打印全文
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

I – Relatório
A interpôs recurso contencioso de anulação do despacho do Secretário para a Segurança, de 12 de Agosto de 2003, que manteve, em recurso hierárquico, o despacho do Comandante Substituto da Polícia de Segurança Púbica (PSP), que o expulsou de Macau e interditou a sua entrada na Região Administrativa Especial de Macau (RAEM) pelo período de 2 anos.
Por acórdão de 24 de Fevereiro de 2005, do Tribunal de Segunda Instância, (TSI) foi negado provimento ao recurso.
Inconformado interpõe o A o presente recurso jurisdicional, terminando a respectiva alegação com a formulação das seguintes conclusões:
1. Nos termos do despacho de interdição que a entidade recorrida manteve em seu despacho que ora se impugna, entende esta última que o ora recorrente não possui documento legalmente exigido para poder permanecer em Macau, e, daí, logo, a sua situação de clandestinidade.
2. Não obstante, essa não é a situação fáctica do ora recorrente. Na altura da sua intercepção por agentes policiais, o ora recorrente possuía e exibiu o seu passaporte.
3. A situação fáctica do ora recorrente é distinta da situação hipotética de determinado indivíduo não possui qualquer documento legalmente exigido e encontrar-se em Macau.
4. No âmbito do procedimento administrativo sancionatório que culminou com a prolação do acto administrativo de interdição de entrada em Macau pelo período de 2 anos e mantido por despacho de que ora se impugna, não foi dado ao recorrente a faculdade de explicitar ou justificar a situação incorrida, o que consubstancia a ausência e desrespeito devido ao direito de audiência prévia ao interessado e do princípio da participação dos interessados, previstos nos artigos 93.º e 10.º CPA.
5. A situação fáctica do ora recorrente distinta da prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 1.º da Lei N.º 2/90/M, de 3 de Maio, invocada pelo despacho sancionatório a título de fundamento legal e colhido pela entidade recorrida. Houve, assim, violação da lei, da norma em causa.
6. A interdição de reentrada ao recorrente pelo período de 2 anos peca por severidade em demasia. Pois, considerando ser o ora recorrente primário, a ausência de qualquer prejuízo concreto causado à RAEM, e considerando, ainda, a necessidade de melhor esclarecer os contornos da sua conduta, a exigir-se a aplicação preventiva da medida de proibição de reentrada, essa nunca devia ter uma duração superior a um ano.
7. O despacho recorrido violou, assim, o princípio da proporcionalidade consagrado no artigo 5.º Código de Procedimento Administrativo em vigor.
O Exm.º Procurador-Adjunto emitiu o seguinte parecer:
Acompanhamos as judiciosas explanações constantes do parecer do nosso Exm.º Colega junto do Tribunal de Segunda Instância.
E nada temos, de facto, a acrescentar-lhes.
As mesmas, de resto, estão em sintonia com as esclarecidas considerações vertidas no douto acórdão recorrido.
Tendo o recorrente apenas na sua posse um passaporte que não foi utilizado, tem de considerar-se que não detinha os documentos legalmente exigidos para entrar na R.A.E.M..
Não pode de deixar de concluir-se, por isso, que se encontrava na situação de clandestinidade.
E não estabelecendo a lei um prazo mínimo nem um prazo máximo para a interdição de reentrada, a fixação de um período de dois anos não é susceptível de pôr em causa o invocado princípio da proporcionalidade.
Deve, em conformidade, ser negado provimento ao recurso.

