Processo nº 599/2009
Data do Acórdão: 20OUT2011
Assuntos:
prescrição
contrato de trabalho
irrenunciabilidade do direito
descansos semanais
descansos anuais
feriados obrigatórios
compensações do trabalho prestado em dias de descansos semanais e anuais e de feriados obrigatórios
gorjetas
salário justo
salário diário
salário mensal
SUMÁRIO
1. São elementos essenciais de uma relação de trabalho a prestação do trabalhador, a retribuição e a subordinação jurídica.
2. mesmo que houvesse acordo entre o trabalhador e a entidade patronal, nos termos do qual aquele renunciou o direito de gozo a aos descansos e feriados obrigatórios, o certo é que, por força da natureza imperativa das normas que confere ao trabalhador direito a compensações e nos termos do disposto no artº 6º da Lei nº 101/84/M e no artº 6º do Decreto-Lei nº 24/89/M, a um tal acordo da natureza convencional nunca poderia ser reconhecida qualquer validade legal, dado que resulta nitidamente um regime menos favorável para o trabalhador.
3. Admitindo embora que variam as opiniões sobre o que se deve entender por salário justo e adequado, mesmo com referência ao parâmetro das exigências do bem comum, o certo é que podemos afirmar, com a razoável segurança, que salário justo e adequado nesse parâmetro deve ser aquele que, além de compensar o trabalhador, é capaz de prover um trabalhador das suas necessidades de vida, garantindo-lhe a subsistência com dignidade e até permitir-lhe assumir compromissos financeiros pelo menos de curto ou até médio prazo.
O relator
Lai Kin Hong
Processo nº 599/2009
Acordam na Secção Cível e Administrativa do Tribunal de Segunda Instância da RAEM
I
A (representado por A), devidamente identificado nos autos e patrocionado pelo Ministério Público, instaurou no Tribunal Judicial de Base acção de processo comum do trabalho, contra a SOCIEDADE DE TURISMO E DIVERSÕES DE MACAU, devidamente identificada nos autos, doravante abreviadamente designada STDM.
Citada a Ré, contestou pugnando pela improcedência da acção.
Proferido o despacho saneador, pelo qual foi julgada parcialmente procedente a invocada excepção da prescrição.
Não se conformando com o mesmo segmento do despacho saneador em que foi decidida a excepção da prescrição, dele interpôs o recurso interlocutório o Autor, defendendo em síntese que por aplicação analógica do artº 318º/e) do Código Civil de 1966, o prazo de prescrição dos créditos emergentes nas relação laboral entre ele e a Ré só começou a correr a partir da cessação do contrato de trabalho.
Ao que não respondeu a Ré.
Admitido o recurso e fixado a ele o regime de subida diferida, continuou a marcha processual na sua tramitação normal, e veio a final a acção julgada parcialmente procedente e condenada a Ré a pagar ao Autor a quantia de MOP$504.576,00, acrescida de juros vencidos e vincendos, a contar do trânsito em julgado da sentença até integral pagamento.
Inconformada com a decisão final, recorreu a Ré alegando em síntese:
* Não foi demonstrado o comportamento ilícito por parte da Ré para sustentar a condenação, uma vez que o Autor optou por trabalhar voluntariamente nos dias de descanso semanal, anual e em dias de feriados obrigatórios para ganhar mais, ou seja, a correspondente retribuição em singelo;
* A aceitação do trabalhador de que aos dias de descanso semanal, anual e em feriados obrigatórios não corresponde qualquer remuneração teria forçosamente de ser considerada válida, por se tratar de uma disposição contratual válida e eficaz por força do princípio liberdade contratual consagrado no RJRT;
* Vigorou o regime de salário diário entre o Autor e a Ré e não o de salário mensal como assim entendeu o Tribunal a quo; e
* As gorjetas dos trabalhadores de casinos não são parte integrante do conceito de salário.
Ao que respondeu o Autor pugnando pela improcedência do recurso.
