Processo nº 874/2010
(Recurso contencioso)
Data: 7/Dezembro/2011
Assuntos:
- Erro nos pressupostos de facto
- Princípios da proporcionalidade e justiça
- Desrazoabilidade
- Residência na RAEM (não renovação)
- Residência/domicílio
SUMÁRIO:
1. Se a interessada durante um ano passou apenas 17 dias em Macau, uma vez que tem negócios na China e esteve aí doente, ainda que não se tenha comprovado uma impossibilidade de aqui se tratar ou deslocar, deixaram de subsistir os pressupostos que estiveram na base da concessão de autorização de residência, nomeadamente a reunião com o marido, que durante esse tempo permaneceu em Macau a excepção de dois ou três dias em Hog Kong.
2. O estatuto de residente da RAEM corresponde a um estatuto jurídico-político que liga uma determinada pessoa ao ordenamento desta região.
3. A residência de que trata o CC liga-se ao requisito para estabelecimento do domicílio da pessoa, independentemente de qual seja aquele estatuto de residente, apenas para determinação do ponto legal de contacto pessoal e para determinação de ponto legal de contacto não pessoal, em relação à conexão de um dado sujeito de relações jurídicas com um determinado local.
O Relator,
João Gil de Oliveira
Processo n.º 874/2010
(Recurso Contencioso)
Data : 7 de Dezembro de 2011
Recorrente: A
Entidade Recorrida: Secretário para a Segurança
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I - RELATÓRIO
A, melhor identificada nos autos, vem interpor
RECURSO CONTENCIOSO DE ANULAÇÃO
do despacho do Ex.mo Senhor Secretário para a Segurança, de 15 de Setembro de 2010, constante da informação dos Serviços de Migração n.º 1294/2010/E, notificado, pessoalmente, à ora Recorrente no dia 30 de Setembro de 2010, que lhe indeferiu o pedido de renovação da sua autorização de permanência em Macau, concedida anteriormente com base no reagrupamento familiar, com fundamento na al. 3) do n.º 2 do art.º 9.º da Lei n.º 4/2003 e n.º 2 do art.º 22.º, do Regulamento Administrativo n.º 5/2003.
Para tanto, alega, em síntese conclusiva:
1. Em 27 de Outubro de 2006, a Recorrente casou com o Sr. B, residente permanente de Macau.
2. Em 2007, a Recorrente solicitou a autorização de residência junto do Serviço de Migração do Corpo de Policia de Segurança Pública.
3. O respectivo pedido obteve resposta favorável, tendo a Recorrente sido notificada no dia 24 de Julho de 2007.
4. Após a obtenção da autorização de residência a Recorrente veio para Macau onde passou a viver na companhia do seu marido.
5. Em Macau, a Recorrente tem o seu centro de vida efectivo e afectivo, sendo que é aqui que tem a sua a casa morada de família.
6. Depois de fixar residência em Macau, a Recorrente constituiu no uma Sociedade comercial que se dedica à actividade de serviços de investimento.
7. A sociedade tem o capital social de MOP$60,000.00, sendo que a Recorrente é sócia maioritária com 90% do capital social.
8. A referida sociedade está registada em Macau e é a base dos negócios da Recorrente para a China Continental, onde tem uma sucursal.
9. Em 2009, a Recorrente teve de se deslocar à China Continental por razões profissionais.
10. Durante a sua estadia na China Continental ressentiu-se de problemas cardíacos e teve de ser submetida a uma intervenção cirúrgica.
11. Depois da intervenção cirúrgica a Recorrente teve de permanecer na China Continental porquanto necessitava de acompanhamento médico diário.
12. A Recorrente regressou a Macau em Junho de 2010.
13. No dia 22 de Julho de 2010 solicitou a renovação da sua autorização de residência.
14. O referido pedido veio a merecer despacho desfavorável, porquanto a entidade recorrida entendeu que não estava preenchido o requisito da residência habitual, previsto no n.º 3 do art. 9 da Lei 4/2003, de 27 de Fevereiro.
