Código Civil (CC), medida em que todos os pressupostos dessa modalidade de extinção de dívidas se encontravam preenchidos na data em que foi proferida a declaração remissiva.
H. A remissão de créditos é um negócio jurídico de extinção das obrigações, previsto nos artigos 854 º a 858 º do CC (em Macau) e as relações laborais entre o ora Recorrente e a aqui Recorrida, já tinham terminado quando foram remitidas as dívidas.
I. O objectivo dos então aplicáveis, Regime Jurídico das Relações de Trabalho de 1984 e de 1989 (RJRT de 1984 e RJRT de 1989, respectivamente) é o de definir (em) os condicionalismos mínimos que devem ser observado na contratação de trabalhadores residentes e não as relações jurídicas pós - contratação, como no caso sub judice.
J. Dissecando o preceito normativo do artigo 6º de ambos os RJRT de 1984 e de 1989, encontramos três definições essenciais, que estão expressamente estatuídas no Diploma que regula as relações de trabalho e que, de per si bastariam para que não pudesse ser outro o sentido da decisão recorrida, como muito bem considera a mesma: “Empregador”, “Trabalhador” e “Condição de Trabalho”.
K. Ora, no caso dos autos:
i. Já não estávamos em presença de trabalhadores e empregadores, visto que essa relação laboral tinha cessado há cerca um ano;
ii. Não pode falar-se em “condição de trabalho” sem que haja um trabalhador e um empregador e uma relação laboral entre eles.
L. Não existindo relação laboral, contratual ou outra entre a ora Recorrida e o Recorrente à data da assinatura da declaração junta à Contestação como Documento n.º 1de fls. 367 destes autos, não existia qualquer indisponibilidade de créditos, pelo que a referida declaração é válida e eficaz entre as partes.
M. Pelo que, salvo melhor entendimento, não procede a alegação do Recorrente em considerar serem de aplicar ao caso o preceituado nos artigos 6º do RJR T de 1989, 5º do mesmo RJRT de 1989,33º do mesmo RJRT de 1989,279º do CC de 1999 e 287º do mesmo Código.
N. Falecendo, pois, o teor de páginas 2 a 34 (das alegações de recurso do Recorrente), bem como as “Conclusões” “A. a WW.” das mesmas alegações de recurso interposto em 16 de Dezembro de 2010.
O. Devendo, ainda, ser considerado como não escrito ou inexistente o teor em língua inglesa constante do recurso nas páginas 7, 12, 13, 15, 16, 19, 25, 26, 29,30 e 34 do recurso, sabido que é língua não oficial da R. A. E. M.;
P. As supostas transcrições constantes das alegações de recurso foram ou resultam de depoimentos de outros AA./Recorrentes com interesses e objectivos idênticos aos do ora Recorrente, daí que o seu valor probatório seja frágil, subjectivo e despiciendo, tendo sido devida e correctamente valorado pelo douto Tribunal recorrido, a quo, conforme o douto teor da Sentença da matéria de facto de 28 de Maio de 2010, em especial, as páginas 2 e 3 do mesmo Despacho.
Q. Improcede, pois, integralmente, o recurso sobre a declaração de remissão de créditos e o pedido de suposta indemnização em sede de recurso reclamada pelo Recorrente e que é de MOP$ 709.708,47 ou o “pedido subsidiário MOP$ 324.262,32”, bem como as alegações sobre gratificações ou gorjetas, que não são parte do salário ou da retribuição do A., ora Recorrente,
R. Não podendo, de qualquer forma, e apenas hipoteticamente, fazer parte de qualquer quantia que impendesse sobre a Recorrida.
S. Assim, deve manter-se integralmente a Sentença de Absolvição da Ré e aqui ora Recorrida, de acordo com a decisão proferida em 25 de Novembro de 2010,
T. Só assim se fazendo e se mantendo a habitual e costumada Justiça, que V. Exas do Douto Tribunal recorrente, ad quem, também, certamente, o farão.
*
Também a STDM recorreu subordinadamente da sentença, concluindo as alegações respectivas da seguinte maneira:
1. Sem prejuízo de melhor entendimento e Juízo, deve improceder o recurso principal já interposto pelo Autor e aqui o ora Recorrido subordinado, mantendo-se a douta Sentença recorrida, que absolveu integralmente a Ré e Recorrente Subordinada do(s) pedido(s) do mesmo.
2. Ainda que, a Sentença, doutamente, tenha decidido por uma forma e ordem distinta do que fora requerido pela R./Recorrente Subordinada.
3. A Razão do presente recurso subordinado é o de que a Recorrente pretendia e pretende ser absolvida pela procedência da primeira excepção peremptória deduzida no Documento n.º 1da Contestação e pelo teor extintivo da mesma,
4. E, não, apenas, pelo facto do montante constante na referida Declaração remissão ou de pagamento e pago ao Autor e aqui Recorrido Subordinado ser superior ao valor doutamente decretado pela Sentença recorrida, que fora um montante condenatório de HKD$ 13.037,50 (treze mil e trinta e sete dólares e cinquenta cêntimos de Hong Kong).
5. Ainda que, por extenso, os valores divirjam dos montantes ora expostos, no teor de fls. 653 da douta Sentença recorrida.
6. Ou seja, salvo melhor juízo, deveria ter sido conhecida a primeira excepção material ou peremptória deduzida pela Ré/Recorrente subordinada na Contestação, nos artigos 26º a 66º e por si denominada de “Da excepção de pagamento de todos os créditos reclamados e da renúncia expressa do A. a quaisquer outras quantias - Da remissão de créditos”.
7. Em face do teor do aludido Documento n.º 1 da Contestação e da Declaração de Remissão de Créditos (artigos 863º e seguintes do Código Civil de 1966 e artigos 854º e seguintes do actual Código Civil de 1999) nestes autos a fls. 367 dos autos, na Matéria assente, na Alínea B) da mesma especificação, de fls. 381 v dos autos.
8. Tendo em vista o valor pago de MOP$ 25.617,30 em 29 de Setembro de 2003.
9. Já para não referir e sublinhar o teor do Documento n.º 3 com a Contestação que provou (também especificado na mesma alínea B) da matéria assente) que a Recorrente subordinada também pagou ao A./Recorrido subordinado, outra quantia, também por compensação e indemnização dos descansos semanais, anuais e feriados obrigatórios, em 25 de Julho de 2003, no montante pecuniário de MOP$ 12.808,65 que o ora Recorrido subordinado levantou e recebeu em 29 de Setembro de 2003.