Foram colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
A fim de nos habilitar a apreciar as questões levantadas nos recursos, passam-se a transcrever infra os factos que ficaram provados na primeira instância:
A). 原告A於1965年9月19日開始為被告工作,任賭場的員工。
B). 原告的收入由每日薪金及小費組成,小費根據每日收自賭場客人的金額多少而浮動。
C). 自原告開始工作至1989年6月30日,原告的日固定收入部份為每日澳門幣4.10圓,自1989年7月1日至1995年4月30日,原告的固定日薪為每日港幣10圓。自1995年5月1日至合同關係終結,原告的固定日薪為每日港幣15圓。
D). 自被告經營幸運博彩活動開始─上世紀六十年代,被告客人給予每一位工作人員的小費,由一委員會每日集中並點算,該委員會由一名幸運博彩賭場監察部門的職員、一名被告的財務部人員,一位樓面經理及賭桌的工作人員/荷官組成。之後,小費每十日按被告賭場工作人員的相關職位分發給所有工作人員。
E). 1997年4月1日,原告不再為被告工作。
F). 在1984年至1997年間,原告收到以下收入:
a) 1984年:澳門幣118638圓;
b) 1985年:澳門幣123811圓;
c) 1986年:澳門幣112001圓;
d) 1987年:澳門幣110279圓;
e) 1988年:澳門幣136621圓;
f) 1989年:澳門幣143490圓;
g) 1990年:澳門幣177178圓;
h) 1991年:澳門幣171723圓,
i) 1992年:澳門幣183457圓;
j) 1993年:澳門幣183407圓;
k) 1994年:澳門幣192012圓;
1) 1995年:澳門幣224843圓;
m) 1996年:澳門幣173476圓;
G). 根據僱主安排訂定的工作時間,原告以輪班方式提供工作。
H). 輪班的安排如下:
1).第一和第六更:由早上七時至早上十一時及早上三時至早上七時;
2).第三和第五更:下午三時至下午七時及晚上十一時至第二天凌晨三時;
3).第二和第四更:早上十一時至下午三時及晚上七時至晚上十一時。
經庭審後獲證明的事實:
1. 被告將從客人處收到的小費分發予其員工;
2. 小費之分發按照員工服務時間及所屬的工作部門;
3. 由被告預先決定。
4. 原告的固定及浮動收入均需繳納職業稅。
5. 原告為被告工作期間,從沒有享受有薪周假的休息。
6. 原告為被告工作期間,從沒有享受強制性有薪假日休息。
7. 亦從沒有在該段期間享受有薪年假休息。
8. 雖然在上述第5點、第6點及第7點所指之期間工作,被告沒有向原告支付任何附加薪金。
9. 原告收取既證事實第B)項所述之收入。
10. 如果原告欲享用休息日,或因任何原因不能提供工作時,便失去收取上一點所述之金額的權利。
II
Recurso interlocutório do Autor.
Na óptica do Autor, existindo o ponto comum ou zona de intersecção entre o trabalho subordinado e o trabalho doméstico, a que se refere o artº 318º/-f) do CC de 1966, pois em ambas as situações está presente uma inibição do exercício do direito por parte do trabalhador decorrente da situação de subordinação jurídica em que se encontra e do receio de suscitar conflito com a entidade patronal que pode colocar, inclusivamente, em risco o seu emprego, defende portanto a aplicação analógica ao trabalho subordinado do disposto no citado artº 318º/-f), nos termos do qual a prescrição não começa nem corre entre quem presta o trabalho doméstico e o respectivo patrão, enquanto o contrato durar.
Como se sabe, nos termos do disposto no artº 9º/1 do CC, o julgador deverá aplicar por analogia aos casos omissos as normas que directamente contemplem casos análogos.
Defende agora o Autor que se está perante uma lacuna da lei por falta de norma legal que prevê o prazo de prescrição dos créditos emergentes do trabalho subordinado e por isso deverá recorrer por analogia a norma que regula a situação análoga, que é justamente o trabalho doméstico.
Salta à vista que tanto as normas invocadas do artº 318º do CC de 1966, como o seu correspondente no artº 311º do CC de 1999, apresentam-se como normas excepcionais.
Pois com a leitura do preceituado nessas normas, afigura-se-nos que o legislador quis mesmo reservar o especial regime de imprescritibilidade aos casos ai expressamente especificados.
Ora, por força da proibição expressa no artº 10º do CC de 1999, as normas excepcionais não comportam aplicação analógica, mas admitem interpretações extensivas.
É de improceder a tese defendida pelo Autor.
Nem se diga que, mesmo assim, por via de interpretação extensiva, nos termos permitidos pela parte final do artº 10º do CC de 1999, se possa chegar à conclusão a que se chegou a tese do Autor.