15. Conforme cita o despacho, a Recorrente durante Julho de 2009 e Junho de 2010, só esteve 17 dias em Macau.
16. No entendimento da entidade recorrida não está verificada o pressuposto que fundamentou o pedido inicial, pelo que considera não existir nenhum facto que justifique o reagrupamento familiar da Recorrente com o seu marido.
17. A decisão sob censura viola os princípios da proporcionalidade, razoabilidade e da justiça.
18. Encontrando-se o agregado familiar perfeitamente enraizado, social, económica e profissionalmente em Macau.
19. Tendo em conta as circunstâncias do agregado familiar, bem como a lei aplicável, entende o Requerente que a Administração deveria ter decidido em sentido diverso.
20. O conceito de residência habitual não pode ser sujeito a uma interpretação restritiva, e deve atender a provisão normativa do art. 83 que estabelece a possibilidade de vários domicílios.
21. A prolação da decisão sob censura demonstra que na apreciação dos factos, não se levou em devida conta a situação pessoal, profissional e familiar do agregado da Recorrente, pois caso contrário tal decisão de indeferimento não seria proferida.
22. As soluções concretas dos casos, para além das soluções normativas, não podem deixar de estar submetidas ao princípio da justiça.
23. A decisão recorrida afigura-se desrazoável, desproporcionada e injusta, pelo que deve a mesma ser invalidada por pôr em causa tais exigências fundamentais.
24. A decisão tomada violou o art. 38º da Lei Básica, o art. 1.º da lei de Base de Política Familiar, bem como o art. 83º do Código Civil de Macau, pelo que padece do vício de violação de lei por erro nos pressupostos e por total desrazoabilidade no exercício dos poderes discricionários, bem como viola os princípios da proporcionalidade e justiça, consagrados, respectivamente na al. d) do n.º 1 do art. 21.º do Código de Processo Administrativo Contencioso e nos artigos 5.º e 7.º do Código do Procedimento Administrativo.
DO PEDIDO
TERMOS EM QUE deve o presente recurso ser julgado procedente, anulando-se o acto recorrido, pelas apontadas ilegalidades, resultantes dos vícios de violação de lei por erro nos pressupostos de facto, por total desrazoabilidade no exercício dos poderes discricionários, bem como a violação dos princípios da proporcionalidade e da justiça.
Contestando nos autos de recurso contencioso em que é recorrente A, a entidade recorrida, o Exmo Senhor Secretário para a Segurança da Região Administrativa Especial de Macau, defende, em síntese, a licitude e justeza do acto impugnado.
O Digno Magistrado do MP emite o seguinte douto parecer:
Vem A impugnar o despacho do Secretário para a Segurança de 15/9/1 O que lhe indeferiu pedido de renovação de residência na RAEM, com fundamento na al. 3) do n° 2 do art. 9° da Lei 4/2003 e n° 2 do art. 22° do R.A. 5/2003, assacando-lhe, ao que colhemos da respectiva PJ. (já que não apresentou alegações), vícios de erro nos pressupostos de facto, total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários, afronta dos princípios da justiça e proporcionalidade, bem como dos artigos 38°, LBRAEM, 1º da Lei de Bases da Política Familiar e 83°, C.C., argumentando, no essencial, que o período da sua permanência fora da Região, mais propriamente na China Continental, se ficou a dever a razões de saúde, alheias à sua vontade e de negócios, sendo que nunca teve propósito de ali estabelecer a sua residência habitual ou morada de família, razão por que tendo, efectivamente, o seu centro de vida "efectivo e afectivo" em Macau, aqui detendo a "sede de lançamento dos seus negócios da sua sociedade comercial", entende que continuou e continua a manter a sua residência habitual na Região, tendo, pois, quanto a esse pressuposto, errado a entidade recorrida, para além de que a decisão, fazendo, na prática errónea interpretação do conceito de residência habitual plasmado no art° 83° C.C. e determinando a separação do agregado familiar, afrontará o seu direito à constituição de família e reunião familiar na Região, revelando-se medida injusta e não razoável, por atender "de forma literal e mecânica" à norma do n° 3 do art. 9° da Lei 4/2003, sem devida avaliação das razões, não atendendo designadamente às explicações fornecidas em sede de audiência prévia.
