打印全文
   ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:
   
   I – Relatório
   A interpôs recurso contencioso de anulação do despacho do Secretário para a Segurança, de 6 de Maio de 2004, que lhe aplicou a pena de demissão, enquanto auxiliar de investigação criminal da Polícia Judiciária.
   Por acórdão de 10 de Março de 2005, do Tribunal de Segunda Instância, (TSI) foi negado provimento ao recurso.
   Inconformado, interpõe A o presente recurso jurisdicional, terminando a respectiva alegação com a formulação das seguintes conclusões:
   a) A entidade recorrida dá por provados os factos descritos no despacho punitivo sem que a prova obtida permita formar tal convicção.
   b) A entidade recorrida omite factos consubstanciadores da motivação que levou à intervenção do recorrente, na altercação entre o patrão e o denunciante.
   c) O acórdão recorrido dá por provados factos consubstanciadores da motivação que levou à intervenção do recorrente, na altercação entre o patrão e o denunciante.
   d) O despacho recorrido em clara "omissão de pronúncia" não toma em consideração todas as provas produzidas nos autos, importantes para a discussão da causa, nem apresenta provas que contraditem as aí existentes.
   e) O despacho recorrido, ao omitir factos importantes para a discussão da causa e que deveria apreciar, existentes nos autos, e ao fazer uma interpretação errada e deficiente da matéria carreada, incorre no vício de violação de lei.
   f) A não apreciação exaustiva da prova leva a que não possa ser imputada ao recorrente a conduta, tal qual vem referida no despacho recorrido.
   g) E, por conseguinte, não pode subsistir a qualificação jurídica dos factos imputados ao recorrente.
   h) No presente caso constata-se, pelos factos dados como provados, que o ora recorrente foi punido com fundamento em conduta que não integra as infracções disciplinares pretendidas.
   i) Admitido o princípio da culpa na caracterização da infracção disciplinar não é possível punir o recorrente por violar objectivamente alguns dos deveres enunciados nos artigos 279.º e 48.º e 51.º do Decreto Lei n.º 27/98/M.
   j) É necessário, sempre, investigar o título de responsabilidade - dolo ou negligência - ou a ausência dele.
   k) O despacho recorrido bem como o acórdão recorrido, não averiguaram, e portanto não provaram, devendo fazê-lo, o título de responsabilidade subjectiva do recorrente.
   l) O recorrente estava numa situação nítida de flagrante delito (cfr. 238.º e 239.º do CPP).
   m) Nada nos autos nos revela que da parte do denunciante este tenha sido ferido na sua dignidade em consequência deste comportamento do recorrente, nem sequer o mencionou nas primeiras declarações do processo disciplinar.
   n) O eventual excesso existente não pode conduzir automaticamente à demissão do recorrente.
   o) O recorrente entende não se ter verificado a situação de abuso de poder e abuso de autoridade referidas quer pela entidade quer pelo acórdão recorrido, pois não se dão, por verificados, os elementos do tipo de crime previsto no art. 347.º do Código Penal.
   p) Ainda que se considere que a conduta do requerente integra os elementos objectivos das infracções por que vem acusado, o que não se concede, como se demostrou, há que lhe atribuir um título de responsabilidade subjectiva para se poder considerá-la como integradora duma infracção disciplinar.
   q) A conduta do recorrente não é uma conduta dolosa (cfr. art.º 13.º do Código Penal de Macau)
   r) Ora, considerando a conduta do arguido integradora duma infracção disciplinar por violadora dos deveres acima mencionados, o que mais uma vez repetimos não consideramos possível, a sua conduta só poderia integrar uma negligência inconsciente (cfr. alínea b) do artigo nº 14º do Código Penal de Macau).
   s) A pena de demissão que é aplicada no despacho recorrido é completa e escandalosamente desadequada e desproporcionada, face à conduta do recorrente.
   t) O despacho em crise podia e devia, em caso de considerar excessiva a conduta do agente, ter aplicado uma pena menos grave tendo em atenção a diminuta ilicitude e a ausência de culpa.
   u) Por outro lado podia e devia, salvo o devido respeito, ter tido em consideração que o recorrente é um homem jovem, doente, com dois filhos de tenra idade que trabalha apenas há 5 anos na PJ e que sofrendo de um tumor maligno só a eminência de um crime o faria actuar como actuou, embarcando numa situação que injustamente lhe poderá trazer consequências irreparáveis.
   v) Considerando a pena de demissão pela prática destes factos, incorre a entidade e o acórdão recorrido num erro grosseiro, sendo uma notória injustiça e havendo uma clara desproporção entre a pena aplicada e a falta cometida.
   w) Às penas expulsivas correspondem unicamente situações dolosas.
   x) No caso em apreço a gravidade da infracção, o dolo, a culpa e a consequente inviabilidade da relação funcional, não se encontra nem minimamente provada nem devidamente fundamentada.
   y) A pena aplicada, viola o princípio da imparcialidade, proporcionalidade, igualdade e justiça pois reconhecendo que naquilo que se considerou um excesso por parte do recorrente, poderia a entidade recorrida ter feito uso de uma outra sanção menos grave, não descurando os objectivos da punição.
   z) Ao considerar que o recorrente cometeu as infracções disciplinares de que vem acusado, incorre o despacho punitivo em vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto e de direito.
   aa) O despacho recorrido não considerou, devendo fazê-lo, as circunstâncias atenuantes previstas na alínea c), g), h) do n° 2° do artigo 282°;
   bb) Os factos imputados ao recorrente não integram a circunstância agravante prevista na alínea i) do n° 1 do artigo 283°,
   cc) Os factos imputados ao ora recorrente não integram o disposto na alínea a) e c) do n° 2 do artigo 315°, pois que esta disposição legal enuncia condutas com um conteúdo ao qual não se pode reportar, de modo algum, o comportamento do ora recorrente;
   dd) Ao aplicar a pena de demissão o despacho recorrido, não atendeu nem ponderou os critérios gerais e especiais previstos no n° 1 do artigo 316° do ETAPM;
   ee) Nomeadamente não considerou a culpa do recorrente.
   ff) Tendo incorrido num erro grosseiro pois é nítida a injustiça e a desproporção evidente entre a sanção aplicada e a falta cometida.
   gg) Não respeitando os preceitos legalmente prescritos incorre, o despacho e o acórdão recorrido, em violação de lei.
   hh) Consistindo a falta de fundamentação na externação precisa das razões de facto e de direito que estão na base do despacho, incorre este, em vício de forma.
   ii) Em consonância com o exposto, sofrendo a fundamentação do referido despacho de obscuridade, contradição e insuficiência, determina a lei a falta da mesma. Falta de fundamentação que determina a anulabilidade do despacho.
   
