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Suspensão de eficácia nº 569/2011-A
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 20/10/2011
Descritores: Acto negativo
Prejuízo de difícil reparação
Paralisação de actividade

SUMÁRIO:
I- Um acto negativo puro é aquele que deixa intocada a esfera jurídica do interessado, a ponto de com ele, ou por ele, nada ter sido criado, modificado retirado ou extinto relativamente a um status anterior. Nessa medida, a sua eficácia é insuspensível, porque o deferimento da providência nenhuma vantagem ou benefício àquele traria.
II- Há, porém, actos (v.g. indeferimento de uma renovação ou prorrogação) que, alterando uma situação jurídica anterior, apresentam uma vertente positiva, traduzida nalguma vantagem para a esfera do interessado. Por essa razão, a eficácia destes já se mostra suspensível.
III- O conceito indeterminado "prejuízo de difícil reparação" de que trata a alínea a), do nº 1, do art. 121º, do CPAC tem que ser concretizado, reproduzido ou traduzido caso a caso por factos que o interessado requerente deve trazer ao processo, cabendo-lhe expor as razões fácticas que nele se integrem, para o que deve ser explícito, específico e concreto, não lhe sendo permitido recorrer a expressões vagas, genéricas e irredutíveis a factos que não permitam o julgador extrair aquele juízo.
IV- A paralisação de uma actividade industrial, comercial, etc, pode provocar, em certos casos, uma irremediável e sem retorno situação de facto. Mas, para tanto se concluir, é necessária a invocação de todos os factos reveladores da existência de prejuízo irreparável ou de difícil reparação com a execução do acto suspendendo.
















Processo nº 569/2011/A
(Suspensão de eficácia)

Acordam no Tribunal de Segunda Instância
I- Relatório
“Companhia de Importação e Exportação A, Limitada”, sociedade comercial com sede em Macau, na Av. de ......, ...... nº..., por apenso a processo de recurso contencioso já interposto, veio pedir a suspensão de eficácia do despacho proferido pelo Senhor Secretário para os Transportes e Obras Públicas em 5/07/2011, que lhe indeferiu o requerimento para a renovação da licença de ocupação da ...... nº ... e a notificou para em 30 dias remover todos os objectos existentes na referida .......
Para a requerente, a execução deste despacho, além de ilegal, vai provocar-lhe prejuízos de difícil reparação, acrescentando que a suspensão não determinará grave prejuízo ao interesse público e que a interposição do recurso não se mostra ilegal, pelo que, em sua óptica, estão verificados os requisitos para a concessão da providência.
*
Diferente é a posição da entidade requerida, que na sua contestação defendeu que o acto não tem conteúdo positivo, que a requerente não demonstrou a existência do requisito da alínea a), do nº 1, do art. 121º do CPAC e que a suspensão determinaria grave prejuízo ao interesse público.
*
O digno Magistrado do MP, no seu parecer de fls. 64/65, opinou no sentido de que a execução do acto traria previsivelmente à requerente alguns dos prejuízos invocados por esta. Defende, ainda, não ter sido invocada nenhuma iminência da construção da via pública no local onde existem as ...... nºs … e …, para concluir que a suspensão peticionada não determina imediatamente a grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo despacho em causa.
*
Cumpre decidir.
***
II- Pressupostos processuais
O tribunal é competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
Não há outras excepções prévias que obstem ao conhecimento de mérito.
***
III- Os Factos
1- “Companhia de Importação e Exportação A Limitada” dedica-se à actividade de importação e exportação de pescado e marisco e, bem assim, à exploração de actividade de aluguer de espaço para atracação de embarcações.
2- Adquiriu em 12/10/1993, por trespasse a XXX, XXX e XXX a licença de ocupação a título precário da ponte de atracação nº ….
3- Na sequência desse trespasse solicitou à Capitania dos portos do Governo de Macau em 19/10/1993 a transmissão para seu nome da licença de exploração da ...... nº …, o que lhe foi deferido por ofício de comunicação de 21/10/1993.
4- Desde então tem a requerente vindo a explorar a referida ...... no Porto Interior, local onde além de instalado um estabelecimento de venda de peixe e marisco, se encontram atracadas diversas embarcações e está albergada a sua sede social.
5- Anualmente a requerente vinha ocupando a referida ponto a título precário mediante licença, tendo, na sequência da comunicação de fls. 00707 do apenso instrutor ao Recurso Contencioso (2º Vol.) da Capitania dos Portos, sido apresentado pedido de renovação da licença, que lhe foi concedida para vigorar no período de 01/01/2011 até 31/12/2010 (fls. 00714 do cit. apenso).
6- Em 14/10/2010 a requerente solicitou a renovação da licença de ocupação da mencionada ...... até 31/12/2011 (fls. 0766 do apenso instrutor ao recurso Contencioso, Vol. 3).
7- O Director da Capitania, por ofício de 31/03/2011 notificou a requerente para, em audiência prévia, se pronunciar sobre o eventual indeferimento da renovação (fls. 5 a 10 do apenso “Traduções” junto ao processo principal, cujo teor aqui se dá por reproduzido)
8- A requerente apresentou em 15/04/2011 resposta escrita em audiência (ver fls. 1058 apenso Rec.; fls. 84 dos presentes autos).
9- Por ofício da Capitania dos Portos de Macau (Ref. SATJ1100196C), datado de 11/07/2011, foi o recorrente notificado nos seguintes termos (fls. 74 dos presentes autos; 997 a 1003 do p.a., apenso ao processo principal e tradução a fls. 28 e sgs. do apenso “Traduções”):
  “Avenida da Praia Grande, n.º 759, 3.º Andar
  C&CLAWYERS
  Sr. Advogado XXX
  