II – Os factos
O acórdão recorrido considerou assentes os seguintes factos (embora com outra sequência):
A) A, cidadão da República Popular da China, foi detido, em Macau, a 28 de Junho de 2003, por não possuir documento legalmente exigido para estar autorizado a permanecer ou residir na RAEM;
B) Organizado processo de expulsão, o Comandante substituto da PSP proferiu, em 30 de Junho de 2003 o seguinte despacho:
"ASSUNTO: Expulsão de Imigrante Ilegal
Ref. A
1. O cidadão da República Popular da China, de nome A, foi interceptado no dia 27 de Junho por elementos da Polícia Judiciária, e apresentou como documento de identificação o Salvo-Conduto n.º X XXXXXXXX, utilizando o nome B,
2. documento e identificação que já tinha utilizado quando passou para a RPC, dias antes a 22 de Junho;
3. Posteriormente, interceptado de novo por aquela polícia, apresentou o passaporte n.º X XXXXXXXX, sem estar acompanhado dos respectivos carimbos ou talões de embarque que demonstrassem a sua situação na Região e a regularidade da sua saída da RPC,
4. pelo que não tendo assim documento legalmente exigido para poder permanecer em Macau, resulta a sua situação em clandestinidade;
5. Assim, por força das funções especificas da PSP, e das atribuições constantes no Regulamento Administrativo n.º 22/2001, de 22 de Outubro, sempre que hajam elementos probatórios que determinado indivíduo se enquadra na tipologia da alínea b), do n.º 1, do artigo 1.º, da Lei n.º 2/90/M, de 3 de Maio, como é o presente caso, fundamentam a sua expulsão, o que determino, e que deve ser executada nos termos do mesmo diploma - artigo 4.º pelo órgão competente, de acordo com o Despacho n.º 62/CPSP/2001, de 12 de Maio, ficando interdito de reentrar em Macau pelo prazo de 2 (dois) anos.
CPSP, 30 de Junho de 2003
O Comandante Subst.,
Lei Siu Peng
Superintendente";
C) O referido A veio recorrer do despacho referido na alínea B) para o Secretário para a Segurança;
D) Sobre o requerimento de interposição de recurso foi emitida a seguinte informação:
"Assunto: Recurso Hierárquico
Acto Impugnado: Despacho do Comandante Substituto da PSP, de 30 de Junho, referente à expulsão de A para a RPC.
Recorrente: A
Enquadramento legislativo: Informação elaborada nos termos do artigo 159.º, do CPA.
O cidadão de nacionalidade chinesa A, vem recorrer da decisão de expulsão, e a consequente interdição de entrada na RAEM, pelo período de 2 anos, que lhe foi imposta através do despacho de 30 de Junho, de 2003, expondo em síntese as seguintes razões:
- Que não é verdade que o recorrente não possuía documento legalmente exigido para permanecer em Macau e, portanto, não estava em situação de clandestinidade, pois tinha na sua posse o Passaporte n.º X XXXXXXXX, documento de viagem genuíno e válido;
- Que não foi dada ao recorrente a faculdade de se explicitar o que afigura o desrespeito ao direito de audiência prévia ao interessado previsto no CPA;
- E portanto, a situação fáctica é distinta da prevista na alínea b), do n.º 1, do artigo 1.º da Lei n.° 2/90/M, de 3 de Maio;
- E que, mesmo admitindo que a norma legal invocada é correcta, a interdição de reentrada por 2 anos, peca por severidade em demasia e, por isso, violou o princípio da proporcionalidade em vigor no CPA;
- Acabando por pedir,
- a suspensão da eficácia do acto durante a pendência do processo porque não vislumbra grave e irreparável dano para o interesse público, e
- que seja dado provimento ao recurso ou, alternativamente, que seja reduzido o prazo de interdição para 1 ano.
*
Vejamos se o recorrente tem razão e em que medida.
FACTOS
1. O recorrente foi interceptado por agentes da PJ, no dia 27 de Junho passado, e identificou-se como sendo B, tendo apresentado o Salvo-Conduto n.° X XXXXXXXX,
2. documento e identificação que utilizou, quando dias antes a 22 de Junho passara para a RPC;
3. Dias depois o recorrente voltou a ser interceptado pela PJ, e exibiu o Passaporte n.º X XXXXXXXX,
4. que não estava acompanhado dos devidos carimbos ou talões de embarque que demonstrassem a regularidade da sua situação na RAEM e a sua saída da RPC;
5. Desse uso da dualidade de identificações e respectivos documentos que as suportam, segundo impulso da PJ, corre junto das autoridades judiciais as competentes investigações e eventual prossecução criminal;
TERMOS DO DESPACHO RECORRIDO