Cremos, porém, não lhe assistir qualquer razão.
Nos termos do n.º 2 do art. 22° do R.A. 5/2003, a renovação da autorização de residência depende da verificação dos pressupostos e requisitos previstos na lei de princípios.
A decisão em escrutínio fundou-se, se bem analisamos, numa dupla vertente : tendo-se constatado que a recorrente, no período de um ano entre Julho de 2009 e Junho de 2010 - permaneceu em Macau apenas 17 dias, concluiu-se que a mesma não reside habitualmente na Região (o que, "per se", nos precisos termos do n° 3 do art. 9° do diploma em causa constitui condição de manutenção da autorização de residência), retirando-se também de tal constatação, não se manter o pressuposto que, nos termos da al. 3) do n° 2 da mesma norma, havia presidido à concessão da residência, ou seja, a reunião em Macau com o seu cônjuge.
Pois bem: é um dado inquestionável e inquestionado que durante o último ano de validade da residência, a recorrente permaneceu em Macau apenas por 17 dias, sendo que, após ter saído em Agosto de 2009, permaneceu ausente por 10 meses consecutivos, ao que acresce que, durante o mesmo período temporal, o seu marido apenas se ausentou da Região por 2 ou 3 dias para Hong Kong.
Perante tais dados, mal se vê como possa validamente atacar-se a realidade dos pressupostos em que assentou a decisão controvertida : é evidente mostrar-se verdadeiro que a recorrente não deteve, no período em questão, a sua residência habitual em Macau, revelando-se inócuo, a esse propósito, esgrimir com o conceito em termos, designadamente dos artigos 83° e 84°, C.C., como claro se apresenta que o pressuposto que fundara a concessão do direito de residência - a reunião com o seu cônjuge em Macau - deixou de verificar-se.
Por outra banda, não se descortina que a não aceitação das tentativas de justificação para aquela ausência apresentadas ela interessada demonstre desrazoabilidade no exercício de alguns poderes discricionários da recorrida na apreciação dos pressupostos efectuada : revelando-se estimável que a recorrente procure tratar devidamente dos seus negócios na RPC, tal constitui a sua própria opção voluntária, a qual, conflituando directamente com a verificação dos requisitos para a almejada renovação do direito de residência, não poderá deixar de ser considerada como impeditiva dessa concessão, tanto mais que, relativamente aos problemas de saúde, como facilmente se colhe, até, do externado pela visada em sede de audiência prévia escrita (cfr. tradução a fls. 145 e 146), nada indica que os mesmos não pudessem ser eficazmente tratados em Macau ou que, de facto, a inibissem de a esta Região voltar durante todo o tempo de ausência.
Assim, relativamente à reunião familiar em Macau, é notório que a sua falta ficou a dever-se a opção da própria recorrente que não ao facto de o acto ter supostamente atentado contra o direito de constituição de família e de reunião familiar consagrados na LBRAEM ou na Lei de Bases da Política Familiar, tanto mais que o decidido não inibe tal reunião, conquanto que fora da Região.
Postas, como se põem, as questões nestes termos, não se vislumbra como se possa, no caso, esgrimir com a justiça ou proporcionalidade da medida: face à situação detectada, à Administração não restava qualquer outra alternativa, em termos de decisão a tomar, que não fosse o deferimento ou indeferimento do peticionado, não se antevendo que outra ou outras medidas "intermédias" pudessem ser tomadas, dentro do quadro legal existente, que menos afectassem, ou afectassem com menos intensidade, os interesses respectivos.