Assunto: Indeferimento do pedido de renovação da licença de ocupação a título precário da ...... n.º ... do Porto Interior
  Ex.mo Senhor:
  De acordo com o despacho de 5 de Julho de 2011 proferido pelo Secretário para os Transportes e Obras Públicas na proposta n.º 57/DAPE-ATJ/2011 da Capitania dos Portos de Macau, notifica-se, designadamente:
1. O indeferimento do pedido de renovação da licença de ocupação a título precário da ...... n.º ... do Porto Interior;
2. O requerimento, ao antigo titular da licença de ocupação a título precário da ...... n.º ... do Porto Interior, ou seja, a Companhia de Importação e Exportação A, Limitada (A貿易有限公司),de proceder, no prazo de 30 dias, à demolição dos objectos amovíveis na ......, de forma à restituição desta à posse da Região Administrativa Especial de Macau.
  Nos termos do art.º 149.º do Código do Procedimento Administrativo, o interessado pode apresentar a reclamação para o Secretário para os Transportes e Obras públicas no prazo de quinze dias a contar a partir da data da recepção desta notificação.
  Nos termos do art.º 25.º, n.º 2 do Código de Processo Administrativo Contencioso e do art.º 36.º, al. 8) da Lei n.º 9/1999, republicada pelo Despacho do Chefe do Executivo n.º 265/2004, o interessado pode, querendo, recorrer da decisão para o Tribunal de Segunda Instância da RAEM no prazo de 30 dias a contar a partir da data da recepção desta notificação.
  O interessado pode dirigir-se, nas horas de expediente, para o centro de registo e de execução de licenças do Departamento de Assuntos Portuários e Embarcações no Edifício da Capitania dos Portos de Macau para o acesso aos processos da ...... n.º ... do Porto Interior.
  Constante do anexo desta notificação o extracto integral da proposta n.º 57/DAPE-ATJ/2011 da Capitania dos Portos de Macau.
  Com os melhores cumprimentos.
   Director
  (Ass. Vide o original)
  XXXXXX
Notifique-se à Companhia de Importação e Exportação A, Limitada ; duplicados para DAPE, DATM.