10. Ou seja, salvo mais douto Juízo e entendimento e melhor opinião, primeiro deveria o Douto Tribunal recorrido ter conhecido da primeira excepção deduzida pela Ré e aqui Recorrente Subordinante,
11. E que fora denominada pela Recorrida de: Da excepção de pagamento de todos os créditos reclamados e da renúncia expressa do A. a quaisquer outras quantias - Da remissão de créditos”,
12. E, apenas depois, decidir e analisar de um eventual direito e a procedência ou improcedência dos pedidos do Autor/Recorrido subordinado, peticionados e reclamados na sua douta P.I.;
13. Porque, as excepções peremptórias ou materiais ou substantivas, “importam a absolvição total ou parcial do pedido e consistem na invocação de factos que impedem, modificam ou extinguem o efeito jurídico dos factos articulados pelo autor.” - artigos 412º e 415º, ambos do CPC.
14. Assim, requer-se o conhecimento do mérito ou do demérito e da validade ou procedência da excepção deduzida pela Ré e Recorrente Subordinada nos artigos 26º a 66º da Contestação,
15. Evitando o caso julgado e o trânsito em Julgado da questão aqui levantada no presente recurso,
16. Conhecendo-se do teor da Declaração junta com Documento n.º 1 da Contestação e nestes autos constante a fls. 367 e assente na alínea B) da referida Especificação, a fls. 381 v.
17. Conhecendo, primeiro a excepção e, apenas depois, os direitos do A. que, de resto, já recorreu (sem qualquer fundamento, aliás, sublinhe-se) da Douta Sentença, com o seu recurso interposto em 16 de Dezembro de 2010 Douto Tribunal ad quem, da douta Sentença que foi proferida em 25 de Novembro de 2010,
18. Ainda assim, sendo esta questão levantada pela Recorrente subordinada, requer-se a V. Exas o seu conhecimento e fazendo sempre, a costumada e habitual Justiça.
Termos em que se requer a manutenção do ora, doutamente, decidido na Primeira Instância quanto à decisão da questão do salário e das gratificações, e, no que aqui interessa, com o presente Recurso ora interposto, a procedência do presente recurso subordinado, conhecendo o douto Tribunal ad quem do teor da primeira excepção peremptória ou material ou substantiva deduzida pela Ré/Recorrente Subordinada na Contestação, deste modo, fazendo V. Exas, assim, a habitual e costumada
JUSTIÇA!
*
A fls. 784 o autor da acção luta contra o despacho de fls. 779 vº - pelo qual foi admitido o recurso subordinado -, pedindo que sobre o assunto recaia um acórdão em conferência, nos termos do art. 620º, nº1, do CPC, no que foi contrariado pela STDM na sua resposta de fls. 793.
O conhecimento desta matéria, porém, foi relegado para o presente acórdão, o que faremos mais adiante.
*
Cumpre decidir.
***
II- Os Factos
A sentença deu por assente a seguinte factualidade:
1. O Autor trabalhou para as Rés sob as ordens destas.
2. O Autor recebeu da 1a Ré as quantias de MOP$ 12,808.65 e de MOP$ 25,617.30, a título de compensação pelo trabalho prestado em dias de descanso semanal, anual, e em feriados obrigatórios.
3. O A., em 29 de Setembro de 2003, cerca de um ano depois da cessação da relação laboral com a 1a R., declarou para esta:
“Eu, (...) recebi, voluntariamente (…) a quantia de MOP$ 25,617.30 (vinte e cinco mil, seiscentas e dezassete e trinta avos), da STDM, referente ao pagamento de compensação extraordinária de eventuais direitos relativos a descansos semanais, anuais, feriados obrigatórios, eventual licença de maternidade e rescisão por acordo do contrato de trabalho, decorrentes do vínculo laboral com a STDM.”
4. Mais declarou o A., nessa data que:
“(…) entendo que, recebido o valor referido, nenhum outro direito decorrente da relação de trabalho com a STDM subsiste e, por consequência, nenhuma quantia é por mim exigível, por qualquer forma, à STDM, na medida em que nenhuma das partes deve à outra qualquer compensação relativa ao vínculo laboral.”
5. Em 29/09/2003, a A. assinou o documento junto a fls. 367, cujo teor se dá aqui por reproduzido.
6. O autor trabalhou para a primeira ré (STDM) entre 21/09/1990 e 23/07/2002.
7. O A. sempre recebeu da primeira Ré (STDM, S.A.) duas quantias diárias, uma fixa, no valor de HKD$ 10,00, desde o início da relação laboral até 30/04/1995, e de HKD$ 15,00 desde 01/0511995 até ao fim da relação laboral com a mesma ré, e outra variável em função do montante das “gorjetas” oferecidas pelos clientes da referida primeira ré.
8. As “gorjetas” não se destinavam, em exclusivo, aos trabalhadores que lidavam directamente com os clientes de casinos mas também a outros trabalhadores, nomeadamente, gerentes administrativos e pessoal da área de informática.
9. A 1a ré não permitia ao autor guardar para si quaisquer “gorjetas” que lhe fossem entregues pelos clientes.
10. As mesmas eram colocadas por ordem da 1a Ré (STDM) numa caixa destinada exclusivamente para esse efeito e eram contadas diariamente, também por funcionários por ela incumbidos, sob vigilância da Direcção de Coordenação e Inspecção e Coordenação de Jogos, a fim de serem distribuídas de 10 de 10 dias aos empregados consoante uma dada percentagem anteriormente fixada por aquela.
11. O Autor recebeu da 1a Ré entre 1990 e 2002 os seguintes valores:
1990 - MOP $177.75;
1991 - MOP $220.34;
1992 - MOP $302.58;
1993 - MOP $356.33;
1994 - MOP $387.64;
1995 - MOP $492.78;
1996 - MOP $517.62;
1997 - MOP $518.59;
1998 - MOP $528.34;
1999 - MOP $448.70;
2000 - MOP $490.08;
2001- MOP $491.05;
2002 - MOP $461.36.
12. O autor nunca beneficiou de qualquer acréscimo salarial.
13. A 2a Ré adquiriu à 1a ré o local onde o A. trabalhou e os equipamentos e instrumentos de trabalho aí existentes em data anterior a 23/07/2002.
14. Em meados de Julho de 2003, a Direcção dos Serviços de Trabalho e Emprego (DSET), enviou ao autor o ofício n.º 06585/3075/DIT/2003, relativo ao Processo 1476/02, que correu os seus termos naqueles serviços.
15. No mesmo ofício, era referido que o autor deveria dirigir-se à DSTE a fim de receber uma determinada quantia monetária por “compensação” dos dias de descanso semanal, anual e feriados obrigatórios, que ao longo da sua relação laboral com a 1a ré não lhe haviam sido permitidos gozar.
16.Tal quantia cifrou-se em MOP$12,808.65, montante que, efectivamente, o autor já recebeu.