Ora, a propósito da interpretação extensiva, o Prof. Baptista Machado ensina que é um resultado do trabalho de interpretação de uma norma jurídica quando o intérprete chega à conclusão de que a letra do texto fica aquém do espírito da lei, que a fórmula verbal adoptada peca por defeito, pois diz menos do que aquilo que se pretendia dizer. Alarga ou estende então o texto dando-lhe um alcance conforme ao pensamento legislativo, isto é, fazendo corresponder a letra da lei ao espírito da lei. Não se tratará de uma lacuna da lei, porque os casos não directamente abrangidos pela letra da lei. Da própria ratio legis decorre, p. ex., que o legislador se quer referir a um género; mas, porventura fechado numa perspectiva casuística, apenas se referiu a uma especie desse género.
A interpretação extensiva assume normalmente a forma de extensão teleológica: a própria razão de ser da lei postula aplicação a casos que não são directamente abrangidos pela letra da lei mas são abrangidos pela finalidade da mesma.
Os argumentos usados pelo jurista para fundamentar a interpretação extensiva são o argumento de identidade de razão (arg. a pari) e o argumento de maioria de razão (arg. a fortiori). Segundo o primeiro, onde a razão de decidir seja a mesma, a explicitamente contempla certas situações, para que estabelece dado regime, há de forçosamente pretender abranger também outra ou outras que, com mais fortes motivos, exigem ou justificam aquele regime. – in Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 1995, pág. 185 e 186.
In casu, não está indiciado que o legislador diz no citado artº 318º/-f) do CC de 1966 menos do que pretendia dizer, pois para nós, pelo contrário o legislador teve o cuidado de enumerar todas as situações que merecem o tratamento especial de imprescritibilidade.
Além disso, não vale o argumento de identidade de razão, muito menos de maioria de razão, dado que em comparação com o trabalho doméstico, são bem mais suaves a chama inibição do exercício do direito por parte de um trabalhador subordinado normal, decorrente da situação de subordinação jurídica em que se encontra e o dito receio de suscitar conflito com a entidade patronal que pode colocar, inclusivamente, em risco o seu emprego.
Não procede assim a tese do Autor, ora recorrente.
O recurso da sentença final
Perante as volumosas conclusões na motivação do recurso, é de frisar que ao tribunal não cabe debater com as partes, recorrente ou recorrida, todos os argumentos por elas deduzidos para sustentar a sua posição face às questões por elas ou contra elas levantadas, mas sim só as questões que, face à lei processual, devam e possam constituir o objecto do recurso, assim como as questões de conhecimento oficioso.
Assim, de acordo com o globalmente alegado nas conclusões do recurso, são as seguintes questões, elencadas numa relação subsidiária, que delimitam o thema decidendum na presente lide recursória, para além da questão que a recorrente levantou acerca da falta da prova dos factos demonstrativos da ilicitude da acção ou omissão da Ré.
Ora, quanto a esta última questão que se prende com a matéria de facto, a ora recorrente não fez mais do que sindicar a livre apreciação de prova feita pelo Tribunal a quo.
Atendendo às provas produzidas e examinadas no julgamento da matéria de facto e tendo em conta a regra estabelecida no artº 558º/3 do CPC, não se vê que existe erro grosseiro na apreciação de prova nem violação de quaisquer regras da prova legal.
Improcede assim essa parte.
Passemos então a apreciar as seguintes questões de direito.
1. da existência do contrato de trabalho;
2. do direito de gozo de descansos semanais e anuais, e de feriados obrigatórios;
3. da nartureza das “gorjetas” e do salário justo e adequado;
4. do salário diário ou mensal; e
5. dos factores de multiplicação para efeitos de cálculos de indemnização pelo trabalho prestado nos descansos semanais e anuais e nos feriados obrigatórios.
1. da existência de contrato de trabalho
A noção do contrato de trabalho encontra-se legalmente definido como “é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direcção desta” – cf. artº 1152º do CC de 1966 e artº 1079º do CC de 1999.
São portanto elementos essenciais de uma relação de trabalho, objecto de um contrato de trabalho, a prestação do trabalhador, a retribuição e a subordinação jurídica.
Globalmente interpretada a matéria de facto assente, verifica-se a demonstração dos factos susceptíveis de integrar no conceito desses três elementos constitutivos de uma relação de trabalho estabelecida entre o trabalhador e a entidade patronal STDM.