  Anexo
Extracto integral da proposta n.º 57/DAPE-ATJ/2011 da Capitania dos Portos
Com referência ao pedido de renovação da licença de ocupação a título precário da ...... n.º ... do Porto Interior, apresenta-se o relatório, designadamente:
  Parte I Relatório
  1. Foi emitida à Companhia de Importação e Exportação A, Limitada (A貿易有限公司)(registo comercial n.º XXXX SO), em 1994, a licença de ocupação a título precário da ...... n.º ... do Porto Interior. A licença é válida pelo período de um ano e é renovável cada ano.
  A Capitania dos Portos emitiu em Dezembro de 2009 à Companhia de Importação e Exportação A, Limitada a última licença de ocupação a título precário da ...... n.º ... do Porto Interior (n.º XXX/2009), cujas informações se apresentam, designadamente:
- O titular da licença de ocupação a título precário: a Companhia de Importação e Exportação A, Limitada;
  - Área ocupada: 310.00 metros quadrados
- Actividades autorizadas pela licença: actividades de comércio e serviços;
- Período de validade: de 1 de Janeiro de 2010 a 31 de Dezembro de 2010
  (v anexo 1 e anexo 2)
  A ...... n.º ... do Porto Interior é composta por um edifício de dois andares e uma plataforma de madeira. A loja localizada no rés-do-chão e no sul da ...... é “...... HAI LAN”(......蟹欄). Encontra-se geralmente nos fundeadouros da ...... embarcações de pesca.
  2. A Companhia de Importação e Exportação A, Limitada requereu, em 14 de Outubro de 2010, à Capitania dos Portos, a renovação da licença de ocupação a título precário do ano 2011 da ...... n.º ... do Porto Interior (v o anexo 3)
  3. Tal como sugeriu o ponto 6 do relatório n.º 2065/DDPDT12010 de 15 de Dezembro de 2010 da Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego: notifica-se aos respectivos serviços competentes a concepção dos Corredores Exclusivos para Autocarros entre as Portas do Cerco e a Barra, e sugere-se que os respectivos serviços reservassem os espaços das ...... n.ºs ... e ... do Porto Interior para via pública, e que o desenvolvimento e plano dos edifícios na vizinhança tivessem de ter em conta a necessidade de reservar espaços para o trânsito. (v o anexo 4)
  4. Depois, em 25 de Fevereiro de 2011, realizou-se, entre os representantes da Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego, Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes, Direcção dos Serviços de Cartografia e Cadastro e Capitania dos Portos, uma discussão sobre as questões na concepção dos Corredores Exclusivos para Autocarros entre as Portas do Cerco e a Barra que têm relação com as ...... n. Os ... e ... do Porto Interior. Por estas duas ...... serem bens do domínio público sem registos prediais, e serem ocupadas, a título precário, pelo titular da licença, entende-se viável que sejam reservadas as mesmas a fim da via pública.
  5. A Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego emitiu em 10 de Março de 2011 o ofício n.º 1102017/06211DPT/2011 à Capitania dos Portos, cujo ponto 5 referiu que, considerando a partir do ponto de vista do trânsito integral de Macau e para coordenar a execução dos planos recentes e a longo prazo, é necessário e viável reservar as ...... n. Os ... e ... do Porto Interior para via pública. O ofício também sugeriu que a Capitania dos Portos adoptasse respectivas medidas para a cooperação da realização do respectivo plano. (v o anexo 5)
  6. Para o efeito de reservar a ...... n.º ... do Porto Interior para via pública, não se pode deferir o pedido de renovação da licença de ocupação a título precário da ...... n.º ... do Porto Interior. Além disso, deve o antigo titular da licença de ocupação a título precário da ...... n.º ... do Porto Interior, isto é, a Companhia de Importação e Exportação A, Limitada proceder à demolição dos objectos amovíveis na ......, de forma à restituição desta à posse da Região Administrativa Especial de Macau.
  Tendo em conta a especialidade deste caso, a Capitania dos Portos precedeu à audiência escrita da Companhia de Importação e Exportação A, Limitada através do ofício n.º SATJl100094E de 1 de Abril de 2011. Na respectiva audiência escrita, foi indicado que:
(1) A ...... n.º ... do Porto Interior trata-se do bem do domínio público.
(2) O interessado não tem o direito de superfície sobre a ...... n.º ... do Porto Interior, por isso, ele não pode sustentar, para o Governo da RAEM, a posse do direito de construção nesta .......
(3) O interessado não teria direito a indemnização se a ...... n.º ... do Porto Interior for devolvida ao Governo da RAEM após a caducidade da licença de ocupação a título precário.
  (v o anexo 6)
  7. O Sr. Advogado XXX de C&C LA WYERS apresentou, em 15 de Abril de 2011 e em representação da Companhia de Importação e Exportação A, Limitada, o parecer escrito para a Capitania dos Portos. (v o anexo 7)
  Parte II Análise
  8. Foi emitida à Companhia de Importação e Exportação A, Limitada, em 1994, a licença de ocupação da ...... n.º ... do Porto Interior. A relação jurídica da ocupação a título precário da ...... n.º ... do Porto Interior pela companhia foi regulada pela Lei n.º 6/86/M de 26 de Julho (Lei do domínio público hídrico) que já entrou em vigor naquele tempo.
  De acordo com o anexo 2 da Lei n.º 1/1999 (Lei de Reunificação), a Lei n.º 6/86/M a Lei n.º 6/86/M não é adoptada como lei da Região Administrativa Especial de Macau. Todavia, enquanto não for elaborada nova legislação, pode a Região Administrativa Especial de Macau tratar as questões nela reguladas de acordo com os princípios contidos na Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau, tendo por referência as práticas anteriores.