   O Exm.º Procurador-Adjunto emitiu parecer pronunciando-se pelo não provimento do recurso.
   
   II – Os factos
   O acórdão recorrido considerou assentes os seguintes factos:
   A) Em processo disciplinar instaurado contra A foi elaborado o seguinte Relatório Final, em 21 de Abril de 2004,:
   “O presente processo disciplinar instaurou-se conforme o despacho de V. Exa. constante de fls. 2 dos autos e fui nomeado para realizar a instrução. Comecei, na qualidade de instrutor, por executar a ordem de V. Exa. em 3 de Dezembro de 2003, abrindo os procedimentos de instrução do presente processo disciplinar, a fim de determinar a responsabilidade disciplinar da infracção disciplinar de A, auxiliar de investigação criminal destes Serviços.
   A instrução do presente processo disciplinar teve início no prazo legalmente fixado e, nos termos do artigo 328°, n.º 3 do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau, a data do início da instrução do presente processo já foi informada aos indivíduos e as entidades em causa (cfr. fls. 16 a 18 dos autos).
   No período de instrução, foram realizadas todas as diligências necessárias, ao abrigo do artigo 329º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau, as quais incluíram:
   1. Auto de Declaração do denunciante B, constante de fls. 20, 21, 22, 57 a 61 e 202 a 203 dos autos;
   2. Auto de Declaração da médica do Centro Hospitalar Conde de S. Januário, Dra. C, constante de fls. 30 e 31 dos autos;
   3. Auto de Declaração da testemunha D, constante de fls. 33, 34, 71 e 72 dos autos;
   4. Auto de Declaração da testemunha E, constante de fls. 36, 37, 67 a 69 dos autos;
   5. Auto de Declaração da testemunha F, constante de fls. 39, 40, 177 e 178 dos autos;
   6. Auto de Declaração da testemunha G, constante de fls. 42, 43, 179 e 180 dos autos;
   7. Auto de Inquérito do arguido deste processo A, constante de fls. 45, 46 e 73 a 78 dos autos;
   8. Auto de Declaração da testemunha H (patrão da pastelaria), constante de fls. 63, 64, 65, 79 e 80 dos autos;
   9. Auto de Declaração da testemunha I, constante de fls. 81, 82, 181 e 182 dos autos;
   10. Certificado de registo disciplinar do arguido A, constante de fls. 87 e 88 dos autos:
   11. Registo telefónico do denunciante B no dia em que ocorreu o presente caso, constante de fls. 90 dos autos;
   12. Auto de Declaração da testemunha indicada pelo defensor, constante de fls. 173 a 182 dos autos;
   13. Auto de Declaração da testemunha indicada pelo defensor, testemunha essa é o agente do dia destes Serviços no dia em que ocorreu o presente caso, constante de fls. 184 a 200 dos autos;
   14. Auto de Declaração prestada pelo superior hierárquico do arguido, J, constante de fls. 193 e 194 dos autos.
   Realizadas todas as medidas da instrução, as provas demonstraram que o arguido tinha praticado infracção disciplinar e violação da lei, pelo que, deduziu-se acusação do arguido nos termos do artigo 331°, n.º 2 do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau (ETAPM). A referida acusação já foi entregue ao arguido em conformidade com o artigo 333°, n.º 1 do mesmo Estatuto e, foi-lhe marcado um prazo para apresentar a sua defesa escrita (cfr. fls. 105 dos autos).
   Como defensor incumbido pelo arguido, o Advogado Dr. K apresentou, em representação do arguido, a defesa escrita no prazo marcado. A referida defesa escrita e a sua tradução estão constantes de fls. 117 e 172 dos autos.
***
   Em 22 de Novembro de 2003, pelas 14h30, enquanto o arguido do presente processo disciplinar foi a Padaria, situada na Areia Preta, para comprar pão, o dono da padaria, H, e o denunciante, B estavam a altercar na travessa em frente da padaria. Perante isto, o arguido avançou e perguntou-lhes o que se passava, ao que a testemunha H disse que estava a ser alvo de ameaças por parte do denunciante, mas, o denunciante negou imediatamente, em seguida, o arguido revelou a sua identificação de agente da Polícia Judiciária, e pôs-se a intervir no assunto e procedeu ao tratamento do mesmo.
   Sintetizados os depoimentos dos indivíduos concernentes do presente processo e a defesa escrita do arguido, verificou-se que o arguido A tinha praticado as seguintes graves infracções disciplinares e da lei no presente caso.
   1) Em 22/11/2003, o arguido estava de baixa por doença, pelas 14h30 do mesmo dia, ao passar pela Areia Preta, em Macau, junto à Padaria, seguiu o dono da Padaria, H, e o padeiro, empregado daquele, B - denunciante, até uma travessa em frente da padaria. O arguido exibiu o seu cartão do serviço, revelou a sua identidade de agente da Polícia e ordenou ao denunciante que levantasse as mãos, ficasse de cara para a parede e ajoelhasse, e em seguida revistou o seu corpo.
   2) Tendo revistado o corpo do denunciante, o arguido ordenou-lhe que baixasse os braços, em seguida pegou as algemas, algemou as mãos daquele atrás das costas, e obrigou o denunciante a ajoelhar-se no chão, com a cara virada para a parede, e só o libertou das algemas depois de uns 10 minutos.
   3) A fim de obrigar o denunciante a confessar que tinha ameaçado o seu patrão, o arguido levou-o, à força, para a casa de banho da padaria onde agrediu-o.
   4) O arguido confessou expressamente, na sua alegação ponto n.º 8 e 35, que tinha efectuado a revista ao corpo do denunciante naquele dia, mas o mesmo negou, na sua declaração de depoimento, que tivesse efectuado a revista ao corpo do denunciante, o arguido confessou expressamente, na sua alegação ponto 8, 10, 22 e 33, que tinha puxado as algemas e algemou as mãos daquele atrás das costas, mas, na sua declaração de depoimento, ele negou o facto confessado, o que evidencia que o arguido prestou falsas declarações quando foi interrogado pelo instrutor.