De facto, dessa relação resulta por um lado que, o trabalhador se obrigava a prestar uma actividade (exercício das funções no âmbito das actividades de exploração dos casinos) ou pelo menos se encontrava à disposição da entidade patronal para o exercício dessa actividade, sob as ordens, directivas e instruções da entidade patronal, e por outro lado que a entidade patronal STDM organizava e dirigia essa actividade a prestar pelo trabalhador, mediante a emissão dessas ordens, directivas e instruções, com vista a um resultado que está fora da relação entre eles travada, que é justamente a exploração dos casinos e obtenção de lucros.
Verificam-se assim os elementos da prestação do trabalhador e a subordinação jurídica.
Quanto ao elemento de retribuição, vimos na matéria de facto assente que em troca da actividade por ele prestada ou da disponibilidade da força do seu trabalho, o trabalhador recebia da entidade patronal STDM, como contrapartida dessa actividade ou disponibilidade uma retribuição pecuniária, consubstanciada no pagamento periódico de uma quantia fixa e de uma outra variável (as gorjetas, qualificadas como parte integrante do salário por razões que se expõem infra)
Verificados os três elementos essenciais de uma relação de trabalho, é evidente que estamos perante um contrato de trabalho celebrado entre a entidade patronal STDM e o trabalhador.
Cremos assim que as questões a ser apreciadas infra deverão ser enquadradas no âmbito de aplicação dos diplomas reguladores das relações de trabalho então vigentes, que são o Decreto-Lei nº 101/84/M e o Decreto-Lei Nº 24/89/M, consoante a localização temporal dos factos com relevância à solução das questões que delimitam o objecto do presente lide recursória.
2. do direito de gozo de descansos semanais e anuais, e de feriados obrigatórios
Aqui, para excluir a sua responsabilidade pelas compensações do trabalho prestado em dias de descansos semanais e anuais e de feriados obrigatórios remunerados, a entidade patronal invocou a renunciabilidade do direito de gozo desses descansos e feriados para sustentar a ausência da ilicitude do seu comportamento no âmbito da execução do contrato de trabalho celebrado com o trabalhador.
Ora, independentemente da qualificação ou não das “gorjetas” como parte integrante do salário, o trabalho prestado em dias de descanso semanal e anual e de feriados obrigatórios na vigência do Decreto-Lei nº 24/89/M deve ser sempre compensado pelo pagamento de retribuição correspondente nos termos fixados na lei.
E no âmbito do Decreto-Lei nº 101/84/M, deve ser compensado apenas o trabalho prestado em dias de descanso anual, assim como o trabalho prestado somente nos 3 dias de feriados obrigatórios (o dia 1 de Janeiro, o dia 1 de Maio e o dia 1 de Outubro) nas situações previstas no artº 21º/1-b).
Todavia, atendendo à natureza contínua inerente ao funcionamento dos casinos explorados pela entidade patronal onde prestava serviço o trabalhador, o trabalho por ele prestado não lhe confere o direito a qualquer acréscimo salarial, por força do artº 21º/1-c), a contrario.
Não tendo o trabalhador recebido da entidade patronal STDM as correspondentes retribuições pelo trabalho prestado em dias de descanso semanal e anual e de feriados obrigatórios, tal como imperativamente consagrados na lei, tem agora o trabalhador direito a reclamar, por via da acção cível, da entidade patronal as compensações devidas.
Pois, mesmo que houvesse acordo entre o trabalhador e a entidade patronal STDM, nos termos do qual aquele renunciou o direito de gozo a esses descansos e feriados obrigatórios, o certo é que, por força da natureza imperativa dessas normas que confere ao trabalhador direito a compensações e nos termos do disposto no artº 6º do Decreto-Lei nº 101/84/M e no artº 6º do Decreto-Lei nº 24/89/M, a um tal acordo da natureza convencional nunca poderia ser reconhecida qualquer validade legal, dado que resulta nitidamente um regime menos favorável para o trabalhador.
O que é gerador da nulidade do acordo, por violação da lei imperativa – artº 274º do CC de 1999 e artº 281º do CC de 1966.
Eis a ilicitude do comportamento da entidade patronal, que a faz incorrer na responsabilidade de indemnizar o trabalhador.