Tudo razões por que, por não ocorrência de qualquer dos vícios assacados, ou de qualquer outro de que cumpra conhecer, somos a pugnar pelo não provimento do presente recurso.
Foram colhidos os vistos legais.
II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito.
III - FACTOS
Com pertinência, têm-se por assentes os factos seguintes:
O despacho recorrido foi objecto da notificação seguinte:
“ Notificação n.º: NOT.584/10/E
Vem-se notificar A [titular do Passaporte da China n.º G42616654] que, quanto ao pedido de renovação de autorização de residência apresentado por V. Ex.ª em 22 de Julho de 2010, o Sr. Secretário para a Segurança, pelas razões do Relatório n.º MIG. 1294/2010/E do Serviço de Migração deste Corpo de Polícia, proferiu em 15 de Setembro de 2010 o despacho de “indeferimento”.
Reproduz-se a seguir o parecer constante do Relatório supra referido:
“ 1. Constituir o objectivo da concessão da autorização de residência à interessada A em 24 de Julho de 2007 a reunião com o cônjuge em Macau.
2. A interessada pretendeu pedir a renovação de autorização de residência, os registos de imigração e os documentos apresentados revelam que, durante o ano passado (Julho de 2009 a Junho de 2010), a interessada só residiu em Macau por 17 dias, mostrando que a mesma não morou habitualmente em Macau, a situação essa é obviamente incompatível com o objectivo da autorização de residência (reunião com o cônjuge em Macau) na altura, pelo que deve ser indeferida a presente renovação de autorização de residência.
3. Após a audiência escrita, a interessada apresentou junto deste Serviço a declaração, porém, o conteúdo da declaração não é suficiente para formar a situação excepcional de que deve tomar especialmente em consideração.
4.Sendo assim, sugere-se que seja indeferido o presente pedido da renovação de autorização de residência após a consideração sobre a alínea 3 do n.º 2 e o n.º 3 do art.º 9.º da Lei n.º 4/2003, e, por força do n.º 2 do art.º 22.º do Regulamento Administrativo n.º 5/2003.”
Ao abrigo do art.º 25.º do Código de Processo Administrativo Contencioso, pode-se apresentar recurso judicial ao Tribunal de Segunda Instância contra o acto administrativo acima apresentado.
Chefe do Comissariado de Estrangeiros,
(Ass.: vd. o original)”
A recorrente tem actividade empresarial na China interior.
A recorrente esteve hospitalizada e recebeu tratamentos em conformidade com a documentação junta aos autos na China interior durante os períodos aludidos nesses mesmos documentos, oportunamente traduzidos e analisados.
IV - FUNDAMENTOS
1. São as seguintes as questões a conhecer:
- vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto;
- a violação dos princípios da proporcionalidade e da justiça, e a total desrazoabilidade do acto.
2. Singelamente o caso conta-se em poucas linhas.
À recorrente foi concedida a autorização de residência para se juntar ao seu marido em 2007.
Após a autorização de residência a recorrente fixou residência estável em Macau.
A recorrente, enquanto empresária, constituiu uma sociedade de investimento na China interior e na sequência dessa actividade comercial passou, tal como marido, a deslocar-se ali.
Acontece que entre Julho de 2009 e Junho de 2020 a recorrente passou apenas 17 dias em Macau.
Com base nesse facto a Administração não lhe renovou a autorização de permanência em Macau, que lhe fora concedida com base no reagrupamento familiar.
3. Convém reter que a argumentação da requerente baseia-se no facto de entender que o critério de residência do CC plasmado nos artigos 83º e 84º não implica a residência no mesmo lugar, podendo antes haver uma alternância no sítio onde se mora.