   Nos termos dos respectivos dados, o denunciante estava a disputar com o seu patrão, e foi justo o arguido avançar para entender o assunto e tentar resolver o problema. Todavia, na altura, era necessário ou não efectuar a revista ao corpo do denunciante? Como agente da Polícia Judiciária, o arguido deve ter capacidade de juízo e proceder ao tratamento adequado.
   Nos termos do artigo 159.º, n.º 1 do Código de Processo Penal: "Quando houver indícios de que alguém oculta na sua pessoa quaisquer objectos relacionados com um crime ou que possam servir de prova, é ordenada revista.". Além disso, o n.º 4 do mesmo artigo prevê alguns pressupostos para as buscas efectuadas, sem a autorização da autoridade judiciária, por órgão de polícia criminal: "a) Em que houver razão para crer que a demora poderia representar grave perigo para bens jurídicos de valor relevante; b) Em que os visados consintam, desde que o consentimento prestado fique, por qualquer forma, documentado; ou c) Aquando de detenção em flagrante por crime a que corresponda pena de prisão". E o n.º 5 do mesmo artigo estipula que a realização da diligência é imediatamente comunicada ao juiz de instrução.
   Naquele dia, o denunciante teve apenas altercação com o seu patrão, não houve, de facto, indícios de que demonstra que o arguido traga consigo objectos escondidos relacionados ao crime, nem objectos que podem ser servidos de provas, não existe nenhuma razão que faz crer que a demora da revista poderia representar, prejudicar grave perigo para bens jurídicos de valor relevante. Por outro lado, o arguido não foi consentido pelo denunciante para fazer a revista ao seu corpo; ademais, após a revista, o arguido não a efectuou de acordo com a lei, não elaborando informação ou relatório para comunicar o ocorrido ao Juiz de instrução.
   Para além disso, o artigo 160°, n.º 2 do Código de Processo Penal estipula:
   "A revista deve respeitar a dignidade pessoal e, na medida do possível, o pudor do visado". O lugar onde o arguido fez revista ao corpo do denunciante é uma travessa em frente da padaria, eu pessoalmente fui lá para uma verificação in loco. Há muita gente indo e vindo nessa travessa, o arguido fez revista ao corpo do denunciante nesta travessa e, ordenou ao denunciante que ficasse de joelhos, este acto é muito desumano para o denunciante, o que fere a dignidade pessoal do denunciante, causando grave ofensa ao pudor do denunciante.
   Como investigador da Polícia Judiciária, é natural que deve ter determinados conhecimentos básicos e saber as medidas correctas na investigação criminal, antes de utilizar a algema, o agente deve saber quais são os requisitos no lugar para efeito de utilização de algema, como por exemplo, o indíviduo-objecto é criminoso em flagrante que possa ser condenado na pena de prisão, arguido que está a praticar crime pela violência ou opor resistência à detenção etc., se existirem as situações acima referidas em que se deve limitar a liberdade do arguido, nestes termos, o agente pode utilizar a força violenta adequada ou utilizar a algema. Todavia, na altura, o denunciante teve apenas altercação com o seu patrão, não se via indícios de violência "in loco", o denunciante não teve nenhum evidente acto criminoso, nem resistiu à detenção injusta efectuada pelo arguido. Numa situação como esta, o arguido não pode, em absoluto, puxar as algemas e algemou as mãos daquele atrás das costas, além disso, o facto aconteceu numa travessa pequena que é um lugar público, de forma que este acto é muito desumano para o denunciante e fere a sua dignidade pessoal, causando-lhe grave ofensa ao pudor.
   Na alegação do arguido, foram indicadas várias testemunhas (cfr. fls. 171 e 172 dos autos), e estas dividiram-se em dois grupos, um dos quais, constituído por 5 testemunhas que foram da Padaria, mas, 3 delas disseram que não queriam ser testemunhas, nem queriam ser interrogadas, as outras duas responderam às questões constantes da alegação, todavia, todas - responderam que não "sabiam" do assunto; outro grupo é constituído pelos agentes da Polícia Judiciária que estavam de plantão naquele dia, dentre eles, dois disseram que não sabiam do assunto, e os restantes, incluindo o oficial do dia, disseram que não existe a situação de delito em flagrante, não foram elaborados os autos de declaração depois de levar as respectivas pessoas para a sala do dia, além disso, por fim, ambas as partes acabaram por chegar ao entendimento e resolveram o assunto em forma de reconciliação, pelo que, não se pode deter ninguém "in loco".
   O arguido, que trabalha na Polícia Judiciária há cerca de 5 anos, deve saber claramente que, como agente da PJ, tem que dispor de deontologia e critério de comportamento, além disso, deve ainda saber as leis básicas. Ao praticar a infracção acima referida, o arguido revelou que o seu desrespeito total aos deveres gerais e especiais previstas por lei, sendo óbvio que o mesmo não sabe a lei orgânica da PJ, ignorando as indicações preferidas pelo seu superior nos trabalhos quotidianos, não cumpre a lei nos seus trabalhos, os actos do arguido, além de não contribuir para o nome da PJ, pelo contrário, causou grande prejuízo para a imagem e o nome da Polícia Judiciária, o que causou graves consequências.
***
   O arguido efectuou a infracção referida no ponto 1), violando os dispostos no artigo 159°, n.º 1, 4° e 5°, artigo 160°, n.º 1° e 2° do Código de Processo Penal, os dispostos no artigo 279°, n.º 1, n.º 2, alíneas b) e c), artigo 315°, n.º 2, alíneas a) e c) do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau, os dispostos no artigo 48°, n.º 1, alínea b, f) e g) e artigo 51°, alínea a) do Decreto-Lei n.º 27/98/M de 29 de Junho, além disso, violou os dispostos no artigo 347° do Código Penal.
   O arguido efectuou a infracção mencionada no ponto 2), violando os dispostos no artigo 279°, n.º 1, n.º 2, alíneas b) e c), artigo 315°, n.º 2 alíneas a) e c), bem como os dispostos no artigo 48°, n.º 1, alíneas b), 1) e g) e artigo 51°, alínea a) do Decreto-Lei n.º 27/98/M de 29 de Junho, além disso, violou os dispostos no artigo 347° do Código Penal.
