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Processo n.º 511/2011 Data do acórdão: 2011-11-24
(Autos de recurso penal)
  Assuntos:
  – art.o 8.o, n.o 1, da Lei n.o 17/2009, de 10 de Agosto
  – tráfico de estupefaciente
  – prevenção geral do crime
  – medida da pena
  – atenuação especial da pena
S U M Á R I O
1. Não se pode atenuar especialmente a pena, se não se vislumbra qualquer circunstância capaz de diminuir acentuadamente a ilicitude dos factos praticados, a culpa do agente na prática desses factos, ou a necessidade da pena.
2. Ante todos os elementos fácticos dados por provados pela Primeira Instância, e sob a égide sobretudo dos art.os 40.o, n.os 1 e 2, e 65.o do vigente Código Penal, a pena de quatro anos de prisão, aí imposta ao 2.o arguido recorrente para o crime de tráfico de estupefaciente, do art.o 8o, n.o 1, da Lei n.o 17/2009, de 10 de Agosto, já não admite mais margem para redução, precisamente porque não obstante a ausência de antecedentes criminais e a confissão integral e sem reservas dos factos, são muito elevadas as exigências de prevenção, pelo menos, geral deste crime.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 511/2011
(Autos de recurso penal)
Recorrentes: A (XXX) e B (XXX)


ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Inconformados com o acórdão proferido a fls. 227 a 241 dos autos de Processo Comum Colectivo n.° CR2-10-0235-PCC do 2.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, que os condenou igualmente como co-autores de um crime consumado de tráfico ilícito de estupefacientes, de um crime consumado de consumo ilícito de estupefacientes, e de um crime consumado de detenção indevida de utensílio, respectivamente p. e p. pelos art.os 8.o, n.o 1, 14.o e 15.o da Lei n.o 17/2009, de 10 de Agosto, vieram o 1.o arguido A e o 2.o arguido B, aí já melhor identificados, recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI).
Colocou o 1.o arguido A, concreta e materialmente nas conclusões da sua motivação (apresentada a fls. 269 a 275 dos presentes autos correspondentes), as seguintes questões como objecto do seu recurso:
– a alegada omissão, no texto da decisão recorrida, da especificação de fundamentos que levaram à escolha e à medida da sanção aplicada, ao arrepio do art.o 356.o, n.o 1, do Código de Processo Penal de Macau (CPP), porquanto o Tribunal recorrido se limitou a indicar o art.o 65.o do Código Penal de Macau (CP) (o que inviabiliza qualquer juízo crítico quanto à forma como foram valoradas na decisão a culpa do agente e as exigências de prevenção criminal, o grau de ilicitude, o modo de execução, a gravidade das consequências, o grau de violação dos deveres impostos, a intensidade do dolo, os sentimentos manifestados, a sua motivação, as suas condições pessoais e económicas, o comportamento anterior e posterior e demais circunstancialismo apurado);
– e a esgrimida violação, pelo Tribunal a quo, do art.o 65.o do Código Penal de Macau (CP), ao não ter fixado uma pena mais próxima do mínimo (atentos a confissão, por ele, integral e sem reservas dos factos, o seu grande arrependimento demonstrado na audiência de julgamento então realizada, e demais circunstâncias pessoais dele), mas já ter aplicado uma pena mais leve ao 2.o arguido.
Enquanto o 2.o arguido B, insatisfeito tão-só com a pena de quatro anos de prisão achada pelo Tribunal a quo para o seu crime de tráfico de estupefacientes, pretendeu somente (na sua motivação de fls. 259 a 267) a atenuação especial (nos termos do art.o 66.o, n.o 2, alíneas c) e d) do CP) ou, pelo menos, a redução (à luz do art.o 65.o, n.o 2, alíneas c), d) e e) do mesmo Código) da sua pena de prisão imposta no acórdão recorrido para o crime de tráfico de estupefacientes, no sentido de passar ele a ser condenado numa pena de prisão igual ou inferior a três anos e seis meses, com subsequente novo cúmulo das penas.
