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Processo nº 742/2011 Data: 01.12.2011
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Pedido de indemnização civil em processo penal.
Prazo para a sua dedução.


SUMÁRIO

1. Se o lesado não manifestou no processo o propósito de deduzir pedido de indemnização civil, pode deduzir tal pedido no prazo de 10 dias a contar da notificação do despacho de pronúncia ou, se o não houver, do despacho que designa dia para a audiência.

2. Se o pedido só vem a ser deduzido após decorrido tal prazo, e sendo o mesmo peremptório, correcta é a decisão da sua não admissão.



O relator,

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José Maria Dias Azedo








Processo nº 742/2011
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. A (XXX), com os sinais dos autos, vem recorrer do despacho proferido pelo Mmo Juiz do T.J.B. que declarou extemporâneo o pedido de indemnização civil que deduziu nos presentes autos.

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Motivou para, a final, oferecer as conclusões seguintes:

“(…)
5- O presente recurso tem por objecto o despacho de 15-09-2011 que indeferiu, por alegada extemporraneidade, o pedido de indemnização civil formulado pelo recorrente contra os 3 arguidos, bem como o desentranhamento da referida peça e sua devolução.
6- Imputa o ora recorrente o despacho que ora se impugna o vício de violação de lei, por errónea interpretação e aplicação das normas constantes dos artigos 64.°, n.° 1, e 66.°, n.os 1, 2, e 3, ambos do Código de Processo Penal de Macau, com base numa errónea apreciação dos factos que serviram como seu fundamento e decisão.
7- O despacho recorrido constrói a sua tese com base no facto de que embora o recorrente tenha prestado declarações nos autos a fls. 10 e 26, nas suas declarações que prestou apenas se limitou em afirmar perante a autoridade de que desejava queixa e procedimento "criminal" contra os seus agressores. E, assim, uma vez que o recorrente não declarou de forma clara e inequívoca que desejaria "procedimento civil" contra os seus agressores, então, nesta fase de preparação de julgamento, a secretaria do Tribunal não tinha a obrigação legal de cumprir ou accionar o cumprimento da norma constante do artigo 66.°, n,° 2, do CPPM. Nesse seu critério, aplicável seria a norma do n.° 3 do artigo 66.° do CPPM.
8- Tal raciocínio subjacente ao despacho recorrido seria viável e aceitável se estivesse fundamentado numa situação fáctica clara e inequívoca. Todavia, tal não é o caso “sub judice”.
9- O recorrente quando foi agredido era um jovem estudante no estrangeiro, na altura aqui se permanecendo apenas em breve período de férias do Ano Novo Chinês Lunar. Tinha apenas pouco mais de 18 anos à data dos factos.
10- Quando prestou as suas declarações na Polícia declarou que desejava procedimento legal contra os seus agressores. E esta declaração de vontade significava que desejaria todo e qualquer procedimento legalmente passível contra os agressores que desconhecia e que o agrediu na noite dos factos.
11- Quando afirmou perante a Polícia que desejaria procedimento contra os agressores, queria significar o seguinte: “追究責任”.
12- O recorrente na altura exprimiu tal verbalmente, e confiou que o polícia que lhe tomou declarações soube traduzir correctamente esta sua declaração de vontade no respectivo auto de declarações.
13- Mas, infelizmente, tal não acontecera. Mas não por vontade ou falta de vontade do recorrente. A escolha de caracteres chineses no auto coube apenas e exclusivamente ao polícia.
14- Estamos, pois, perante uma situação em que a declaração da vontade expressa nos autos não corresponde inteira e cabalmente à declaração de vontade verbalmente manifestada pelo recorrente perante o agente policial que lhe tomou as declarações.
15- Assim, havendo tal discrepância, deve prevalecer a genuína declaração de vontade verbalmente manifestada pelo recorrente.
16- No âmbito dos presentes autos, em distintos momentos processuais, a autoridade judiciária competente ou o órgão de polícia criminal ao tomar declarações ao recorrente não cumpriu a norma constante do artigo 64.°, n.° 1, do Código de Processo Penal de Macau, não tendo informado o recorrente da possibilidade de o fazer valer (deduzir pedido de indemnização civil no processo penal e das formalidades a observar.

17- Correctamente apreciado e interpretado os factos, deverá considerar-se que o recorrente na altura, em sede própria, manifestou a sua vontade no procedimento legal contra os seus agressores, o que inclui o procedimento civil contra os seus agressores.
18- Assim, não tendo sido notificado anteriormente quando devia, e tendo o processo chegado ao Tribunal para efeitos de saneamento e marcação da data de julgamento, a secretaria do Tribunal, ao notificar o arguido do despacho de pronúncia ou, se não o houver, do despacho que designa dia para a audiência, deveria também e em separado ter notificado igualmente o recorrente para, em 10 dias, deduzir o seu pedido de indemnização civil, assim se cumprindo a norma do artigo 66.°, n.° 2, do CPPM, que deveria ser aplicado “in casu”,.
19- A notificação feita postalmente ao recorrente para comparecer ao tribunal na data designada para a audiência a fim de depor como testemunha sob pena de multa não vale e não pode ser equiparada à notificação em falta para efeitos de, querendo, deduzir pedido civil em 5 (ou agora, 10) dias. São dois actos processuais completamente distintos com escopo diferente.
20- Não tendo ainda o recorrente sido notificado para em 5 (ou agora, 10) dias, querendo, deduzir pedido, no dia 7 de Setembro de 2011 quando formulou o seu pedido de indemnização civil, nos termos do segmento normativo final do n.° 2 do artigo 66.° do CPPM, tal pedido assim formulado era legal e tempestivo. Deveria ter sido admitido, e orndenado os ulteriores trâmites.
21- Agindo diversamente, julgando o referido pedido extemporâneo, não o admitindo, o despacho recorrido violou a lei, errando na interprestação e aplicação das diversas normas constantes dos artigos 64.°, n.° 1, e 66.°, n.os 1, 2 e 3, ambos do Código de Processo Penal de Macau que assim fez tábua rasa”; (cfr., fls. 269 a 279 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