6. Porém, sendo o fundamento da decisão o disposto na Lei n.° 2/90/M, de 3 de Maio, vejamos porque a situação do recorrente infringe as regras do diploma, e se a reacção administrativa igualmente nele se enquadra;
7. Retira-se do despacho, que o recorrente quando entrou em Macau utilizou o documento anteriormente referido, (cujos contornos criminais estão á ser investigados e apurados, mas não foram o pressuposto da decisão),
8. e quando foi interceptado pela segunda vez pela Polícia Judiciária, apresentou o Passaporte n.º X XXXXXXXX, com a identificação A;
9. Identificação e documentos esses, que o recorrente afirma na sua petição serem os correspondentes à sua pessoa e que são válidos e genuínos;
10. Ora, o órgão recorrido tomou justamente a decisão em relação a esse documento, Passaporte n.° X XXXXXXXX, donde se verifica, então, o seguinte:
11. O titular não utilizou o referido documento e a sua correcta identificação para processar a sua entrada na RAEM;
12. Não existe por isso, nenhum registo da sua entrada nem nenhum duplicado de qualquer talão que comprove a passagem;
13. Nem o recorrente possui, no caso de utilização deste documento de viagem, garantia de entrada em terceiro país, pois os nacionais da RPC, titulares de passaporte e que o utilizem, passam na RAEM simplesmente em trânsito para terceiro país, pois nos outros casos, terão de ser possuidores de salvo-conduto apropriado,
14. pelo que, além de não ter entrado oficial e qualificadamente pelos postos fronteiriços da RAEM (com o referido documento), encontra-se em situação de clandestinidade também, por não ter documento legalmente exigível para a sua permanência em Macau, sendo que documento, aqui, se refere igualmente aos vistos, autorizações específicas (casos de salvos-condutos, visas, talões de embarque, etc.), que acompanham os documentos de viagem e demonstram a regularização da estadia;
15. E, se é assim, o diploma legal em que se enquadrou a decisão estabelece que: a) os indivíduos em situação de clandestinidade devem ser expulsos da Região, sem prejuízo da responsabilidade criminal em que incorram; b) que qualquer indivíduo que seja encontrado em situação de clandestinidade deve ser detido por qualquer agente de autoridade e entregue à PSP; c) que a PSP, elaborará o respectivo processo e apresentará para decisão; d) que compete ao Chefe do Executivo (ou ao órgão delegado) a expulsão dos indivíduos em situação de clandestinidade; e) que a ordem de expulsão deve indicar o prazo para a sua execução, o período durante o qual o indivíduo fica interditado de reentrar na Região e o seu local de destino, e f) compete à PSP executar a ordem de expulsão (artigos 1.º a 4.º, da Lei n.º 2/90/M).
16. Assim, individualizada a violação ao diploma da Imigração Clandestina (Lei n.º 2/90/M), e tomadas as medidas estabelecidas na lei, que são por isso as necessárias e proporcionais, a qual, por não padecer de nenhum vício que possa levar à sua anulação, deve ser negado provimento ao presente recurso, mantendo-se integralmente o acto recorrido.
Por outro lado, por o órgão recorrido considerar que a não continuidade da execução do acto causa grave prejuízo ao interesse público, não é concedida a suspensão da sua eficácia.
CPSP, aos 5 de Agosto de 2003
O Comandante Subst.,
Assin..."
E) Em 12 de Agosto de 2003, o Secretário para a Segurança proferiu o seguinte despacho:
"Concordo com a análise e conclusões constantes da informação de fls. produzida pelo Cmdt. substituto do CPSP, que aqui dou por reproduzida.
Acresce àquela análise que a não inclusão da factualidade do caso "sub judice" na previsão do artigo 93.º do CPA, se deve ao facto de medida administrativa em causa configurar um acto de natureza policial/secuitária, cujos fins (preservação da segurança pública) desaconselham e explicam o desenquadramento da mesma norma, pelo não há, assim, lugar à audiência prévia do interessado.
Porquanto, por considerar que o acto do Cmdt. substituto do CPSP que interditou a entrada de A pelo período de 2 anos, não padece de qualquer vício, decido mantê-lo integralmente, negando provimento ao presente recurso.
Notifique.
Gabinete do Secretario para Segurança da Região Administrativa Especial de Macau, aos 12 de Agosto de 2003.
O Secretário para Segurança
Cheong Kuoc Vá. "
Este é o acto recorrido.