Sobre estes dois recursos, opinou o Ministério Público (na sua resposta una apresentada a fls. 278 a 281) que devia ser mantido o julgado, para além de suscitar, entretanto, a extemporaneidade do recurso do 1.o arguido.
Subidos os autos, afirmou o Digno Procurador-Adjunto, em sede de vista (dada a fl. 290), a sua adesão à posição vertida na dita resposta aos recursos.
Notificado para se pronunciar, querendo, sobre a questão prévia da eventual extemporaneidade do seu recurso, o 1.o arguido ficou silente (cfr. o processado de fls. 290v a 293v, a contrario sensu).
Concluído o exame preliminar (a fl. 300) com relegação da referida questão prévia para a sede final, corridos os vistos, e com audiência já feita nesta Segunda Instância, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Com pertinência à solução, é de atender aos seguintes elementos constantes dos autos:
Em 24 de Junho de 2011, foi lido o acórdão ora recorrido, condenatório:
– do 1.o arguido presente A:
– pela co-autoria de um crime consumado de tráfico ilícito de estupefacientes do art.o 8.o, n.o 1, da Lei n.o 17/2009, de 10 de Agosto, na pena de cinco anos de prisão;
– pela co-autoria de um crime consumado de consumo ilícito de estupefacientes do art.o 14.o dessa Lei, na pena de um mês de prisão;
– e pela co-autoria de um crime consumado de detenção indevida de utensílio do art.o 15.o da mesma Lei, na pena de um mês de prisão;
– e em cúmulo jurídico dessas três penas parcelares, na pena única de cinco anos e um mês de prisão;
– e do 2.o arguido presente B:
– pela co-autoria de um crime consumado de tráfico ilícito de estupefacientes do art.o 8.o, n.o 1, da Lei n.o 17/2009, na pena de quatro anos de prisão;
– pela co-autoria de um crime consumado de consumo ilícito de estupefacientes do art.o 14.o dessa Lei, na pena de um mês de prisão;
– e pela co-autoria de um crime consumado de detenção indevida de utensílio do art.o 15.o da mesma Lei, na pena de um mês de prisão;
– e em cúmulo jurídico dessas três penas, na pena única de quatro anos e um mês de prisão.
Em 25 de Junho de 2011, o 1.o arguido A, dentro do Estabelecimento Prisional de Macau, escreveu uma carta (ora constante de fl. 253) dirigida ao Tribunal para pedir a interposição do recurso.
Em 27 de Junho de 2011, o Estabelecimento Prisional de Macau enviou essa carta ao Tribunal Judicial de Base (cfr. o processado a fl. 252).
Em 28 de Junho de 2011, foi dada a entrada dessa carta no Tribunal Judicial de Base (cfr. o mesmo processado a fl. 252).
Em 29 de Junho de 2011, a Secção de Processos do Tribunal a quo enviou carta registada à Exm.a Defensora Oficiosa do 1.o arguido, para efeitos de notificação da dita carta do arguido (cfr. o processado a fls. 254 a 254v).
Em 5 de Julho de 2011, foi apresentada a motivação do recurso em nome do 1.o arguido A (cfr. o processado a fls. 269 a 275).