Por outro lado, se permaneceu somente 17 dias em Macau no apontado eríodo, tal facto ficou-se a dever a razões de doença
4. Atentemos nos normativos pertinentes:
O artigo 22.° do Regulamento Administrativo n.º 5/2003 manda atender aos pressupostos e requisitos no mesmo diploma, nas situações da renovação de residência, daí que a manutenção da residência dependa da verificação dos mesmos pressupostos e requisitos da concessão inicial, e ainda ao artigo 9º da Lei n.º 4/2003. Preceitua concretamente:
1. A autorização de residência, com excepção da que é concedida nos termos do artigo 19.º, é em regra válida pelo prazo de 1 ano, e é renovada por períodos de 2 anos, a pedido do interessado ou seu representante, devendo o respectivo requerimento dar entrada até à data em que expira a sua validade.
2. A renovação da autorização depende da verificação dos pressupostos e requisitos previstos na lei de princípios e no presente regulamento.
O n.º 3 do artigo 9.º da Lei n.º 4/2003, por sua vez:
1. O Chefe do Executivo pode conceder autorização de residência na RAEM.
2. Para efeitos de concessão da autorização referida no número anterior deve atender-se, nomeadamente, aos seguintes aspectos:
1) Antecedentes criminais, comprovado incumprimento das leis da RAEM ou qualquer das circunstâncias referidas no artigo 4.º da presente lei;
2) Meios de subsistência de que o interessado dispõe;
3) Finalidades pretendidas com a residência na RAEM e respectiva viabilidade;
4) Actividade que o interessado exerce ou se propõe exercer na RAEM;
5) Laços familiares do interessado com residentes da RAEM;
6) Razões humanitárias, nomeadamente a falta de condições de vida ou de apoio familiar em outro país ou território.
3. A residência habitual do interessado na RAEM é condição da manutenção da autorização de residência.
5. Condiciona-se a manutenção da autorização de residência à residência habitual do interessado em Macau, mas sem definir com precisão o seu conceito, deixando à Administração a escolha dos critérios de concretização.
Significa isto que a actividade administrativa, na matéria em questão, há-de necessariamente pressupor o uso da discricionariedade, o que não significa arbitrariedade, mas a ponderação de cada situação deve ser feita mediante critérios que um destinatário normal possa compreender, ainda que desfavoravelmente à pretensão concreta.
Essa ponderação deve ser feita perante o circunstancialismo e interesses concretos em presença e tendo em vista a prossecução da justiça material da decisão, pela satisfação, sempre que possível, dos interesses privados mas não olvidando e sobretudo não ferindo o interesse público.
É assim que nos surge a concepção de que no uso dos poderes discricionários de que está investida a Administração deve reger-se por uma discricionariedade vinculada não só aos princípios gerais do procedimento administrativo plasmados no DL n.’ 57/99/M, mas ainda em uniformidade e coerência com decisões anteriores e em casos semelhantes.
Ora, desde logo, não se mostra que estes princípios orientadores hajam sido postergados.
Na verdade não se vê em que medida a Administração estava vinculada a uma decisão contrária.
6. O argumento de que terá havido uma errada interpretação de residência face ao disposto no CC não colhe de todo. O conceito de domicílio da secção III, capítulo I, Subtítulo I, Título II do Livro I do Código Civil rege sobre uma realidade diferente. O estatuto de residente da RAEM corresponde a um estatuto jurídico-político que liga uma determinada pessoa ao ordenamento desta região. A residência de que trata o CC liga-se ao requisito para estabelecimento do domicílio da pessoa, independentemente de qual seja aquele estatuto de residente, apenas para determinação do ponto legal de contacto pessoal e para determinação de ponto legal de contacto não pessoal, em relação à conexão de um dado sujeito de relações jurídicas com um determinado local.1
A recorrente permaneceu em Macau apenas por 17 dias, sendo que, após ter saído em Agosto de 2009, permaneceu ausente por 10 meses consecutivos, ao que acresce que, durante o mesmo período temporal, o seu marido apenas se ausentou da Região por 2 ou 3 dias para Hong Kong.