  9. Não se encontra actualmente nenhum documento que comprove que a ...... n.º ... do Porto Interior tinha sido uma propriedade privada ou possuída particularmente em 1 de Julho de 1870, nem documento do então Governo Português de Macau que comprovasse, de acordo com a Lei n.º 6/86/M, que a ...... n.º ... do Porto Interior tinha sido uma propriedade privada.
  Por outro lado, o então Governo Português de Macau e o presente Governo da RAEM têm emitido licenças de ocupação a título precário da ...... n.º ... do Porto Interior.
  Nos termos da Portaria n.º 122/89/M de 31 de Julho, a ...... n.º ... do Porto Interior localiza-se no domínio público hídrico.
  Com base nos factos acima referidos, considera-se bem do domínio público a ...... n.º ... do Porto Interior.
  10. Nos termos do art.º 7.º da Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau da República popular da China, os solos e os recursos naturais na Região Administrativa Especial de Macau são propriedade do Estado, salvo os terrenos que sejam reconhecidos, de acordo com a lei, como propriedade privada, antes do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau. O Governo da Região Administrativa Especial de Macau é responsável pela sua gestão, uso e desenvolvimento, bem como pelo seu arrendamento ou concessão a pessoas singulares ou colectivas para uso ou desenvolvimento. Os rendimentos daí resultantes ficam exclusivamente à disposição do Governo da Região Administrativa Especial de Macau.
  Por ser bem do domínio público a ...... n.º ... do Porto Interior, esta é propriedade do Estado. O Governo da Região Administrativa Especial de Macau é responsável pela sua gestão.
  11. A Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego referiu no relatório n.º 2065IDDPDT12010 de 15 de Dezembro de 2010 a concepção dos Corredores Exclusivos para Autocarros entre as portas do Cerco e a Barra, e sugeriu que os respectivos serviços reservassem os espaços das ...... n.ºs ... e ... do Porto Interior para via pública, e que o desenvolvimento e plano dos edifícios na vizinhança tivessem de ter em conta a necessidade de reservar espaços para o trânsito.
  12. No seu ofício n.º 1l02017/0621IDPT/2011 de 10 de Março de 2011, a Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego referiu que, considerando a partir do ponto de vista do trânsito integral de Macau e para coordenar a execução dos planos recentes e a longo prazo, é necessário e viável reservar as ...... nºs ... e ... do Porto Interior para via pública.
  13. Nos termos do art.º 20.º, n.º 1 da Lei n.º 6/86/M, as concessões e as licenças podem ser extintas, mediante acto fundamentado, se os terrenos dominiais forem considerados necessários à utilização pelo público sob a forma de uso comum ou se outro motivo de interesse público assim o exigir.
  Pelo que, com base nas necessidades do uso comum ou de outro interesse público, o Governo da RAEM pode não autorizar a renovação da licença de ocupação a título precário do bem no domínio público hídrico
  14. Nestes termos, para o efeito de reservar a ...... n.º ... do Porto Interior como via pública em cooperação com o desenvolvimento de trânsito integral de Macau, é obvia que o Governo da RAEM não pode deferir o pedido de renovação da licença de ocupação a título precário da ...... n.º ... do Porto Interior.
Se o Governo da RAEM indefira o pedido de renovação da licença de ocupação a título precário da ...... n.º ... do Porto Interior, a Companhia de Importação e Exportação A, Limitada perderia o direito de utilização desta por a caducidade daquela licença. Caso assim, a Companhia de Importação e Exportação A, Limitada tenha de proceder à demolição dos objectos amovíveis na ......, de forma à restituição desta à posse da Região Administrativa Especial de Macau.
  15. É previsto, tanto no Código Civil de 1966 (o art.º 202.º, n.º 2) como no Código Civil vigente (o art.º 193), que todas as coisas que se encontram no domínio público são consideradas fora do comércio e não podem ser objecto de direitos privados, nem apropriadas pessoalmente.
  Por encontrar-se no domínio público a ...... n.º ... do Porto Interior, os seus direitos reais (incluindo o direito de superfície) não podem ser adquiridos ou transmitidos pessoalmente.
  Por o interessado não ter o direito de superfície sobre a ...... n.º ... do Porto Interior, ele não pode sustentar, para o Governo da RAEM, a posse do direito de construção nesta .......
  16. Nos termos do art.º 20.º, nºs 1 e 2 da Lei n.º 6/86/M, as concessões e as licenças podem ser extintas, mediante acto fundamentado, se os terrenos dominiais forem considerados necessários à utilização pelo público sob a forma de uso comum ou se outro motivo de interesse público assim o exigir; a revogação das licenças não confere ao interessado direito a qualquer indemnização, podendo ser levantadas as benfeitorias que não afectem a utilidade económica do terreno.
  Nos termos do art.º 75.º da vigente Lei de Terras, o ocupante não tem direito de levantar as benfeitorias introduzidas no terreno nem de ser indemnizado por elas, qualquer que seja o motivo do termo da ocupação, devendo, porém, ser reembolsado da importância da taxa correspondente ao tempo por que ainda teria direito a ocupar o terreno.
  Com base no disposto acima referido, o interessado não teria direito a indemnização se a ...... n.º ... do Porto Interior for devolvida ao Governo da RAEM após a caducidade da licença de ocupação a título precário.
  17. Quanto à resposta escrita apresentada em 15 de Abril de 2011 pelo Sr. Advogado XXX em representação da Companhia de Importação e Exportação A, Limitada, entendemos que:
  (1) Em relação a que “...não pode dizer que o depoente ocupa a título precário a ...... n.º ...” referido no ponto 2 da resposta.
  Segundo as informações da Capitania dos Portos, tanto a Companhia de Importação e Exportação A, Limitada como o antigo utente ocuparam, a título precário, a ...... n.º ... do Porto Interior usando a licença de ocupação a título precário. Por isso, tal perspectiva acima referida não é insustentável.
  (2) Quanto a que se referiu nos pontos 3 e 4 da resposta, “Em 1993 estabeleceu-se a companhia do depoente. Sendo um dos grandes accionistas da companhia, XXX (XXX) injectou a ...... n.º ... no bem social da depoente. Ao longo dos anos, seja qual for a situação económica, o depoente tem explorado esta ...... e lá construiu um prédio permanente de dois andares.”
  XXX foi o titular da licença de ocupação a título precário da ...... n.º ... do Porto Interior. Porém, seja qual for a relação entre aquele e a Companhia de Importação e Exportação A, Limitada, estes são dois indivíduos independentes, e também dois titulares diferentes de licença de ocupação quanto ao assunto de ocupação a título precário do domínio público hídrico. Tal companhia sucedeu, em 1994, a XXX, no direito à ocupação a título precário da ...... n.º ... do Porto Interior, devendo aquela considera de forma plena as naturezas jurídicas da respectiva ...... e dos edifícios nela construídos.
  (3) Quanto ao plano de aproveitamento do porto interior referido nos pontos 5, 6 e 7 da resposta escrita
  O Plano de Reordenamento do Porto Interior, aprovado pela Portaria n.º 218/90/M, na redacção dada pela Portaria n.º 171/95/M e Ordem Executiva n.º 5/2002, determina um planeamento global dos fins a que as ......se destinam. Todavia, tal Plano de Reordenamento do Porto Interior não concede a ninguém o direito à ocupação permanente das ......a título precário.
  (4) Quanto ao estudo prévio do edifício e às obras de alteração/legalização referidos nos pontos 8, 9 e 10 da resposta escrita Tal estudo prévio não é autorizado oficialmente.
  Nenhuma obra de beneficiação realizada no terreno de domínio público ocupado a título precário não altera as naturezas jurídicas deste e dos edifícios nele construídos.
  (5) Quanto a que se referiu na resposta, “o depoente já pagou a taxa de renovação do ano 2011”
  A Capitania dos Portos cobra, de acordo com a lei, a taxa de ocupação apenas aquando da emissão da licença de ocupação a título precário. Relativamente à ...... n.º ... do Porto Interior, a Capitania dos Portos nunca requereu que a Companhia de Importação e Exportação A, Limitada pagasse a taxa de ocupação a título precário, nem que esta companhia pagou tal taxa.
  (6) Quando a que “o depoente pediu que fosse reconsiderada a decisão de devolução da ...... n.º ... do Porto Interior ou que lhe fosse concedida outra parcela de terreno...” referido na resposta escrita.
  A ...... n.º ... do Porto Interior trata-se do bem do domínio público. Com base nas necessidades da abertura dos Corredores Exclusivos para Autocarros entre as Portas do Cerco e a Barra, a ...... n.º ... do Porto Interior pode ser devolvida ao Governo da RAEM para outro plano de aproveitamento após a caducidade da licença de ocupação a título precário.
  Quanto à concessão de outra parcela de terreno ao depoimento, não há fundamentos de direito correspondentes a ser citados.
  (7) Conclusão
  Quanto às opiniões importantes referidas na audiência escrita, como “a ...... n.º ... do Porto Interior trata-se do bem do domínio público” e “por o interessado não ter o direito de superfície sobre a ...... n.º ... do Porto Interior, ele não pode sustentar, para o Governo da RAEM, a posse do direito de construção nesta ......” e “o interessado não teria direito a indemnização se a ...... n.º ... do Porto Interior for devolvida ao Governo da RAEM após a caducidade da licença de ocupação a título precário”, estas não foram contraditas com fundamentos de direito e de facto na resposta escrita.
  Faltam fundamentos de direito ou de facto aos pedidos e alegações referidos na resposta escrita.
  Parte III Sugestão
  18. É necessário reservar os espaços das ...... n.ºs ... e ... do Porto Interior para via pública para o efeito dos Corredores Exclusivos para Autocarros entre as Portas do Cerco e a Barra. Atentas as alegações e análises acima referidas, é de sugerir:
  18.1 O indeferimento do pedido de renovação da licença de ocupação a título precário da ...... n.º ... do Porto Interior;
  18.2 O requerimento, ao antigo titular da licença de ocupação a título precário da ...... n.º ... do Porto Interior, ou seja, a Companhia de Importação e Exportação A, Limitada (A貿易有限公司), de proceder, no prazo de 30 dias, à demolição dos objectos amovíveis na ......, de forma à restituição desta à posse da Região Administrativa Especial de Macau”.
10- O Director da CAPITANIA DOS PORTOS, pronunciou-se do seguinte modo (cfr. 982 do apenso ao proc. principal e tradução de fls. 15 do apenso aos presentes autos designado “traduções”):
“Parecer
1. Concordo com a sugestão;
2. Submete a despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas.
21/06/2011
XXX (XXX)”
11- Entretanto, o Senhor Secretário para os Transportes e Obras Públicas proferiu o despacho de 5/07/2011, com o seguinte teor: (cfr. fls. 982 do apenso ao proc. principal e tradução de fls. 15 do apenso aos presentes autos designado “traduções”):
“Despacho
Concordo com as opiniões e as sugestões nesta proposta
Secretário para os Transportes e Obras Públicas
(Ass. Vide o original)
05/07/2011
XXX (XXX)”