Outrossim, como não vem impugnada a matéria de facto já descrita como provada na fundamentação fáctica do acórdão da Primeira Instância, é de considerar a mesma como totalmente reproduzida no presente acórdão de recurso, nos termos do art.o 631.o, n.o 6, do Código de Processo Civil vigente, ex vi do art.o 4.o do CPP, segundo a qual:
– pelo menos a partir do dia 1 de Abril de 2010, em conjugação de esforços e com distribuição de tarefas, o 1.o arguido A e o 2.o arguido B começaram a dedicar-se à actividade de tráfico de estupefacientes, especialmente na venda de Ketamina e Cocaína a terceiros;
– o 1.o arguido A foi encontrado em flagrante delito em 8 de Abril de 2010, cerca da zero hora e dez minutos, pela Polícia Judiciária, como detentor, nas suas cuecas, de 2,376 gramas líquidos de Ketamina, e 0,802 gramas líquidos de Cocaína, subtâncias todas essas adquiridas por ele e pelo 2.o arguido, e na altura transportadas por ele (1.o arguido) para serem vendidas e fornecidas a terceiros;
– pela zero hora e trinta minutos do mesmo dia 8 de Abril de 2010, os agentes da Polícia Judiciária detiveram o 2.o arguido B que se preparava a entrar numa fracção autónoma;
– pela zero hora e trinta e cinco minutos, os agentes da Polícia Judiciária descobriram num quarto dessa fracção autónoma (onde os dois arguidos guardavam as substâncias estupefacientes) diversos produtos contendo 2,620 gramas líquidos de Ketamina, 2,006 gramas líquidos de Cocaína, 1,129 gramas líquidos de Cocaína, 0,155 grama líquido de Ketamina, e 3,485 gramas líquidos de Ketamina, todos adquiridos pelos arguidos com o intuito de vender e fornecer a terceiros;
– cerca de uma hora do mesmo dia, os agentes da Polícia Judiciária descobriram num quarto de uma outra fracção autónoma (onde os dois arguidos guardavam também as substâncias estupefacientes) 0,102 grama líquido de Ketamina, e um líquido em 70ml contendo Cocaína, adquiridos pelos arguidos para consumo pessoal dos dois;
– os dois arguidos são delinquentes primários.
Por outro lado, do teor da acta da audiência em julgamento em primeira instância (lavrada a fls. 218 a 221), resulta que os dois arguidos confessaram de modo integral e sem reservas os factos.
Na parte da fundamentação jurídica do acórdão recorrido, escreveu-se o seguinte: <> (cfr. o teor literal da página 26 desse aresto, ora a fl. 239v).
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cumpre notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Assim sendo, é de conhecer, para já, da questão prévia suscitada pelo Ministério Público, relativa à alegada extemporaneidade do recurso do 1.º arguido A, cuja eventual procedência obstaria ao conhecimento do objecto do recurso deste.
Perante os dados processuais acima coligidos, e no seguimento da jurisprudência constante do Venerando Tribunal de Última Instância nesta matéria (i.e., nos doutos Acórdãos de 15/10/2008 do Processo n.o 35/2008 e de 24/3/2010 do Processo n.o 3/2010), é evidente que no dia em que foi apresentada a motivação do recurso do 1.o arguido, já decorreu o prazo legal de dez dias para o efeito, pelo que não se pode admitir esse recurso.
E agora no concernente ao recurso do 2.o arguido B, é de decair desde logo a sua pretensão de atenuação especial da pena, porquanto não se vislumbra qualquer circunstância em seu favor capaz de diminuir acentuadamente a ilicitude dos factos praticados, a culpa dele na prática desses factos, ou a necessidade da pena.
Na verdade, a confissão integral e sem reservas dos factos não pode ter grande valor atenuativo, atendendo ao facto de que as substâncias estupefacientes em questão foram descobertas pela Polícia Judiciária nas duas fracções dos autos, sendo por outro lado certo que a falta de antecedentes criminais e o alegado sincero arrependimento também pouco valor têm para a pretendida atenuação especial da pena, tendo em conta que são muito elevadas as exigências da prevenção geral do crime de tráfico, ante todas as circunstâncias fácticas já apuradas pelo Tribunal recorrido.
