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Processo n.º 566/2011 Data do acórdão: 2011-12-01
(Autos de recurso penal)
  Assuntos:
  – homicídio qualificado
  – motivo fútil
  – art.o 129.o, n.os 1 e 2, alínea c), do Código Penal
  – art.o 22.o da Lei n.o 6/2004
  – Lei da Imigração Ilegal e da Expulsão
  – indivíduo clandestino
  – medida da pena
  – circunstância agravante
  – queixa do furto depois da morte da ofendida
  – art.o 105.o, n.o 2, alínea a), do Código Penal
  – art.o 107.o, n.o 1, do Código Penal
S U M Á R I O
1. Como da matéria de facto já dada por provada em primeira instância, e aliás aí totalmente confessada pelo próprio arguido, resulta que este matou a ofendida só por causa de duzentas patacas, essa motivação do homicídio é realmente muito fútil, se comparada com o valor precioso da vida humana, pelo que o arguido deve ser condenado como autor material de um crime consumado de homicídio qualificado, p. e p. pelo art.o 129.o, n.os 1 e 2, alínea c), do Código Penal vigente.
2. Segundo o art.o 22.o da Lei n.o 6/2004, de 2 de Agosto (Lei da Imigração Ilegal e da Expulsão), na determinação da medida da pena correspondente aos crimes previstos na legislação comum, o facto de o agente ser um indivíduo em situação de imigração ilegal constitui circunstância agravante.
3. Assim sendo, vistas sobretudo as elevadas exigências de prevenção geral do crime de homicídio, e mesmo que o recorrente seja delinquente primário e tenha confessado integralmente e sem reservas os factos e ajudado a reconstituir os factos na fase final do inquérito, a pena de quinze anos e seis meses de prisão achada pelo tribunal a quo para o crime de homicídio qualificado já não admite mais redução, à luz dos art.os 40.o, n.os 1 e 2, e 65.o do Código Penal.
4. Nos termos conjugados dos art.os 105.o, n.os 2 (alínea a), parte inicial) e 4, 107.o, n.o 1, e 197.o, n.o 3, do mesmo Código, o marido da ofendida mortal dos autos pode, no prazo de seis meses contado da morte da sua mulher, apresentar autonomamente queixa do crime de furto simples, então também imputado ao arguido.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 566/2011
(Autos de recurso penal)
Recorrente: A




ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Inconformado com o acórdão proferido a fls. 901 a 907v dos autos de Processo Comum Colectivo n.° CR1-10-0137-PCC do 1.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, que o condenou como autor material de um crime consumado de homicídio qualificado, p. e p. pelo art.o 129.o, n.os 1 e 2, alínea c), do vigente Código Penal (CP), na pena de quinze anos e seis meses de prisão, e como autor material de um crime consumado de furto simples, p. e p. pelo art.o 197.o, n.o 1, do CP, na pena de sete meses de prisão, e, em cúmulo, na pena única de quinze anos e nove meses de prisão, bem como no pagamento de um total de MOP437.800,00 e RMB40,00 de indemnizações a favor dos herdeiros da ofendida mortal, com juros legais contados desde a data desse acórdão até integral e efectivo pagamento, veio o arguido A, aí já melhor identificado, recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), para imputar à decisão recorrida, concreta e materialmente, o erro de qualificação jurídico-penal dos factos respeitantes ao crime de homicídio e o exagero da pena de prisão imposta ao crime de homicídio em violação do disposto nos art.os 40.o e 65.o do CP, para além de arguir a falta de queixa tempestiva por quem de direito em relação ao crime de furto, a fim de pedir que passasse a ser condenado como autor material de um crime consumado de homicídio simples do art.o 128.o do CP, com consequente aplicação de uma pena leve a seu favor, atenta sobretudo a sua confissão integral e sem reservas dos factos, e também a ser absolvido do imputado crime de furto por falta de queixa (cfr. mormente as conclusões da motivação do recurso, apresentada a fls. 914 a 921 dos presentes autos correspondentes).
Ao recurso, respondeu o Ministério Público (a fls. 925 a 926v) no sentido de improcedência da argumentação do recorrente.
Subidos os autos, emitiu o Digno Procurador-Adjunto parecer (a fls. 935 a 936), defendendo materialmente a posição vertida na resposta ao recurso.