3. da nartureza das “gorjetas” e do salário justo e adequado
Da materialidade fáctica assente resulta que:
* o trabalhador recebia uma quantia fixa, desde o início até à cessação da relação de trabalho estabelecida com a entidade patronal STDM;
* recebia uma quantia variável proveniente das gorjetas dadas pelos clientes, as quais são contabilizados e distribuídas segundo um critério fixado pela entidade patronal STDM de acordo com a categoria dos beneficiários;
Tanto o Decreto-Lei nº 101/84/M como o Decreto-Lei nº 24/89/M, a lei impõe que o salário seja justo.
Diz o artº 27º do Decreto-Lei nº 101/84/M que “pela prestação dos seus serviços/actividade laboral, os trabalhadores têm direito a um salário justo”.
Ao passo que o D. L. nº 24/89/M de 03ABR estabelece no seu artº 7º, como um dos deveres do empregador, que o empregador deve, a título da retribuição ao trabalho prestado pelo trabalhador, paga-lhe um salário que, dentro das exigências do bem comum, seja justo e adequado ao seu trabalho.
A este dever da entidade patronal, o mesmo decreto faz corresponder simetricamente o direito do trabalhador de auferir um salário justo – artº 25º do mesmo decreto.
A retribuição pode ser certa, variável ou mista consoante seja calculada em função do tempo, do resultado ou daquele e deste (artº 26º do Decreto-Lei nº 24/89/M). E pode ser paga em dinheiro e, ou, em espécie (artº 25º, nº 3, do Decreto-Lei nº 24/89/M); mas apenas pode ser constituída em espécie até ao limite de metade do montante total da retribuição, sendo a restante metade paga em dinheiro (idem, artº 25º, nº3) – vide Augusto Teixeira Garcia, in Lições de Direito do Trabalho ao alunos do 3º ano da Faculdade de Direito da Universidade de Macau, 1991/1992, Capítulo III, ponto 1 e 2.
In casu, o trabalhador era remunerado em dinheiro.
Se levássemos em conta apenas a quantia fixa que o trabalhador recebia da entidade patronal STDM, MOP$27,00 por dia, esta quantia ser-nos-ia obviamente muito aquém do critério imperativamente fixado na lei que impõe o dever ao empregador de pagar ao trabalhador um salário que, dentro das exigências do bem comum, seja justo e adequado ao seu trabalho.
Admitindo embora que variam as opiniões sobre o que se deve entender por salário justo e adequado, mesmo com referência ao parâmetro das exigências do bem comum, o certo é que podemos afirmar, com a razoável segurança, que salário justo e adequado nesse parâmetro deve ser aquele que, além de compensar o trabalhador, é capaz de prover um trabalhador das suas necessidades de vida, garantindo-lhe a subsistência com dignidade e até permitir-lhe assumir compromissos financeiros pelo menos de curto ou até médio prazo.
Na esteira desse entendimento, a parte da quantia fixa (MOP$27,00 por dia) do rendimento que o trabalhadora auferia está muito longe de ser capaz de prover o trabalhador das suas necessidades mínimas, muito menos garantir-lhe a subsistência com dignidade ou permitir-lhe assumir compromissos financeiros.
Só não será assim se o salário do trabalhador estiver composto por essa parte fixa e por uma outra parte variável que consiste na quantia denominada “gorjetas”, que tendo embora a sua origem nas gratificações dadas pelos clientes, eram primeiro colectadas e depois distribuídas periodicamente pela entidade patronal ao trabalhador, segundo os critérios por aquele unilateralmente definidos, nomeadamente de acordo com a categoria e a antiguidade do trabalhador.
Ora, para qualquer homem médio, se o salário não fosse o assim composto, ninguém estaria disposto a aceitar apenas a quantia fixa (MOP$27,00 por dia) com seu verdadeiro e único salário, para trabalhar por conta da entidade patronal STDM, que como se sabe, pela natureza das suas actividades e pela forma do seu funcionamento exige aos seus trabalhadores, nomeadamente os afectados a seus casinos, a trabalhar por turnos, diurnos e nocturnos.
Pelo que, as denominadas gorjetas não podem deixar de ser consideradas parte integrante do salário, pois de outro modo, a entidade patronal STDM violava o seu dever legal de pagar ao trabalhador um salário justo e adequado.
4. do salário diário ou mensal
A entidade patronal defende que o trabalhador auferiu salário diário e não salário mensal.