III – O Direito

1. As questões a apreciar
São duas as questões a resolver:
A primeira, a de saber se o acto contenciosamente recorrido violou disposto na alínea b) do n.º 1 do art. 1.º da Lei n.º 2/90/M, de 3 de Maio, ao considerar que o recorrente estava em Macau na situação de clandestinidade.
A segunda, a de saber se foi violado o princípio da proporcionalidade ao interditar o recorrente de entrar em Macau durante dois anos.
Não será apreciada uma questão constante das alegações do recorrente (certamente por lapso), que já foi apreciada por este Tribunal no Acórdão de 10 de Novembro de 2004, proferido nos presentes autos, e que fez caso julgado material (sobre a desnecessidade de audiência prévia do interessado no procedimento administrativo).

2. Os termos da controvérsia
O recorrente foi expulso e interdito de entrar em Macau durante dois anos por se ter entendido que, aquando da sua expulsão, estava em Macau em situação de clandestinidade. É que tendo na sua posse um passaporte, não entrou com ele pelos postos de migração oficialmente qualificados, já que o passaporte não tinha o carimbo de entrada e não estava acompanhado do talão de embarque, desconhecendo as autoridades se entrou em Macau fora destes postos ou se o fez utilizando um outro documento.
Entendeu o acto recorrido que o recorrente estava em situação de clandestinidade, por não ser titular de documento legalmente exigido, uma vez que o passaporte detido carecia do carimbo de entrada e não estava acompanhado do talão de embarque, o que o tornaria num documento não válido.
O recorrente entende que, detendo um documento que o habilita a entrar em Macau, não se encontrava em situação de clandestinidade.
O recorrente veio alegar, no recurso contencioso, que foi desrespeitado o seu direito de audiência prévia no procedimento administrativo de expulsão, não lhe tendo sido dada oportunidade de explicitar a situação ocorrida.
Mas, curiosamente, no recurso contencioso e no presente recurso jurisdicional, o recorrente nunca explicitou a sua situação. Ou seja, o recorrente tendo tido oportunidade, nunca explicou como é que entrou em Macau, sendo certo que não o fez com o passaporte que exibia, pois este não tinha o carimbo de entrada e não estava acompanhado do talão de embarque.
Vejamos, então, se o acto recorrido violou a lei.