Feito o exame preliminar, corridos os vistos, e com audiência já feita nesta Segunda Instância, cumpre agora decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Como não vem impugnada a matéria de facto já descrita como provada nas páginas 6 a 11 do texto do acórdão da Primeira Instância (ora concretamente a fls. 903v a 906), é de considerar a mesma como totalmente reproduzida no presente acórdão de recurso, nos termos do art.o 631.o, n.o 6, do Código de Processo Civil vigente, ex vi do art.o 4.o do actual Código de Processo Penal (CPP), segundo a qual:
– em 24 de Novembro de 2009, cerca das dez horas da noite, num quarto de uma fracção autónoma em Macau, e já depois de ter aí duas cópulas com a ofendida dos autos como prostituta, o arguido ora recorrente começou a travar altercação com a ofendida por causa da divergência quanto ao preço total a pagar a esses dois actos sexuais, pois ele estava disposto a entregar à ofendida HKD500,00, enquanto esta lhe exigia HKD1.000,00;
– o arguido finalmente deixou um total de HKD800,00 à ofendida, e preparou-se para sair do local;
– como a ofendida continuou a ralhar com ele, o arguido zangou-se e empurrou a ofendida para a cama, saltou ele para a cama e sentou-se em cima do corpo da ofendida, e estrangulou o pescoço desta com as mãos;
– a ofendida acabou por morrer por estrangulamento;
– e depois de confirmar a inexistência de respiração da ofendida, o arguido tirou, na mala desta, tais HKD800,00, RMB40,00 e um telemóvel de marca “SAMSUNG”, e um outro telemóvel de marca “NOKIA” colocado na cama, tudo pertencente à ofendida;
– o arguido é delinquente primário, solteiro e não tem pessoas a cargo, e trabalhava como mediador imobiliário, com RMB10.000,00 de rendimento mensal;
– e aquando da prática dos factos, o arguido estava em situação clandestina em Macau.
De acordo com a acta da audiência em julgamento em primeira instância (lavrada a fls. 899 a 900), o arguido ora recorrente confessou de modo integral e sem reservas os factos.
Outrossim, do exame dos autos, sabe-se que:
– o arguido ajudou a Polícia Judiciária, na fase derradeira do inquérito, a reconstituir os factos (cfr. o respectivo auto lavrado a fls. 514 a 534);
– o marido da ofendida (melhor identificado a fls. 200 a 209) apresentou, em 24 de Maio de 2010, a queixa do crime de furto, quando inquirido pela Polícia Judiciária (cfr. o respectivo auto exarado a fl. 777).
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cumpre notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Nesta ordem de ideias, são apenas as questões seguintes a apreciar na presente lide recursória (por terem sido simultaneamente alegadas na motivação e delimitadas nas conclusões dessa peça):
– 1) do alegado erro de qualificação jurídico-penal dos factos respeitantes ao crime de homicídio;
– 2) do assacado exagero da pena de prisão imposta ao crime de homicídio;
– e 3) da invocada falta de queixa tempestiva relativa ao crime de furto simples.
Quanto à primeira questão, da matéria de facto já dada por provada em primeira instância, e aliás aí totalmente confessada pelo próprio recorrente, resulta que este matou a ofendida só por causa de duzentos dólares de Hong Kong (i.e., do tal valor pecuniário tido pela ofendida como ainda não pago pelo arguido depois de prestado o serviço por ela nas duas cópulas) (e não que o arguido matou a ofendida por esta lhe ter dito que tinha SIDA), motivação concretamente provada essa que é realmente muito fútil, se comparada com o valor precioso da vida humana.
Patente esse motivo fútil, o arguido deve ser condenado como autor material de um crime consumado de homicídio qualificado, p. e p. pelo art.o 129.o, n.os 1 e 2, alínea c), do CP.
E agora da segunda questão:
Sendo o crime de homicídio qualificado punível com pena de prisão de quinze a vinte e cinco anos, e atenta a circunstância agravante ditada na norma do art.o 22.o da Lei n.o 6/2004, de 2 de Agosto (Lei da Imigração Ilegal e da Expulsão) (segundo a qual “Na determinação da medida da pena correspondente aos crimes previstos na legislação comum, o facto de o agente ser um indivíduo em situação de imigração ilegal constitui circunstância agravante”), e vistas sobretudo as elevadas exigências de prevenção geral do crime de homicídio, e mesmo que o recorrente seja delinquente primário e tenha confessado integralmente e sem reservas os factos e ajudado a reconstituir os factos na fase final do inquérito, a pena de quinze anos e seis meses de prisão achada pelo Tribunal a quo para o crime de homicídio qualificado por que vinha condenado já não admite mais redução, à luz dos art.os 40.o, n.os 1 e 2, e 65.o do CP.
Por fim, no tocante à alegada falta de queixa tempestiva do crime de furto simples, também não deixa de naufragar o recurso, porquanto:
– nos termos conjugados dos art.os 105.o, n.os 2 (alínea a), parte inicial) e 4, 107.o, n.o 1, e 197.o, n.o 3, do CP, o marido da ofendida mortal dos autos pode autonomamente apresentar queixa desse crime de furto no prazo de seis meses contado da morte da sua mulher;
– tendo ocorrido a morte da ofendida em 24 de Novembro de 2009, apresentou o seu marido efectivamente ainda a tempo – se bem que no último dia do prazo para o efeito (24 de Maio de 2010) – a queixa do furto em causa.
IV – DECISÃO
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso.
Custas do recurso pelo arguido, com seis UC de taxa de justiça e mil e quinhentas patacas de honorários a favor do seu Exm.o Defensor Oficioso, a adiantar, por ora, pelo Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância.
Comunique a presente decisão ao marido da ofendida.
Macau, Primeiro de Dezembro de 2011.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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José Maria Dias Azedo
(Segundo Juiz-Adjunto)



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