Como a determinação da natureza diária ou mensal do salário que auferiu influi nos cálculos das compensações em causa, temos de nos debruçar sobre ela.
Ao contrário do que foi decidido na primeira instância, a recorrente defende que o trabalhador auferiu um salário diário e não mensal.
Como se sabe, é por imposição legal e pelos termos do contrato de concessão para exploração dos jogos de fortuna e azar que os casinos têm de funcionar ininterruptamente durante 24 horas.
Ora, para fazer face à necessidade de assegurar o funcionamento contínuo legalmente imposto dos seus casinos, já custa perceber como é quê é possível os seus trabalhadores afectados aos casinos, em vez de auferirem um salário mensal, que é única forma de pagamento conciliável com a organização dos turnos durante 24 horas para assegurar a continuidade do funcionamento dos casinos, auferirem antes um salário diário determinado em função do número de dias de trabalho em que quis trabalhar e efectivamente prestou serviço.
Sem mais considerações, improcede assim o argumento defendido pela entidade patronal de que o trabalhador auferia um salário diário.
5. dos factores de multiplicação para efeitos de cálculos de indemnização pelo trabalho prestado nos descansos semanais e anuais e nos feriados obrigatórios.
Pelo que vimos, ficam decididas a irrenunciabilidade dos descansos semanais e anuais e de feriados obrigatórios, a responsabilidade de indemnização por parte da entidade patronal pelo trabalho prestado nos dias de descansos e de feriados, a inclusão das “gorjetas” no conceito do salário e a natureza mensal do salário que o trabalhador auferia, cremos que é altura para apurar os factores de multiplicação para efeitos de cálculos das quantias devidas pelo trabalho prestado nos descansos semanais e anuais e nos feriados obrigatórios.
a) compensação do trabalho em descansos anuais
Antes da entrada em vigor do Decreto-Lei nº 101/84/M em 01SET1984, vigorava plenamente o princípio da liberdade contratual e da autonomia privada, sem quaisquer condicionalismos garantísticos legais, não havia lugar a quaisquer compensações senão as contratualmente convencionadas.
Já na vigência do Decreto-Lei nº 101/84/M, ou seja, no período compreendido entre 01SET1984 e 02ABR1989, já foram estabelecidas algumas garantias aos trabalhadores, nomeadamente a compensação obrigatória pelo trabalho prestado em dias do descanso anual – artºs 24º/2 e 23º/1 (que são 6 dias).
Acerca do descanso anual, os artºs 23º e 24º prescrevem:
Artigo 23.º (Aquisição do direito a descanso anual)
1. O trabalhador permanente tem direito a seis dias de descanso anual, sem perda de salário, para além dos períodos de descanso semanal e dos feriados obrigatórios.
2. Nos casos em que a duração da relação de trabalho for inferior a 12 meses, mas superior a 3 meses, o período de descanso anual a que o trabalhador tem direito é o proporcional, na medida de 1/2 dia por cada mês ou fracção de duração da relação de trabalho.
3. Para os efeitos do disposto no número anterior, cada mês considerar-se-á completo às 24 horas do correspondente dia do mês seguinte; mas se no último mês não existir dia correspondente ao inicial, o prazo finda no último dia desse mês.
Artigo 24.º (Marcação do período do descanso anual)
1. O período ou períodos de descanso anual a gozar por cada trabalhador será fixado pelo empregador, de acordo com as exigências de funcionamento da empresa.
2. No momento da cessação da relação de trabalho, se o trabalhador não tiver ainda gozado o respectivo período de descanso anual, ser-lhe-á pago o salário correspondente a esse período.
Assim, no âmbito do Decreto-Lei nº 101/84/M, para cálculo de quantia a pagar ao trabalho prestado em dias de descanso anual vencidos mas não gozados, a fórmula é:
1 X o salário diário médio X número de dias de descanso anual vencidos mas não gozados.
Nos termos do disposto no artº 21º/1 do Decreto-Lei nº 24/89/M, os trabalhadores têm direito a seis dias úteis de descanso anual, sem perda de salário, em cada ano civil.
Nos termos do disposto no artº 24º do mesmo diploma, o empregador que impedir o trabalhador de gozar o período de descanso anual pagará ao trabalhador, a título de indemnização, o triplo da retribuição correspondente ao tempo de descanso que deixou de gozar.