17. No ofício n.º 06585/3075/DIT/2003, anteriormente referido, a DSTE informou ainda o autor de que a 1a ré se havia disponibilizado a oferecer ao autor e demais trabalhadores que com ele tivessem transitado para a 2a ré um “prémio de se (服務賞金) no valor correspondente ao dobro da “compensação” determinada pela DSTE.
18. E afirmava que tal “prémio de serviço” se destinava a “recompensar” os trabalhadores que, como o autor, cumulativamente tivessem aceite: (i) continuar a desempenhar as suas funções na SJM, a partir de 1 de Abril de 2002; e (ii) não tivessem intentado quaisquer acções judiciais contra a STDM.
19. O autor foi igualmente informado de que deveria deslocar-se ao Centro de Formação, sublinhe-se, da 2a ré (SJM) a fim de receber o dito “prémio de serviço” (服務賞金).
20. No referido Centro de Formação da 2a ré (SJM), foi ordenado ao autor que para receber o dito “prémio de serviço” deveria assinar um documento intitulado “declaração” (聲明書).
21. Na primeira parte de tal “declaração” (聲明書) era dito que o autor recebia voluntariamente da STDM, a título de prémio de serviço, a quantia de MOP$29,8l1.70 relativa ao pagamento de compensação extraordinária de eventuais direitos relativos a descansos semanais, anuais, feriados obrigatórios, eventual licença de maternidade e rescisão por acordo do contrato de trabalho decorrentes do vínculo laboral com a STDM.
22. Assinada a “declaração” (聲明書), o autor recebeu um cheque relativo ao (prémio de serviço” no valor de MOP$25,617.30.
23. A segunda parte da “declaração” (聲明書) assinada pelo autor no Centro de Formação da 2a ré (SJM) dispunha que “com o montante então recebido nenhum outro direito decorrente da relação de trabalho com a STDM subsiste e, por consequência, nenhuma outra quantia seria pelo autor exigível por qualquer forma”.
***
III- O Direito
1- Da reclamação para a conferência
Do despacho de fls. 779 vº, lavrado no âmbito do art. 621º, nº1, do CPC, vem A, autor na acção e recorrente principal, requerer que sobre ele recaia acórdão em conferência. Em sua opinião, o recurso subordinado interposto pela STDM não deveria ser admitido, uma vez que a sentença recorrida julgou a acção improcedente com absolvição da ré do pedido. Ou seja, face à decisão ali tomada, a ré STDM não teria legitimidade para recorrer nos termos do art. 585º, nº1 do CPC.
A STDM, chamado a pronunciar-se sobre o assunto, manifestou-se contra a posição do reclamante.
Cumpre decidir.
Efectivamente, o art. 585º, nº1 do CPC determina que só pode recorrer quem, sendo parte principal na causa, tenha ficado vencido. Sendo assim, será que a decisão proferida na 1ª instância constitui obstáculo formal ao recurso por parte da STDM?
À primeira vista, sim. Mas só à primeira vista. Com efeito, a STDM havia arguido a excepção do pagamento e remissão com reporte à declaração assinada pelo trabalhador, matéria cujo conhecimento fora relegado para a sentença no despacho saneador (fls. 381 verso).
Simplesmente, na sentença, o M.mo julgador declarou expressamente que o conhecimento de tal matéria estava prejudicado, por inutilidade, face à solução acabada de obter (valor dos créditos e compensação operada). Quer dizer, justificou a omissão com o argumento de ser despicienda a apreciação da questão, face à solução dada a outras.
Ora, na tese da STDM, a absolvição com tal justificação não corresponde ao seu direito de justiça. Com efeito, a recorrente em causa acha-se no direito de ver uma pronúncia expressa sobre o assunto. E tem razão.
Na verdade, o tribunal de recurso, ao apreciar a impugnação do trabalhador, pode chegar à conclusão de que o salário, diferentemente do decidido na 1ª instância, em vez de ser formado apenas pela parte fixa, também é composto pela parte variável (gorjetas). E se assim concluir, a procedência do recurso independente acaba por ser altamente lesivo dos interesses da STDM, que havia alegado um fundamento extintivo que não foi apreciado (declaração renunciativa/remissiva do trabalhador), e que, se procedente, levaria o tribunal a concluir que nada mais devia ao trabalhador.
Neste sentido, é absolutamente pertinente e legítimo que a STDM provoque uma decisão subordinada àquela que o TSI tem que tomar sobre o recurso principal/independente. Ou seja, a absolvição do pedido, tal como decidida na 1ª instância, só “formalmente” ou “ ilusoriamente” é favorável à STDM, pois, em boa verdade, a não apreciação da referida matéria exceptiva por si invocada pode deixar consolidado um segmento decisório que, oficiosamente, nunca o TSI poderia conhecer a não ser em recurso com essa específica finalidade. E nessa perspectiva, deixar “em claro” essa matéria por parte da STDM significaria abrir caminho a uma decisão final e definitiva prejudicial à sua esfera. Pior isso se pode dizer que a STDM, nessa parte, ficou vencida na decisão recorrida.
Eis a razão pela qual se reconhece legitimidade à STDM para o recurso subordinado.
E mesmo que assim não se entendesse, nem por isso se deixaria de conhecer a matéria respectiva em obediência a princípios de justiça e de economia processual, não a título do recurso propriamente dito (que se julgasse inadmissível), mas a pretexto de uma convolação radicada no art. 590º, nº1 do CPC e fundada indirectamente no art. 145º do mesmo Código, sem que daí derivasse perda de garantias para a ré (assim foi já decidido neste TSI no Proc. nº 232/2011, por exemplo).
Eis a razão por que se julga improcedente a reclamação e se determina que, adiante, se aprecie a matéria trazida aos autos no recurso subordinado.
*
2- Recurso interlocutório (recorrente: autor A)
A fls. 417 dos autos (3º volume) o autor apresentou prova documental. No ponto 1 dessa peça, pretendia que fosse ordenado à ré que facultasse a acta da assembleia-geral extraordinária de 5/11/2001, na qual foi deliberado constituir uma nova sociedade (SJM) para se candidatar à concessão da licença de jogo.
O referido despacho de fls. 509 indeferiu esta pretensão por entender o seu autor que tal documento não era pertinente, nem necessário à prova dos quesitos 14º e 28º para que foi indicado.
Efectivamente, para a prova daquela matéria não era necessário aquele documento. Senão repare-se: no 14º perguntava-se se a SJM adquiriu da STDM o local onde o A. trabalhou e os equipamentos e instrumentos de trabalho aí existentes em data anterior a 23/072002. Este quesito foi dado por provado. Por aqui se vê da desnecessidade da realização da requerida diligência com vista à obtenção do documento em causa.