Perante tais dados, mal se vê como possa validamente atacar-se a realidade dos pressupostos em que assentou a decisão controvertida : é evidente mostrar-se verdadeiro que a recorrente não deteve, no período em questão, a sua residência habitual em Macau, revelando-se inócuo, a esse propósito, esgrimir com o conceito em termos, designadamente dos artigos 83° e 84°, C.C., como claro se apresenta que o pressuposto que fundara a concessão do direito de residência - a reunião com o seu cônjuge em Macau - deixou de verificar-se.
No caso vertente, na altura da renovação, verificou-se que a recorrente só permaceceu em Macau por 17 dias durante o último ano da validade de residência, e depois de abandonar em Agosto de 2009, permaneceu ausente de Macau durante 10 meses consecutivos.
Ou seja, de uma forma mais simples. O domicílio do recorrente, determinado pela sua residência habitual existe independentemente do estatuto de residente que tenha em relação à RAEM.
Para o Direito Civil o que importa é o lugar onde a pessoa vive habitualmente, onde mora, onde tem o seu centro habitual de vida e de interesses. E isso pode ser em Macau ou fora de Macau, ou até nos dois ou mais lugares alternadamente.
Ora, a concessão de um determinado estatuto rege-se por outros critérios e não está dependente de se poder considerar até que não obstante o recorrente ter passado apenas 17 dias em Macau aqui tinha o seu domicílio.
7. O facto que serviu de fundamento à decisão é objectivo e traduz-se numa ausência de facto manifesta que levou a Administração a interrogar-se sobre as razões que justificariam a manutenção do estatuto anteriormente concedido.
E quanto a isso nada a dizer já que entramos dentro daquela área de discricionariedade, compreendendo-se que tal ausência levou a Administração a interrogar-se sobre as reais razões que levaram à concessão da autorização anterior, qual seja a reunião familiar.
Se o centro de vida empresarial da recorrente é fora de Macau, se esteve todo esse tempo apartada do marido, parece que aquelas razões iniciais deixaram de se manter, não mais se mantendo os pressupostos para a concessão da autorização de nova residência.
E tanto assim é que a própria recorrente parece adivinhar esta argumentação, daí que tenha vindo dizer algo mais, isto é, que se esteve ausente foi por razões de doença.
O que inculca até no sentido de alguma contradição. Esteve ausente por negócios, ou esteve ausente por doença? Ou numa e noutra situação, o seu argumento de que mantinha a sua residência habitual em Macau já não é suficiente para, por si só, defender o estatuto que vinha tendo?
8. Aqui chegados, importa, então, averiguar se houve um motivo de força maior que deva ser ponderado nomeadamente em nome dos princípios, de forma a poder considerar-se que essa ausência lhe terá sido alheia.
Para tanto foi até requerida produção de prova.
Ora, ouvidas as testemunhas no âmbito deste processo e examinada a documentação junta ao processo, somos a formar a convicção de que muito embora a recorrente tivesse sido hospitalizada e tivesse estado doente, nada indica que essa hospitalização se estendesse por todo o período de ausência - a maior parte deles são registos de idas ao médico em Julho de 2010 - ou sequer que ela não pudesse ser tratada e acompanhada em Macau.
Aliás, não será despiciendo considerar que, mesmo doente, aqui em Macau, sempre estaria mais próxima da família em nome da qual lhe foi concedido o estatuto de residente que vinha gozando.
Resulta ainda que, no mesmo período, o seu marido quase sempre permaneceu em Macau, excepto dois ou três dias que se ausentou para Hong Kong, o que desmente o por si alegado na sua petição inicial, nomeadamente no no artigo 24.º . 11°.
Concorde-se ou não, a Administração tem o poder de considerar não constituir uma justificação atendível para a denegação do estatuto de residente, o facto de a manutenção da residência ser incompatível com ausências frequentes e prolongadas da RAEM.
E não nos podemos esquecer que à recorrente foi autorizada a residência não-permanente com o primordial fundamento de residir em Macau conjuntamente com o seu marido, condição que deixou de se verificar por razões que não se prova serem estranhas à sua vontade. 13°.