   O arguido efectuou a infracção referida no ponto 3), violou os dispostos no artigo 137°, n.º 1 e artigo 149°, n.º 1, alínea b) do Código Penal.
   Nos termos da certidão de registo disciplinar emitido ao arguido pelo Departamento de Gestão da PJ, o arguido foi punido, no ano passado, num processo disciplinar com a pena de multa de 10 dias com a suspensão de um ano, a decisão do referido processo disciplinar foi notificado ao arguido em 1 de Julho de 2003, pelo que, ao efectuar a infracção acima referida, o arguido violou o disposto do artigo 283° , n.º1, alíneas e) e i) do ETAPM, o que deve ser considerado como circunstância agravante.
   O arguido efectuou a infracção acima referida, violou obviamente os deveres de profissionalismo, deontologia, critério de comportamento e respeito à lei, com consequências sumamente graves, ademais, o seu comportamento causou grande prejuízo para a imagem e o nome da Polícia Judiciária, nestes termos, deve-se aplicar o disposto no artigo 300°, n.º 1, alínea e) do ETAPM.
   Ao abrigo do artigo 337°, n.º 1 do ETAPM, elabora-se o presente relatório, sugerindo ao Ex. Sr. Director a aplicação de demissão de A, arguido do respectivo processo disciplinar.
   Como o arguido prestou falsa declaração no interrogatório feito pelo instrutor, este instrutor propõe ao Director a instauração de um novo processo disciplinar do arguido, nos termos do artigo 336° n.º 3 do ETAPM.
   Para além disso, o arguido efectuou a infracção, violando os dispostos do artigo 137°, n.º 1, artigo 149°, n.º 1), alínea b) e artigo 347° do Código Penal, pelo que, nos termos do artigo 287º, n.º 2 do ETAPM, este instrutor propõe ao Director a instauração do processo penal de A.
***
   Foi concluída a fase de instrução do presente processo disciplinar, nos termos dos dispostos do artigo 337°, n.º 3 do ETAPM, os autos e o presente relatório final são submetidos à consideração do Director para a decisão final”.
   B) Em 23 de Abril de 2004, o Director da Polícia Judiciária lavrou o seguinte despacho:
   “O presente processo disciplinar é instaurado de acordo com a denúncia feita pelo cidadão B, com os demais sinais dos autos a fls. 20) perante o Núcleo de Atendimento e Reclamações desta Directoria no dia 26 de Novembro de 2003 e o despacho que exarei no dia 28 de Novembro de 2003, no sentido de investigar se os factos referidos na denúncia correspondem à verdade e confirmar se o denunciado, A, auxiliar de Investigação Criminal desta Directoria - arguido do presente processo - deve ou não assumir a responsabilidade disciplinar pela aludida ocorrência.
   Nos trabalhos de investigação e recolha de provas, o instrutor ouviu as declarações tanto do denunciante como do denunciado, bem como os depoimentos das testemunhas, D, E, F e G, analisando, com prudência, os depoimentos do dono da padaria, H e I, envolvidos na briga com o denunciante deste processo, estudando e ponderando profundamente a defesa apresentada pelo advogado, Dr. K, mandatário do arguido. Além disso, ao satisfazer aos pedidos da alegação, ouviram-se de novo os depoimentos das testemunhas acima mencionadas e outros depoimentos prestados pelos investigadores desta Directoria que participaram no tratamento dos conflitos ocorridos entre o denunciante e o dono da aludida padaria.
   Segundo os resultados da investigação e os elementos probatórios constantes dos autos, concordo com o parecer do instrutor emitido no Relatório Final que confirmou a existência dos indícios das infracções criminais. De acordo com o teor constante de fls. 7 a 10, o denunciante participou ao CPSP no dia 23 de Novembro de 2003, para indagar a responsabilidade criminal de A na mesma ocorrência, pelo que, sugiro remeter o conteúdo de fls. 205 a 211 destes autos e a cópia deste despacho ao Mº.Pº. para os fins tidos por convenientes.
   Ademais, durante o procedimento de inquérito feito pelo instrutor, o arguido negou que tivesse efectuado a revista ao corpo do denunciante nem algemado as mãos do mesmo. Mas, segundo o conteúdo constante da alegação, nomeadamente dos artigos 8°, 10°, 22°, 33° e 35°, ele confessou expressamente que tinha praticado tais actos, nestes termos, pode-se presumir que o arguido prestou declaração falsa no procedimento do inquérito. Ao abrigo do art. 314°, n.º 4, alíneas d) do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau (ETAPM), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 87/89/M de 21 de Dezembro e alterado pelo Decreto-Lei n.º 62/98/M, os actos do arguido acima mencionados constituem infracções disciplinares. Dado que este facto e acusação não estão especificados na petição de acusação, no intuito de proteger o direito de ser ouvido e o direito de defesa do arguido, ao abrigo do disposto no art. 336° da norma acima mencionada, sugiro instaurar um novo processo disciplinar com as cópias autenticadas de fls. 45, 46, 73 a 78, 117 a 172 e do presente despacho, a fim de apurar os factos em causa e determinar a responsabilidade disciplinar do referido indivíduo.
   Segundo os elementos probatórios constantes dos autos e recolhidos pelo instrutor em todo o procedimento de inquérito, foram provados os seguintes factos:
   1. Em 22/11/2003, o arguido estava de baixa por doença;
   2. Pelas 14h30 do mesmo dia, ao passar pela Areia Preta, em Macau, junto à Padaria, seguiu o dono da Padaria, H, e o padeiro, empregado daquele, B - denunciante, até uma travessa em frente da padaria. O arguido exibiu o seu cartão do serviço, revelou a sua identidade de agente da Polícia e ordenou ao denunciante que levantasse as mãos, ficasse de cara para a parede e ajoelhasse, e em seguida revistou o seu corpo;