Quanto ao 28º, o que se pretendia saber era se, perante o receio de o autor em perder a relação laboral que o ligava à STDM, assinou a declaração de 29/09/2003 (ver facto da alínea C) da matéria assente). Ora, também esta factualidade nenhum nexo tem com a diligência acima mencionada. Foi dado por não provado, mas a junção da acta, isoladamente, também não servia para prova do contrário, isto é, para a prova da facticidade constante do quesito. Este podia ser provado sem o auxílio do documento. Simplesmente, não foi capaz o autor de convencer o tribunal dessa matéria.
Portanto, andou bem o despacho quanto a este ponto.
No ponto 3 da peça de fls. 417 pretendia ao autor que se oficiasse à Direcção da Inspecção e Coordenação de Jogos perguntando quais os casinos explorados pela STDM no dia 31/03/2002 e quais os que a SJM começou a explorar em 1 de Abril de 2002. Pretendia este esclarecimento o autor com o propósito de prova do quesito 14º das Base Instrutória.
Ora, como se viu, este quesito 14º foi a seu tempo considerado provado, revelando que a preocupação do requerente autor não tinha sentido e que, portanto, o M.mo juiz estava certo no despacho proferido. É certo que o alcance do quesito 14º é menor do que aquele que subjaz ao ponto 3 do requerimento de fls. 417. Todavia, isso só agora se sabe através do recurso, pois só agora se fica a saber que intenção por detrás do requerimento era a de demonstrar que todos os casinos da concessão da STDM foram transferidos para a SJM. Todavia, não era isso que estava em causa no quesito (apenas se queria saber se o casino onde trabalhava o autor transitou para a SJM) e para tanto se apurar não era preciso ir tão longe na pesquisa inquisitória.
Claudica, pois, o recorrente, também neste ponto.
No ponto 4 do mesmo requerimento, e para prova dos arts. 276º e 277º da petição inicial e do quesito 28º da Base Instrutória, pretendia que se perguntasse à sucursal de Macau do Banco da China e ao Banco Seng Heng até que data os valores creditados em determinadas contas continuaram a provir da 1ª ré STDM ou de contas por ela tituladas.
Ora, mais uma vez a irrelevância da diligência é manifesta. Não basta que esta factualidade tivesse sido alegada nos arts. 276º e 277º da p.i. A importância da matéria ali invocada apenas derivaria da circunstância de ela ter sido levada à base instrutória. Mas não foi. Portanto, mesmo que parcialmente entendamos a posição do recorrente autor, o certo é que a prova da continuação da relação laboral com a “sucessora” da STDM não iria depender da demonstração dos elementos pedidos, mas sim da prova do quesito 27º, que foi dado como não provado.
Ou seja, e em suma, ainda que toda a pretensão manifestada no dito requerimento tivesse obtido acolhimento, isso em nada alteraria o resultado final obtido em sede probatória. Motivo mais do que suficiente, pois, para que julguemos inócua a invocação dos preceitos legais pelo recorrente em socorro da sua tese, designadamente os arts. 5º, nºs 2 e 3, 6º, nºs 3, 442º e 562º, nº2, do CPCM, 35º e 41º do CPT.
Razão pela qual o recurso não pode proceder.
*
3- Recurso da sentença
3.1- Recurso principal (recorrente: autor A)
3.1.1 – Impugnação do despacho proferido sobre a reclamação de fls. 401 a 403.
Na dita reclamação o autor pretendia que fosse levada à base instrutória:
- A matéria do art. 276º da p.i;
- A matéria dos arts. 171º, 172º, 158º e 75º da p.i. (propondo para o efeito a introdução dos quesitos 13ºA, 13ºB, 14ºA e 16ºA);
- A matéria do art. 263º da p.i. (propondo a criação do quesito nº 31-A).
O M.mo juiz indeferiu a pretensão (ver despacho de fls. 408 e vº).
Como bem se pode ver das alegações do recurso, o que estava em causa era uma preocupação do autor em demonstrar que a SJM era uma “sucessora” da STDM e que, para poder trabalhar para a primeira, tinha que assinar a declaração acima aludida. Ou seja, a quesitação de toda aquela factualidade, na tese do recorrente serviria o propósito de demonstrar que a declaração que assinou foi toldada pelo estado de sujeição resultante da sua dependência económica face á 1ª ré e pelo receio de represálias por parte da SJM a mando da STDM. A assinatura da declaração não teria, assim, sido livre e esclarecida.
Ora, manda a verdade que se diga que a eventual quesitação e prova de toda aquela matéria em nada revela o ânimo subjacente à aposição da assinatura da declaração por parte do autor. Isto é, mais do que provar a sucessão – diríamos formal - da SJM em relação à STDM ou demonstrar que entre esta e aquela não havia distinção de facto, o que interessava era provar se a manutenção da relação laboral (não importava com quem) dependia da assinatura da declaração por banda do trabalhador. Isso sim, é que era relevante. Ora, a matéria que interessaria ao expurgo dessa dúvida está contida no quesito 27º (“caso contrário, o seu contrato “não teria continuação”), na sequência do 26º (a respeito do prémio de serviço e compensação extraordinária e rescisão por acordo com a STDM) e do 25º (que se refere à necessidade de assinar tal documento). Mas a matéria do quesito 27º foi dada por não provada!
Não estamos convencidos, por conseguinte, que a outra matéria poderia levar a supor que a vontade do autor não foi livre e esclarecida. Eles constituem simplesmente factos instrumentais, cuja prova é inerte sem a quesitação expressa e específica a respeito da vontade do autor da declaração no momento da assinatura. A este propósito, aliás, a matéria que poderia salvar a tese do autor/recorrente seria a do quesito 28º. Todavia, ele mereceu resposta negativa e nós, sinceramente, não vemos como a outra matéria instrumental pudesse levar a diferente conclusão.
Improcede, pois, a impugnação nesta parte.
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3.1.2- Erro no julgamento da matéria de facto
Pretende, também, o recorrente demonstrar que a 1ª instância errou na apreciação da matéria de facto.
Esta parte do recurso tem que ver com a forma como o tribunal “a quo” respondeu aos quesitos contidos na Base Instrutória.
Todavia, essa matéria de facto em causa só será importante e de conhecimento no presente recurso principal em face do resultado do recurso subordinado, cuja precedência assim aqui se justifica em virtude do que nele se discute: o valor de uma declaração assinada pelo trabalhador/recorrente.
Por conseguinte, apenas se voltará a este recurso quanto a esta se tal se mostrar justificado.
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3.1.3- Do conceito de salário
O recorrente (autor da acção) não aceita também a interpretação que a 1ª instância fez do conceito de salário e das suas partes componentes.