3. A proibição de entrada na RAEM de não-residentes, com fundamento na alínea b) do n.º 2 do art. 14.º do Decreto-Lei n.º 55/95/M e a expulsão de imigrantes clandestinos, com a consequente fixação de período de interdição de reentrada em Macau, regulada na Lei n.º 2/90/M.
No acórdão de 10 de Novembro de 2004, no Processo n.º 39/2004, proferido em anterior recurso jurisdicional, respeitante ao recurso contencioso dos autos, tivemos oportunidade de descrever o processo de expulsão dos indivíduos em situação de clandestinidade.
Aí se disse o seguinte:
“A Lei n.º 2/90/M, alterada pelos Decretos-Lei n. os 39/92/M, de 20 de Julho e 11//96/M, de 12 de Fevereiro e pela Lei n.º 8/97/M, de 4 de Agosto, veio regular várias situações relacionadas com a imigração clandestina.
O art. 1.º da Lei n.º 2/90/M estabelece quem é considerado em situação de clandestinidade em Macau:
1 “Artigo 1.º
(Clandestinidade)
1. Os indivíduos que não estejam autorizados a permanecer ou residir no território de Macau, são considerados em situação de clandestinidade, quando nele tenham entrado em qualquer das seguintes circunstâncias:
a) Fora dos postos de migração oficialmente qualificados;
b) Sem serem titulares de qualquer dos documentos legalmente exigidos;
c) Durante o período de interdição determinado na ordem de expulsão prevista na presente lei.
2. Consideram-se ainda em situação de clandestinidade os indivíduos que permaneçam no Território para além dos prazos legalmente estabelecidos”.

O art. 2.º determina a expulsão da Região dos indivíduos em situação de clandestinidade:
2 “Artigo 2.º
(Expulsão)
Os indivíduos em situação de clandestinidade devem ser expulsos do Território, sem prejuízo da responsabilidade criminal em que incorram e das demais sanções previstas na lei”.

O art. 3.º prevê a detenção dos clandestinos e a elaboração do processo de expulsão:

3 “Artigo 3.º
(Detenção e proposta de expulsão)
1. Os indivíduos que sejam encontrados em situação de clandestinidade devem ser detidos por qualquer agente de autoridade e entregues à Policia de Segurança Pública.
2. A Polícia de Segurança Pública elaborará o processo de expulsão e a respectiva proposta, que apresentará a decisão do Governador, no prazo de quarenta e oito horas contado a partir do momento da detenção”.

O art. 4.º prevê a competência para a ordem de expulsão dos clandestinos e para a sua execução, sendo que o n.º 2 especifica o conteúdo da ordem de expulsão:

4 “Artigo 4.º
(Ordem de expulsão)
1. Compete ao Governador ordenar a expulsão dos indivíduos em situação de clandestinidade.
2. A ordem de expulsão deve indicar o prazo para a sua execução, o período durante o qual o indivíduo fica interditado de reentrar no Território e o seu local de destino.
3. Na fixação dos prazos previstos no número anterior devem ser considerados os prazos de procedimento processual, designadamente para os efeitos do artigo 2.º da Lei n.º 8/97/M , de 4 de Agosto.
4. Compete à Polícia de Segurança Pública executar a ordem de expulsão.”

Entretanto, entrou em vigor a Lei n.º 6/2004, de 2 de Agosto, lei que regula a imigração ilegal e a expulsão de não-residentes, que revogou expressamente, no seu art. 29.º, a Lei n.º 2/90/M. Mas aquele diploma legal não se aplica ao caso dos autos.

4. O caso dos autos
Entendeu o acto recorrido que o recorrente estava em situação de clandestinidade, por não ser titular de documento legalmente exigido, uma vez que o passaporte detido carecia do carimbo de entrada e não estava acompanhado do talão de embarque, o que o tornaria num documento não válido.
Afigura-se-nos que decidiu bem. O recorrente não utilizou o passaporte em causa para entrar na Região Administrativa Especial de Macau. Do passaporte não constava o carimbo de saída do Interior da República Popular da China. Não exibiu nem era detentor de qualquer outro documento que pudesse ter utilizado para entrar em Macau ou que o habilitasse a permanecer em Macau. Logo, não era titular de documento legalmente exigido para entrar e permanecer em Macau, o que o colocava na situação de clandestinidade.
Não foi, pois, violado o disposto na alínea b) do n.º 1 do art. 1.º da Lei n.º 2/90/M.