In casu, não resulta da matéria de facto provada que o trabalhador foi impedido pela entidade patronal de gozar os seus descansos anuais, não se deve aplicar assim a forma de multiplicação a que se refere o citado artº 24º.
E na falta de norma expressa para compensar o trabalhador pelo não gozo de dias de descanso anual mas sem impedimento por parte da entidade patronal, afigura-se-nos correcto aplicar por analogia o regime previsto para a situação análoga no caso de descanso semanal, prevista no artº 17º/5 e 6.
Isto é, o trabalho prestado pelo trabalhador em dias de descanso anual, sem constrangimento da entidade patronal, deve dar analogicamente ao trabalhador o direito de ser pago pelo dobro da retribuição normal.
Assim, no âmbito do Decreto-Lei nº 24/89/M, para cálculo de quantia a pagar ao trabalho prestado em dias de descanso anual, vencidos mas não gozados, a fórmula é:
2 X o salário diário médio X número de dias de descanso anual vencidos mas não gozados, caso o trabalhador não tenha sido impedido pela entidade patronal de os gozar.
b) compensação do trabalho em descanso semanal
Como vimos supra, na vigência do Decreto-Lei nº 101/84/M, não há lugar à compensação do trabalho prestado em dias de descansos semanais.
Ao passo que no âmbito do Decreto-Lei nº 24/89/M, a lei já regula as condições do trabalho prestado em dias de descanso semanal e as diferentes formas de compensações desse trabalho consoante as variadas circunstâncias que o justificam.
Diz o artº 17º deste diploma que:
1. Todos os trabalhadores têm direito a gozar, em cada período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, sem prejuízo da correspondente retribuição, calculada nos termos do disposto sob o artigo 26º.
2. O período de descanso semanal de cada trabalhador será fixado pelo empregador, com devida antecedência, de acordo com as exigências do funcionamento da empresa.
3. Os trabalhadores só poderão ser chamados a prestar trabalho nos respectivos períodos de descanso semanal:
a) Quando os empregadores estejam em eminência de prejuízos importantes ou se verifiquem casos de força maior;
b) Quando os empregadores tenham de fazer face a acréscimos de trabalho não previsíveis ou não atendíveis pela admissão de outros trabalhadores;
c) Quando a prestação de trabalho seja indispensável e insubstituível para garantir a continuidade do funcionamento da empresa.
4. Nos casos de prestação de trabalho em período de descanso semanal, o trabalhador tem direito a um outro dia de descanso compensatório a gozar dentro dos trinta dias seguintes ao da prestação de trabalho e que será imediatamente fixado.
5. A observância do direito consagrado no nº 1 não prejudica a faculdade de o trabalhador prestar serviço voluntário em dias de descanso semanal, não podendo, no entanto, a isso ser obrigado.
6. O trabalho prestado nos termos do número anterior dá ao trabalhador o direito a ser pago pelo dobro da retribuição normal.
Em face dos factos que ficaram provados nos presentes autos, não se mostrando que o trabalho em dias de descanso semanal foi prestado em qualquer das situações previstas no nº 3 e na falta de outros elementos fácticos, a compensação deve processar-se nos termos consagrados no nº 6, isto é, o trabalhador tem direito a ser pago pelo dobro da retribuição normal.
Assim, no âmbito do Decreto-Lei nº 24/89/M, para cálculo de quantia a pagar ao trabalho prestado em dias de descanso semanal, a fórmula é:
2 X o salário diário médio X número de dias de prestação de trabalho em descanso semanal, fora das situações previstas no artº 17º/3, nem para tal constrangido pela entidade patronal.
c) compensação do trabalho em feriado obrigatório
Tal como vimos supra, na vigência do Decreto-Lei nº 101/84/M, só é de compensar o trabalho prestado naqueles três dias de feriados obrigatórios remunerados (o dia 1 de Janeiro, o dia 1 de Maio e o dia 1 de Outubro), mas apenas nas situações previstas no artº 21º/1-b), já não também na hipótese prevista no artº 21º/1-c), que é justamente a situação dos presentes autos, ou seja, a prestação do trabalho seja indispensável para garantir a continuidade do funcionamento da entidade patronal.
Portanto, in casu, como a entidade patronal, enquanto concessionária da exploração dos jogos, obrigava-se por lei e pelos termos do contrato de concessão a manter em funcionamento contínuo, não há lugar a compensações do trabalho prestado em dias de feriados obrigatórios na vigência da Lei nº 101/84/M.