***
III- O Direito
1- Pretende a requerente a suspensão de eficácia do despacho de 5/07/2011 do Ex.mo Senhor Secretário para os Transportes e Obras Públicas, que indeferiu o pedido de renovação de licença de ocupação da ...... nº ... no Porto Interior.
A entidade requerida, porém, manifesta a sua oposição ao deferimento da pretensão, começando logo por invocar a natureza negativa do acto, circunstância que, em seu entender, obstaria à suspensão, nos termos do art. 120º, al. a), do CPAC.
Comecemos já por aí, apelando, por mera questão de economia de tempo, ao que foi dito no Ac. deste TSI de 10/03/2011, Proc. nº 41/2011-A:
“Um acto desta natureza é aquele que deixa intocada a esfera jurídica do interessado, a ponto de com ele, ou por ele, nada ter sido criado, modificado, retirado ou extinto relativamente a um status anterior. O indeferimento de uma pretensão constitutiva, por exemplo, cabe perfeitamente na figura: se alguém pede o licenciamento para iniciar a exploração de um bar, o indeferimento deixa o requerente exactamente como se encontrava antes; nada na sua esfera mudou. Sendo assim, trata-se de um acto administrativo que para o interessado é neutro, do ponto de vista dos efeitos imediatos e consequentes, uma vez que para si tudo permanece como anteriormente1.
A jurisprudência tem considerado que a eficácia de tais actos não é susceptível de ser suspensa, com a justificação de que não seria possível extrair de uma sentença favorável um efeito contrário ao que deles emanava (no exemplo fornecido, a suspensão nunca permitiria que o requerente pudesse dar início à exploração do negócio) porque isso poderia representar uma usurpação de poderes administrativos pelos tribunais, e na medida em que, portanto, dessa suspensão não adviria qualquer efeito útil para o interessado, nomeadamente o afastamento do espectro de uma situação de facto danosa com a caracterização qualitativa e quantitativa que o art. 121º, nº1, al. a), estabelece. Por isso, são actos normalmente arredados da suspensibilidade (cfr. a contrario, art. 121º, al.a), do CPAC).
É certo que há situações em que para alguns interessados o mesmo acto administrativo é inerte, na acepção acabada de referir, ao passo que para outros ele é positivo, na medida em que interfere com o seu anterior status ou, noutras palavras, com a sua situação jurídica substantiva anterior. Podemos dizer que é acto misto do ponto de vista dos efeitos. Todavia, quando falamos em acto de conteúdo negativo para efeitos da suspensão de eficácia, apenas nos atemos à correspondência entre os efeitos directos do acto para o requerente e o objectivo que se pretende alcançar com a providência. Quer dizer, não é pelo facto de o acto introduzir alterações na situação jurídica de alguns interessados que ele passa a ser acto positivo tout court. O que interessa neste particular é que seja negativo para aquele interessado directo no incidente em que nos encontramos. E neste caso, como veremos adiante, o acto é negativo para a requerente em apreço.
E, a talhe de foice, até nem nos podemos esquecer que nos concursos de adjudicação casos haverá em que é permitida a suspensão de eficácia (medidas provisórias) dos actos finais de adjudicação e até mesmo dos contratos. Acontece, por exemplo, em Portugal 2e, de um modo geral, é o que também se verifica nos países da comunidade europeia que, a partir de certa altura, tiveram que absorver determinadas directivas europeias para com elas conformarem o seu ordenamento jurídico interno. Mas isso deve-se, nestes casos, a um universo normativo positivado, a um conjunto de regras e preceitos que existem nos textos legais (de iure constituto) e que impõem ou permitem uma actuação processual nesse sentido. Como essa não é a situação da RAEM, onde não existem normas idênticas (ver, DL n. 74/99/M, de 8/11), esqueçamos esse caminho e sigamos pela linha tradicional da doutrina e da jurisprudência conhecidas sobre a matéria, que outra não há (e em que só poderemos falar em de iure constituendo).
Aliás, e só mesmo para terminar este ponto, não podemos desconsiderar o fenómeno com o argumento de que o acto negativo tem uma natureza doutrinal. Concordamos que a sua génese é doutrinal e que foi tendo uma aplicação jurisprudencial praticamente constante e uniforme nas diversas instâncias. Todavia, em Macau, a teoria do acto negativo foi recebida na lei (art. 120º, al. b), do CPAC) e passou, a partir de então, a ser um instituto legal de evidentes reflexos ao nível adjectivo/processual e com o qual o aplicador da lei tem que confrontar-se. Ora, o preceito em causa não distingue entre classes de actos administrativos do ponto de vista da substância que encerram ou que visam regular. Todos lá cabem, portanto. E se falamos de actos finais de procedimentos concursais, na norma devem incluir-se não somente os concursos de provimento de pessoal, como os adjudicatórios.
De resto, a suspensão tem sempre associados, como é sabido, dois objectivos: a utilidade e a urgência dos interesses. É por isso que a suspensão decretada traz ao interessado requerente desde logo um ganho que é imediato: o aluno entra no curso, o concorrente vai poder participar no concurso, o requerente mantém a licença de exploração do bar, etc, etc. Portanto, facilmente se reconhece a utilidade e a sua imediaticidade. É esse, aliás, o sentido primordial da providência: acautelar a ocorrência de uma situação danosa, neutralizando-a ou prevenindo-a de pronto. Por isso, a providência é um processo urgente de modo a satisfazer sem demora os interesses feridos ou ameaçados.
Conceder a providência só para permitir que o recurso venha a satisfazer os interesses do requerente é colocar nas mãos deste a possibilidade, pouco menos que arbitrária, de estancar o avanço imediato dos efeitos do acto e pô-los a hibernar durante o tempo necessário de duração da impugnação contenciosa - dois, três anos, sabe-se lá - pondo até em risco a utilidade da decisão administrativa, porque travaria os seus efeitos e objectivos imediatos, sem qualquer contrapartida numa imediata vantagem para o requerente. Na verdade, o procedimento administrativo paralisaria até que uma decisão sobre o mérito do recurso viesse a ser tomada. Nem mesmo admitindo que a sentença final e definitiva possa vir a ser tomada em favor da tese do recorrente se concebe que a suspensão se transforme num instrumento processual ao serviço da posição jurídica substantiva que só o recurso pode satisfazer (a tão longe não vai o princípio da tutela cautelar jurisdicional efectiva, pelo menos enquanto no ordenamento jurídico da RAEM não for alterado o corpo de normas respectivo).
*
E, no seguimento do que vínhamos dizendo, é verdade que há situações em que o acto só aparentemente é negativo ou em que é acto negativo com efeitos positivos. Trata-se de uma categoria de decisões em que há efectivamente uma utilidade na suspensão, na medida em que deles advêm efeitos secundários positivos. Nesse sentido, são suspensíveis (art. 120º, al. b) do CPAC). São actos de que resulta o indeferimento da manutenção de uma situação jurídica anterior: por exemplo, quando denegam a renovação ou prorrogação de uma situação jurídica pré-existente e que, por isso, além de ferirem legítimas expectativas de conservação dos efeitos jurídicos de um acto administrativo anterior, colocam o interessado numa posição jurídica substantiva diferente da que detinham até ao momento da sua prática. Nessas hipóteses, os actos alteram realmente a situação jurídica ou de facto do requerente3.
(…)
…se alguma utilidade puder advir da suspensão, a ponto de o requerente ir, provisória ou condicionalmente, obtendo algum ganho até ser decidida em definitivo a questão no recurso contencioso, a suspensão será de conceder, mesmo que o acto seja negativo (seria o caso, por exemplo, de rejeição ou recusa de admissão a concursos e exames ou à frequência do estudante a algum curso). A utilidade adviria do facto de o candidato “entrar” no curso, por exemplo, ir adquirindo os conhecimentos nele ministrados e, assim, estar habilitado, tal como os restantes colegas, a mostrá-los no exame final sem prejuízo do julgamento da impugnação contenciosa entretanto desencadeada.
Em todos os casos citados há, como se vê, um efeito positivo imediato para a esfera do interessado/requerente em resultado da suspensão”.
Serve a transcrição para ilustrar a opinião que temos a propósito da natureza deste acto: Na medida em que a não renovação da licença interfere com o “status quo” anterior da requerente, que assim se vê privada da continuação da actividade que ali tem vindo a exercer desde há anos, vemos nessa ablação um efeito desfavorável imediato na sua esfera. Ou seja, a decisão em causa “não deixa tudo na mesma”, não é indiferente aos interesses da requerente, não lhe é inerte; pelo contrário, retira-lhe “algo”, deixa-a em pior estado, coarcta-lhe a manutenção do negócio. É, de resto, um dos exemplos clássicos que a doutrina e jurisprudência costumam indicar para realçar a natureza positiva de actos administrativos.
Nesta medida, também nós achamos que o acto em apreço apresenta natureza positiva (a providência tem, por isso, natureza conservatória) e, assim, achamo-lo suspensível, ao contrário do que do que foi propugnado pela entidade contestante.
2- Impõe-se agora a apreciação dos requisitos contemplados no art. 121º do CPAC, que são cumulativos, como se sabe4.
O primeiro deles exige que a “execução do acto cause previsivelmente prejuízos de difícil reparação…”. (al. a), do nº1).
Na verdade, o conceito indeterminado "prejuízo de difícil reparação" de que trata a alínea a), do nº 1, do art. 121º, do CPAC tem que ser concretizado, reproduzido ou traduzido caso a caso por factos que o interessado requerente deve trazer ao processo. Não, bem entendido, através de uma demonstração cabal, perfeita e exaustiva da invocação factual, uma vez que neste processo não é possível efectuar prova testemunhal5, e até porque a lei não é tão exigente a esse ponto ao bastar-se com uma forte aparência, com um mero padrão de probabilidade («...cause previsivelmente...»). Mas, de qualquer modo, cabe ao requerente expor as razões fácticas que se integrem no conceito, devendo para isso ser explícito, específico e concreto, não lhe sendo permitido recorrer a expressões vagas, genéricas e irredutíveis a factos que não permitam o julgador extrair aquele juízo6. Não bastam, assim, alegações conclusivas. É necessário alegar factos que permitam estabelecer um nexo de causalidade ou de causa e efeito entre a execução do acto e o invocado prejuízo.