   3. Tendo revistado o corpo do denunciante, o arguido ordenou-lhe que baixasse os braços, em seguida pegou as algemas, algemou as mãos daquele atrás das costas, e obrigou o denunciante a ajoelhar-se no chão, com a cara virada para a parede, e, só o libertou das algemas depois de uns 10 minutos;
   4. A fim de obrigar o denunciante a confessar que tinha ameaçado o seu patrão, o arguido levou-o, à força, para a casa de banho da padaria onde o agrediu;
   5. De facto, na briga ocorrida entre o denunciante e o dono da padaria, não há delito em flagrante que pode ser punido com pena de prisão, nem situação de delito fora de flagrante que necessita de detenção;
   6. Não há nenhum indício de que o denunciante levasse consigo objecto que poderia ser utilizado para cometer o crime ou servir de prova material, também não há razão para acreditar que a demora da revista poderia provocar um grande perigo para importantes interesses jurídicos.
   O arguido deve saber muito bem que naquela situação, ele não teve razão nenhuma para adoptar a medida supra mencionada em relação ao denunciante. A conduta do arguido é ilegal e desumana e causou grave ofensa ao pudor do denunciante.
   Como auxiliar de investigação criminal da Polícia Judiciária com cinco anos de antiguidade, o arguido deve saber claramente os devidos deveres e critérios de comportamento que um agente de investigação do quadro desta Directoria deve ter, e deve ter perfeitamente os conhecimentos básicos das normas atinentes à sua função.
   Todavia, o arguido, além de ter cometido infracções consagradas no Código Penal, violou o artigo 159°, n.º 1 e n.º 4 e o artigo 160°, n.º 1 e n.º 2 do Código de Processo Penal, pelo que violou as obrigações gerais previstas pelo artigo 279°, n.º 1, n.º 2 alíneas b) e c), n.º 4 e n.º 5 do ETAPM e as obrigações especiais que os investigadores e auxiliares de investigação criminal devem obedecer, previstas pelo art. 48°, n.º 1, alíneas b), f) e g) do Decreto-Lei n.º 27/98/M de 29 de Junho.
   Devido ao cometimento das infracções de obrigações tanto gerais como especiais, o arguido praticou infracções disciplinares graves previstas pelo art. 315°, n.º 2, alíneas a) e c) do ETAPM e pelo art. 51°, alínea a) (sic) de 29 de Junho.
   Pelo exposto, tendo em consideração a gravidade dos actos cometidos e da sua consequência, ponderando que o arguido não se demonstrasse arrependido após a ocorrência, analisando especialmente as circunstâncias agravantes previstas pelo art. 283 °, n.º 1, alíneas e) e i) do ETAPM, para manter a boa imagem da Directoria da Polícia Judiciária, respeitar o profissionalismo, a deontologia, critérios do comportamento da Polícia Judiciária e as leis, nomeadamente a garantia dos direitos básicos dos cidadãos, nos termos das normas acima mencionadas e ao abrigo dos dispostos nos art. 300°, n.º 1, al. e), 305°, 311°, 316° e 322° do ETAPM, sugiro aplicar ao arguido, A, auxiliar de Investigação Criminal desta Directoria, a punição de demissão.
   Entregue o presente processo e o presente despacho ao Ex.mo Secretário para a Segurança para apreciação e decisão”.
   C) Em 6 de Maio de 2004 o Secretário para a Segurança proferiu o seguinte despacho:
   “Processo disciplinar n.º 17/2003
   Arguido: A, Auxiliar de Investigação Criminal
   Analisado o Processo disciplinar n.º 17/2003 são dados como provados os seguintes factos:
   1. Em 22/11/2003, pelas 14h30, o arguido que estava de baixa por doença, ao passar pela Areia Preta, em Macau, junto à Padaria, seguiu o dono da Padaria, H, e o padeiro, empregado daquele, B denunciante, até uma travessa em frente da padaria. O arguido exibiu o seu cartão do serviço, revelou a sua identidade de agente da Polícia e ordenou ao denunciante que levantasse as mãos, ficasse de cara para a parede e ajoelhasse, e em seguida revistou o seu corpo.
   2. Tendo revistado o corpo do denunciante, o arguido ordenou-lhe que baixasse os braços, em seguida pegou as algemas, algemou as mãos daquele atrás das costas, e obrigou o denunciante a ajoelhar-se no chão, com a cara virada para a parede, e só o libertou das algemas depois de uns 10 minutos.
   3. A fim de obrigar o denunciante a confessar que tinha ameaçado o seu patrão, o arguido levou-o, à força, para a casa de banho da padaria onde agrediu-o.
   Feita uma análise dos referidos factos provados em conjugação com os materiais de provas constantes dos autos, temos as seguintes conclusões: Ao praticar os actos acima referidos sem permissão da lei, o arguido abusou obviamente a força e o poder funcional, além disso, tratou desumanamente o denunciante, causando-lhe grave ofensa ao seu pudor e grande prejuízo ao nome e à imagem da Directoria da Polícia judiciária.
   No que diz respeito à responsabilidade disciplinar, o arguido cometeu infracções disciplinares graves previstas pelo artigo 315°, n.º 2, alíneas a) e c) do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau (ETAPM), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 87/89/M de 21 de Dezembro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 62/98/M de 28 de Dezembro e pelo artigo 51°, alínea a) do Decreto-Lei n.º 27/98/M de 29 de Junho, violando as obrigações gerais previstas pelo artigo 279°, n.º 1 e n.º 2, alíneas b) e c) do mesmo ETAPM e as obrigações especiais que os investigadores e auxiliares de investigação criminal devem obedecer previstas pelo artigo 48°, alíneas b), f) e g) do Decreto-Lei n.º 27/98/M de 29 de Junho. In casu, aplicam-se as circunstâncias agravantes previstas pelo artigo 283°, n.º 1, alíneas e) e i) do ETAPM.
   Ponderada a personalidade do arguido, a gravidade e motivação da infracção, e o grau de culpa do arguido, decidi aplicar, no uso da competência conferida pelo Regulamento Administrativo n.º 6/1999, artigo 4°, e pela Ordem Executiva n.º 13/2000, e nos termos do disposto no artigo 322º do ETAPM, a punição de demissão ao auxiliar de Investigação Criminal da Directoria da Polícia Judiciária, A”.
Este é o acto recorrido.