Na sentença da 1ª instância, o digno juiz considerou que do salário não faziam parte as gorjetas e, em harmonia com tal posição, ao valor indemnizatório obtido em razão dos créditos que o autor detinha sobre a ré, fez incidir a compensação em função do pagamento que a STDM tinha feito ao impetrante.
E foi assim que, por ter concluído que o autor tinha já recebido uma indemnização superior ao valor do crédito ali reconhecido, acabou por asseverar que ele nada mais tinha a haver das demandadas. Esta a causa para a improcedência da acção com a consequente absolvição do pedido sem necessidade de análise da declaração do autor e da eventual remissão que ela pudesse representar, questões que por esse motivo deu por prejudicadas.
Perante este quadro, a lógica imporia analisar se a sentença seria de manter, e então teríamos que começar por indagar da natureza e dos elementos do salário, tal como habitualmente fazemos, uma vez chegados a este ponto.
Mas o facto é que, independentemente da solução que haveríamos de abraçar, a natureza exceptiva das questões que a 1ª instância não conheceu, “por inutilidade”, impõe que nos debrucemos antes de tudo pelo conhecimento do recurso subordinado, uma vez que, caso proceda, a conclusão que se obtiver retira toda a utilidade ao recurso principal quanto ao aspecto focado na epígrafe 3.1.3 (neste sentido, também o Ac. do TSI de 29/09/2011, Proc. nº 490/2010).
Apreciemos, por isso, desde já o recurso subordinado.
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3.2- Recurso subordinado (recorrente: ré STDM).
Visa-se neste passo descortinar qual o efeito e natureza da declaração assinada pelo recorrente principal a que se referem as alíneas C) a E) dos Factos Assentes.
Corresponderá a declaração a uma verdadeira remissão? Será quitação, aquilo que ela veicula?
Transcrevamos parte de um aresto do TUI tirado em 30/07/2008, no Proc. nº 27/2008:
“A remissão é o contrato pelo qual o credor, “com a aquiescência do devedor”, renuncia ao poder de exigir a prestação devida, afastando definitivamente da sua esfera jurídica os instrumentos de tutela do seu interesse”5.
E acrescenta ANTUNES VARELA, “o interesse do credor a que a obrigação se encontra adstrita não chega a ser satisfeito, nem sequer indirecta ou potencialmente.
A obrigação extingue-se sem haver lugar a prestação6”.
A remissão consiste no que é vulgarmente designado por perdão de dívida7.
Aliás, remitir significa perdoar.
Ora, não parece ter sido isto que sucedeu, em face da declaração da autora.
A autora declarou que recebeu a prestação, que quantificou. E reconheceu mais nada ser devido em relação à relação laboral que já se tinha extinguido.
Mas não quis perdoar a totalidade ou mesmo parte da dívida, ou pelo menos não é isso que resulta da declaração, nem foi alegado ter sido essa a sua intenção.
Parece, portanto, tratar-se de quitação ou recibo, que é a declaração do credor, corporizada num documento, de que recebeu a prestação, prevista no art. 776.º do Código Civil.
Explicam PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA8 que a “quitação é muitas vezes, como Carbonnier (Droit civil, 4, 1982, n.º 129, pág. 538) justamente observa, não uma simples declaração de recebimento da prestação, mas a ampla declaração de que o solvens já nada deve ao accipiens, seja a título do crédito extinto, seja a qualquer outro título (quittance pour solde de tout compte)”.
Poderá, desta maneira, a quitação, ser acompanhada de reconhecimento negativo de dívida, que é, na lição de ANTUNES VARELA9, o negócio “pelo qual o possível credor declara vinculativamente, perante a contraparte, que a obrigação não existe.
...
O reconhecimento negativo de dívida, assente sobre a convicção (declarada) da inexistência da obrigação, não se confunde com a remissão, que é a perda voluntária dum direito de crédito existente”.
Claro que o reconhecimento negativo da dívida pode dissimular uma remissão, mas para isso há que alegar e provar o facto, o que não aconteceu.
Explica VAZ SERRA10 nos trabalhos preparatórios do Código Civil de 1966, que “o reconhecimento negativo propriamente dito distingue-se da remissão, pois, ao passo que, nesta, existe apenas a vontade de remitir (isto é, de abandonar o crédito), naquele, a vontade é a de pôr termo a um estado de incerteza acerca da existência do crédito”.
E, como ensina o mesmo autor, noutra obra dos mesmos trabalhos preparatórios, a remissão não é de presumir, “dado que, em regra, a quitação não é passada com essa finalidade”11.
O reconhecimento negativo da dívida pode, de outra banda, “ser elemento de uma transacção, se o credor obtém, em troca do reconhecimento, uma concessão; mas não o é, se não se obtém nada em troca, havendo então um contrato de reconhecimento ou fixação unilateral, que se distingue da transacção por não haver concessões recíprocas”12 13.
Mas a transacção preventiva ou extrajudicial não dispensa “uma controvérsia entre as partes, como base ou fundamento de um litígio eventual ou futuro: uma há-de afirmar a juridicidade de certa pretensão, e a outra negá-la”14.
Mas nem da declaração escrita, nem das alegações das partes no processo, resulta tal controvérsia.
Em conclusão, afigura-se-nos mais preciso qualificar a declaração da autora como uma quitação acompanhada de reconhecimento negativo de dívida.
Seja como for, trate-se de quitação, de remissão ou de transacção, os efeitos são semelhantes, já que, como se verá, se está perante direitos disponíveis, uma vez que a relação laboral já havia cessado, pelo que a consequência é a inexistência do direito de crédito contra a ré.
4. Insusceptibilidade de cessão de crédito de salário. Impossibilidade de renúncia a salário. Vícios da vontade
Nas alegações de recurso para o TSI, a autora veio defender que o art. 33.º do RJRL não permite a cedência de créditos, por força do princípio do tratamento mais favorável para o trabalhador. E os trabalhadores estiveram sempre sob alçada económica e disciplinar da ré, já que a B controla a C, pelo que a autora não teve uma vontade livre e esclarecida quando assinaram as declarações.
Mas a declaração de quitação não constitui qualquer cedência de créditos (a quem?).
Acresce que a cedência de créditos só está vedada enquanto durar a relação de trabalho e esta já se tinha extinguido quando foi emitida a quitação.
Por outro lado, ainda que tivesse havido renúncia a créditos, ou seja remissão, ela seria possível porque efectuada após extinção da relação de trabalho.
É o que defende a generalidade da doutrina. Escreve PEDRO ROMANO MARTINEZ15:
“Relacionada com a irredutibilidade16 encontra-se a impossibilidade de renúncia, de cessão, de compensação e de penhora da retribuição. Estas limitações, excepção feita à penhora, só têm sentido na pendência da relação laboral; cessando a subordinação jurídica, o trabalhador deixa de estar numa situação de dependência, que justifica a tutela por via destas limitações”.