Apreciando.
A este respeito, o primeiro prejuízo invocado foi a dissolução e liquidação da sociedade requerente, com todos os custos económicos e sociais inerentes, nomeadamente os referentes à perda dos postos de trabalho por parte dos seus trabalhadores.
Ora, os interesses dos trabalhadores não estão aqui em jogo e nem a requerente age por conta deles. A lei fala nos interesses que o requerente defenda ou venha a defender e neles não é hábito incluírem-se os que exclusivamente fazem parte de uma esfera jurídica alheia e autónoma. Na verdade, ao contrário dos que sucede com um sindicato ou, por exemplo, com uma associação representativa de interesses de classe, aqui a requerente (apesar de concomitantemente ser também “entidade patronal”) limita-se a pugnar pela manutenção de uma posição jurídica substantiva que é sua e de mais ninguém, e só ela é levada em conta no âmbito da providência.
Diferente é a questão da dissolução e liquidação da sociedade requerente. O que a este propósito ela diz é o seguinte, se bem atentámos nas suas palavras: se não posso continuar a exercer a actividade no local, sou obrigada a retirar dali toda a documentação necessária ao funcionamento da empresa, remover todos os objectos e produtos e, por não poder continuar a vender o pescado e marisco, terei que fechar o negócio.
Mas, como saber se esta afirmação é consistente? Que certeza pode a requerente transmitir ao tribunal ou que dose de verosimilhança pode a afirmação conter a tal respeito? Como concluir que a não renovação da licença naquele local implica o encerramento e liquidação da sociedade? E por que não admitir que possa a requerente vir a vender o mesmo peixe e marisco noutro local, eventualmente na mesma zona? Nada sabemos! Isto é, não está demonstrado que a actividade de venda de pescado e de marisco não possa continuar ou, o mesmo é dizer, que a requerente tenha que proceder à liquidação e dissolução. Portanto, este argumento não pode proceder.
Um pouco diferente deste, é o prejuízo referente à atracação de embarcações. Efectivamente, tanto quanto se sabe, se a atracação no porto interior só pode ser feita sob licença administrativa e se, como pensamos ou admitimos, todas as ...... estão em actividade por outros operadores munidos desse tipo de títulos, então parece lógico inferir-se que a não renovação da licença para 2011 implicaria a cessação desse “ramo” da actividade, desse serviço de acostagem que a requerente proporciona às embarcações. Nesse sentido, não custa admitir que estamos perante a perda de um rendimento e, por conseguinte, em presença de um prejuízo7.
Importa que se diga que há casos em que a paralisação de uma actividade pode provocar uma irremediável e sem retorno situação de facto. Porquê? Porque pode acontecer que a complexidade da actividade não tenha que ver apenas com um só aspecto envolvente, mas com uma série de factores endógenos e exógenos. Por exemplo, o encerramento de um café ou de um restaurante pode, efectivamente, produzir uma situação económica sem retrocesso, porque estamos perante um comércio complexo de coisas móveis e imóveis, de coisas fungíveis e de valores infungíveis, de coisas materiais e imateriais. E nisso entram aspectos como as coisas do espaço interior da loja, a forma como elas estão arrumadas e dispostas, a localização especial do estabelecimento (frente ao rio, ao mar, ao lago), a sua ventilação e/ou exposição ao sol, a proximidade com outras actividades ou serviços que trazem clientes, a natureza da clientela, etc. É o chamado “avviamento”, tão conhecido no direito italiano.
Por isso, tem havido a tendência para caracterizar o impedimento destas actividades como sinal de prejuízos que não têm reparação ou que dificilmente a têm (os clientes são “daquele” restaurante, não necessariamente do “dono” do restaurante ou do restaurante que o dono vier a abrir noutro local).
Mas aqui, o quadro fáctico é bem diferente e, só por essa razão, pensamos que o prejuízo não é de difícil reparação (a própria requerente reconhece que a sua situação não é totalmente irreversível a ponto de a classificar somente de “quase irremediável” e não “absolutamente irremediável”: ver art. 105º da p.i.). Sê-lo-ia, talvez, se estivéssemos ante um dano inquantificável, um prejuízo de impossível avaliação económica. Na verdade, não se nos afigura complicada a análise contabilística dos proveitos ao longo dos anos que permita formar uma média anual de rendimentos a esse título. Quer dizer, ainda que a requerente venha a demonstrar que a decisão de não renovação é ilegal – o que terá que efectuar na sede própria – em execução de sentença poderá, com alguma tranquilidade, fazer o apuramento dos prejuízos que a execução do acto lhe tiver concretamente provocado.
Não ignoramos que a expressão “prejuízos de difícil reparação” não pode ser sempre equiparável a prejuízos irreparáveis, não apenas pelos termos semânticos das suas componentes, mas até em termos finalísticos, pois não se pode cegamente admitir que não são de difícil reparação os danos que sejam de avaliação económica8. Em certos casos, a dificuldade de reparação tem que ater-se a critérios diferentes do da ressarcibilidade. Por exemplo, é de considerar suspensível o acto de aplicação, nalguns casos, de uma medida disciplinar com perda de vencimento que se traduza num real abaixamento imediato da qualidade de vida e numa insatisfação das necessidades fundamentais e básicas do interessado e do seu agregado familiar 9.
Mas no nosso caso, e concretamente no que respeita à perda do rendimento resultante da atracação das embarcações, nem sequer a requerente se deu ao cuidado de perder tempo com este factor, pois não explicou se a ponte tem muito ou pouco movimento de acostagem, se lhe proporcionava elevados ou pequenos rendimentos, se o movimento de barcos nessa atracagem era intenso e constante, se o rendimento dali retirado constituía a sua principal fonte de receita, se era possível obter alguma licença noutra qualquer ...... (não sabemos se isso é possível ou se foi tentada essa via negocial com a Administração), etc, etc. Ou seja, a propósito desta “possibilidade”, quer dizer, do preenchimento do conceito de difícil reparação aplicado a este segmento da actividade, estamos confrontados com um mar de interrogações sem resposta e a culpa é da requerente que não as forneceu na invocação da matéria de facto, não sendo aqui de seguir o trilho das regras de experiência comum e do senso geral, por ser tão específico este campo de actividade e, por isso mesmo, tão pouco conhecido para ser avaliado à luz dessas regras.
É por isso que alguma jurisprudência também afirma que “se pela alegação do requerente e pela análise dos autos não resulta qualquer dessas circunstâncias, designadamente a impossibilidade de transferir o estabelecimento para outro local, sem perda de clientela e sem afectação do “giro comercial” é de considerar inverificado o requisito da alínea a) do nº1 do art. 76º da LPTA” 10 (disposição equivalente à do art. 121º, nº1, al.a), em discussão).
Em suma, tem o tribunal consciência de que alguma perturbação a paralisação da actividade pode acarretar à requerente. Provavelmente irá sofrer alguns aborrecimentos e incómodos e será afectada com alguns danos - e nisto tanto envolvemos o sector de venda de peixe e marisco, como o da atracação – mas eles não serão mais do que o efeito repercutido na esfera de um operador comercial privado das vantagens e utilidades que advêm para a generalidade das pessoas e para o interesse público relevante da execução da medida que está subjacente ao acto: o melhoramento do tráfego no local com o alargamento da via para uso exclusivo de autocarros entre as Portas do Cerco e a Barra. Mas, de qualquer maneira, tais incómodos, aborrecimentos e danos decorreriam inevitavelmente da caducidade da licença, a qual, por ser temporária, sempre carece sempre de uma iniciativa propulsiva com vista à sua renovação e de actos periódicos autorizativos da renovação.
E, em jeito de nota de rodapé, se a renovação tinha em mente a actividade por mais um ano, ou seja, durante o ano em curso de 2011, patente se torna que a aproximação do seu termo, pois estamos já em meados de Outubro, tornaria a utilidade da pretensão muitíssimo mais problemática.
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3- Se esta asserção não bastasse para a decisão (e basta, tal como dissemos, face à natureza cumulativa dos requisitos11), teríamos que avançar para o requisito da alínea b), do nº1 do art. 121º do CPAC, que obriga a que: “ A suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto” .
Mas, nem esse requisito está preenchido. Na verdade, mesmo que o primeiro tivesse passado o crivo da nossa apreciação, nem assim a providência poderia ser decretada, em virtude do resultado altamente positivo para a fluidez do trânsito rodoviário entre Portas do Cerco e Barra, nomeadamente na zona da ...... em apreço. O aumento do tráfego rodoviário resultante do crescimento urbano e populacional de Macau obriga à criação de novos arruamentos e ao alargamento dos existentes, de modo a criar na população a sensação de um desenvolvimento sustentável, que não crie a ideia de que a economia se sobrepõe ao valor da vida e da saúde das pessoas no seu quotidiano. Neste sentido, a medida em causa parece ser de aplaudir, porque trará a todos uma melhor qualidade de vida, ainda que com algum sacrifício de interesses particulares, como se admite ser o caso da requerente.
Verdade que o alargamento da rua na zona em causa não será para execução imediata; e nessa circunstância a urgência não é premente. Mas, como se alcança dos autos, se o funcionamento deste troço naqueles moldes se aponta para 2014 – altura em que se prevê a conclusão da 1ª fase do metro ligeiro – e se o estudo para a execução do corredor exclusivo para autocarros foi já entregue a uma equipa de engenharia (fls. 41 dos autos), já se intui que o tempo começa a fazer-se escasso para tudo ser devidamente projectado, executado e concluído. É preciso ver que estamos perante uma obra pública de envergadura.
E isto serve para concluir, afinal, que também o requisito da alínea b) não se acha demonstrado.
Quanto ao resto, a requerente traz ao processo uma série de argumentos que não se prendem com o mérito da providência, mas com o do processo principal, pelo que não se cura aqui de os apreciar.
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E assim sendo, mesmo dando de barato a aparente inexistência de fortes indícios de ilegalidade do recurso (cfr. art. 121º, nº1, al. c), do CPAC), a verdade é que a ausência dos dois requisitos analisados torna inviável a procedência da pretensão, o que se decidirá já de seguida.
***
IV- Decidindo
Nos termos expostos, acordam em indeferir a providência, não se concedendo a pretendida suspensão de eficácia.
Custas pela requerente.
TSI, 20 / 10 / 2011
Presente (Relator) Vítor Manuel Carvalho Coelho José Cândido de Pinho
(Segundo Juiz-Adjunto) Choi Mou Pan
(Primeiro Juiz-Adjunto) Lai Kin Hong (com declaração de voto)
Processo nº 569/2011
Declaração de voto de vencido