No âmbito do Decreto-Lei nº 24/89/M, o trabalho em feriados obrigatórios e a forma das suas compensações encontram-se regulados no artº 20º que prescreve:
1. O trabalho prestado pelos trabalhadores nos dias de feriado obrigatório, referidos no nº 3 do artigo anterior, dá direito a um acréscimo salarial nunca inferior ao dobro da retribuição normal e só pode ser executado:
a) Quando os empregadores estejam na eminência de prejuízos importantes ou se verifiquem casos de força maior;
b) Quando os empregadores tenham de fazer face a um acréscimo de trabalho não previsível;
c) Quando a prestação de trabalho seja indispensável para garantia a continuidade do funcionamento da empresa, nos casos em que, de acordo com os usos e costumes, esse funcionamento deva ocorrer nos dias de feriados.
2. Nos casos de prestação de trabalho em dia feriado obrigatório não remunerado, ao abrigo da alínea b) do nº 1, o trabalhador que tenha concluído o período experimental tem direito a um acréscimo de salário nunca inferior a 50% do salário normal, a fixar por acordo entre as partes.
Nos termos do disposto no artº 19º/3, os trabalhadores têm direito à retribuição nos seis dias de feriado obrigatório (1 de Janeiro, os primeiros 3 dias do Ano Novo Chinês, 1 de Maio e 1 de Outubro).
Perante a materialidade fáctica assente, o trabalho prestado pelo trabalhador em dias de feriados obrigatório integra-se justamente na circunstância prevista no artº 20º/1-c), pois o trabalhador estava afectado aos casinos explorados pela entidade patronal, que como vimos supra, se obrigava legalmente a manter os seus casinos em funcionamento contínuo.
Assim, ao abrigo do disposto no artº20º/1, o trabalhador tem direito a um acréscimo salarial nunca inferior ao dobro da retribuição normal.
A propósito da interpretação da expressão “acréscimo salarial”, ensina o Dr. Augusto Teixeira Garcia que “......A prestação de trabalho nestes dias dá o direito aos trabalhadores de receberem um acréscimo de retribuição nunca inferior ao dobro da retribuição normal (artº 20º, nº1). Assim, se um trabalhador aufere como remuneração diária a quantia de MOP$100, por trabalho prestado num dia feriado obrigatório e remunerado ele terá o direito de auferir MOP$300, ou seja, MOP$100 que corresponde ao dia de trabalho mais MOP$200, correspondente ao acréscimo salarial por trabalho prestado em dia feriado.” – vide, op. cit., Capítulo V, ponto 9.2.
Cremos que essa é única interpretação correcta da expressão “acréscimo salarial”.
Assim, no âmbito do Decreto-Lei nº 24/89/M, para cálculo de quantia a pagar ao trabalho prestado em dias de feriado obrigatório remunerado, a fórmula é:
3 X o salário diário médio X número de dias de prestação de trabalho em feriado obrigatório remunerado, nas situações previstas no artº 20º/1-c).
Verificando-se que, à excepção do que sucede com as compensações pelo trabalho prestado nos feriados obrigatórios remunerados, os factores de multiplicação aqui enunciados por nós são exactamente os que foram aplicados na sentença ora recorrida, o presente recurso não pode deixar de improceder em todos os aspectos.
Em relação às compensações referentes ao trabalho prestado nos feriados obrigatórios, apesar de terem sido fixadas pelo Tribunal a quo aquém do que defendemos supra, é de manter pura e simplesmente por não ter o Autor recorrido da sentença de 1ª instância, por força do princípio dispositivo.
III
Pelo exposto, acordam em negar provimento aos recursos, mantendo-se na íntegra o despacho saneador na parte que julgou parcialmente improcedente a excepção de prescrição e a sentença de 1ª instância.
Custas pelos recorrentes.
RAEM, 20OUT2011
Relator
Lai Kin Hong
(enquanto relator, fiquei vencido apenas quanto às custas a cargo do Autor, que na minha óptica, deve estar isento por força do espírito subjacente ao artº 2º/1-f) do RCT)
Segundo Juiz-Adjunto
João A. G. Gil de Oliveira
Primeiro Juiz-Adjunto Choi Mou Pan
(Subscreva-se a decisão da parte que não está em desconformidade com a posição assumida após o acórdão no processo nº 780/2007)
Ac. 599/2009-1