5. Princípio da proporcionalidade
A lei determina a expulsão da Região dos indivíduos em situação de clandestinidade, devendo a ordem de expulsão indicar o período durante o qual o indivíduo fica interditado de reentrar na Região. A lei não estabelece período mínimo ou máximo para este período de interdição de reentrada em Macau.
Tem de entender-se que o período em causa se encontra na discricionariedade da Administração.
Ora, a propósito da intervenção dos tribunais na fiscalização da Administração, no que concerne à violação do princípio da proporcionalidade, este Tribunal, no Acórdão de 15 de Outubro de 2003, no Processo n.º 26/2003, teve ocasião de dizer o seguinte:
“DAVID DUARTE5, referindo-se à proporcionalidade em sentido estrito, «que engloba a técnica do erro manifesto de apreciação, técnica jurisdicional francesa que compreende, em termos avaliativos, para além do erro na qualificação dos factos, a utilização de um critério decisório proporcional que se revela numa decisão desequilibrada entre o contexto e a finalidade. O erro manifesto de apreciação, na vertente de controlo da adequação da decisão aos factos…é, como meio de controlo do conteúdo da decisão, um dos degraus mais elevados da intervenção do juiz na discricionariedade administrativa. E, por isso, só é utilizável na medida da evidência comum da desproporção6» (o sublinhado é nosso).
Nas mesmas águas navega MARIA DA GLÓRIA F. P. DIAS GARCIA7 defendendo que«em face da fluidez dos princípios (da proporcionalidade, da igualdade, da justiça), só são justiciáveis as decisões que, de um modo intolerável, os violem8» (o sublinhado é nosso).
O novo CPAC, no seu art. 21.º, n.º 1, alínea d), ... a respeito dos fundamentos do recurso contencioso refere-se ao «erro manifesto ou a total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários»”.
Pois bem, a fixação de um período de dois anos de interdição de reentrada em Macau, no caso dos autos, não revela qualquer erro manifesto nem desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários. Tanto basta para que improceda o referido fundamento.

IV - Decisão
Face ao expendido, negam provimento ao recurso jurisdicional.
Custas pelo recorrente, fixando a taxa de justiça em 4 UC.
Macau, 6 de Julho de 2005.

Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) - Sam Hou Fai - Chu Kin
   
Fui presente:
Song Man Lei
1 Redacção original.
2 Redacção original.
3 Redacção original.
4 Os n. os 1 e 2 têm a redacção original. O n.º 3 foi introduzido pela Lei n.º 8/97/M, que passou o n.º 3 da redacção original a n.º 4.
5 DAVID DUARTE, ob. cit.(Procedimentalização, Participação e Fundamentação: Para uma Concretização do Princípio da Imparcialidade Administrativa como Parâmetro Decisório, Livraria Almedina, Coimbra, 1996), p. 323.
6 O mesmo autor, ob. cit., p. 323, nota 205, a propósito da questão de saber qual a medida da desproporcionalidade que uma decisão deve ter para poder ser controlada pelo tribunal, cita uma decisão judicial britânica de 1945 (Associated Provincial Picture House Ltd. v. Wednesbury Corporation), que criou um standard aplicável à medida da intervenção judicial, estabelecendo que “if an authority`s decision was so unreasonable that no reasonable authority could ever have como to it, then the courts can interfere”.
7 Ob. cit.(Da Justiça Administrativa em Portugal, Sua Origem e Evolução, Lisboa, 1994), p. 642.
8 No mesmo sentido, M. ESTEVES DE OLIVEIRA, ob. cit (Direito Administrativo, vol. I, 1980, Livraria Almedina, Lisboa) p. 256 e 257 e J.C. VIEIRA DE ANDRADE, O Dever da Fundamentação Expressa de Actos Administrativos, Livraria Almedina, Coimbra, 1991, p. 137.
---------------

------------------------------------------------------------

---------------

------------------------------------------------------------




22
Processo n.º 14/2005