III – O Direito

1. Delimitação do objecto do recurso
São as seguintes as questões a ser apreciadas:
- Se o acto recorrido não considerou as circunstâncias atenuantes previstas nas alíneas c), g) e h) do art. 282.º do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau, doravante designado por ETAPM;
- Se houve violação do disposto no art. 315.º, n.º 2, alíneas a) e c) do ETAPM;
- Se a conduta do recorrente, a eventual violação de deveres funcionais e a sua diminuta culpa não impede a manutenção da relação funcional;
- Se o acto recorrido violou o princípio da proporcionalidade na aplicação da pena de demissão;
- Se o acto recorrido enferma de falta de fundamentação de facto e de direito.
Não se conhecem dos demais vícios suscitados na alegação do recorrente, pelos seguintes motivos:
- No que concerne às questões relativas à matéria de facto, este Tribunal não tem poder de cognição relativamente às mesmas.
Na verdade, como se disse nos Acórdãos de 23 de Abril de 2003 e de 24 de Março de 2004, respectivamente, nos Processos n. os 6/2003 e 5/2004, no contencioso administrativo, em recurso jurisdicional correspondente a segundo grau de jurisdição, o Tribunal de Última Instância (TUI) apenas conhece de matéria de direito, nos termos do art. 152.º do Código de Processo Administrativo Contencioso. Não obstante, o TUI pode apreciar se houve ofensa de disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.
   Não tendo sido imputada, ao acórdão recorrido, violação de norma deste tipo, não se conhecerá das questões suscitadas.

- No que toca às restantes questões, porque o recorrente não as suscitou no recurso contencioso.
 De facto, disse-se nos acórdãos de 27 de Novembro e 6 de Dezembro de 2002, respectivamente nos Processos n. os 12/2002 e 17/2002, que os recursos jurisdicionais visam a impugnação das decisões da 1.ª instância e não obter nova decisão sobre a questão suscitada – por isso, em princípio, não pode conhecer-se no recurso matéria que não tenha sido alegada na primeira instância, 1 com a excepção de questões de conhecimento oficioso.2
Não estando em causa vícios do acto administrativo a que caiba a sanção da nulidade – matéria de conhecimento oficioso – não se conhecerá de tais questões.

2. Circunstâncias atenuantes
   Trata-se de saber se o acto recorrido não considerou as circunstâncias atenuantes previstas nas alíneas c), g) e h) do art. 282.º do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau, doravante designado por ETAPM.
   São estas:
   c) A prestação de serviços relevantes ao Estado e ao Território;
   g) A falta de intenção dolosa;
   h) Os diminutos efeitos que a falta tenha produzido em relação aos serviços ou a terceiros.
   Tem razão o recorrente ao dizer que o acto recorrido não considerou as circunstâncias alegadas.
   Mas não tinha que as considerar porque as mesmas não se mostram verificadas.
   Quanto à alegada prestação de serviços relevantes ao Estado e ao Território, a mesma não se provou.
   Não há falta de intenção dolosa. Os factos foram praticados voluntária e intencionalmente pelo arguido.
   Os efeitos que a falta tenha produzido em relação aos serviços ou a terceiros não são diminutos. Antes pelo contrário, a prática policial contra os direitos humanos são – quando é o caso – justamente censurados pela opinião pública. Ora, o acto do recorrente é o tipo de actuação mais verberada às forças policiais: abuso de poder, sequestro e agressão contra detido, ainda por cima, detido ilegalmente.
   