*

Sem resposta, e admitido o recurso, vieram os autos a este T.S.I..

*

Cumpre conhecer.

Fundamentação

2. Vem A recorrer do despacho proferido pelo Mmo Juiz do T.J.B. que declarou extemporâneo o pedido de indemnização civil que deduziu nos presentes autos.

Afirma que a decisão objecto do seu recurso padece do “vício de violação de lei, por errónea interpretação e aplicação das normas constantes dos artigos 64.°, n.° 1, e 66.°, n.os 1, 2, e 3, ambos do Código de Processo Penal de Macau, com base numa errónea apreciação dos factos que serviram como seu fundamento e decisão”; (cfr., concl. 6ª).

Nos termos do art. 64° do C.P.P.M.:

“1. No primeiro acto em que intervier no processo penal pessoa que se saiba ter legitimidade para deduzir pedido de indemnização civil, deve ela ser informada pela autoridade judiciária, ou pelo órgão de polícia criminal, da possibilidade de o fazer valer no processo penal e das formalidades a observar.

2. Quem tiver legitimidade para deduzir pedido de indemnização civil pode manifestar, no processo, o propósito de o fazer, até ao encerramento do inquérito”.

E estatui o art. 66° do mesmo C.P.P.M.:

“1. Quando apresentado pelo Ministério Público ou pelo assistente, o pedido de indemnização civil é deduzido na acusação ou no prazo em que esta deve ser formulada.

2. Se, fora dos casos previstos no número anterior, o lesado tiver manifestado no processo o propósito de deduzir pedido de indemnização, nos termos do n.º 2 do artigo 64.º, a secretaria, ao notificar o arguido do despacho de pronúncia ou, se o não houver, do despacho que designa dia para a audiência, notifica igualmente o lesado para, em 5 dias, deduzir o pedido.

3. Nos restantes casos, o lesado pode deduzir o pedido até 5 dias depois de ao arguido ser notificado o despacho de pronúncia ou, se o não houver, do despacho que designa dia para a audiência.

4. O pedido é deduzido em requerimento articulado e é acompanhado de duplicados para os demandados e para a secretaria.

5. O requerimento a solicitar a intervenção do tribunal colectivo só pode ter lugar:

a) Quando apresentado pelo Ministério Público ou pelo assistente, conjuntamente com o pedido de indemnização civil;

b) Nos restantes casos, até 5 dias após a notificação ao arguido do despacho de pronúncia ou, se o não houver, da acusação”.

Constatando-se que o pedido de indemnização civil foi apresentado após decorrido o prazo previsto no n.° 3 do art. 66° que se deixou transcrito – e que, por força do art. 6°, n.° 2 do D.L. n.° 55/99/M de 18.10, é, hoje, de 10 dias – declarou-o o Mmo Juiz do T.J.B. extemporâneo, e, como tal, não o admitiu.

Ponderando no teor da decisão recorrida, (cfr., fls. 241 a 242), no ora afirmado pelo recorrente e no previsto nos normativos pelo mesmo invocados, cremos que nenhuma censura merece a dita decisão.

Com efeito, a não observância do “dever de informação” consagrado no art. 64°, constitui uma mera “irregularidade processual”, atento o regime estatuído no preceituado nos art.°s 105° a 110°, (sobre as “nulidades” e “irregularidades processuais” ).

E, nesta conformidade, face à falta da sua oportuna arguição, evidente é que há muito que sanada está.

Por sua vez, dos autos resulta apenas que o ora recorrente quando ouvido, declarou apenas pretender “procedimento criminal”, não se acolhendo aqui o que o mesmo alega quanto à sua falta de esclarecimento ou dúvidas do que declarou, pois que também para nós se constata que aquela foi a sua pretensão; (cfr., fls. 8 a 9 e 24 a 26).

E, assim sendo, em causa estando o n.° 3 do art. 66°, outra solução não existe que não seja a adoptada pelo Mmo Juiz a quo, pois que o prazo (de 10 dias) aí previsto para a dedução do pedido de indemnização civil em processo penal é peremptório, e decorrido estava aquando da apresentação do pedido em questão pelo ora recorrente.

Outra questão não havendo a apreciar, resta decidir.

Decisão

3. Face ao que se tentou deixar esclarecido, em conferência, acordam negar provimento ao recurso.

Custas pelo recorrente.

Macau, aos 1 de Dezembro de 2011
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa
Proc. 742/2011 Pág. 12

Proc. 742/2011 Pág. 13