Assim, não deixa de se compreender o entendimento da Administração que vinca o facto de pela ponderação de todo o circunstancialismo descrito, se conclui que a recorrente não elegeu Macau como o local da vida familiar, a qual se mostra também não subsistir, pelo menos a níveis que também justifiquem a manutenção da autorização de residência para fins de reunião da família, pelo que ao abrigo das disposições dos artigos 9°., n.º 2, al. 3), e 3°., da Lei n.º 4/2003, e do artigo 22°, n.° 2°., do Regulamento Administrativo n.º 5/2003, e usando dos critérios (gerais e uniformes) atrás referidos, e de modo coerente e justo, a Administração indeferiu o pedido da renovação.
9. Acresce ainda que não há qualquer violação da Lei Básica, v. g. do artigo 38º, porquanto, como é óbvio, não é por causa do acto praticado que se impede a reunião, harmonia e manutenção da estabilidade familiar.
Esses valores não passam necessariamente pela outorga da residência em Macau, não deixando de ser uma situação em que os interessados na defesa desses valores podem controlar e não deixam de ignorar ao deslocar-se para Macau, sob pena de ter se estender a toda a família uma dada autorização de residência a todo o trabalhador migrante, não só em Macau como em qualquer outra parte do Mundo.
Donde se conclui que o acto impugnado não padece do vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto ou afronta de quais quer normas ou princípios.
10. A recorrente fala ainda de desrazoabilidade, proporcionalidade e justiça no acto impugnado.
É verdade que os actos administrativos discricionários são atacáveis por desrazoabilidade, todavia não se trata de uma qualquer desrazoabilidade apreciada com qualquer grau de subjectividade.
Por norma, esta afronta pressupõe a violação dos princípios de adequação e proporcionalidade na decisão proferida.
E quanto a isto, dir-se-á tão somente que, ao entender-se que foi feita correcta aplicação da lei, constituindo tais princípios índices aferidores do controle da discricionariedade, em vista da conformação da decisão com a prossecução do interesse público, afastada estará a desrazoabilidade no exercício dos poderes discricionários conferidos à Administração no caso concreto.
No caso em apreço, descortina-se a prossecução do interesse público, a adequação do comportamento à prossecução desse interesse público e compreende-se ainda o sacrifício dos interesses privados em função da importância do interesse público que se procura salvaguardar.2
Na verdade, os interesses económicos, familiares e emocionais invocados pela recorrente serão estimáveis, mas haverão sempre que ceder face ao manifesto interesse público na salvaguarda da segurança e estabilidade social da Região.
Como está bem de ver também não ocorre violação do princípio da proporcionalidade, consagrado no artigo 5º do CPA, entendido este como uma ideia de variação correlativa de duas grandezas conexionadas, ou seja, os benefícios decorrentes da decisão administrativa para o interesse público prosseguido pelo órgão decisor e os respectivos custos, medidos pelo inerente sacrifício de interesses dos particulares, seja na sua vertente de exigibilidade e adequação na prossecução do interesse público, por um lado e na relação custos-benefícios, por outro.3
Quanto à violação do princípio de Justiça, a prossecução do interesse público terá estado na mira da decisão proferida e não se deixa de compreender a sua prevalência sobre interesses particulares, donde por imbuída de imparcialidade, de racionalidade, de adequação, de proporção, se configurar ainda como materialmente justa.
Em face do exposto o recurso não deixará de improceder.
V - DECISÃO
Pelas apontadas razões, acordam em negar provimento ao presente recurso contencioso.
Custas pela recorrente, com 6 UC de taxa de justiça
Macau, 7 de Dezembro de 2011,
Presente João A. G. Gil de Oliveira
Vítor Coelho Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
1 - Cfr. Castro Mendes, TGDC, I, 314 e 315
2 - João Caupers, in Int. ao Dto. Administ., 2001, 80
3 - Int. ao Dto Adm., João Caupers, 6ª ed., 80
---------------
------------------------------------------------------------
---------------
------------------------------------------------------------
874/2010 1/6