   3. Agressão, tortura, tratos desumanos
    Imputa o recorrente ao acto recorrido violação do disposto no art. 315.º, n.º 2, alíneas a) e c) do ETAPM.
   Dispõe o art. 315.º:
“Artigo 315.º
(Aposentação compulsiva)
   1. As penas de aposentação compulsiva ou de demissão serão aplicáveis, em geral, às infracções que inviabilizem a manutenção da situação jurídico-funcional.
   2. As penas referidas no número anterior serão aplicáveis aos funcionários e agentes que, nomeadamente:
    a) agredirem, injuriarem ou desrespeitarem gravemente superior hierárquico, colega, subordinado ou terceiro, nos locais de serviço ou em serviço;
    ...
    c) no exercício das suas funções praticarem actos manifestamente ofensivos das instituições e princípios constitucionais;
   ...”.
   Ora, o recorrente agrediu terceiro (“a fim de obrigar o denunciante a confessar que tinha ameaçado o seu patrão, o arguido levou-o, à força, para a casa de banho da padaria onde agrediu-o”), o que integra expressamente o disposto na alínea a).
   Tendo o recorrente procedido a detenção ilegal, a tortura (agressão a fim de obter confissão) e tratos desumanos (“tendo revistado o corpo do denunciante, o arguido ordenou-lhe que baixasse os braços, em seguida pegou as algemas, algemou as mãos daquele atrás das costas, e obrigou o denunciante a ajoelhar-se no chão, com a cara virada para a parede, e só o libertou das algemas depois de uns 10 minutos”), teve conduta violadora do disposto no art. 28.º da Lei Básica da Região, nos termos do qual a liberdade pessoal dos residentes de Macau é inviolável. Nenhum residente pode ser sujeito a captura, detenção e prisão arbitrárias ou ilegais. ... Nenhum residente pode ser submetido a tortura ou a tratos desumanos.
   Entende-se que a sua conduta constituiu acto manifestamente ofensivo das instituições e princípios constitucionais no exercício das suas funções.
   Improcede o mencionado vício.
   
   4. Infracção inviabilizadora da manutenção da situação jurídico-funcional. Princípio da proporcionalidade
   
   Importa apurar se a conduta do recorrente, a eventual violação de deveres funcionais e a sua culpa não impede a manutenção da relação funcional.
   E se o acto recorrido violou o princípio da proporcionalidade na aplicação da pena de demissão.
   Sobre estas questões, reflectimos o seguinte no Acórdão de 15 de Outubro de 2003, Processo n.º 26/2003:
   “Relativamente ao preenchimento da cláusula geral de inviabilidade da manutenção da relação funcional tem-se entendido que ela constitui tarefa da Administração a concretizar por juízos de prognose efectuados a que há que reconhecer uma ampla margem de decisão.
   Como referimos no Acórdão de 3 de Maio de 2000, no Processo n.º 9/2000, 3a prognose é um raciocínio através do qual se avalia a capacidade para uma actividade futura, se imagina a evolução futura de um processo social ou se sopesa a perigosidade de uma situação futura.
   ANA FERNANDA NEVES, 4 conclui que “O poder de acertamento da sanção é um poder discricionário da Administração, cujo controlo judicial do seu exercício já não é questionável, nem reduzido ao (inoperativo) desvio de poder e ao erro manifesto de apreciação, entendido que está hoje, aos seus limites intrínsecos, os princípios gerais da actividade administrativa, como os princípios da igualdade, da justiça, da imparcialidade e da proporcionalidade”.
   A propósito do princípio da proporcionalidade e da fiscalização que os tribunais podem fazer da actividade da Administração neste domínio, dissemos o seguinte no já mencionado acórdão de 3 de Maio de 2000:5
   “O CPA prevê o princípio da proporcionalidade no seu art. 5.º, n.º 2, estabelecendo que «as decisões da Administração que colidam com direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares só podem afectar essas posições em termos adequados e proporcionais aos objectivos a realizar».
   Não cabe aqui fazer a história da génese do princípio ou a sua fundamentação filosófica.
   Como refere VITALINO CANAS6 o princípio da proporcionalidade só poderá aplicar-se na apreciação de comportamentos em que o autor goze de uma certa margem de escolha.
   A doutrina tem dissecado o princípio em três subprincípios, da idoneidade, necessidade e proporcionalidade, em sentido estrito, ou de equilíbrio.
   A avaliação da idoneidade de uma medida é meramente empírica, podendo sintetizar-se na seguinte pergunta: a medida em causa é capaz de conduzir ao objectivo que se visa?
   Aceitando-se que uma medida é idónea, passa a verificar-se se é necessária.
   O centro das preocupações desloca-se para a ideia de comparação. Enquanto na máxima da idoneidade se procurava a certificação de uma relação causal entre um acto de um certo tipo e um resultado que se pretende atingir, na máxima da necessidade a operação central é a comparação entre uma medida idónea e outras medidas também idóneas. O objectivo da comparação será a escolha da medida menos lesiva.
   «A aferição da proporcionalidade, em sentido estrito, põe em confronto os bens, interesses ou valores perseguidos com o acto restritivo ou limitativo, e os bens, interesses ou valores sacrificados por esse acto. Pretende-se saber, à luz de parâmetros materiais ou axiológicos, se o sacrifício é aceitável, tolerável. Para alguns, esta operação assemelha-se externamente à análise económica dos custos/benefícios de uma decisão. Se o custo (leia-se o sacrifício de certos bens, interesses ou valores) está numa proporção aceitável com o benefício (leia-se a satisfação de certos bens, interesses ou valores) então a medida é proporcional em sentido estrito»7 8.
   O CPA determina no art. 6.º9 que«no exercício da sua actividade, a Administração Pública deve tratar de forma justa e imparcial todos os que com ela entrem em relação».
   Temos também entendido que a intervenção dos tribunais na sindicância do respeito pelo princípio da proporcionalidade só é utilizável quando seja evidente a desproporção entre os factos e a decisão, quanto às decisões que, de um modo intolerável, o violem.
   Por isso, o CPAC, no seu art. 21.º, n.º 1, alínea d), a respeito dos fundamentos do recurso contencioso refere-se ao “erro manifesto ou à total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários.
   Quer dizer, não cabe ao juiz efectuar um juízo sobre a situação concreta pondo-se no lugar da entidade administrativa competente. Até porque o juiz não tem nem a sensibilidade, nem a informação sobre todos os dados do problema. O juiz não é um administrador. Cabe-lhe apenas verificar se o poder utilizado pela Administração foi manifestamente desajustado.
   E a resposta é negativa. Não parece que a opção da Administração seja desrazoável. Os factos praticados foram efectivamente muito graves e a culpa do agente não se pode considerar diminuta.
   Acresce que, quando praticou os factos dos autos, o recorrente encontrava-se no período de suspensão de outra pena disciplinar com que tinha sido punido com multa.
   Por outro lado, não repugna admitir que naqueles Serviços – como é o caso das forças policiais – em que a disciplina rigorosa dos funcionários é essencial, na aplicação das penas expulsivas seja de reconhecer uma margem de decisão, porventura superior à de outros Serviços, em que se não verifiquem as mesmas necessidades funcionais.
   Com base nestes pressupostos, não é possível fazer um juízo negativo sobre a conclusão da Administração de que a infracção inviabilizava a manutenção da situação jurídico-funcional.
   