Quanto à alegação de que a autora não teve uma vontade livre e esclarecida quando assinou a declaração, a mesma é irrelevante nesta fase, já que a autora não alegou no momento próprio factos integradores de vícios da vontade.
5. Normas convencionais e declarações negociais. O princípio do tratamento mais favorável para o trabalhador
O Acórdão recorrido considerou que o art. 6.º do RJRL não permitia o acordo das partes pelo qual a autora, trabalhadora, declarasse remitir a dívida para com a ré, tendo esta declaração violado o princípio de tratamento mais favorável dos trabalhadores.
E acrescentou o mesmo Acórdão, referindo-se ao princípio de tratamento mais favorável, ele “deve ser tido pelo menos também como farol de interpretação da lei laboral, sob o qual o intérprete-aplicador do direito deve escolher, na dúvida, o sentido ou solução que mais favorável se mostre aos trabalhadores no caso considerado, em virtude do objectivo de protecção do trabalhador que o Direito do Trabalho visa prosseguir”.
Na feliz síntese de BERNARDO LOBO XAVIER17 “o princípio do tratamento mais favorável, no plano da hierarquia das normas, significa que as normas de mais alto grau valem como estabelecendo mínimos, podendo ser derrogadas por outras subalternas, desde que mais favoráveis para o trabalhador. No plano da interpretação, na dúvida sobre o sentido da lei, deverá eleger-se aquele que seja mais benéfico para o trabalhador. Na aplicação no tempo, aplicar-se-ão imediatamente todas as regras do trabalho, no pressuposto de que, havendo um constante progresso social, as novas normas são mais favoráveis para o trabalhador, conservando este, ainda, as regalias adquiridas à sombra de anterior legislação”.
O art. 6.º do RJRL dispõe o seguinte:
“Artigo 6.º
Prevalência de regimes convencionais
São, em princípio, admitidos todos os acordos ou convenções estabelecidos entre os empregadores e trabalhadores ou entre os respectivos representantes associativos ainda que disponham de modo diferente do estabelecido na presente lei, desde que da sua aplicação não resultem condições de trabalho menos favoráveis para os trabalhadores do que as que resultariam da aplicação da lei”.
Esta norma prevê que as normas convencionais, estipuladas entre empregadores e trabalhadores ou entre os respectivos representantes associativos, podem afastar o regime das normas legais desde que o regime convencional não seja menos favorável para os trabalhadores do que o regime legal.
Assim, e em primeiro lugar, as normas convencionais de que fala o preceito são normas relativas ao regime do trabalho, para vigorarem enquanto durar a relação laboral.
O acordo dos autos entre a autora e a antiga entidade patronal não é integrado por normas, isto é, não constituem nenhuma regulamentação normativa atinente às condições de trabalho. São antes declarações negociais, pelas quais a autora declara ter recebido as quantias devidas pela relação laboral já extinta e nada mais ter a receber da antiga entidade patronal.
Parece, portanto, que o art. 6.º do RJRL nada tem que ver com a matéria em apreço.
Por outro lado, o art. 6.º do RJRL prescreve, na verdade, o princípio do tratamento mais favorável para o trabalhador, no que respeita à prevalência dos acordos sobre a lei, ao plano da hierarquia das normas.
Mas, no caso dos autos, embora exista um acordo entre partes (entre um ex-trabalhador e uma ex-entidade patronal) não existe nenhuma lei mais favorável ou menos favorável aos trabalhadores ou a ex-trabalhadores, pelo que não se vislumbra, qualquer aplicação do princípio do tratamento mais favorável para o trabalhador, na vertente que o art. 6.º do RJRL consagra, que é o da prevalência dos acordos sobre a lei.
Há, é certo, outras vertentes do mesmo princípio do tratamento mais favorável para o trabalhador, por exemplo, no art. 5.º, n.º 1 do RJRL, que é o da manutenção das regalias adquiridas sobre o regime constante do RJRL.
Mas, no caso em apreço não está em causa nenhuma alteração de regime convencional para um regime legal, pelo que a vertente do princípio do tratamento mais favorável para o trabalhador, constante do art. 5.º, n.º 1 do RJRL, não aproveitaria à autora.
O Acórdão recorrido invoca, ainda, em abono da sua tese o art. 60.º do Decreto-Lei n.º 40/95/M, de 14 de Agosto, que institui o regime aplicável à reparação dos danos emergentes dos acidentes de trabalho e doenças profissionais.
Tal preceito, no seu n.º 2 fere com a nulidade os actos e os contratos que visem a renúncia aos direitos estabelecidos naquele diploma. Ora, nem nos autos está em causa qualquer acidente de trabalho ou doença profissional, nem a quitação operou qualquer renúncia a direitos da autora.
O art. 60.º do Decreto-Lei n.º 40/95/M é, pois, inaplicável.
Em suma, a autora não tem o direito que invocou, pelo que a acção estava condenada ao insucesso”.
*
Como se vê, está ali tudo dito; seja pela remissão, seja pela quitação, o declarante assumiu livremente nada mais ter a receber do beneficiário da declaração, devendo considerar-se realizadas todas as prestações derivadas da relação laboral.
Trata-se de uma posição que temos, de resto, já subscrito noutros recursos em que o aqui relator foi adjunto. Veja-se, por exemplo, o Ac. do TSI de 28/07/2011, Proc. nº 318/2010, ou nº 316/2010. Olhemos, rapidamente, para o que no primeiro deles se disse:
“…O que verdadeiramente caracteriza o contrato de remissão é a renúncia do credor ao poder de exigir a prestação que lhe é devida pelo devedor. Ao contrário do que acontece com o cumprimento (em que a obrigação se extingue pela realização da prestação devida) e ao contrário do que acontece na consignação, na compensação e na novação (em que o interesse do credor é satisfeito, não através da realização da prestação devida, mas por um meio diferente), na remissão, tal como na confusão e na prescrição, o direito de crédito não chega a funcionar. O interesse do credor a que a obrigação se encontra adstrita não chega a ser satisfeito, nem sequer indirecta ou potencialmente e, todavia, a obrigação extingue-se.
O direito romano admitia a acceptilatio (remissão de uma obrigação verbal, mediante reconhecimento de se ter recebido a prestação, remissão que extinguia o crédito ipso jure), o pactum de non petendo (convenção pela qual o credor prometia ao devedor que não faria valer o crédito, definitiva ou temporariamente, contra todos - pactum in rem - ou contra determinada pessoa - pactum in provissem, produzindo o pacto o efeito de atribuir uma exceptio contra o crédito) e o contrarius consensus (convenção pela qual se extinguia toda uma relação obrigacional, derivada de um contrato consensual, o que só era possível se nenhuma das partes tinha ainda cumprido.