Por fim, no respeitante à também rogada diminuição da pena achada pelo Tribunal a quo ao crime de tráfico deste 2.o arguido, é também de negar-lhe a razão, porque ante todos os elementos fácticos provados pertinentes já referidos na parte II do presente acórdão de recurso, e sob a égide sobretudo dos art.os 40.o, n.os 1 e 2, e 65.o do CP, a pena de quatro anos de prisão, imposta ao 2.o arguido pelo Tribunal recorrido dentro da moldura de três a quinze anos de prisão, prevista pelo art.o 8o, n.o 1, da Lei n.o 17/2009, para o crime de tráfico de estupefacientes por que ele vinha condenado, já não admite, realmente, mais margem para redução, precisamente porque não obstante a ausência de antecedentes criminais e a confissão integral e sem reservas dos factos, são, frisa-se, muito elevadas as exigências de prevenção, pelo menos, geral deste crime.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em não admitir o recurso, por extemporâneo, do 1.o arguido A, e negar provimento ao recurso do 2.o arguido B, com consequente manutenção do julgado da Primeira Instância.
Pagará o 1.o arguido uma UC de taxa de justiça devido à extemporaneidade do seu recurso, e seiscentas patacas de honorários a cada uma das duas Exm.as Defensoras Oficiosas sucessivas suas, a adiantar pelo Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância.
E pagará o 2.o arguido as custas do seu recurso, com quatro UC de taxa de justiça.

Macau, 24 de Novembro de 2011.
__________________________
Chan Kuong Seng
(Relator)
(Com a declaração de que tem a seguinte opinião diversa sobre o tratamento do recurso do 1.o arguido A, apesar de concordar com o desfecho dos presentes autos recursórios, consistente na manutenção do julgado da Primeira Instância:
Perante os dados processuais já coligidos na parte II do acórdão que antecede, conjugados com a consabida existência de um controlo rigoroso das correspondências postais dos presos ou reclusos no Estabelecimento Prisional de Macau, e estando em causa o sistema de Defesa Oficiosa, seria de configurar uma situação de justo impedimento no decurso do prazo legal de dez dias para apresentação da motivação do recurso do 1.o arguido. Na verdade, não se deveria contar o período de tempo entretanto gasto no “vaivém” daquela carta de manifestação de vontade do recurso, escrita pelo 1.o arguido dentro da Cadeia.
Haveria, pois, que conhecer do objecto do recurso do 1.o arguido, de modo seguinte:
Sobre a primeiramente assacada questão de falta de fundamentação da medida da pena, seria de concluir – em face daquelas passagens, já transcritas na parte II do acórdão que antecede, da fundamentação jurídica do acórdão recorrido – pelo efectivo cumprimento, pelo Tribunal recorrido, do dever de fundamentação do art.o 356.o, n.o 1, do CPP. De facto, dessas passagens, aliadas com a quantidade concreta de estupefacientes descobertas na posse física do 1.o arguido e outras guardadas nas duas fracções autónomas dos autos, decorre explícito que o Tribunal a quo aplicou uma pena mais elevada ao 1.o arguido no crime de tráfico, por este ter sido apanhado em flagrante delito a transportar algumas substâncias estupefacientes para serem vendidas a outrem.
E no tocante à remanescente questão do exagero da pena do crime de tráfico, levantada pelo 1.o arguido, seria de entender – ante todos os elementos fácticos pertinentes então provados, e sob a égide dos art.os 40.o, n.os 1 e 2, e 65.o do CP – no sentido de a pena de cinco anos de prisão, imposta pelo Tribunal a quo dentro da moldura de três a quinze anos de prisão, prevista pelo art.o 8o, n.o 1, da Lei n.o 17/2009, para o crime de tráfico do 1.o arguido, já não admitir mais margem para redução, precisamente por serem, a despeito da ausência de antecedentes criminais e da confissão integral e sem reservas dos factos, muito elevadas as exigências de prevenção, pelo menos, geral deste crime, sendo, aliás, certo que como este arguido foi apanhado em flagrante delito a transportar droga para ser vendida a outrem, por um lado, e, por outro, todas as restantes substâncias estupefacientes foram descobertas pela Polícia Judiciária nas duas fracções autónomas dos autos, tal confissão pouco valor atenuativo teria em sede da medida da pena).

__________________________
Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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José Maria Dias Azedo
(Segundo Juiz-Adjunto) (nos termos de declaração de voto que anexei no Ac. de 31.03.2011, Proc. n.º 81/2011)



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