   5. Falta de fundamentação
   Vejamos, por fim, se o acto recorrido enferma de falta de fundamentação de facto e de direito.
   Não se subscreve a tese do recorrente. O acto recorrido esclarece quais os factos em que a decisão se baseia. Nesta matéria não podem subsistir dúvidas, nem o recorrente o afirma sequer. Quanto à fundamentação jurídica, o acto recorrido integra os factos na norma que prevê a agressão corporal em serviço e que prevê a prática de actos manifestamente ofensivos das instituições e princípios constitucionais, no exercício das suas funções. Sobre esta matéria já nos pronunciámos, designadamente, quanto ao acerto da qualificação jurídica. Refere-se como circunstância agravante os antecedentes disciplinares do arguido, ainda no decurso de suspensão de anterior pena disciplinar. Faz-se uma apreciação da conduta do arguido e das suas consequências para o nome e imagem da Polícia judiciária.
   Entende-se que é o suficiente, para dar a conhecer ao interessado e a terceiros as razões da punição, enfim, a motivação do acto. Pelo que este não enferma de falta de fundamentação.
   
   IV - Decisão
   Face ao expendido, negam provimento ao recurso jurisdicional.
   Custas pelo recorrente, fixando a taxa de justiça em 6 UC.
   
   Macau, 29 de Junho de 2005.
   
   Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) - Sam Hou Fai - Chu Kin
   
Fui presente:
Song Man Lei
      1 J. C. VIEIRA DE ANDRADE, A Justiça Administrativa (Lições), Almedina, Coimbra, 2.ª ed., 1999, p. 197.
      2 A. RIBEIRO MENDES, Os Recursos no Código de Processo Civil Revisto, Lex, Lisboa, 1998, p. 55. No mesmo sentido, cfr. J. CASTRO MENDES, Direito Processual Civil, Vol. III, Recursos e Acção Executiva, AAFDL, Lisboa, p. 21 e segs. e M. TEIXEIRA DE SOUSA, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, Lisboa, 1997, 2.ª ed., p. 373 a 375 e 395 a 397.
3 Acórdãos do Tribunal da Última Instância da R.A.E.M., 2000, p. 353, citando J. M. SÉRVULO CORREIA, Legalidade e Autonomia Contratual nos Contratos Administrativos, Coimbra, Livraria Almedina, 1987, p. 119.
4 ANA FERNANDA NEVES, O princípio da tipicidade no direito disciplinar da função pública, em Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 32, p. 27, em anotação ao acórdão de 19 de Março de 1999 do Supremo Tribunal Administrativo.
5 Processo n.º 9/2000, Acórdãos do Tribunal da Última Instância da R.A.E.M., 2000, p. 346 e 349.
6 VITALINO CANAS, Princípio da Proporcionalidade, in Dicionário Jurídico da Administração Pública, vol VI, Lisboa, 1994, p. 616, que se seguirá de perto na exposição subsequente.
7 VITALINO CANAS, ob. cit., p. 628.
8 Sobre o emprego no princípio da proporcionalidade da contabilização custos-benefícíos (ou vantagens) pelo Conselho de Estado francês, cfr. J. M. SÉRVULO CORREIA, ob. cit., p. 75, que enumera, a p. 114 e segs. da mesma obra, os elementos do princípio em termos semelhantes aos traçados acima.
9 Referia-se ao Código de 1994. No actual Código a norma consta do art. 7.º
---------------

------------------------------------------------------------

---------------

------------------------------------------------------------




36
Processo n.º 15/2005