Pode-se dizer, num certo sentido, que, hoje, na remissão, - artigo 854ºdo Código Civil - extinguindo-se a obrigação, o interesse do credor não se satisfaz, nem sequer indirecta ou potencialmente.
Mas mesmo que, ainda porventura por algum excesso de rigor formal, se considerasse que o documento em causa não pudesse ser qualificado de remissão, por se entender ser necessário que a declaração nele contida tivesse carácter remissivo, isto é, que a parte tivesse declarado que renunciava ao direito de exigir esta ou aquela concretizada prestação, não se deixará de estar sempre perante uma declaração de quitação em que se consideravam extintos, por recíproco pagamento, ajustado e efectuado nessa data, toda qualquer compensação emergente da relação laboral, o que vale por dizer que todas as obrigações decorrentes do contrato de trabalho tinham sido cumpridas.
Como diz Leal Amado, uma quitação com aquela amplitude é, sem dúvida, uma quitação sui generis, uma vez que os credores não se limitaram a atestar que receberam esta ou aquela prestação determinada. Ao declarar que recebia as compensações a determinado título e que mais nenhum direito subsistia, por qualquer forma, nada devendo reciprocamente, atestaram que receberam todas as prestações que lhe eram devidas. E essa forma de quitação, por saldo de toda a conta, não deixa de ser admitida em direito.
Perante isto, em vez de se perguntar se o autor renunciou ao direito às prestações que eventualmente lhe seriam devidas em consequência da cessação da relação laboral, perguntar-se-á se essas prestações já se mostram realizadas ou se se mostram extintas, sendo que a resposta a esta última questão, tida como relevante, é seguramente afirmativa, perante a clareza daquela afirmação.
Na verdade, como inequivocamente decorre do teor do documento, os direitos abrangidos pela declaração emitida são os emergentes da relação contratual de natureza profissional que entre A. e Ré se manteve até àquela data”.
No mesmo sentido, ver ainda o Ac. de 29/09/2011, Proc. nº 490/2010.
E assim sendo, visto o que acaba de citar-se, estamos em condições de, sem mais escusados considerandos, concluir pela procedência do recurso interposto pela STDM no recurso subordinado no que à excepção peremptória analisada se refere, circunstância que torna desnecessária a análise da parte que deixamos suspensa do recurso principal, por prejudicada a sua eficácia e utilidade.
***
IV- Decidindo
Nos termos expostos, acordam em:
1º- Julgar improcedente a reclamação para a conferência apresentada pelo recorrente A;
Custas pelo reclamante.
*
2º- Negar provimento ao recurso interlocutório interposto pelo autor da acção.
Custas pelo recorrente.
*
4º- Conceder provimento ao recurso subordinado, em consequência do que se revoga a sentença na parte correspondente e, declarando procedente a excepção peremptória, se julga improcedente a acção e se absolvem as rés do pedido.
Custas pelo recorrente em função do decaimento em ambas as instâncias.
*
5º - Negar provimento ao recurso principal na parte apreciada (ponto supra 3.1.1) e considerar prejudicado o conhecimento da parte restante desse recurso quanto aos pontos 3.1.2 e 3.1.3 supra.
Custas pelo recorrente.
TSI, 20 / 10 / 2011
_________________________
José Cândido de Pinho
(Relator)
_________________________
Lai Kin Hong
(Primeiro Juiz-Adjunto)
Com declaração de voto
_________________________
Choi Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)
Processo nº 233/2011
Declaração de voto
Vencido nos termos seguintes:
Ora, para que haja lugar ao recurso subordinado, a lei exige que se verifique a sucumbência recíproca de ambas as partes, pois o artº 587º/1 do CPC reza que “se ambas as partes ficarem vencidas, cabe a cada uma delas recorrer se quiser obter a reforma da decisão na parte que lhe seja desfavorável; mas o recurso por qualquer delas interposto pode, nesse caso, ser independente ou subordinado”.
ln casu, na acção intentada pelo autor contra a ré, esta foi totalmente absolvida.
Não se verificando assim a sucumbência recíproca, não é de admitir o recurso subordinado.
Todavia, isto não quer dizer que a lei não tenha o cuidado de acautelar os interesses de um recorrido, na situação idêntica à da ré, que não tem legitimidade para recorrer por não ser a parte vencida, em ver apreciados pelo tribunal de recurso os fundamentos, por ele invocados na acção ou na defesa, mas rejeitados ou não apreciados pelo tribunal a quo por este ter considerado não ser de acolher ou ser irrelevante ou prejudicado pelas soluções dadas na decisão recorrida.
Na verdade, não poucas vezes, a parte vencedora chegou a invocar vários fundamentos para sustentar a acção ou a defesa e acabou por ganhar a acção ou defender com êxito com base apenas num desses fundamentos.
Nestas circunstâncias, não parece justo impedir o recorrido totalmente vitorioso de levar à apreciação pelo tribunal ad quem dos fundamentos desatendidos pelo tribunal a quo, que sendo acolhidos pelo tribunal ad quem, poderiam conduzir ao mesmo resultado vertido na decisão recorrida.
Eis a razão de ser do art° 590°/1 do CPC, que diz “se forem vários os fundamentos da acção ou da defesa, o tribunal de recurso conhece do fundamento em que a parte vencedora decaiu, desde que esta o requeira, mesmo a título subsidiário, na respectiva alegação, prevenindo a necessidade da sua apreciação”.
Assim, no uso da faculdade conferida por essa norma, a parte recorrida, totalmente vitoriosa na decisão recorrida, deve requerer expressamente, nas contra-alegações ao recurso interposto pela parte vencida, a ampliação do objecto do recurso, pedindo a apreciação dos fundamentos desatendidos pelo tribunal a quo, sem que todavia tenha de assumir o estatuto de recorrente.
ln casu, apesar de a ré não ter decaído no fundamento na questão da remissão da dívida.
Mas, por identidade da razão, essa expressão “fundamento em que a parte vencedora decaiu” deve ser interpretada extensivamente por forma a abranger nela também o fundamento considerado prejudicado pelo tribunal a quo tendo em conta as soluções dadas na decisão recorrida.
Assim deveria a ré provocar a apreciação pelo tribunal ad quem desse fundamento, não por via de recurso subordinado, mas sim por via de requerimento previsto no acima citado art° 590°/1 do CPC.
Não deve ser assim admitido o recurso subordinado interposto pela ré por inverificação da sucumbência recíproca e inidoneidade do meio processual, atendendo ao fim que a ré pretende atingir.
Todavia, em prol dos princípios de economia processual e de aproveitamento, é de analisar se esse recurso subordinado, na minha óptica ilegal e inidóneo, poderá ser aproveitado e convolado para o requerimento a que se alude o art° 590°/1 do CPC.