Vencido por razões expostas na declaração de voto de vencido, que juntei ao Acórdão datado de 29SET2011, tirado no processo nº 570/2011, que dou aqui por integralmente reproduzidas.

RAEM, 20OUT2011

O juiz adjunto


Lai Kin Hong

1 Sobre o acto negativo e sua implicação no quadro do meio provisório da suspensão de eficácia, v. CLAUDIO RAMOS MONTEIRO, in Suspensão de eficácia de actos administrativos de conteúdo negativo, pag. 125 e sgs.

2 Aconteceu com o DL n. 134/98, de 15/05, mais tarde com a Lei 15/2002, de 22/02, Lei 4-A/2003, de 19/03 e com o art. 132º do CPTA, aprovada pela Lei n. 1/2002, de 22/02.

3 Cfr. Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, vol. II, Almedina, Coimbra, 2001, p. 279; Maria Fernanda Macãs, in Cadernos de Justiça Administrativa, nº2, 13 e 16, José Carlos Vieira de Andrade, in A Justiça administrativa, pag. 143; M. Esteves de Oliveira e outros, in Código de Procedimento Administrativo, 2ª ed., pag. 716/717; Sérvulo Correia in, “Noções de Direito Administrativo”, Vol. I, pág. 527; Ac. do TSI de 13/10/2005, Proc. n. 238/2005-A.

4 Caso em que, bastando a ausência de algum deles, a providência já não poderá ser decretada. Neste sentido, v.g. Acs. do TUI de 2/06/2010, Proc. n. 13/2010 ou de 13/05/2009, Proc. n. 2/2009.
5 Neste sentido, por exemplo, ver o Ac. do TUI de 14/05/2010, Proc. n.15/2010.
6 Ac. do TUI de 13/05/2009, Proc. n. 2/2009.
7 O Ac. do TUI de 25/04/2001, Proc. nº 6/2001, não nega a existência de uma certa corrente que admite que são de difícil reparação os danos que resultam de cessação de actividade industrial, comercial de ou de profissão liberal. Trata-se de uma corrente que muitas vezes se tem que abraçar, enquanto noutras se tem que rechaçar, tudo dependendo da casuística da situação e dos factos que forem alegados a respeito dela.
8 Maria Fernanda Maçãs, A suspensão de eficácia dos actos administrativos e a garantia constitucional da tutela jurisdicional efectiva, Coimbra Editora, 1996, pag. 165.
9 Ver Acs. do TUI, de 25/04/2001, Proc. nº 6/2001; STA, de 9/06/2005, Proc. nº 0412/05; 1/02/2007, Proc. nº 27/2007; 14/07/2008, Proc. nº 0381/08; Ac. de 28/01/2009, Proc. nº 01030/08; de 2/04/2009, Proc. nº 0168/09, entre outros. Ver ainda Cadernos de Justiça Administrativa, nº 16, pag. 58.






10 A. do STA de 18/08/1999, Proc. nº 45271A.
11 Acórdãos já citados supra e ainda do TSI de 10/03/2011, Proc. nº 41/2011/A.
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