Ora, reza o art° 145° do CPC que “o erro na forma de processo importa unicamente a anulação dos actos que não possam ser aproveitados, devendo praticar-se os que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, quanto possível, da forma estabelecida pela lei” e que “não devem, porém, aproveitar-se os actos já praticados, se do facto resultar uma diminuição de garantias do réu”.
Por razões óbvias a convolação não diminui as garantias da ré, antes a favorece.
E conforme se vê na petição do recurso subordinado por ela interposto, é bem expresso o pedido do conhecimento pelo Tribunal ad quem da primeira excepção peremptória deduzida na sua contestação, mas desatendida pelo tribunal a quo por este ter o considerado prejudicado.
Não se vê assim obstáculo à convolação.
Assim, deveria o requerimento do recurso subordinado tido como requerimento do recorrido para a ampliação do âmbito do recurso, a que se refere o art° 590° do CPC.
No que diz respeito à remissão da dívida, não acompanho o Acórdão antecedente pelo seguinte:
De facto, se é certo que, ao abrigo do disposto no art° 854° do Código Civil, o credor pode remitir a dívida por contrato com o devedor, não é menos verdade que existem restrições legais susceptíveis de invalidar o contrato de remissão, mesmo que este tenha sido celebrado de livre vontade entre ambos os contraentes.
Pois, sendo de natureza contratual que é, a remissão não pode deixar de se sujeitar ao regime geral de validade legalmente estabelecido para negócios jurídicos em geral.
Ora, nos termos do disposto no art° 6° do Decreto-Lei nº 24/89/M de 03ABR, interpretado a contrario, não são admitidos acordos ou convenções, estabelecidos entre os empregadores e trabalhadores, dos quais resultam condições de trabalho menos favoráveis para os trabalhadores do que as que resultariam da aplicação da lei.
Da leitura da petição inicial, verifica-se que os créditos pelo autor ora recorrente reivindicados na presente acção são (alegados) créditos a seu favor resultantes do alegado incumprimento por parte da ré do mínimo das condições de trabalho estabelecidas nesse citado Decreto-Lei nº 24/89/M de 03ABR.
E facilmente se nota que o benefício que o “prémio de serviço” representa para a autora é claramente inferior ao benefício que lhe trará se a presente acção vier a ser julgada procedente tal qual como é peticionado.
Olhando sob outro prisma, o que o autor e a ré convencionaram no contrato de remissão traduz-se realmente num acordo sobre remunerações e compensações menos favorável para a autora, em comparação do que está estabelecido de acordo com o mínimo dos critérios legais.
Assim, dada a natureza imperativa da norma do art° 6° desse citado decreto, um contrato mediante o qual se convencionaram as condições de trabalho aquém do mínimo da protecção dos trabalhadores não pode deixar de ser julgado nulo, por força do disposto no art° 287° do Código Civil, nos termos do qual, salvo excepção expressa em contrário resultante da lei, são nulos os negócios jurídicos celebrados contra disposição legal de carácter imperativo.
Tipo da situação essa que sucedeu exactamente no caso sub judice.
Contra esse entendimento nem se diga que in casu, com a cessação das relações de trabalho entre a autora e a ré, o objecto do contrato de remissão deixa de ser créditos integrantes das condições de trabalho, uma vez que a lei, ou seja, o citado art° 6°, visa assegurar aos trabalhadores o mínimo das condições de trabalho, nas quais estão naturalmente incluídas, entre outras, as remunerações e compensações a que os trabalhadores têm direito e que, pela própria natureza de prestações pecuniárias, mesmo após a cessação das respectivas relações de trabalho, não se extinguem nem perdem a dignidade da protecção jurídica, por força do princípio da protecção mínima consagrado no art° 6° do mesmo decreto.
Portanto, o facto de terem sido entretanto cessadas as relações de trabalho entre o autor e a ré nunca pode ser invocado como argumento válido para afastar os trabalhadores do âmbito da protecção mínima estabelecida no art° 6° do citado decreto-lei.
Assim, dado que foi celebrado contra uma norma imperativa, ao abrigo do disposto no art° 279° do Código Civil, deve ser declarado nulo o contrato de remissão, ora invocado pela ré como excepção peremptória.
Eis as razões que me levaram a não acompanhar o presente Acórdão na parte que diz respeito à remissão da dívida.
RAEM, 20OUT2011
O juiz adjunto
Lai Kin Hong
1 Art.º 1.º, n.º 1 do CPCM.
2 «Factores de produção: conjunto dos meios (terra, trabalho e capital físico, de acordo com a classificação adoptada após a revolução industrial) aplicados no processo produtivo de um bem ou de um serviço» Glossário de Economia Política in http://www.fd.ul.pt/docentes/pessoais/g_o_martins/ep2003.htm
3 Despacho Normativo n.º 24/89 que revogou o Despacho Normativo n.º 82/85, de 28 de Agosto junto à Contestação.
4 Vidé Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa supra citado.
5 ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, Coimbra, Almedina, Vol. II, Reimpressão da 7.ª ed. de 1997, 2001, p. 243.
6 ANTUNES VARELA, Das Obrigações..., II vol., p. 243.
7 LUÍS M. TELLES DE MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, Coimbra, Almedina, Vol. II, 4.ª ed., 2006, p. 219.
8 PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, Coimbra, Coimbra Editora, Vol. II, 3.ª ed, 1986, p. 40.
9 ANTUNES VARELA, Das Obrigações..., II vol., p. 252.
10 VAZ SERRA, Remissão, Reconhecimento Negativo da Dívida e Contrato Extintivo da Relação Obrigacional Bilateral, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 43, Julho de 1954, p. 82.
11 VAZ SERRA, Do Cumprimento como Modo de Extinção das Obrigações, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 34, Janeiro de 1953, p. 175.
12 VAZ SERRA, Remissão..., p. 82 e 83.
13 Transacção é o contrato pelo qual as partes previnem ou terminam um litígio mediante recíprocas concessões (art. 1172.º, n.º 1 do Código Civil).
14 PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código..., II vol., p. 856.
15 PEDRO ROMANO MARTINEZ, Direito do Trabalho, Coimbra, Almedina, 2.ª ed., 2005, p. 597. No mesmo sentido, MENEZES CORDEIRO, Manual de Direito do Trabalho, Coimbra, Almedina, 1997, p. 734 e BERNARDO LOBO XAVIER, Curso de Direito do Trabalho, Lisboa/São Paulo, Verbo, 2.ª ed, 1999, p. 405.
16 O autor está a referir-se ao princípio da irredutibilidade do salário.
17 BERNARDO LOBO XAVIER, Curso..., p. 255.
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